29 maio 2004

Estórias com mural ao fundo - XXVI: Pior do que a dentadura do proletariado, só a ditadura da linha

Querido Diário, vou começar hoje a fazer dieta. Sabes, preciso de perder dez quilos até à saison. Não posso aaprecer em Albufeira assim. Levo logo tampa dos gaijos. Mas ss minhas amigas de Lisboa dizem-me: a linha, a dieta, a saúde, que horror, agora apanhaste a doença da saúde!



A culpa é do meu médico que diz que tem que ser. E o que tem que ser tem muita força, diz o meu gaijo. Não vai ser fácil, avisa o doutor. Querida, vai precisar de ter muita força de vontade, diz-me o cota. Que a carne é fraca, minha jóia. É simpático, mas não deixa de ser um chato. É médico e basta. Ainda por cima, cota. Porra, mas por que é que a realidade nunca rima com o prazer ?



Querido diário, desculpa-me os palavrões. Escapam-se-me, às vezes. Tou a aprender com a Margarida Rebelo Pinto. Ela é o máximo. Quem me dera escrever como ela. E sobretudo comer os gaijos que ela já comeu!... Além disso, faz o favor de ser minha amiga. Se calhar é pretensão minha, mas tenho todos os seus livros autografados. "À minha amiga e admiradora

Manecas". Foi com ela que tive a ideia de escrever um diário. Ela diz que falar para o boneco faz bem às mulheres que querem perder peso. E é melhor do que andar no pixicólogo!



Não é coisa que me chateie, essa de escrever. Vou passar a falar com contigo, meu querido diário. Prometo não te maçar muito. Sinto-me excitada como uma catraia. É como voltar à adolescência. Nessa altura também tinha um diário. Recordo-me ainda: o papel era cor de rosa, tinha uma capa com florinhas e uma fitinha para marcar as páginas. Ao alto, na capa, podia ler-se: "O meu querido diário". Em baixo o meu nome (de guerra): Manecas.



Vou conseguir. Vou matar de inveja as minhas amigas. Vou voltar a vestir aquele maldito vestido preto que usei na noite em que me apaixonei perdidamente. Já não me lembro do nome do filho da puta com quem fui para a cama. No baile dos finalistas do liceu. Mas apaixonei-me. Era menina e moça. E usava um vestido preto a matar. Elegantérrima. Trinta anos depois, tou uma vaca, um saco de batatas. E trabalho num escritório de advogados. Gente fina. E sou fã da Margarida Rebelo Pinto. E espero que este seja o primeiro dia do resto da minha nova vida. E prometo arranjar outro gaijo que não seja careca e teso como o meu. Juro que nada será como dantes.



Mais difícil vai ser deixar de fumar. Mas isso é outro desafio: fica para a próxima. Não sou tão radical assim que consiga cortar, de uma só vez, com todos os prazeres da vida. Como fez a Quicas! Por isso é que Tá toda chupadinha, tadinha! Arranjou uma anorexia, imagina!



1º dia (de dieta)



Um iogurte magro. Um copo de diet shake. Acordei bem disposta. Estaria 100%, se não fosse a maldita enxaqueca da manhã. Já me habituei. À enxaqueca. Problema da idade e da mulher, diz o sacana do meu médico. Dizem que os safados dos gaijos nunca têm enxaquecas.



2º dia



Uma salada de alface. Uma torrada de pão integral. Um iogurte magríssimo. Tudo bem ou quase. Uma aspirina para a enxaqueca matinal. Noto que estou a fumar mais do que o habitual.



3º dia



Uma noite de desassossego. O meu pobre estômago dá sinais ao fim de 72 horas de greve de fome. Era de prever, sua estúpida. Fui à cozinha. Beber uma litrada de chá de ervas medicinais da Amazónia. Mas quem te mandou a ti tomar chá de camomila ?! Coisas do teu Júlio que é natural das berças.



4º dia



Comecei a odiar as saladas. O verde da salada. Até o Sporting que é o clube da família. Tou a odiar o verde. A erva. A relva. A alface. A couve. Sinto-me uma vaca ruminante. A minha colega de escritório comeu uma piza daquelas que eu gosto: com muito atum, azeitonas e orégãos. A vacalhona comeu tudo sozinha. E no fim, ainda por cima, lambeu os dedos. A gozar comigo!, imagina, meu querido diário. A gozar com os meus batidos e as minhas saladas. Que me custam os olhos da cara.



5º dia



Tive uma ataque de histeria. Pus a menina das pizas a chorar. Ainda é mais histérica do que eu. Saí à hora do almoço. Fui ver monstras, laurear a pevide, passear pelas lojas do shopping cá da rua. Comprei uma revista com a Marisa Cruz na capa. A namoradinha de Portugal. Tenho ciúmes da gaija. Diz que se está nas tintas para a dieta. Olha a sortuda, come o que quer (e quem quer) e não engorda!



6º dia



Esta noite sonhei com ovos moles, pudim do Abade de Priscos, papéis de Belém e outras merdas deliciosas que me fazem mal. Que ninguém me diga nada. Fumei um maço e meio!



7º dia



Fui ao médico. Emagreci meio quilo. O cabrão ainda me puxou as orelhas. Mas que amigo da onça! Andei toda a semana a comer erva e a tomar batidos, e o gajo a avacalhar-me ainda mais. A enterrar-me na merda. Que nas mulheres da minha idade, tás a ver, a coisa demora mais tempo. É preciso tempo e paciência, minha coisa fofa.



Tive uma ataque de choro. O filho da puta chamou-me gorda e cota. Ainda não cheguei aos cinquenta, imagina! Só faltou chamar-me vaca e feia com todas as letras. Pois que fique sabendo que estou aqui para as curvas. E ele já dobrou o meio século. Até podia ser meu pai. Vou mas é comprar-lhe uns patins. Mas quem me mandou a mim ir na conversa na Quicas! Foi ela que mo impingiu.



8º dia



A minha colega de escritório e o meu chefe olharam para mim com um ar esquisito. De estranheza e, ao mesmo tempo, de distância. Será que tenho lepra ? Tou assim tão horrível ?!



9º dia



Não fui trabalhar hoje. Acordei às 4 da manhã a delirar. Se bem me lembro, sonhei com frango assado e batatas fritas. Telefonei à Quicas. De aflição. Em estardo febril. Ela já passou por estes trabalhos. Mas vale ficar de balão e parir um filho. Como diz o ditado, "incha, desincha e passa". Leva é nove meses!



Aonde fui busacar essa do frango ? Já sei, é dos odores locais: na rua onde moro ainda há um tasco que faz frango de churrasco com carvão ao natural. E muito piri-piri. Faz-me lembrar os meus tempos de África. Quando fui atrás do meu alferes miliciano, em 1973. Ai os bons tempos da ilha de Luanda.



10º dia.



Odeio as capas de revista. As Marisas, as Sofias, os corpinhos Danone! És mas é uma invejosa, Manecas!





11º dia



Imagina como eu ando, toda histérica! Dei um pontapé no cão da vizinha. Desculpa, meu querido diário. Gritei com a mulher da limpeza. Despedi o meu chulo. Também nunca mais acabava o curso de direito! Hoje fumei dois maços de cigarros. Não ganho para o tabaco, os batidos e as ervas!



12º dia



Sopa. De couves. Que horror ! Nunca gostei sopa de couves: só me lembro de ver, no colégio das freiras, os caracóis e as lesmas a tentar fugir, com a panela a ferver e a espumar! Uma coisa pornográfica.



13º dia



Dia de purga, dia de amargura. O meu médico desespera. A vaca que há em mim não se quer ir embora. O caso é de outro domínio. Manda-me para o pixicólogo! Doida varrida, só me faltava esta! Que sem a ajuda do pixicólogo, a coisa é mais difícil. É um gaijo novo, imberbe, que trabalha com ele. Deve ser afilhado.



14º dia



Andei toda a hora do almoço a rondar o restaurante da Portugália. Que fica perto do meu escritório. Encontrei o Frango que me apresentou uns amigos brasileiros que trabalham, com ele, num restaurante de rodízio: uma deles chamava-se Picanha. Fez-me lembrar as últimas férias que fiz em Fortaleza. E o meu namoradinho bem gostoso... Mas nessa época tinha cá um corpinho Danone que até podia usar fio dental! Só não usava porque eu, nesse tempo, era púdica (ou, antes, parva). À noite voltei a delirar: sonhei com o Picanha!



15º dia



Matei a Marisa Cruz. Fui de charola para a urgência psiquiátrica.



Moral da estória:



Terminei a minha dieta. Por contra-indicações médicas. Disseram que estou à beira de um ataque de nervos. Que o meu problema com a comida é psicossomático. Fui ao dicionário do Torrinha. Não encontrei o palavrão. Meu querido diário, desisto. Resisti até ao 15º dia.



Ao fim de meia dúzia de tentativas para emagrecer, este meu foi o meu record. Estou contente comigo. Pelo menos, fez-me bem à minha auto-estima que andava de rastos. Afinal tentei. Isto fez-me lembrar os meus tempos de chavala revolucionária em 1975. Do livrinho vermelho do MRPP, na faculdade de direito (só frequentei o primeiro ano). Ainda me lembro do grande educador da classe operária. E da palavra de ordem: “Ousar lutar, ousar vencer”. Eu vencer, não venci, mas lutar, lutei. 15 dias. Camaradas, desisto, não tenho fibra de revolucionária. Faço a minha autocrítica. Podem expulsar-me: confesso que sou uma pequeno-burguesa. Afinal, como o Zé Manel ou a Mizé. Confesso que não tenho arrependimento, e por isso não mereço perdão. Do povo, da classe operária, dos camponeses, dos soldados e dos marinheiros. Mas deixem dizer-vos, como última confidência, desta eis-eme-erre-pê-pê de terceira classe: pior que a dentadura do proletariado, só a ditadura da linha!

Estórias com mural ao fundo - XXVI: Pior do que a dentadura do proletariado, só a ditadura da linha

Querido Diário, vou começar hoje a fazer dieta. Sabes, preciso de perder dez quilos até à saison. Não posso aaprecer em Albufeira assim. Levo logo tampa dos gaijos. Mas ss minhas amigas de Lisboa dizem-me: a linha, a dieta, a saúde, que horror, agora apanhaste a doença da saúde!

A culpa é do meu médico que diz que tem que ser. E o que tem que ser tem muita força, diz o meu gaijo. Não vai ser fácil, avisa o doutor. Querida, vai precisar de ter muita força de vontade, diz-me o cota. Que a carne é fraca, minha jóia. É simpático, mas não deixa de ser um chato. É médico e basta. Ainda por cima, cota. Porra, mas por que é que a realidade nunca rima com o prazer ?

Querido diário, desculpa-me os palavrões. Escapam-se-me, às vezes. Tou a aprender com a Margarida Rebelo Pinto. Ela é o máximo. Quem me dera escrever como ela. E sobretudo comer os gaijos que ela já comeu!... Além disso, faz o favor de ser minha amiga. Se calhar é pretensão minha, mas tenho todos os seus livros autografados. "À minha amiga e admiradora
Manecas". Foi com ela que tive a ideia de escrever um diário. Ela diz que falar para o boneco faz bem às mulheres que querem perder peso. E é melhor do que andar no pixicólogo!

Não é coisa que me chateie, essa de escrever. Vou passar a falar com contigo, meu querido diário. Prometo não te maçar muito. Sinto-me excitada como uma catraia. É como voltar à adolescência. Nessa altura também tinha um diário. Recordo-me ainda: o papel era cor de rosa, tinha uma capa com florinhas e uma fitinha para marcar as páginas. Ao alto, na capa, podia ler-se: "O meu querido diário". Em baixo o meu nome (de guerra): Manecas.

Vou conseguir. Vou matar de inveja as minhas amigas. Vou voltar a vestir aquele maldito vestido preto que usei na noite em que me apaixonei perdidamente. Já não me lembro do nome do filho da puta com quem fui para a cama. No baile dos finalistas do liceu. Mas apaixonei-me. Era menina e moça. E usava um vestido preto a matar. Elegantérrima. Trinta anos depois, tou uma vaca, um saco de batatas. E trabalho num escritório de advogados. Gente fina. E sou fã da Margarida Rebelo Pinto. E espero que este seja o primeiro dia do resto da minha nova vida. E prometo arranjar outro gaijo que não seja careca e teso como o meu. Juro que nada será como dantes.

Mais difícil vai ser deixar de fumar. Mas isso é outro desafio: fica para a próxima. Não sou tão radical assim que consiga cortar, de uma só vez, com todos os prazeres da vida. Como fez a Quicas! Por isso é que Tá toda chupadinha, tadinha! Arranjou uma anorexia, imagina!

1º dia (de dieta)

Um iogurte magro. Um copo de diet shake. Acordei bem disposta. Estaria 100%, se não fosse a maldita enxaqueca da manhã. Já me habituei. À enxaqueca. Problema da idade e da mulher, diz o sacana do meu médico. Dizem que os safados dos gaijos nunca têm enxaquecas.

2º dia

Uma salada de alface. Uma torrada de pão integral. Um iogurte magríssimo. Tudo bem ou quase. Uma aspirina para a enxaqueca matinal. Noto que estou a fumar mais do que o habitual.

3º dia

Uma noite de desassossego. O meu pobre estômago dá sinais ao fim de 72 horas de greve de fome. Era de prever, sua estúpida. Fui à cozinha. Beber uma litrada de chá de ervas medicinais da Amazónia. Mas quem te mandou a ti tomar chá de camomila ?! Coisas do teu Júlio que é natural das berças.

4º dia

Comecei a odiar as saladas. O verde da salada. Até o Sporting que é o clube da família. Tou a odiar o verde. A erva. A relva. A alface. A couve. Sinto-me uma vaca ruminante. A minha colega de escritório comeu uma piza daquelas que eu gosto: com muito atum, azeitonas e orégãos. A vacalhona comeu tudo sozinha. E no fim, ainda por cima, lambeu os dedos. A gozar comigo!, imagina, meu querido diário. A gozar com os meus batidos e as minhas saladas. Que me custam os olhos da cara.

5º dia

Tive uma ataque de histeria. Pus a menina das pizas a chorar. Ainda é mais histérica do que eu. Saí à hora do almoço. Fui ver monstras, laurear a pevide, passear pelas lojas do shopping cá da rua. Comprei uma revista com a Marisa Cruz na capa. A namoradinha de Portugal. Tenho ciúmes da gaija. Diz que se está nas tintas para a dieta. Olha a sortuda, come o que quer (e quem quer) e não engorda!

6º dia

Esta noite sonhei com ovos moles, pudim do Abade de Priscos, papéis de Belém e outras merdas deliciosas que me fazem mal. Que ninguém me diga nada. Fumei um maço e meio!

7º dia

Fui ao médico. Emagreci meio quilo. O cabrão ainda me puxou as orelhas. Mas que amigo da onça! Andei toda a semana a comer erva e a tomar batidos, e o gajo a avacalhar-me ainda mais. A enterrar-me na merda. Que nas mulheres da minha idade, tás a ver, a coisa demora mais tempo. É preciso tempo e paciência, minha coisa fofa.

Tive uma ataque de choro. O filho da puta chamou-me gorda e cota. Ainda não cheguei aos cinquenta, imagina! Só faltou chamar-me vaca e feia com todas as letras. Pois que fique sabendo que estou aqui para as curvas. E ele já dobrou o meio século. Até podia ser meu pai. Vou mas é comprar-lhe uns patins. Mas quem me mandou a mim ir na conversa na Quicas! Foi ela que mo impingiu.

8º dia

A minha colega de escritório e o meu chefe olharam para mim com um ar esquisito. De estranheza e, ao mesmo tempo, de distância. Será que tenho lepra ? Tou assim tão horrível ?!

9º dia

Não fui trabalhar hoje. Acordei às 4 da manhã a delirar. Se bem me lembro, sonhei com frango assado e batatas fritas. Telefonei à Quicas. De aflição. Em estardo febril. Ela já passou por estes trabalhos. Mas vale ficar de balão e parir um filho. Como diz o ditado, "incha, desincha e passa". Leva é nove meses!

Aonde fui busacar essa do frango ? Já sei, é dos odores locais: na rua onde moro ainda há um tasco que faz frango de churrasco com carvão ao natural. E muito piri-piri. Faz-me lembrar os meus tempos de África. Quando fui atrás do meu alferes miliciano, em 1973. Ai os bons tempos da ilha de Luanda.

10º dia.

Odeio as capas de revista. As Marisas, as Sofias, os corpinhos Danone! És mas é uma invejosa, Manecas!


11º dia

Imagina como eu ando, toda histérica! Dei um pontapé no cão da vizinha. Desculpa, meu querido diário. Gritei com a mulher da limpeza. Despedi o meu chulo. Também nunca mais acabava o curso de direito! Hoje fumei dois maços de cigarros. Não ganho para o tabaco, os batidos e as ervas!

12º dia

Sopa. De couves. Que horror ! Nunca gostei sopa de couves: só me lembro de ver, no colégio das freiras, os caracóis e as lesmas a tentar fugir, com a panela a ferver e a espumar! Uma coisa pornográfica.

13º dia

Dia de purga, dia de amargura. O meu médico desespera. A vaca que há em mim não se quer ir embora. O caso é de outro domínio. Manda-me para o pixicólogo! Doida varrida, só me faltava esta! Que sem a ajuda do pixicólogo, a coisa é mais difícil. É um gaijo novo, imberbe, que trabalha com ele. Deve ser afilhado.

14º dia

Andei toda a hora do almoço a rondar o restaurante da Portugália. Que fica perto do meu escritório. Encontrei o Frango que me apresentou uns amigos brasileiros que trabalham, com ele, num restaurante de rodízio: uma deles chamava-se Picanha. Fez-me lembrar as últimas férias que fiz em Fortaleza. E o meu namoradinho bem gostoso... Mas nessa época tinha cá um corpinho Danone que até podia usar fio dental! Só não usava porque eu, nesse tempo, era púdica (ou, antes, parva). À noite voltei a delirar: sonhei com o Picanha!

15º dia

Matei a Marisa Cruz. Fui de charola para a urgência psiquiátrica.

Moral da estória:

Terminei a minha dieta. Por contra-indicações médicas. Disseram que estou à beira de um ataque de nervos. Que o meu problema com a comida é psicossomático. Fui ao dicionário do Torrinha. Não encontrei o palavrão. Meu querido diário, desisto. Resisti até ao 15º dia.

Ao fim de meia dúzia de tentativas para emagrecer, este meu foi o meu record. Estou contente comigo. Pelo menos, fez-me bem à minha auto-estima que andava de rastos. Afinal tentei. Isto fez-me lembrar os meus tempos de chavala revolucionária em 1975. Do livrinho vermelho do MRPP, na faculdade de direito (só frequentei o primeiro ano). Ainda me lembro do grande educador da classe operária. E da palavra de ordem: “Ousar lutar, ousar vencer”. Eu vencer, não venci, mas lutar, lutei. 15 dias. Camaradas, desisto, não tenho fibra de revolucionária. Faço a minha autocrítica. Podem expulsar-me: confesso que sou uma pequeno-burguesa. Afinal, como o Zé Manel ou a Mizé. Confesso que não tenho arrependimento, e por isso não mereço perdão. Do povo, da classe operária, dos camponeses, dos soldados e dos marinheiros. Mas deixem dizer-vos, como última confidência, desta eis-eme-erre-pê-pê de terceira classe: pior que a dentadura do proletariado, só a ditadura da linha!

24 maio 2004

O tripaliu(m) que mata a gente - VI: O terrorismo e a cultura securitária

1. Os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 vieram dar outra visibilidade à violência como risco para os trabalhadores mas, ao mesmo tempo, reforçar a tendência para o desenvolvimento de uma cultura securitária nas nossas empresas e demais organizações. Eu diria: reforçar a tendência totalitária, que há nos grupos e sociedades humanas, quando são atacados por forças do exterior, para o fechamento sobre si mesmos, a mobilização das defesas, a padronização dos comportamentos e a militarização do indivíduo...



De facto, vistos pelo lado do local de trabalho, os ataques terroristas em Nova Iorque, Virgínia e Pensilvânia causaram a morte de 2886 trabalhadores! Tirando o Pentágono, nenhum dos outros alvos era um objectivo militar propriamente dito...



De facto,é bom não esquecê-lo! E América seguramente não vai esquecê-lo nem a Espanha onde os terroristas do 11 de Março de 2004 também não escolheram as vítimas em funçãod e critérios de classe, cor da pele, nacionalidade ou religião... A maioria das vítimas eram justamente gente da população trabalhadora!



Outros dirão que todos os dias morrem trabalhadores, nos seus locais de trabalho, vítimas quer de acidentes de trabalho quer de actos violentos, perpetrados por terceiros.



2. Uma cultura meramente securitária da empresa também tem os seus riscos, podendo levar por exemplo (i) à dissociação da saúde e segurança do trabalho, (ii) à externalização dos factores de risco no trabalho ou (iii) até inclusive à tentação totalitária de negar ou reduzir o direito dos trabalhadores e seus representantes à participação e à consulta.



A ameaça terrorista, sem deixar de real e concreta, não pode ser hipervalorizada, como acontece hoje na América e, em menor grau, na União Europeia. Como diz o Director do FBI, Robert Mueller, no prefácio a um relatório de 2002 sobre a violência no local de trabalho, “a violência foi posta num novo contexto naquele dia. Antes do 11 de Setembro, este tipo de violência era visto como sendo perpetrada por trabalhadores ou clientes descontentes e enfurecidos, ou como resultado de um processo de perseguição/violência doméstica que chegava até ao local de trabalho. A partir daquela data, os locais de trabalho na América têm de estar preparados não apenas para fazer face às formas de violência interna mais tradicionais como sobretudo ter em linha a ameaça externa de terrorismo” (Mueller, 2002.5).



3. A ameaça externa do terrorismo e a teoria da conspiração podem vir a transformar as empresaas e demais organizações onde trabalhamos em verdadeiros universos concentraccionários...

O tripaliu(m) que mata a gente - VI: O terrorismo e a cultura securitária

1. Os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 vieram dar outra visibilidade à violência como risco para os trabalhadores mas, ao mesmo tempo, reforçar a tendência para o desenvolvimento de uma cultura securitária nas nossas empresas e demais organizações. Eu diria: reforçar a tendência totalitária, que há nos grupos e sociedades humanas, quando são atacados por forças do exterior, para o fechamento sobre si mesmos, a mobilização das defesas, a padronização dos comportamentos e a militarização do indivíduo...

De facto, vistos pelo lado do local de trabalho, os ataques terroristas em Nova Iorque, Virgínia e Pensilvânia causaram a morte de 2886 trabalhadores! Tirando o Pentágono, nenhum dos outros alvos era um objectivo militar propriamente dito...

De facto,é bom não esquecê-lo! E América seguramente não vai esquecê-lo nem a Espanha onde os terroristas do 11 de Março de 2004 também não escolheram as vítimas em funçãod e critérios de classe, cor da pele, nacionalidade ou religião... A maioria das vítimas eram justamente gente da população trabalhadora!

Outros dirão que todos os dias morrem trabalhadores, nos seus locais de trabalho, vítimas quer de acidentes de trabalho quer de actos violentos, perpetrados por terceiros.

2. Uma cultura meramente securitária da empresa também tem os seus riscos, podendo levar por exemplo (i) à dissociação da saúde e segurança do trabalho, (ii) à externalização dos factores de risco no trabalho ou (iii) até inclusive à tentação totalitária de negar ou reduzir o direito dos trabalhadores e seus representantes à participação e à consulta.

A ameaça terrorista, sem deixar de real e concreta, não pode ser hipervalorizada, como acontece hoje na América e, em menor grau, na União Europeia. Como diz o Director do FBI, Robert Mueller, no prefácio a um relatório de 2002 sobre a violência no local de trabalho, “a violência foi posta num novo contexto naquele dia. Antes do 11 de Setembro, este tipo de violência era visto como sendo perpetrada por trabalhadores ou clientes descontentes e enfurecidos, ou como resultado de um processo de perseguição/violência doméstica que chegava até ao local de trabalho. A partir daquela data, os locais de trabalho na América têm de estar preparados não apenas para fazer face às formas de violência interna mais tradicionais como sobretudo ter em linha a ameaça externa de terrorismo” (Mueller, 2002.5).

3. A ameaça externa do terrorismo e a teoria da conspiração podem vir a transformar as empresaas e demais organizações onde trabalhamos em verdadeiros universos concentraccionários...