01 abril 2006

Guiné 63/74 - DCLXIX: Momentos altos do nosso ciberconvívio

1. O João Tunes acaba de nos proporcionar mais um momento bonito, tocante mesmo, do nosso convívio virtual à volta do nosso blogue... É para isso que servem, aliás, as tertúlias...

Não costumamos fazer gala ou espectáculo dos nossos encontros e desencontros, não fazemos show-off, não pomos a boca no trombone, cultivamos o low profile... Mas a verdade é que somos provavelmente o único sítio, na Net, em português, em que é possível fazer-se a reconstituição do puzzle da memória das vivências, comuns e pessoais, da guerra da Guiné (1963/74)...

A haver algum mérito no engrossar do rio das nossas memórias, ele não é de ninguém em particular, mas de todos nós, ex-combatentes e actuais amigos da Guiné-Bissau e do seu povo, que temos mostrado vontade e interesse em comunicar uns com os outros... Desta vez tirando partido de uma tecnologia que não existia em 1981, altura em que escrevi no defunto O Jornal mais ou menos o seguinte: "Nunca é tarde para exorcizar os nossos fantasmas (individuais e colectivos). Vinte anos passados sobre o início duma guerra que iria marcar toda uam geração, eis que O Jornal abre as suas colunas à(s) memnória(s) recalcada(s) dos soldados do último império colonial"...

2. Já tivemos aqui momentos altos, não de glória, mas de emoção, de estórias ou testemunhos marcados pelo sentido de compaixão, de simpatia, de amizade, de amor, de afecto, de camaradagem, de gratidão, de solidariedade, em suma, sentimentos dos mais nobres de que são capazes os homens e as mulheres da espécie Homo Sapiens Sapiens...

Por razões de imparcialidade que me compete respeitar, enquanto animador deste blogue, não vou dizer - embora me apetecesse - quais foram esses momentos que mais me tocaram, emocionaram, sensibilizaram ou até divertiram... Acrescento, todavia, que já foram umas largas dezenas, das quase sete centenas de textos, mensagens ou posts, aqui publicadas desde 25 de Abril de 2005...

A última mensagem é a que acabo de inserir, da autoria do João Tunes, reconstituindo aqui a estória singular do filho de um dos três majores assassinados no chão manjaco...

Quando o pai morreu, o miúdo tinha sete anos, era visita frequente do quartel de Teixeira Pinto, embora vivendo normalmente com as irmãs e a mãe em Bissau... Este homem, hoje com 42 anos, ele próprio militar de carreira durante dez anos e actualmente piloto da aviação comercial, tem com todo o mérito um lugar especial na nossa caserna, na nossa tertúlia, nas nossas memórias...

Eu, Luís Graça e os demais camaradas da Guiné, que fazem parte da nossa tertúlia, prestamos aqui uma comovida homenagem ao pai deste homem e ao nosso camarada, com a plena consciência de que o seu sacrifício - o supremo sacrifício da sua vida ! - não foi inútil e que ele, e os outros camaradas que morreram heroicamente com ele, serão sempre lembrados por nós e pelos nossos vindouros. Pelo menos, cabe-nos a nós, à nossa geração, cultivar a sua memória e o seu exemplo. Seria insuportável para nós (e para a família e os amigos mais íntimos dos malogrados oficiais portugueses mortos no chão manjaco em 1970) pensar que o sua morte tenha sido gratuita ou em vão...Não o foi, mesmo para aqueles como eu que não concordavam com a estratégia spinolista de contra-guerrilha...

(L.G.)

Guiné 63/74 - DCLXIX: Momentos altos do nosso ciberconvívio

1. O João Tunes acaba de nos proporcionar mais um momento bonito, tocante mesmo, do nosso convívio virtual à volta do nosso blogue... É para isso que servem, aliás, as tertúlias...

Não costumamos fazer gala ou espectáculo dos nossos encontros e desencontros, não fazemos show-off, não pomos a boca no trombone, cultivamos o low profile... Mas a verdade é que somos provavelmente o único sítio, na Net, em português, em que é possível fazer-se a reconstituição do puzzle da memória das vivências, comuns e pessoais, da guerra da Guiné (1963/74)...

A haver algum mérito no engrossar do rio das nossas memórias, ele não é de ninguém em particular, mas de todos nós, ex-combatentes e actuais amigos da Guiné-Bissau e do seu povo, que temos mostrado vontade e interesse em comunicar uns com os outros... Desta vez tirando partido de uma tecnologia que não existia em 1981, altura em que escrevi no defunto O Jornal mais ou menos o seguinte: "Nunca é tarde para exorcizar os nossos fantasmas (individuais e colectivos). Vinte anos passados sobre o início duma guerra que iria marcar toda uam geração, eis que O Jornal abre as suas colunas à(s) memnória(s) recalcada(s) dos soldados do último império colonial"...

2. Já tivemos aqui momentos altos, não de glória, mas de emoção, de estórias ou testemunhos marcados pelo sentido de compaixão, de simpatia, de amizade, de amor, de afecto, de camaradagem, de gratidão, de solidariedade, em suma, sentimentos dos mais nobres de que são capazes os homens e as mulheres da espécie Homo Sapiens Sapiens...

Por razões de imparcialidade que me compete respeitar, enquanto animador deste blogue, não vou dizer - embora me apetecesse - quais foram esses momentos que mais me tocaram, emocionaram, sensibilizaram ou até divertiram... Acrescento, todavia, que já foram umas largas dezenas, das quase sete centenas de textos, mensagens ou posts, aqui publicadas desde 25 de Abril de 2005...

A última mensagem é a que acabo de inserir, da autoria do João Tunes, reconstituindo aqui a estória singular do filho de um dos três majores assassinados no chão manjaco...

Quando o pai morreu, o miúdo tinha sete anos, era visita frequente do quartel de Teixeira Pinto, embora vivendo normalmente com as irmãs e a mãe em Bissau... Este homem, hoje com 42 anos, ele próprio militar de carreira durante dez anos e actualmente piloto da aviação comercial, tem com todo o mérito um lugar especial na nossa caserna, na nossa tertúlia, nas nossas memórias...

Eu, Luís Graça e os demais camaradas da Guiné, que fazem parte da nossa tertúlia, prestamos aqui uma comovida homenagem ao pai deste homem e ao nosso camarada, com a plena consciência de que o seu sacrifício - o supremo sacrifício da sua vida ! - não foi inútil e que ele, e os outros camaradas que morreram heroicamente com ele, serão sempre lembrados por nós e pelos nossos vindouros. Pelo menos, cabe-nos a nós, à nossa geração, cultivar a sua memória e o seu exemplo. Seria insuportável para nós (e para a família e os amigos mais íntimos dos malogrados oficiais portugueses mortos no chão manjaco em 1970) pensar que o sua morte tenha sido gratuita ou em vão...Não o foi, mesmo para aqueles como eu que não concordavam com a estratégia spinolista de contra-guerrilha...

(L.G.)

Guiné 63/74 - DCLXVIII: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)

Camarada Luís,

A Internet arrasta muito lixo, demasiado lixo. É um meio propício ao rancor, à filha de putice fácil, rápida e barata. Sobretudo à filha de putice escondida, aquela de vão de formação sem escada, propícia até a ser tangida em tocas de ratos, minguadas de queijo da autoestima, matando fomes acumuladas de fel, com um cobertor a tapar nome e cara e dar a oportunidade da cobardia insana do anonimato, o anonimato dos filhos de puta, não por nascimento mas por opção ou condição, o anonimato dos pseudo-homens. Que guardam a valentia para a hora do cagalhão.

Claro que não é defeito da Internet. Como o abuso, mais as mil mentiras, dos totalitários eleitoralistas não é defeito da democracia, em que fingem que jogam a ida a votos, com abraços, beijinhos, bailaricos com peixeiras e velhotas e falinhas, muitas falinhas, enquanto esperam a hora de mudar o mundo á pazada e sem direito a voto, escolha ou mudança. Como meio aberto que é, como qualquer sistema aberto, a Internet, como a democracia, arrasta de tudo, também a porcaria. É um preço da sociedade aberta e ligada em rede.

Mas a Internet também traz o melhor. Além do mediano que é o que, talvez, arrasta mais. Porque tem essa capacidade instantânea e eficaz de meter o mundo em rede, anular distâncias, sentar tudo em convívio num mesmo sofá, cada qual instalado no repouso do seu sítio. Tornando possível a comunicação, o convívio, a tertúlia, o debate, o abraço, à distância de um golpe de asa. Apesar do lixo, muito lixo, demasiado lixo, que a Internet nos traz.

Dou um exemplo: este blogue, esta obra magnífica do nosso Comandante Luís, fez, graças à Internet, mais pela catarse e pelo reencontro da pacificação de memórias dos ex-combatentes da Guiné que qualquer programa mui bem elaborado, até se fosse copiado da Finlândia (o país que, pelos vistos, nos guia agora na redenção tecnológica rumo à prosperidade), de melhoria da saúde pública (sem desprimor, é claro, ora essa, para com os laboriosos profissionais e académicos que da saúde pública se ocupam, que os há e são de excelência).

E, se de comendas e honrarias fosse mandante (miliciano que fosse, aliás mais não queria nem admitia ser, que nem para isso tenho alma ou jeito de chico), podes crer, camarada e Comandante Luís, a Torre e Espada da Camaradagem da Guiné e com Palma da Saúde Pública já te brilhava, em colar ciberluzidio, nesse teu peito de homem bom e perito em juntar almas espalhadas de velhos guerreiros de ocasião, cansados e reformados, celebrando a osmose das memórias nesta nobre tabanca, onde és soba honorário e de mérito, e onde nos vamos juntando e desfiando os risos e os choros engolidos, até os ranhos, desses nossos tempos no cu de judas, não cu pela terra mas pela insana missão.

Pois a Internet já me trouxe ao meu tapete da porta de entrada muito filho de puta com os pés sujos. Dos tais. Mas também me trouxe bem, prazer, emoção, comoção, encontros, reencontros. Salvem-se estes para bem re-odorizarem o mau cheiro dos outros, os do lixo.

Permitam que fale do meu último encontro que a Internet me trouxe com marca da Guiné.
Conheci, pelas circunstâncias, em convívio de guerra e amizade, em Teixeira Pinto (hoje, Canchungo), os três majores que, em Abril de 1970, tombaram em combate, abatidos de forma vil e cobarde, na mata perto de Pelundo. Sobre isso escrevi. Aqui também (1).

Agora, acabo de receber mail de alguém que leu o que escrevi (lá está: graças à Internet) e que me diz ter ficado contente por não ter esquecido o que se passou e me pergunta se me lembrava de uma criança que costumava brincar nesse mesmo quartel de Teixeira Pinto.

Não, não me lembrava nem lembro. Mas, pelo apelido, percebi que se tratava do filho de um dos três majores, nossos camaradas, nossos mártires. Disse-lho, dizendo que as minhas velhas e sobrecarregadas memórias não retinham a sua presença infantil no quartel de Teixeira Pinto nesses anos de 1969 e 1970, mas que suspeitava quem fosse, ou seja, de quem era filho. E ele esclareceu:

"Sim sou o filho, somos três ao todo (duas raparigas mais velhas) e, como deve imaginar, sendo eu o único rapaz, ele não queria deixar créditos por mãos alheias e levava-me para Teixeira Pinto à revelia da minha mãe. Durante tempos tentei compreender porque razão um pai leva um filho de 7 anos para uma zona de combate... Protecção? Aprender os ensinamentos e horrores da guerra ? (Presenciei alguns , estava no local errado à hora errada, que nem à minha mãe os contava com medo de não voltar a Teixeira Pinto, enfim aquela cumplicidade de filho, afinal sempre preferia a companhia do meu pai). Sim, foi um misto, que verdade seja dita do pouco que privei com Ele e que, não sendo o suficiente, me ajudaram a crescer.

"Tornei-me homem quando fiquei orfão, tentei assumir familiarmente o papel do homem da casa no meio de três simpáticas mulheres, sabendo ao longo da minha vida que jamais estaria à sua altura, fui para o Colégio Militar e em 7 anos li toda a literatura de adultos deixada de herança. Fui Oficial Pára-Comando durante 10 anos e um dia acordei. Fechei um ciclo e tornei-me civil.(...) Hoje sou Piloto de Linha Aérea, tenho 42 anos, casado, vivo 6 meses em Portugal e 6 meses fora."

Retiro, desta minha inconfidência, o nome e o apelido e mais algo que ele escreveu de mais pessoal, a fim de que o meu abuso não se torne obsceno, ofendendo demais confiança e pudor. Fica o testemunho, um fio da memória de um homem, hoje com 42 anos de idade, filho de um militar brilhante e homem grande (dos maiores e mais inteligentes que conheci), um nosso camarada de honra e de guerra, que vive para o resto da vida a sua experiência, uma experiência capaz de transformar um menino de 7 anos num sábio da vida pela via do desgosto, que viveu connosco, na nossa época, na mesma guerra onde penámos e nos desenrascámos, voltando ele da Guiné órfão de um combatente caído em combate, barbaramente assassinado, cobardemente assassinado, nosso camarada. E que, afinal, foi ele também, já quando menino, nosso camarada. Merecedor, pela idade e pelo tormento, mais a irmandade na dor e no luto, um camarada a merecer lugar de honra no nosso carinho. Aquele carinho que a guerra não nos conseguiu secar nem transformar numa bolanha em que os pés se atasquem e a alma fique pequena. E que é, julgo que concordem, o melhor que os velhos e retirados guerreiros, que somos todos nós, podemos arrastar agarrados aos camuflados de velhinhos com que tecemos as nossas vidas que queremos ainda gastar mais uns bons pedaços, ah pois, sem delas sairmos a perder a honra de as merecermos.

E, depois disto, como não dizer: bendita Internet? Mais: obrigado Luís, continua, como um valente comandante-em-chefe, ao serviço da comunicação, da memória e da amizade dos tresmalhados ex-combatentes da Guiné, agora todos mestres no uso da ciber-G3, e, sobretudo, ao bom e zeloso serviço de saúde pública para que, em boa hora, te pendeu aguçares o engenho, a arte e a amizade. Bem hajam. Tu e a Internet.

Abraços. Para ti e para todos os restantes e estimados tertulianos.

João Tunes

____________

Nota de L. G.:

(1)Vd post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)


" (...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.

"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.

"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.

Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(..)

"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).

"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.

"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)

João Tunes

Guiné 63/74 - DCLXVIII: A Internet e o menino do quartel de Teixeira Pinto (João Tunes)

Camarada Luís,

A Internet arrasta muito lixo, demasiado lixo. É um meio propício ao rancor, à filha de putice fácil, rápida e barata. Sobretudo à filha de putice escondida, aquela de vão de formação sem escada, propícia até a ser tangida em tocas de ratos, minguadas de queijo da autoestima, matando fomes acumuladas de fel, com um cobertor a tapar nome e cara e dar a oportunidade da cobardia insana do anonimato, o anonimato dos filhos de puta, não por nascimento mas por opção ou condição, o anonimato dos pseudo-homens. Que guardam a valentia para a hora do cagalhão.

Claro que não é defeito da Internet. Como o abuso, mais as mil mentiras, dos totalitários eleitoralistas não é defeito da democracia, em que fingem que jogam a ida a votos, com abraços, beijinhos, bailaricos com peixeiras e velhotas e falinhas, muitas falinhas, enquanto esperam a hora de mudar o mundo á pazada e sem direito a voto, escolha ou mudança. Como meio aberto que é, como qualquer sistema aberto, a Internet, como a democracia, arrasta de tudo, também a porcaria. É um preço da sociedade aberta e ligada em rede.

Mas a Internet também traz o melhor. Além do mediano que é o que, talvez, arrasta mais. Porque tem essa capacidade instantânea e eficaz de meter o mundo em rede, anular distâncias, sentar tudo em convívio num mesmo sofá, cada qual instalado no repouso do seu sítio. Tornando possível a comunicação, o convívio, a tertúlia, o debate, o abraço, à distância de um golpe de asa. Apesar do lixo, muito lixo, demasiado lixo, que a Internet nos traz.

Dou um exemplo: este blogue, esta obra magnífica do nosso Comandante Luís, fez, graças à Internet, mais pela catarse e pelo reencontro da pacificação de memórias dos ex-combatentes da Guiné que qualquer programa mui bem elaborado, até se fosse copiado da Finlândia (o país que, pelos vistos, nos guia agora na redenção tecnológica rumo à prosperidade), de melhoria da saúde pública (sem desprimor, é claro, ora essa, para com os laboriosos profissionais e académicos que da saúde pública se ocupam, que os há e são de excelência).

E, se de comendas e honrarias fosse mandante (miliciano que fosse, aliás mais não queria nem admitia ser, que nem para isso tenho alma ou jeito de chico), podes crer, camarada e Comandante Luís, a Torre e Espada da Camaradagem da Guiné e com Palma da Saúde Pública já te brilhava, em colar ciberluzidio, nesse teu peito de homem bom e perito em juntar almas espalhadas de velhos guerreiros de ocasião, cansados e reformados, celebrando a osmose das memórias nesta nobre tabanca, onde és soba honorário e de mérito, e onde nos vamos juntando e desfiando os risos e os choros engolidos, até os ranhos, desses nossos tempos no cu de judas, não cu pela terra mas pela insana missão.

Pois a Internet já me trouxe ao meu tapete da porta de entrada muito filho de puta com os pés sujos. Dos tais. Mas também me trouxe bem, prazer, emoção, comoção, encontros, reencontros. Salvem-se estes para bem re-odorizarem o mau cheiro dos outros, os do lixo.

Permitam que fale do meu último encontro que a Internet me trouxe com marca da Guiné.
Conheci, pelas circunstâncias, em convívio de guerra e amizade, em Teixeira Pinto (hoje, Canchungo), os três majores que, em Abril de 1970, tombaram em combate, abatidos de forma vil e cobarde, na mata perto de Pelundo. Sobre isso escrevi. Aqui também (1).

Agora, acabo de receber mail de alguém que leu o que escrevi (lá está: graças à Internet) e que me diz ter ficado contente por não ter esquecido o que se passou e me pergunta se me lembrava de uma criança que costumava brincar nesse mesmo quartel de Teixeira Pinto.

Não, não me lembrava nem lembro. Mas, pelo apelido, percebi que se tratava do filho de um dos três majores, nossos camaradas, nossos mártires. Disse-lho, dizendo que as minhas velhas e sobrecarregadas memórias não retinham a sua presença infantil no quartel de Teixeira Pinto nesses anos de 1969 e 1970, mas que suspeitava quem fosse, ou seja, de quem era filho. E ele esclareceu:

"Sim sou o filho, somos três ao todo (duas raparigas mais velhas) e, como deve imaginar, sendo eu o único rapaz, ele não queria deixar créditos por mãos alheias e levava-me para Teixeira Pinto à revelia da minha mãe. Durante tempos tentei compreender porque razão um pai leva um filho de 7 anos para uma zona de combate... Protecção? Aprender os ensinamentos e horrores da guerra ? (Presenciei alguns , estava no local errado à hora errada, que nem à minha mãe os contava com medo de não voltar a Teixeira Pinto, enfim aquela cumplicidade de filho, afinal sempre preferia a companhia do meu pai). Sim, foi um misto, que verdade seja dita do pouco que privei com Ele e que, não sendo o suficiente, me ajudaram a crescer.

"Tornei-me homem quando fiquei orfão, tentei assumir familiarmente o papel do homem da casa no meio de três simpáticas mulheres, sabendo ao longo da minha vida que jamais estaria à sua altura, fui para o Colégio Militar e em 7 anos li toda a literatura de adultos deixada de herança. Fui Oficial Pára-Comando durante 10 anos e um dia acordei. Fechei um ciclo e tornei-me civil.(...) Hoje sou Piloto de Linha Aérea, tenho 42 anos, casado, vivo 6 meses em Portugal e 6 meses fora."

Retiro, desta minha inconfidência, o nome e o apelido e mais algo que ele escreveu de mais pessoal, a fim de que o meu abuso não se torne obsceno, ofendendo demais confiança e pudor. Fica o testemunho, um fio da memória de um homem, hoje com 42 anos de idade, filho de um militar brilhante e homem grande (dos maiores e mais inteligentes que conheci), um nosso camarada de honra e de guerra, que vive para o resto da vida a sua experiência, uma experiência capaz de transformar um menino de 7 anos num sábio da vida pela via do desgosto, que viveu connosco, na nossa época, na mesma guerra onde penámos e nos desenrascámos, voltando ele da Guiné órfão de um combatente caído em combate, barbaramente assassinado, cobardemente assassinado, nosso camarada. E que, afinal, foi ele também, já quando menino, nosso camarada. Merecedor, pela idade e pelo tormento, mais a irmandade na dor e no luto, um camarada a merecer lugar de honra no nosso carinho. Aquele carinho que a guerra não nos conseguiu secar nem transformar numa bolanha em que os pés se atasquem e a alma fique pequena. E que é, julgo que concordem, o melhor que os velhos e retirados guerreiros, que somos todos nós, podemos arrastar agarrados aos camuflados de velhinhos com que tecemos as nossas vidas que queremos ainda gastar mais uns bons pedaços, ah pois, sem delas sairmos a perder a honra de as merecermos.

E, depois disto, como não dizer: bendita Internet? Mais: obrigado Luís, continua, como um valente comandante-em-chefe, ao serviço da comunicação, da memória e da amizade dos tresmalhados ex-combatentes da Guiné, agora todos mestres no uso da ciber-G3, e, sobretudo, ao bom e zeloso serviço de saúde pública para que, em boa hora, te pendeu aguçares o engenho, a arte e a amizade. Bem hajam. Tu e a Internet.

Abraços. Para ti e para todos os restantes e estimados tertulianos.

João Tunes

____________

Nota de L. G.:

(1)Vd post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)


" (...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.

"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.

"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.

Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(..)

"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).

"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.

"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)

João Tunes

Guiné 63/74 - DCLXVII: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde


Selecção de Jorge Santos:


TÍTULO: “Operação Mar Verde – Um documento para a história”
AUTOR: António Luís Marinho
EDITORA: Círculo de Leitores
DATA: Fevereiro de 2006



Da editora:

"A nossa história mais recente, os trâmites de uma polémica operação de limpeza.
Luís Marinho apura a verdadeira dimensão da ordem dada pelo governador da Guiné-Bissau em Novembro de 1970, operação executada por Alpoim Galvão.

"A ordem de captura e morte dos dirigentes do PAIGC acabou por falhar. Amílcar Cabral foi traído e assassinado três anos depois por membros do seu próprio partido. Com esta obra, o autor volta aos agitados anos 70, à dimensão da luta armada e analisa o polémico documento que teria dado ordem de captura e morte aos dirigentes africanos".

De Guilherme Alpoim Galvão (1):

«Lendo e relendo as páginas da obra que o Luís Marinho pacientemente pesquisou e escreveu, recordei o que se passou há trinta e cinco anos, praticamente metade da minha vida, com alguma nostalgia mas também com um frémito de entusiasmo, pois foram anos duros mas excitantes, de estudo, reflexão, planeamento e acção, muita acção.»

____________

Nota de L.G.

(1) vd post de A. Marques Lopes, de 22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri

Guiné 63/74 - DCLXVII: Bibliografia de uma guerra (12): Op Mar Verde


Selecção de Jorge Santos:


TÍTULO: “Operação Mar Verde – Um documento para a história”
AUTOR: António Luís Marinho
EDITORA: Círculo de Leitores
DATA: Fevereiro de 2006



Da editora:

"A nossa história mais recente, os trâmites de uma polémica operação de limpeza.
Luís Marinho apura a verdadeira dimensão da ordem dada pelo governador da Guiné-Bissau em Novembro de 1970, operação executada por Alpoim Galvão.

"A ordem de captura e morte dos dirigentes do PAIGC acabou por falhar. Amílcar Cabral foi traído e assassinado três anos depois por membros do seu próprio partido. Com esta obra, o autor volta aos agitados anos 70, à dimensão da luta armada e analisa o polémico documento que teria dado ordem de captura e morte aos dirigentes africanos".

De Guilherme Alpoim Galvão (1):

«Lendo e relendo as páginas da obra que o Luís Marinho pacientemente pesquisou e escreveu, recordei o que se passou há trinta e cinco anos, praticamente metade da minha vida, com alguma nostalgia mas também com um frémito de entusiasmo, pois foram anos duros mas excitantes, de estudo, reflexão, planeamento e acção, muita acção.»

____________

Nota de L.G.

(1) vd post de A. Marques Lopes, de 22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri

31 março 2006

Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71) > Finais de 1970 > As primeiras viaturas Chaimite, anfíbias com canhão, que chegaram ao TO da Guiné.

© Manuel Mata (2006)


Cancioneiro do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá (1969/71).

Autor das letras: José Luís Tavares. Recolha: Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 .


Piche - BART 2857 (1)

Piche tem campo e piscina,
Que já foi a inauguração,
São obras de grande valor,
Feitas pelo Batalhão.

Até parece mentira
Aquilo que eu vou contar,
O Batalhão fez um campo
Para a cavalaria jogar.

A cavalaria é um posto,
Já vem de tempos atrás,
Imaginem um Batalhão
Fazer um campo para nós.

Nós temos duas equipas,
Como toda gente a vê:
Temos a boa Equipa A,
Não desfazendo na B.

Têm equipamento novo,
Que aqulio é um asseio,
E o dirigente da equipa
É o nosso alferes Feio.

São duas equipas rivais
Que mandam o seu respeitinho
E, de árbitro permanente,
O nosso amigo Agostinho.

Tavares - Radiotelegrafista

1 de Julho de 1970

© Manuel Mata (2006)

__________

Nota de L.G.

(1) Vd post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche .

O BART 2857 presumo que fosse aquele que, na época, estava sediado em Nova Lamego. Piche pertencia ao Sector de Nova Lamego. Em Bafatá estava o BCAÇ 2856 (1968/70) a cuja CCS pertenceu o nosso camarada Jorge Tavares, ex-fur mil radiomontador.

Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71) > Finais de 1970 > As primeiras viaturas Chaimite, anfíbias com canhão, que chegaram ao TO da Guiné.

© Manuel Mata (2006)


Cancioneiro do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá (1969/71).

Autor das letras: José Luís Tavares. Recolha: Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 .


Piche - BART 2857 (1)

Piche tem campo e piscina,
Que já foi a inauguração,
São obras de grande valor,
Feitas pelo Batalhão.

Até parece mentira
Aquilo que eu vou contar,
O Batalhão fez um campo
Para a cavalaria jogar.

A cavalaria é um posto,
Já vem de tempos atrás,
Imaginem um Batalhão
Fazer um campo para nós.

Nós temos duas equipas,
Como toda gente a vê:
Temos a boa Equipa A,
Não desfazendo na B.

Têm equipamento novo,
Que aqulio é um asseio,
E o dirigente da equipa
É o nosso alferes Feio.

São duas equipas rivais
Que mandam o seu respeitinho
E, de árbitro permanente,
O nosso amigo Agostinho.

Tavares - Radiotelegrafista

1 de Julho de 1970

© Manuel Mata (2006)

__________

Nota de L.G.

(1) Vd post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche .

O BART 2857 presumo que fosse aquele que, na época, estava sediado em Nova Lamego. Piche pertencia ao Sector de Nova Lamego. Em Bafatá estava o BCAÇ 2856 (1968/70) a cuja CCS pertenceu o nosso camarada Jorge Tavares, ex-fur mil radiomontador.

Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Jardim da Bafatá > Eis o autor das quadras que aqui se publicam, buscando inspiração na espuma dos dias, o José Luís Tavares,
sentado, à direita, sob a estátua de Oliveira Muzanty, um dos pacificadores da Guiné tal como Teixeira Pinto (informação valiosa do nosso Mário Dias que viveu na Guiné entre 1952 e 1966).

© Manuel Mata (2006)


Do Manuel Mata, "para os amigos que gostam de quadras com algum sentido crítico/satírico", aqui fim algumas do seu amigo José Luís Tavares, "homem de transmissões, companheiro do Esquadrão e das lides de organização dos convívios anuais"... Por mim, elas fazem parte do Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá: é uma pequena homenagem aos nossos camaradas da arma de vavalaria que penaram lá para os lados de Bafatá e Nova Lamego... L.G.


Obras em Piche

Aqui em Piche é mato
Mas manga de animação,
Tem cá uma piscina,
Foi hoje a inuguração.

Fizeram várias brincadeiras
Que meteram muita graça,
Jogaram também futebol
E, ao fim, a entrega da taça.

Foi um jogo de grande interesse
Como já é natural,
Mas ao fim, em vez da taça,
Deram uma cerveja Cristal.

Vou dizer-lhes o resultado
Só para nós em comum,
Que perderam os furriéis
Por nove golos a um.

Foi um jogo bem disputado,
Ouvi eu, numa entrevista,
Que mais parecia uma final
Com Sporting e Boavista.

Passou-se isto dia 28,
Mais nada, vou terminar,
E quanto à arbitragem
Acho que foi regular.

Tavares - Radiotelegrafista
28 de Junho de 1970

(Continua)
__________

Nota de L.G.

(1) Vd post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - DCLXIV: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá (1969/71) (Manuel Mata) (4): as primeiras Chaimites para o Exército Português

Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche

Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71)> Jardim da Bafatá > Eis o autor das quadras que aqui se publicam, buscando inspiração na espuma dos dias, o José Luís Tavares,
sentado, à direita, sob a estátua de Oliveira Muzanty, um dos pacificadores da Guiné tal como Teixeira Pinto (informação valiosa do nosso Mário Dias que viveu na Guiné entre 1952 e 1966).

© Manuel Mata (2006)


Do Manuel Mata, "para os amigos que gostam de quadras com algum sentido crítico/satírico", aqui fim algumas do seu amigo José Luís Tavares, "homem de transmissões, companheiro do Esquadrão e das lides de organização dos convívios anuais"... Por mim, elas fazem parte do Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá: é uma pequena homenagem aos nossos camaradas da arma de vavalaria que penaram lá para os lados de Bafatá e Nova Lamego... L.G.


Obras em Piche

Aqui em Piche é mato
Mas manga de animação,
Tem cá uma piscina,
Foi hoje a inuguração.

Fizeram várias brincadeiras
Que meteram muita graça,
Jogaram também futebol
E, ao fim, a entrega da taça.

Foi um jogo de grande interesse
Como já é natural,
Mas ao fim, em vez da taça,
Deram uma cerveja Cristal.

Vou dizer-lhes o resultado
Só para nós em comum,
Que perderam os furriéis
Por nove golos a um.

Foi um jogo bem disputado,
Ouvi eu, numa entrevista,
Que mais parecia uma final
Com Sporting e Boavista.

Passou-se isto dia 28,
Mais nada, vou terminar,
E quanto à arbitragem
Acho que foi regular.

Tavares - Radiotelegrafista
28 de Junho de 1970

(Continua)
__________

Nota de L.G.

(1) Vd post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - DCLXIV: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá (1969/71) (Manuel Mata) (4): as primeiras Chaimites para o Exército Português

Guiné 63/74 - DCLXIV: Áreas Protegidas e Parques Naturais

Caros Amigos

Informamos que a partir de agora, todos quantos se interessam pelas questões das Áreas Protegidas e Parques Naturais da Guiné-Bissau, podem ter acesso através do site da AD (http://www.adbissau.org/) a informações, mapas e fotografias sobre:

- todas as Áreas Protegidas
- Parque de Tarrafe de Cacheu
- Parque de Cantanhez
- Parque de Cufada
- Parque de Formosa
- Parque de João Vieira e Poilão
- Parque de Orango
- Reserva da Biosfera dos Bijagós
- Zona Costeira

Cumprimentos
Carlos Schwarz
Director Executivo da AD

Guiné 63/74 - DCLXIV: Áreas Protegidas e Parques Naturais

Caros Amigos

Informamos que a partir de agora, todos quantos se interessam pelas questões das Áreas Protegidas e Parques Naturais da Guiné-Bissau, podem ter acesso através do site da AD (http://www.adbissau.org/) a informações, mapas e fotografias sobre:

- todas as Áreas Protegidas
- Parque de Tarrafe de Cacheu
- Parque de Cantanhez
- Parque de Cufada
- Parque de Formosa
- Parque de João Vieira e Poilão
- Parque de Orango
- Reserva da Biosfera dos Bijagós
- Zona Costeira

Cumprimentos
Carlos Schwarz
Director Executivo da AD

Guiné 63/74 - DCLXIII: Diário do CMS (CART 2339)(1): Um homem ficou para trás e não há voluntários para o ir buscar...

Felizmente que há mais vida, para além da blogosfera... É o que eu deduzo da última mensagem do nosso CMS (Carlos Marques Santos), ex-furriel mil, CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69...

A esta hora, o CMS já terá partido, de manhã cedo, para França (região de Biarritz ) em viagem de uma semana em autocaravana. (Que os bons irãs das florestas do Corubal o acompanhem e o tragam de volta, são e salvo!).

Pede-nos desculpa por nos últimos tempos não ter dito nada no blogue, pois tem ocupado o seu tempo noutras andanças, "apesar de todos os dias vêr o que há de novo"...

Promete organizar qualquer coisa depois de vir de França". Mesmo assim mandou-nos umas notas do seu diário, com a seguinte legenda: "dois meses de Guiné e muita experiência".


Notas do Diário do CMS


5 de Abril de 1968

Às 15h, saída de Fá Mandinga para mais uma operação (Op Gavião). Desta vez para a zona do Enxalé, via Xime.

O [Rio] Geba foi atravessado de lancha. Do Enxalé saímos cerca da meia-noite iniciando mais um passo para o desconhecido. Dois meses de mato e já tínhamos tido a nossa dose. Andámos a corta mato até às 3.30h.

O guia turra capturado, como sempre, perdeu-se. Descanso até às 5.00h, seguindo as NT depois em progressão normal.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 >Brasão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)

© Carlos Marques Santos (2005)



Perto do objectivo vimos, na mata, dois nativos. Fugiram e nós continuámos. A CART 2338, nossa companheira de andanças, está a atacar o objectivo. A Companhia de Mansoa também.

Cerca do meio-dia sofremos um ataque de abelhas. Desespero em muitos de nós. Eu também fui completamente picado. Há camaradas inchados. Disformes. Há 2 camaradas desmaiados. Faz-se uma maca. Soam tiros...
- EMBOSCADA!

Um nativo do Pel Caç Nat 53 é atingido e morto. O ataque IN continua. Regressamos.

Sofremos 5 emboscadas, mas apesar de tudo correu sem grandes azares. O IN tem baixas. Fogem. Seguimos para o Enxalé. Mais 2 ataques de abelhas. CHOROS. Desespero. Há que fugir. Desorientação total. Armas abandonadas.

Compreendo agora - pois noutra ocasião e lá para a frente no tempo de comissão, estive debaixo de fogo - o que estar nestas mesmas circunstâncias. 45 minutos intermináveis. Antes o fogo do IN.

Chegámos ao Enxalé cerca das 18.00h. Soube-se depois que tinha ficado um homem da Cart 2338 desmaiado no local dos acontecimentos.

Quem vai procurá-lo? Ninguém. Não há voluntários.

Triste vida a da GUERRA e da sobrevivência. Mas nem sempre foi assim!

Passamos para o Xime e chegámos a Fá Mandinga às 03.00h da manhã do dia de 7 de Abril de 1968.

Estou exausto. Estamos todos exaustos.

Boas notícias: o nosso homem desmaiado, soube-se, apareceu por ele no Enxalé! Já li uma estória semelhante nesta tertúlia. Ou será o mesmo protagonista?

No dia seguinte, 8 de Abril de 1968, voltamos ao Enxalé procurar as armas perdidas. Na progressão ouvimos rebentamentos. Será Mato Cão?

Recuperámos 2 armas. Regressámos a Fá Mandinga sem incidentes.

10 de Abril de 1968

Há emboscada na estrada Xime-Bambadinca. Não houve incidentes, são as notícias que nos chegam.

14 de Abril de 1968

Dia de Páscoa, aqui, igual aos outros.

© Carlos Marques dos Santos (2006)

Guiné 63/74 - DCLXIII: Diário do CMS (CART 2339)(1): Um homem ficou para trás e não há voluntários para o ir buscar...

Felizmente que há mais vida, para além da blogosfera... É o que eu deduzo da última mensagem do nosso CMS (Carlos Marques Santos), ex-furriel mil, CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69...

A esta hora, o CMS já terá partido, de manhã cedo, para França (região de Biarritz ) em viagem de uma semana em autocaravana. (Que os bons irãs das florestas do Corubal o acompanhem e o tragam de volta, são e salvo!).

Pede-nos desculpa por nos últimos tempos não ter dito nada no blogue, pois tem ocupado o seu tempo noutras andanças, "apesar de todos os dias vêr o que há de novo"...

Promete organizar qualquer coisa depois de vir de França". Mesmo assim mandou-nos umas notas do seu diário, com a seguinte legenda: "dois meses de Guiné e muita experiência".


Notas do Diário do CMS


5 de Abril de 1968

Às 15h, saída de Fá Mandinga para mais uma operação (Op Gavião). Desta vez para a zona do Enxalé, via Xime.

O [Rio] Geba foi atravessado de lancha. Do Enxalé saímos cerca da meia-noite iniciando mais um passo para o desconhecido. Dois meses de mato e já tínhamos tido a nossa dose. Andámos a corta mato até às 3.30h.

O guia turra capturado, como sempre, perdeu-se. Descanso até às 5.00h, seguindo as NT depois em progressão normal.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 >Brasão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)

© Carlos Marques Santos (2005)



Perto do objectivo vimos, na mata, dois nativos. Fugiram e nós continuámos. A CART 2338, nossa companheira de andanças, está a atacar o objectivo. A Companhia de Mansoa também.

Cerca do meio-dia sofremos um ataque de abelhas. Desespero em muitos de nós. Eu também fui completamente picado. Há camaradas inchados. Disformes. Há 2 camaradas desmaiados. Faz-se uma maca. Soam tiros...
- EMBOSCADA!

Um nativo do Pel Caç Nat 53 é atingido e morto. O ataque IN continua. Regressamos.

Sofremos 5 emboscadas, mas apesar de tudo correu sem grandes azares. O IN tem baixas. Fogem. Seguimos para o Enxalé. Mais 2 ataques de abelhas. CHOROS. Desespero. Há que fugir. Desorientação total. Armas abandonadas.

Compreendo agora - pois noutra ocasião e lá para a frente no tempo de comissão, estive debaixo de fogo - o que estar nestas mesmas circunstâncias. 45 minutos intermináveis. Antes o fogo do IN.

Chegámos ao Enxalé cerca das 18.00h. Soube-se depois que tinha ficado um homem da Cart 2338 desmaiado no local dos acontecimentos.

Quem vai procurá-lo? Ninguém. Não há voluntários.

Triste vida a da GUERRA e da sobrevivência. Mas nem sempre foi assim!

Passamos para o Xime e chegámos a Fá Mandinga às 03.00h da manhã do dia de 7 de Abril de 1968.

Estou exausto. Estamos todos exaustos.

Boas notícias: o nosso homem desmaiado, soube-se, apareceu por ele no Enxalé! Já li uma estória semelhante nesta tertúlia. Ou será o mesmo protagonista?

No dia seguinte, 8 de Abril de 1968, voltamos ao Enxalé procurar as armas perdidas. Na progressão ouvimos rebentamentos. Será Mato Cão?

Recuperámos 2 armas. Regressámos a Fá Mandinga sem incidentes.

10 de Abril de 1968

Há emboscada na estrada Xime-Bambadinca. Não houve incidentes, são as notícias que nos chegam.

14 de Abril de 1968

Dia de Páscoa, aqui, igual aos outros.

© Carlos Marques dos Santos (2006)

30 março 2006

Guiné 63/74 - DCLXII: As minas do nosso descontentamento

1. Meu caríssimo amigo e camarada Paulo:

A nossa amiga Nela seguramente não queria afirmar ou insinuar que as minas de hoje na estrada de São Domingos eram as mesmíssimas minas de ontem, de há trinta anos... Seria técnica e materialmente impossível elas resistirem estes anos todos, já que essa via nunca esteve interdita, depois da independência... Além disso, tu passaste por lá, impunemente, há coisa de um mês e tal...

Percebo a tua estupefacção, tu que és (com a tua São) um andarilho e, mais do que isso, um connaisseur e um apaixonado da Guiné... No nosso blogue, temos, de facto, procurado respeitar a verdade (e só verdade) dos factos, mesmo quando eles não são abonatórios para nós... (Nós, tugas; nós, povo; nós, Estado; nós, Nação)... De qualquer modo, devo deixar claro que rejeito, liminarmente, qualquer ideia de responsabiliddae colectiva: é uma monstruosidae jurídica!... Não me venham e muito menos a mim - pedir contas pelos alegados erros e crimes do colonialismo português, que o meu livro de reclamações, uma vez aberto, vai direitinho ao Céu e ao Criador!

Antes de publicar o teu comentário, tinha pedido à Nela que esclarecesse melhor o seu ponto de vista... Coisa que ela fez, de bom grado e de imediato. A questão é simples: tu sabes, meu caro Paulo, como as palavras às vezes nos atraiçoam!...

Eu próprio levei há dias no toutiço por uma frase que revelava, no mínimo, alguma ligeireza, ao insinuar que o grande Amílcar Cabral não teria sido um verdadeiro guerrilheiro, como o Nino, só por não andar de Kaslash na mão, nem as ouvir assobiar, às balas da nossa G-3, por cima dos ouvidos...

Na realidade o que eu queria dizer (e que, de facto, não consegui transmitir) é que o Amílcar foi um grande líder revolucionário, o que não é sinónimo de comandante militar... Enfim, um exemplo do tipo de risco que corremos quando não conseguimos, muitas vezes, ser "claros, concisos e precisos"...

Quanto à Nela, se bem percebeste, estes episódios recentes na zona fronteiriça do noroeste da Guiné fizeram-lhe lembrar outros trágicos acontecimentos, do tempo da guerra colonial, como o da mina que vitimou o seu futuro e actual marido...

Last but not the least, é bom (e reconfortante) sentir a presença e a confiança dos amigos que estão próximos do terreno, como é o teu caso e o da São... Fico feliz por saber notícias vossas. E estou agradecido pelo teu oportuno (e veemente) comentário... Quanto ao esclarecimento que eu pedi à Nela, a nossa nova tertuliana, ele aqui fica, para melhor enquadramento desta questão das minas do nosso descontentamento e da nossa indignação... LG


2. Mensagem da Nela:

Luís: Obrigado pelas fotos e pelo comentário que me enviou, escrito pelo Paulo.

Confesso que, ao ver aquelas fotos, tive saudades do tempo que passámos em Bissau, depois da Independência e como cooperantes ao serviço da Educação.

Quanto ao que o Paulo diz, concordo com ele : é um facto que aquelas minas de agora não podem ser as de há 30 anos atrás. Eu própria recordo o dia em que fomos a Ingoré, e ao irmos pla estrada em direcção à localidade, depois de termos atravessado o rio numa canoa, o comentário do meu marido: "e pensar, que há anos, não podíamos aqui passar sem ir a picar a estrada"...

Talvez este comentário tenha sido o causador da frase que indignou o Paulo. Mas, o que eu quis dizer foi simplesmente... que, como então, com outros protagonistas, é certo, a história repete-se - minas numa estrada que é de vital importância para as populações guineenses.

As minas não são as mesmas, claro, mas os meios de que se servem os senhores da guerra são os mesmos...

É o recurso às minas que me revolta e para o qual não consigo encontrar explicação plausível.
Quero, contudo, recordar, que eu vivi a guerra do lado de cá e estive em Bissau depois da Independência, onde tive oportunidade de contactar e conviver quer com soldados que pertenceram ao Pelotão 60 [Pel Caç Nat 60 ?] , que o meu marido comandava, quer com oficiais do PAIGC de quem nos tornámos amigos. Algumas dessas histórias ficam para outros posts.

Gostaria ainda de reafirmar que, ao escrever - e faço-o directamente no meu blogue - apenas me move o sentido de partilhar sentimentos, histórias e factos. Algumas imprecisões de escrita podem levar a outros entendimentos, mas, em momento algum, pretendo falsear a História ou os factos ocorridos.

Sei, contudo, que também a História de um Povo pode ser narrada em diferentes perspectivas. Da minha parte, apenas pretendo falar de factos que marcaram a nossa vida, aliados a sentimentos que perduram - nomedamente a recusa à guerra e um desejo veemente de que África, um continente fascinante, encontre o desenvolvimento a que tem direito!

Saudações amigas

Nela (Manuela Gonçalves)

Guiné 63/74 - DCLXII: As minas do nosso descontentamento

1. Meu caríssimo amigo e camarada Paulo:

A nossa amiga Nela seguramente não queria afirmar ou insinuar que as minas de hoje na estrada de São Domingos eram as mesmíssimas minas de ontem, de há trinta anos... Seria técnica e materialmente impossível elas resistirem estes anos todos, já que essa via nunca esteve interdita, depois da independência... Além disso, tu passaste por lá, impunemente, há coisa de um mês e tal...

Percebo a tua estupefacção, tu que és (com a tua São) um andarilho e, mais do que isso, um connaisseur e um apaixonado da Guiné... No nosso blogue, temos, de facto, procurado respeitar a verdade (e só verdade) dos factos, mesmo quando eles não são abonatórios para nós... (Nós, tugas; nós, povo; nós, Estado; nós, Nação)... De qualquer modo, devo deixar claro que rejeito, liminarmente, qualquer ideia de responsabiliddae colectiva: é uma monstruosidae jurídica!... Não me venham e muito menos a mim - pedir contas pelos alegados erros e crimes do colonialismo português, que o meu livro de reclamações, uma vez aberto, vai direitinho ao Céu e ao Criador!

Antes de publicar o teu comentário, tinha pedido à Nela que esclarecesse melhor o seu ponto de vista... Coisa que ela fez, de bom grado e de imediato. A questão é simples: tu sabes, meu caro Paulo, como as palavras às vezes nos atraiçoam!...

Eu próprio levei há dias no toutiço por uma frase que revelava, no mínimo, alguma ligeireza, ao insinuar que o grande Amílcar Cabral não teria sido um verdadeiro guerrilheiro, como o Nino, só por não andar de Kaslash na mão, nem as ouvir assobiar, às balas da nossa G-3, por cima dos ouvidos...

Na realidade o que eu queria dizer (e que, de facto, não consegui transmitir) é que o Amílcar foi um grande líder revolucionário, o que não é sinónimo de comandante militar... Enfim, um exemplo do tipo de risco que corremos quando não conseguimos, muitas vezes, ser "claros, concisos e precisos"...

Quanto à Nela, se bem percebeste, estes episódios recentes na zona fronteiriça do noroeste da Guiné fizeram-lhe lembrar outros trágicos acontecimentos, do tempo da guerra colonial, como o da mina que vitimou o seu futuro e actual marido...

Last but not the least, é bom (e reconfortante) sentir a presença e a confiança dos amigos que estão próximos do terreno, como é o teu caso e o da São... Fico feliz por saber notícias vossas. E estou agradecido pelo teu oportuno (e veemente) comentário... Quanto ao esclarecimento que eu pedi à Nela, a nossa nova tertuliana, ele aqui fica, para melhor enquadramento desta questão das minas do nosso descontentamento e da nossa indignação... LG


2. Mensagem da Nela:

Luís: Obrigado pelas fotos e pelo comentário que me enviou, escrito pelo Paulo.

Confesso que, ao ver aquelas fotos, tive saudades do tempo que passámos em Bissau, depois da Independência e como cooperantes ao serviço da Educação.

Quanto ao que o Paulo diz, concordo com ele : é um facto que aquelas minas de agora não podem ser as de há 30 anos atrás. Eu própria recordo o dia em que fomos a Ingoré, e ao irmos pla estrada em direcção à localidade, depois de termos atravessado o rio numa canoa, o comentário do meu marido: "e pensar, que há anos, não podíamos aqui passar sem ir a picar a estrada"...

Talvez este comentário tenha sido o causador da frase que indignou o Paulo. Mas, o que eu quis dizer foi simplesmente... que, como então, com outros protagonistas, é certo, a história repete-se - minas numa estrada que é de vital importância para as populações guineenses.

As minas não são as mesmas, claro, mas os meios de que se servem os senhores da guerra são os mesmos...

É o recurso às minas que me revolta e para o qual não consigo encontrar explicação plausível.
Quero, contudo, recordar, que eu vivi a guerra do lado de cá e estive em Bissau depois da Independência, onde tive oportunidade de contactar e conviver quer com soldados que pertenceram ao Pelotão 60 [Pel Caç Nat 60 ?] , que o meu marido comandava, quer com oficiais do PAIGC de quem nos tornámos amigos. Algumas dessas histórias ficam para outros posts.

Gostaria ainda de reafirmar que, ao escrever - e faço-o directamente no meu blogue - apenas me move o sentido de partilhar sentimentos, histórias e factos. Algumas imprecisões de escrita podem levar a outros entendimentos, mas, em momento algum, pretendo falsear a História ou os factos ocorridos.

Sei, contudo, que também a História de um Povo pode ser narrada em diferentes perspectivas. Da minha parte, apenas pretendo falar de factos que marcaram a nossa vida, aliados a sentimentos que perduram - nomedamente a recusa à guerra e um desejo veemente de que África, um continente fascinante, encontre o desenvolvimento a que tem direito!

Saudações amigas

Nela (Manuela Gonçalves)

Guiné 63/74 - DCLXI: Estrada de São Domingos: as minas de ontem e as de hoje (Paulo Salgado)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Estrada S. Domigos-Varela > Edjim (ou Igim, de acordo com o mapa geral da Guiné, de 1961)> 10 de Fevereiro de 2006 > O Paulo Salgado, com o colega do Hospital Nacional Simão Mendes, à beira do Rio de Edjim, conversando com um antigo soldado guineense, apanhador de ostras.


© Paulo Salgado (2006)


Texto do Paulo Salgado:

Caros Bloguistas, camaradas e amigos,

Estou absolutamente estupefacto. Direi mesmo siderado. Com a notícia/comentário, inserida pelo Luís Graça, da Manuela Gonçalves: "Uma mina na estrada de São Domingos para Varela". Que me desculpe a Manuela e o Luís.


Guiné-Bissau > Regiãodo Cacheu > Estrada S. Domigos-Varela > 10 de Fevereiro de 2006 > Guiné-Bissau > Estrada S. Domingos-Varela> Um passeio, sexta-feira ao fim da tarde, 10 de Feverereiro de 2006.

© Paulo Salgado (2006)


As estórias não podem ser confundidas com a História; os factos de hoje têm que ser contados com verdade sob pena de estarmos a trair a nossa consciência cívica. Trata-se - julgo que a propósito do que está a acontecer na fronteira da Guiné/Bissau com o Senegal - de uma pura invenção esta de afirmar (e duvidar) «se muitas delas (das minas) não foram colocadas na guerra colonial».


Guiné-Bissau > Região do Cacheu Estrada S. Domigos-Varela > 10 de Fevereiro de 2006 > Uma paragem para o lanche...

© Paulo Salgado (2006)




Só quem não quer estar de boa fé - ou quem não domina as situações conhecendo a realidade local, ou quem quer gracejar com o presente e com o passado -, é que pode pensar que as minas de hoje são de antanho.

Da minha parte, conheço a Guiné quase toda - falta-me apenas a zona de Madina do Boé e de Cheche -, desde 1990 (depois de ter passado aqui em 1970 / 1972), por picadas antes minadas, por carreiros antigos também antes minados, por tabancas remotas - acompanhado pela minha mulher - em passeios de carro, a pé, de candonga, de cambança, e nunca me falaram de minas que restassem.

Apenas registo - porque é justo - que em 1991, quando faziam a estrada de alcatrão de Bambadinca para o Sul, me informaram terem sido descobertas e rebentadas minas na antiga estrada, certamente conhecida dos nossos companheiros que por ali passaram.

Não posso nem devo afirmar peremptoriamente que todas as minas da guerra colonial foram rebentadas ou desativadas. Diferente é confundir estória com História. O que se passa na fronteira é profundamente sério para se mandarem palpites desta natureza. O que se passa na fronteira é algo que transcende um problema de limites: os interesses geo-estratégicos regionais e mesmo mundiais.

Já uma vez, ou duas, afirmei neste magnífico local de comunicação que um dado facto ocorrido numa emboscada, num patrulhamento, num golpe de mão, mesmo num desafio de futebol pela tarde de domingo, no Olossato, em Bambadinca, no Xitole, em Buruntuma, pode ser recontado de maneiras diferentes, convencidos os autores de que estão a falar a verdade - mas é tão-somente a sua verdade.

Já agora: há pouco mais de um mês, a equipa que está aqui desde Setembro [como cooperantes, no Hospital Nacional Simão Mendes], foi a Varela pela picada difícil (a mesma em que há dias foi colocada uma mina), merendou no caminho, tirou umas fotos, visitou tabancas e locais aprazíveis, e dormiu no aparthotel da Fátima - que, a esta hora, deve estar preocupada, com o marido e funcionários!

Mantanhas pa tudus.

Paulo Salgado

PS: Concordo: antes como agora, as minas não devem não podem ser colocadas!

Guiné 63/74 - DCLXI: Estrada de São Domingos: as minas de ontem e as de hoje (Paulo Salgado)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Estrada S. Domigos-Varela > Edjim (ou Igim, de acordo com o mapa geral da Guiné, de 1961)> 10 de Fevereiro de 2006 > O Paulo Salgado, com o colega do Hospital Nacional Simão Mendes, à beira do Rio de Edjim, conversando com um antigo soldado guineense, apanhador de ostras.


© Paulo Salgado (2006)


Texto do Paulo Salgado:

Caros Bloguistas, camaradas e amigos,

Estou absolutamente estupefacto. Direi mesmo siderado. Com a notícia/comentário, inserida pelo Luís Graça, da Manuela Gonçalves: "Uma mina na estrada de São Domingos para Varela". Que me desculpe a Manuela e o Luís.


Guiné-Bissau > Regiãodo Cacheu > Estrada S. Domigos-Varela > 10 de Fevereiro de 2006 > Guiné-Bissau > Estrada S. Domingos-Varela> Um passeio, sexta-feira ao fim da tarde, 10 de Feverereiro de 2006.

© Paulo Salgado (2006)


As estórias não podem ser confundidas com a História; os factos de hoje têm que ser contados com verdade sob pena de estarmos a trair a nossa consciência cívica. Trata-se - julgo que a propósito do que está a acontecer na fronteira da Guiné/Bissau com o Senegal - de uma pura invenção esta de afirmar (e duvidar) «se muitas delas (das minas) não foram colocadas na guerra colonial».


Guiné-Bissau > Região do Cacheu Estrada S. Domigos-Varela > 10 de Fevereiro de 2006 > Uma paragem para o lanche...

© Paulo Salgado (2006)




Só quem não quer estar de boa fé - ou quem não domina as situações conhecendo a realidade local, ou quem quer gracejar com o presente e com o passado -, é que pode pensar que as minas de hoje são de antanho.

Da minha parte, conheço a Guiné quase toda - falta-me apenas a zona de Madina do Boé e de Cheche -, desde 1990 (depois de ter passado aqui em 1970 / 1972), por picadas antes minadas, por carreiros antigos também antes minados, por tabancas remotas - acompanhado pela minha mulher - em passeios de carro, a pé, de candonga, de cambança, e nunca me falaram de minas que restassem.

Apenas registo - porque é justo - que em 1991, quando faziam a estrada de alcatrão de Bambadinca para o Sul, me informaram terem sido descobertas e rebentadas minas na antiga estrada, certamente conhecida dos nossos companheiros que por ali passaram.

Não posso nem devo afirmar peremptoriamente que todas as minas da guerra colonial foram rebentadas ou desativadas. Diferente é confundir estória com História. O que se passa na fronteira é profundamente sério para se mandarem palpites desta natureza. O que se passa na fronteira é algo que transcende um problema de limites: os interesses geo-estratégicos regionais e mesmo mundiais.

Já uma vez, ou duas, afirmei neste magnífico local de comunicação que um dado facto ocorrido numa emboscada, num patrulhamento, num golpe de mão, mesmo num desafio de futebol pela tarde de domingo, no Olossato, em Bambadinca, no Xitole, em Buruntuma, pode ser recontado de maneiras diferentes, convencidos os autores de que estão a falar a verdade - mas é tão-somente a sua verdade.

Já agora: há pouco mais de um mês, a equipa que está aqui desde Setembro [como cooperantes, no Hospital Nacional Simão Mendes], foi a Varela pela picada difícil (a mesma em que há dias foi colocada uma mina), merendou no caminho, tirou umas fotos, visitou tabancas e locais aprazíveis, e dormiu no aparthotel da Fátima - que, a esta hora, deve estar preocupada, com o marido e funcionários!

Mantanhas pa tudus.

Paulo Salgado

PS: Concordo: antes como agora, as minas não devem não podem ser colocadas!

Guiné 63/74 - DCLX: À sexta-feira, dia 13, o melhor era ficar na cama (Carlos Vinhal)

Post nº 660 (DCLX). Texto do Carlos Vinhal (ex-Fur Mil, de Minas e Armadilhas, da CART 2732, Mansabá, 1970/72):

Mansabá, 13 de Agosto de 1971 – Sexta-feira

Tarde quente de Agosto que se adivinhava enfadonha. Como não tinha nada que fazer, estava deitado na cama, deixando correr o tempo e ouvia pela milionésima vez uma das duas cassetes que tinha.

O meu Pelotão estava de Serviço ao Aquartelamento e eu, como estava de Sargento de Ronda, entraria ao serviço só lá pela meia-noite. De repente lembrei-me que era Sexta-feira e ao mesmo tempo dia 13.

Como não sou supersticioso, saltei da cama e logo pensei que era o dia indicado para se fazer aquelas tarefas que se não devem fazer nestes dias ditos azarentos. Vesti-me e fui à caserna dos condutores procurar um voluntário para ir comigo ao exterior do arame farpado rebentar granadas velhas. Não foi difícil encontrar alguém, porque toda a gente gostava assistir ao espectáculo dos rebentamentos.

Enquanto ele foi aprontar um Unimog, fui levantar um Rádio e avisar o meu alferes que estava de Oficial de Dia, dos meus intentos, para que ele por sua vez avisasse todos os Postos à volta do Aquartelamento e mais quem achasse por direito ser prevenido.

Carregado o Unimog, dirigimo-nos para o exterior do arame farpado, estrada de Mansabá para o K3, para junto de uma árvore morta onde eu costumava, num buraco existente junto dela, destruir o material que ia armazenando.

Depois de dispostas, com cuidado, as granadas velhas no buraco, juntei-lhes uns pedaços de TNT providos de detonadores eléctricos para provocar o rebentamento controlado com comando remoto.

Após o rebentamento e enquanto o fumo se dissipava, aproximei-me para verificar se tinha corrido tudo bem. Mal me abeirei do local, fui recebido por um enxame de abelhas selvagens, em polvorosa, que me perseguiram, enquanto eu fugia a sete pés.

Como não fui suficientemente lesto fui picado na cabeça e nas mãos. Enquanto corria, pelo Rádio começaram a chamar por mim. Quando pude, parei e atendi: era um soldado das Transmissões a comunicar-me que o Comandante, pessoa com quem eu não simpatizava e vice-versa, ordenava que me apresentasse imediatamente no seu gabinete.

Desmontei o serviço, carregámos as tralhas na viatura e lá fomos a caminho do Aquartelamento, não prevendo já nada de bom.

Quando entrei na porta da Secretaria, o gabinete do Comandante só tinha acesso por lá, fui alvo de riso por parte dos presentes. O meu aspecto era algo caricato pelos inchaços na testa provocados pelas picadas das abelhas. Ao mesmo tempo vi caras de preocupação pelo que me esperava lá dentro.

Bati à porta e à voz de ENTRE, entrei, fiz a continência da praxe e em sentido esperei pela pancada. Indiferente ao meu aspecto, perguntou-me o Comandante, muito furioso:

- Nosso Furriel, quem o autorizou a fazer rebentamentos? - Respondi que ninguém e que julgava ter competência suficiente para saber qual era a melhor ocasião para destruir material perigoso, depositado na Arrecadação do Material de Guerra, à minha responsabilidade, desde que antecipadamente desse conhecimento.

- Mas eu não soube de nada!!!

Disse-lhe que previamente tinha avisado o nosso Alferes B. que estava de Oficial de Dia, para que ele por sua vez alertasse os postos de vigilância e providenciasse pela minha segurança e do condutor que me acompanhava.

- Vá chamar imediatamente o nosso alferes.

Fui ao Bar dos oficiais procurar o Oficial de Dia para ele me acompanhar ao gabinete do nosso Capitão. Com os dois já na presença dele, foi a vez de ser o alferes o interpelado:

- Nosso alferes, o nosso furriel Vinhal deu-lhe conhecimento de que ia fazer rebentamentos?

- Sim, meu comandante, deu.

- E você avisou-me?

- Não meu comandante, avisei toda a gente mas não me lembrei do senhor, peço desculpa pelo esquecimento.

- Nosso furriel, pode retirar-se. Por esta vez escapou de uma porrada, mas tenha cuidado comigo.

O que se passou no Gabinete do Comandante depois de eu sair não sei, mas adivinho que o alferes tenha ouvido das boas.

Na Secretaria fiquei a saber pelo nosso Primeiro que, quando se deu o rebentamento, o Capitão, julgando tratar-se de um ataque ao aquartelamento, deitou a fugir pelo gabinete fora, mas quando viu que toda a gente continuava sentada a trabalhar, impávida e serena e, ainda por cima com ar de riso, ficou furioso. Sabendo posteriormente que fui eu o autor do rebentamento, gostando de mim como gostava, julgou chegada a hora de me dar a porrada há muito prometida.

Restabelecida a ordem, dediquei-me a tratar as picadas das abelhas e a reflectir sobre a tarde que tinha passado. Não foi enfadonha, mas convenhamos que às Sextas-feiras dias 13, o melhor é ficar na cama, sossegadinho, a ouvir pela milionésima vez a música de uma de duas cassetes que se tenha e da qual se sabe de cor e salteado a sequência das canções.

Felizmente, para mim, mais tarde este comandante deu baixa por doença (?) ao Hospital Militar 241, sendo posteriormente evacuado definitivamente para Lisboa.

Carlos Vinhal

Ex-Fur Mil Minas e Armadillhas

CART 2732 (1970/72) (1)

_____________

Nota de L.G.

(1) Vd post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - DCLX: À sexta-feira, dia 13, o melhor era ficar na cama (Carlos Vinhal)

Post nº 660 (DCLX). Texto do Carlos Vinhal (ex-Fur Mil, de Minas e Armadilhas, da CART 2732, Mansabá, 1970/72):

Mansabá, 13 de Agosto de 1971 – Sexta-feira

Tarde quente de Agosto que se adivinhava enfadonha. Como não tinha nada que fazer, estava deitado na cama, deixando correr o tempo e ouvia pela milionésima vez uma das duas cassetes que tinha.

O meu Pelotão estava de Serviço ao Aquartelamento e eu, como estava de Sargento de Ronda, entraria ao serviço só lá pela meia-noite. De repente lembrei-me que era Sexta-feira e ao mesmo tempo dia 13.

Como não sou supersticioso, saltei da cama e logo pensei que era o dia indicado para se fazer aquelas tarefas que se não devem fazer nestes dias ditos azarentos. Vesti-me e fui à caserna dos condutores procurar um voluntário para ir comigo ao exterior do arame farpado rebentar granadas velhas. Não foi difícil encontrar alguém, porque toda a gente gostava assistir ao espectáculo dos rebentamentos.

Enquanto ele foi aprontar um Unimog, fui levantar um Rádio e avisar o meu alferes que estava de Oficial de Dia, dos meus intentos, para que ele por sua vez avisasse todos os Postos à volta do Aquartelamento e mais quem achasse por direito ser prevenido.

Carregado o Unimog, dirigimo-nos para o exterior do arame farpado, estrada de Mansabá para o K3, para junto de uma árvore morta onde eu costumava, num buraco existente junto dela, destruir o material que ia armazenando.

Depois de dispostas, com cuidado, as granadas velhas no buraco, juntei-lhes uns pedaços de TNT providos de detonadores eléctricos para provocar o rebentamento controlado com comando remoto.

Após o rebentamento e enquanto o fumo se dissipava, aproximei-me para verificar se tinha corrido tudo bem. Mal me abeirei do local, fui recebido por um enxame de abelhas selvagens, em polvorosa, que me perseguiram, enquanto eu fugia a sete pés.

Como não fui suficientemente lesto fui picado na cabeça e nas mãos. Enquanto corria, pelo Rádio começaram a chamar por mim. Quando pude, parei e atendi: era um soldado das Transmissões a comunicar-me que o Comandante, pessoa com quem eu não simpatizava e vice-versa, ordenava que me apresentasse imediatamente no seu gabinete.

Desmontei o serviço, carregámos as tralhas na viatura e lá fomos a caminho do Aquartelamento, não prevendo já nada de bom.

Quando entrei na porta da Secretaria, o gabinete do Comandante só tinha acesso por lá, fui alvo de riso por parte dos presentes. O meu aspecto era algo caricato pelos inchaços na testa provocados pelas picadas das abelhas. Ao mesmo tempo vi caras de preocupação pelo que me esperava lá dentro.

Bati à porta e à voz de ENTRE, entrei, fiz a continência da praxe e em sentido esperei pela pancada. Indiferente ao meu aspecto, perguntou-me o Comandante, muito furioso:

- Nosso Furriel, quem o autorizou a fazer rebentamentos? - Respondi que ninguém e que julgava ter competência suficiente para saber qual era a melhor ocasião para destruir material perigoso, depositado na Arrecadação do Material de Guerra, à minha responsabilidade, desde que antecipadamente desse conhecimento.

- Mas eu não soube de nada!!!

Disse-lhe que previamente tinha avisado o nosso Alferes B. que estava de Oficial de Dia, para que ele por sua vez alertasse os postos de vigilância e providenciasse pela minha segurança e do condutor que me acompanhava.

- Vá chamar imediatamente o nosso alferes.

Fui ao Bar dos oficiais procurar o Oficial de Dia para ele me acompanhar ao gabinete do nosso Capitão. Com os dois já na presença dele, foi a vez de ser o alferes o interpelado:

- Nosso alferes, o nosso furriel Vinhal deu-lhe conhecimento de que ia fazer rebentamentos?

- Sim, meu comandante, deu.

- E você avisou-me?

- Não meu comandante, avisei toda a gente mas não me lembrei do senhor, peço desculpa pelo esquecimento.

- Nosso furriel, pode retirar-se. Por esta vez escapou de uma porrada, mas tenha cuidado comigo.

O que se passou no Gabinete do Comandante depois de eu sair não sei, mas adivinho que o alferes tenha ouvido das boas.

Na Secretaria fiquei a saber pelo nosso Primeiro que, quando se deu o rebentamento, o Capitão, julgando tratar-se de um ataque ao aquartelamento, deitou a fugir pelo gabinete fora, mas quando viu que toda a gente continuava sentada a trabalhar, impávida e serena e, ainda por cima com ar de riso, ficou furioso. Sabendo posteriormente que fui eu o autor do rebentamento, gostando de mim como gostava, julgou chegada a hora de me dar a porrada há muito prometida.

Restabelecida a ordem, dediquei-me a tratar as picadas das abelhas e a reflectir sobre a tarde que tinha passado. Não foi enfadonha, mas convenhamos que às Sextas-feiras dias 13, o melhor é ficar na cama, sossegadinho, a ouvir pela milionésima vez a música de uma de duas cassetes que se tenha e da qual se sabe de cor e salteado a sequência das canções.

Felizmente, para mim, mais tarde este comandante deu baixa por doença (?) ao Hospital Militar 241, sendo posteriormente evacuado definitivamente para Lisboa.

Carlos Vinhal

Ex-Fur Mil Minas e Armadillhas

CART 2732 (1970/72) (1)

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Nota de L.G.

(1) Vd post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - DCLIX: Bateria de Artilharia Antiaérea 3001 (Nova Lamego, 1971/72)

Mensagem de Manuel Santos:

Olá, camaradas:

Após de ter consultado o vosso site, veio-me á lembrança os bons e maus momentos que eu passei na Guiné, mais propriamente em Nova Lamego [, Zona Leste, região de Gabu], nos anos de 71/72, estando integrado no Pelotão de Antiaérea 3001.

Vocês estão a fazer um belísssimo trabalho que é de se lhe tirar o chapéu, e eu dentro das minha possibilidades vou tentar aumentar o vosso espólio, espero. Temos um pequeno grupo do pelotão, faltando ainda uns elementos que não nos foi possível de contactar, mas espero vir ainda a descobri-los.

Não sei explicar o que sinto quando nos juntamos, a verdade é que conto os dias que faltam para nos reunirmo-nos e vai já ser no próximo mês de Maio no dia 20.

Espero notícias vossas e estou disponível para poder contribuir, dentro das minhas possibilidades e capacidades

Vosso camarada, ex-combatente
Manuel Santos

2. Comentário de L.G.:

Camarada: Não fazia a mínima ideia de que houvesse antiaéreas nossas na Região de Gabu, nessa época (1971/72). É claro que tu e os teus camaradas de pelotão serão bem-vindos à nossa tertúlia. Consta-nos mais da tua estória e manda-nos algumas fotos digitalizadas.

Quando dizes Pelotão de Antiaérea 3001 estás-te a referir à Bateria de Artilharia Anti-Aérea (BAA) 3001, que tinha um pelotão (o teu) em Lamego, é isso ?

Um abraço,
Luís Graça

Guiné 63/74 - DCLIX: Bateria de Artilharia Antiaérea 3001 (Nova Lamego, 1971/72)

Mensagem de Manuel Santos:

Olá, camaradas:

Após de ter consultado o vosso site, veio-me á lembrança os bons e maus momentos que eu passei na Guiné, mais propriamente em Nova Lamego [, Zona Leste, região de Gabu], nos anos de 71/72, estando integrado no Pelotão de Antiaérea 3001.

Vocês estão a fazer um belísssimo trabalho que é de se lhe tirar o chapéu, e eu dentro das minha possibilidades vou tentar aumentar o vosso espólio, espero. Temos um pequeno grupo do pelotão, faltando ainda uns elementos que não nos foi possível de contactar, mas espero vir ainda a descobri-los.

Não sei explicar o que sinto quando nos juntamos, a verdade é que conto os dias que faltam para nos reunirmo-nos e vai já ser no próximo mês de Maio no dia 20.

Espero notícias vossas e estou disponível para poder contribuir, dentro das minhas possibilidades e capacidades

Vosso camarada, ex-combatente
Manuel Santos

2. Comentário de L.G.:

Camarada: Não fazia a mínima ideia de que houvesse antiaéreas nossas na Região de Gabu, nessa época (1971/72). É claro que tu e os teus camaradas de pelotão serão bem-vindos à nossa tertúlia. Consta-nos mais da tua estória e manda-nos algumas fotos digitalizadas.

Quando dizes Pelotão de Antiaérea 3001 estás-te a referir à Bateria de Artilharia Anti-Aérea (BAA) 3001, que tinha um pelotão (o teu) em Lamego, é isso ?

Um abraço,
Luís Graça

29 março 2006

Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)

1. Texto do Manuel Mata:

Caro Luís Graça

Volto à questão do Teófilo ser ou não um presumível informador da PIDE/DGS... Não creio! (Com o devido respeito, e que me perdoe a família por estar a referir o seu nome e passagens do meu convívio com o seu familiar, mas são memórias de uma época que gosto de partilhar embora com alguma imprecisão, já que vão decorridos 36 anos, e os neurónios por vezes já não respondem a 100%).

O Esq Rec Fox 2640 (1) tinha um sistema rotativo do serviço de vagomestre, à messe de Oficiais e de Sargentos. No mês que coube ao 1º Sarg Mecânico (já falecido), as refeições ao longo das primeiras semanas foram quase sempre à base de peixe do rio, pescado na zona de Sonaco, a nordeste de Contuboel.



Guiné > Sonaco > Rio Geba > A pesca à granada... Na foto o Manuel Mata (à esquerda) © Manuel Mata (2006)


Eu levava granadas defensivas ou ofensivas que eram posteriormente justificadas em combate, questão que o 1º Sargento resolvia para que eu não tivesse problemas com o Comandante do Esquadrão. Lá seguíamos nós (ele, a esposa, o filho de 3 a 4 anos de idade e eu por vezes),numa Peugeot de caixa aberta e, chegados a Sonaco, dois Guineenses com canoas conduziam-nos pelo Rio...Granada aqui, granada acolá, lá vinha o peixe à tona da água, mergulhava um dos guias para apanhar o peixe...

Um certo dia, o pessoal do Esquadrão já estava saturado... O Comandante, Capitão Fernando Vouga, mandou que se atirasse tudo ao lixo e exigiu cabrito para o almoço. E assim foi! Nesse mesmo dia, passei pelo café do Teófilo, fez-me logo o comentário:
- Então, o mecânico não se contenta só com o que rouba ao civis na reparação das viaturas!? Vai pagar tudo!

O Esquadrão teve em determinada altura algumas armas de caça automáticas, de cinco tiros, que o pessoal podia requisitar para os seus tempos de lazer. O 1º Sargento mecânico era um dos elementos que as utilizava para a caça nocturna.

Uma noite, em que por casualidade o não acompanhei, foi coadjuvado pelo 1º Cabo Cozinheiro, cerca das 24 h, ao tentar regressar à viatura com o carregamento de lebres, o guia diz estar desorientado e não saber onde se encontrava a carrinha. O sargento deu-lhe algum tempo para se orientar na mata. Este continuou a dizer que não conseguia ir ter à carrinha. O sargento apontou-lhe a espingarda à cabeça e disse:
- Ou encontras já o transporte ou disparo! - O rapaz lá seguiu e, mal dada uma meia dúzia de passos, eis a carrinha à sua frente.

Guiné > Bafatá > 1970 > O milagre dos peixes...

© Manuel Mata (2006)

Posteriormente, passo pelo Café do Sr. Teófilo (parece que o estou a ver de bengala na mão, sentado na sua cadeira de braços, do lado esquerdo da porta do café)... Quando pus o pé no patamar, disse-me logo em voz baixa:
- Então o teu amigo mecânico ontem à noite ia ficando na caça?
Observei no mesmo tom:
- Como sabe? - Respondeu:
- Já te disse que sei tudo - e acrescentou:
- Não perde pela demora! - Semanas mais tarde, estando o 1º Sargento em casa, entre as 21 e as 23 horas, de um determinado dia, bateram-lhe à porta dizendo:
- Foge com a mulher e o menino, eles vêm para te matar!.

Não foi, por o Teófilo ser um presumível informador da PIDE/DGS, como se dizia, mas por haver fortes duvidas, quanto à sua ligação ao PAIGC, e ao mesmo tempo viver num bairro onde viviam elementos do IN, que chegou a estar tudo de prevenção em Bafatá, com o material bélico apontado para a zona, incluíndo o Pelotão de morteiros sediado no Batalhão, para queimarem a área... Felizmente imperou o bom senso.

Não creio que o Teófilo fosse um informador [da PIDE/DGS] mas socorria-se desse subterfúgio para camuflar outras facetas.

Falando em PIDE/DGS, recordo um elemento que estava em Bafatá, muito activo, de quem não me recordo o nome, mas penso ser da área de Castelo Branco: conseguiu descobrir (sempre andando na sua bicicleta) onde o pessoal do IN se reunia numa tabanca próximo da Ponte Salazar, no Rio Geba. Várias vezes o vi fazer o percurso da pista de aviação com destino a essa tabanca. Certo dia comentei com o Teófilo esta situação. Resposta curta e directa:
- Esse não sai de cá com vida! - Algum tempo depois, na referida tabanca, o pessoal reunido, lá aparece o elemento da PIDE/DGS, deram-lhe tanta pancada que foi evacuado de helicóptero...Por sorte, passava nesse momento o jipe da patrulha, o que levou os agressores a fugir e a aparecer gente para socorrer a vítima.

Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
- Eu não te disse? Já pagou! - Acrescentei eu:
- Sabe que o indivíduo já me tinha convidado para ingressar na PIDE/DGS, ele fazia-me o requerimento ao Director Rosa Casaco e eu quando regressase a Lisboa entrava logo ao serviço (claro não era serviço que se coadunasse com a minha forma de ser e de estar na sociedade)... O Teófilo ficou furioso e fez o seguinte comentário:
- Esse porco já teve o que merecia!

Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
- A coluna que se realiza no dia x vai ser emboscada... - E era fatal como o destino. Quando foi o ataque a Bafatá, ele já o tinha previsto, umas semanas antes.

Manuel Mata

2. Comentário de L.G.:

Manuel Mata:

Estes elementos são preciosos... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS... Pelo contrário, ele deveria ser contra a situação (o regime político então vigente desde 1926), só assim se explica que ele tivesse sido deportado para a Guiné no princípio dos anos 30... Nalguns sítios (como Bambadinca, que eu conheci melhor) havia a suspeita de os comerciantes locais serem também informadores da PIDE ou jogarem com um pau de dois bicos... Eu oenso que, aos olhos da tropa, isso devia acontecer em todos os os postos administrativos e localidades de menor importância onde houvesse comerciantes (portugueses, caboverdianos ou libaneses)...

Essa estória do PIDE que levou porrada numa tabanca (iam-lhe cortando o nariz, à dentada) ouvia-a eu ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana... Hei-de contá-la aqui, um dia destes. Lembro-me que de ouvir a conversa dele (eu, incomodado, com a presença deles, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)...O fulano - que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido imigrante, com os pais, na Alemanha - estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) já não se podia fazer justiça pelas mãos próprias como nos bons velhos tempos do colonialismo...

Uma última pergunta: alguma vez vistes os pides locais frequentarem o café do Teófilo ? Pelo que me contas, ele não gostava mesmo deles, o que vem confirmar a minha teoria de ser o Teófilo um velho antifascista... (ou do reviralho, como diriam os pides). Infelizmente não tive com ele a mesma intimidade que tu tiveste!

___________

Nota de L.G.

(1)Vd. post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)

1. Texto do Manuel Mata:

Caro Luís Graça

Volto à questão do Teófilo ser ou não um presumível informador da PIDE/DGS... Não creio! (Com o devido respeito, e que me perdoe a família por estar a referir o seu nome e passagens do meu convívio com o seu familiar, mas são memórias de uma época que gosto de partilhar embora com alguma imprecisão, já que vão decorridos 36 anos, e os neurónios por vezes já não respondem a 100%).

O Esq Rec Fox 2640 (1) tinha um sistema rotativo do serviço de vagomestre, à messe de Oficiais e de Sargentos. No mês que coube ao 1º Sarg Mecânico (já falecido), as refeições ao longo das primeiras semanas foram quase sempre à base de peixe do rio, pescado na zona de Sonaco, a nordeste de Contuboel.



Guiné > Sonaco > Rio Geba > A pesca à granada... Na foto o Manuel Mata (à esquerda) © Manuel Mata (2006)


Eu levava granadas defensivas ou ofensivas que eram posteriormente justificadas em combate, questão que o 1º Sargento resolvia para que eu não tivesse problemas com o Comandante do Esquadrão. Lá seguíamos nós (ele, a esposa, o filho de 3 a 4 anos de idade e eu por vezes),numa Peugeot de caixa aberta e, chegados a Sonaco, dois Guineenses com canoas conduziam-nos pelo Rio...Granada aqui, granada acolá, lá vinha o peixe à tona da água, mergulhava um dos guias para apanhar o peixe...

Um certo dia, o pessoal do Esquadrão já estava saturado... O Comandante, Capitão Fernando Vouga, mandou que se atirasse tudo ao lixo e exigiu cabrito para o almoço. E assim foi! Nesse mesmo dia, passei pelo café do Teófilo, fez-me logo o comentário:
- Então, o mecânico não se contenta só com o que rouba ao civis na reparação das viaturas!? Vai pagar tudo!

O Esquadrão teve em determinada altura algumas armas de caça automáticas, de cinco tiros, que o pessoal podia requisitar para os seus tempos de lazer. O 1º Sargento mecânico era um dos elementos que as utilizava para a caça nocturna.

Uma noite, em que por casualidade o não acompanhei, foi coadjuvado pelo 1º Cabo Cozinheiro, cerca das 24 h, ao tentar regressar à viatura com o carregamento de lebres, o guia diz estar desorientado e não saber onde se encontrava a carrinha. O sargento deu-lhe algum tempo para se orientar na mata. Este continuou a dizer que não conseguia ir ter à carrinha. O sargento apontou-lhe a espingarda à cabeça e disse:
- Ou encontras já o transporte ou disparo! - O rapaz lá seguiu e, mal dada uma meia dúzia de passos, eis a carrinha à sua frente.

Guiné > Bafatá > 1970 > O milagre dos peixes...

© Manuel Mata (2006)

Posteriormente, passo pelo Café do Sr. Teófilo (parece que o estou a ver de bengala na mão, sentado na sua cadeira de braços, do lado esquerdo da porta do café)... Quando pus o pé no patamar, disse-me logo em voz baixa:
- Então o teu amigo mecânico ontem à noite ia ficando na caça?
Observei no mesmo tom:
- Como sabe? - Respondeu:
- Já te disse que sei tudo - e acrescentou:
- Não perde pela demora! - Semanas mais tarde, estando o 1º Sargento em casa, entre as 21 e as 23 horas, de um determinado dia, bateram-lhe à porta dizendo:
- Foge com a mulher e o menino, eles vêm para te matar!.

Não foi, por o Teófilo ser um presumível informador da PIDE/DGS, como se dizia, mas por haver fortes duvidas, quanto à sua ligação ao PAIGC, e ao mesmo tempo viver num bairro onde viviam elementos do IN, que chegou a estar tudo de prevenção em Bafatá, com o material bélico apontado para a zona, incluíndo o Pelotão de morteiros sediado no Batalhão, para queimarem a área... Felizmente imperou o bom senso.

Não creio que o Teófilo fosse um informador [da PIDE/DGS] mas socorria-se desse subterfúgio para camuflar outras facetas.

Falando em PIDE/DGS, recordo um elemento que estava em Bafatá, muito activo, de quem não me recordo o nome, mas penso ser da área de Castelo Branco: conseguiu descobrir (sempre andando na sua bicicleta) onde o pessoal do IN se reunia numa tabanca próximo da Ponte Salazar, no Rio Geba. Várias vezes o vi fazer o percurso da pista de aviação com destino a essa tabanca. Certo dia comentei com o Teófilo esta situação. Resposta curta e directa:
- Esse não sai de cá com vida! - Algum tempo depois, na referida tabanca, o pessoal reunido, lá aparece o elemento da PIDE/DGS, deram-lhe tanta pancada que foi evacuado de helicóptero...Por sorte, passava nesse momento o jipe da patrulha, o que levou os agressores a fugir e a aparecer gente para socorrer a vítima.

Comentário do Sr. Teófilo após o acontecimento:
- Eu não te disse? Já pagou! - Acrescentei eu:
- Sabe que o indivíduo já me tinha convidado para ingressar na PIDE/DGS, ele fazia-me o requerimento ao Director Rosa Casaco e eu quando regressase a Lisboa entrava logo ao serviço (claro não era serviço que se coadunasse com a minha forma de ser e de estar na sociedade)... O Teófilo ficou furioso e fez o seguinte comentário:
- Esse porco já teve o que merecia!

Foram estas situações, vividas e outras, que sempre me levaram a acreditar na sua inocência nesse campo, tanto mais que por vezes me dizia:
- A coluna que se realiza no dia x vai ser emboscada... - E era fatal como o destino. Quando foi o ataque a Bafatá, ele já o tinha previsto, umas semanas antes.

Manuel Mata

2. Comentário de L.G.:

Manuel Mata:

Estes elementos são preciosos... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS... Pelo contrário, ele deveria ser contra a situação (o regime político então vigente desde 1926), só assim se explica que ele tivesse sido deportado para a Guiné no princípio dos anos 30... Nalguns sítios (como Bambadinca, que eu conheci melhor) havia a suspeita de os comerciantes locais serem também informadores da PIDE ou jogarem com um pau de dois bicos... Eu oenso que, aos olhos da tropa, isso devia acontecer em todos os os postos administrativos e localidades de menor importância onde houvesse comerciantes (portugueses, caboverdianos ou libaneses)...

Essa estória do PIDE que levou porrada numa tabanca (iam-lhe cortando o nariz, à dentada) ouvia-a eu ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana... Hei-de contá-la aqui, um dia destes. Lembro-me que de ouvir a conversa dele (eu, incomodado, com a presença deles, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)...O fulano - que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido imigrante, com os pais, na Alemanha - estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) já não se podia fazer justiça pelas mãos próprias como nos bons velhos tempos do colonialismo...

Uma última pergunta: alguma vez vistes os pides locais frequentarem o café do Teófilo ? Pelo que me contas, ele não gostava mesmo deles, o que vem confirmar a minha teoria de ser o Teófilo um velho antifascista... (ou do reviralho, como diriam os pides). Infelizmente não tive com ele a mesma intimidade que tu tiveste!

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Nota de L.G.

(1)Vd. post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)