11 dezembro 2004

Socio(b)logia - XII: A humanização da condição animal

1. Há fotos que recebemos na nossa caixa de correio que são tristes, lamentáveis e até reprováveis. Eis uma lista, a título exemplificativo:

(i) o tigre a brincar num jardim zoológico tailandês com os três porquinhos da história do lobo;

(ii) os três ursinhos pardos, perdidos da mãe, a espreitar para dentro de um jeep todo o terreno numa estrada de um parque nacional nos States, sobb o olhar embevecido de uma turista de fim-de-semana;

(iii) uma mãe orangotango olhando com ‘ar ternurento’ o seu bebé orangotango, num centro de reabilitação de orangotangos;

(iv) o pobre do cão que se refugia na parte de baixo do frigorífico para fugir da canícula do verão ou da estupidez do dono;

(v) um macaco (japonês ? Macaca fuscata ?) a abraçar um felino…



Fotos tristes, eticamente reprováveis e que poderiam ter como legenda, se os animais falassem como no tempo de La Fontaine: “Eis que o Ele fez de nós!”… Ele é o ‘Homo Sapiens’, o ‘Primus Inter Pares’, o primeiro entre iguais, segundo a velha classificação de Lineu (1707-1778)...



Tenho, às vezes, a secreta dúvida, ou suspeita, de que a humanização do planeta azul foi (ou tem sido) igual a colonização e domesticação (logo, dominação) dos outros seres vivos… O primata social e territorial que há em nós é incapaz de amar sem possuir, colonizar, e hélas!, destruir…



2. Fico horrorizado só de pensar que os nossos ’irmãos’ primatas, os grandes símios, do gorila de montanha, na África equatorial, ao orangotango da floresta do Bornéu, na Indonésia, vão desaparecer dentro dos próximos anos e que só vamos passar a poder vê-los em cativeiro, em prisões mais ou menos douradas, em zoos pós-modernos, nas reservas para turistas ricos, nos laboratórios de genética animal, nos canais de televisão por cabo, nas imagens que guardarmos nos nossos computadores, nos manuais de biologia, zoologia e etologia, nos livros das nossas bibliotecas de Alexandria… Como estas imagens que de vez em quando recebo e que também mando aos meus amigos e conhecidos, e que não deveria mandar porque são tristes, lamentáveis e sobretudo reprováveis.



Será que Ele e eles ainda têm alguma chance de escapar da extinção? Sejamos moderadamente optimistas… De qualquer modo, dizer que o homem é o lobo do homem (homo lupus homimi) é um insulto ao pobre do lobo, em extinção em Portugal e no resto da Europa. Como se não bastasse já esta estória execrável, antropocêntrica, de violação e de terror que é a do O Lobo e o Capuchinho Vermelho, que nos era contada até à saciedade quando éramos meninos do coro e da catequese, usávamos bibe e jogávamos ao pião.

Socio(b)logia - XII: A humanização da condição animal

1. Há fotos que recebemos na nossa caixa de correio que são tristes, lamentáveis e até reprováveis. Eis uma lista, a título exemplificativo:
(i) o tigre a brincar num jardim zoológico tailandês com os três porquinhos da história do lobo;
(ii) os três ursinhos pardos, perdidos da mãe, a espreitar para dentro de um jeep todo o terreno numa estrada de um parque nacional nos States, sobb o olhar embevecido de uma turista de fim-de-semana;
(iii) uma mãe orangotango olhando com ‘ar ternurento’ o seu bebé orangotango, num centro de reabilitação de orangotangos;
(iv) o pobre do cão que se refugia na parte de baixo do frigorífico para fugir da canícula do verão ou da estupidez do dono;
(v) um macaco (japonês ? Macaca fuscata ?) a abraçar um felino…

Fotos tristes, eticamente reprováveis e que poderiam ter como legenda, se os animais falassem como no tempo de La Fontaine: “Eis que o Ele fez de nós!”… Ele é o ‘Homo Sapiens’, o ‘Primus Inter Pares’, o primeiro entre iguais, segundo a velha classificação de Lineu (1707-1778)...

Tenho, às vezes, a secreta dúvida, ou suspeita, de que a humanização do planeta azul foi (ou tem sido) igual a colonização e domesticação (logo, dominação) dos outros seres vivos… O primata social e territorial que há em nós é incapaz de amar sem possuir, colonizar, e hélas!, destruir…

2. Fico horrorizado só de pensar que os nossos ’irmãos’ primatas, os grandes símios, do gorila de montanha, na África equatorial, ao orangotango da floresta do Bornéu, na Indonésia, vão desaparecer dentro dos próximos anos e que só vamos passar a poder vê-los em cativeiro, em prisões mais ou menos douradas, em zoos pós-modernos, nas reservas para turistas ricos, nos laboratórios de genética animal, nos canais de televisão por cabo, nas imagens que guardarmos nos nossos computadores, nos manuais de biologia, zoologia e etologia, nos livros das nossas bibliotecas de Alexandria… Como estas imagens que de vez em quando recebo e que também mando aos meus amigos e conhecidos, e que não deveria mandar porque são tristes, lamentáveis e sobretudo reprováveis.

Será que Ele e eles ainda têm alguma chance de escapar da extinção? Sejamos moderadamente optimistas… De qualquer modo, dizer que o homem é o lobo do homem (homo lupus homimi) é um insulto ao pobre do lobo, em extinção em Portugal e no resto da Europa. Como se não bastasse já esta estória execrável, antropocêntrica, de violação e de terror que é a do O Lobo e o Capuchinho Vermelho, que nos era contada até à saciedade quando éramos meninos do coro e da catequese, usávamos bibe e jogávamos ao pião.

07 dezembro 2004

Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical

1. Excertos da história da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71



Bamdabinca, Dezembro de 1969:



(...) a 24, 2 Gr Comb [grupos de combate] da CCAÇ 12, em cooperação com a autoridade administrativa de Bambadinca [onde estava aquartelada a companhia], levam a efeito uma rusga (com cerco) à tabanca de Mero [aldeia balanta, junto ao Rio Geba]. Apesar de alguns indícios suspeitos, não foram detectados elementos IN [inimigo]. Para efeitos de controlo populacional, completou-se e actualizou-se o recenseamento dos habitantes de Mero (Op Acção Guilotina)[nome de código da operação]. Nas duas semanas anteriores, o IN tinha desencadeado várias acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque, a última das quais levada a efeito por um grupo enquadrado por brancos que retirou para a região de Bucol, cambando o RGeba [atravesando o Rio Geba de canoa, para norte].



Por outro lado, prevendo-se a possibilidade o IN atacar os aquartelamentos das NT [nossas tropas] durante a quadra festiva do Natal e Ano Novo, foi reforçado o dispositivo de defesa de Bambadinca. Assim, além da emboscada diária até às 1 a 3 horas da noite, a nível de secção reforçada num raio de 3 a 5 km (segurança próxima), passou a ser destacado 1 Gr Comb para Bambadincazinha (em fase de reordenamento), todas as noites até às 6h da manhã, constituindo uma força de intervenção com a missão de fazer malograr o eventual ataque ao aquartelamento e/ou às tabancas da periferia, actuando pela manobra e pelo fogo sobre as prováveis linhas de infiltração e locais de instalação das bases de fogo do IN, ou no mínimo detê-lo e repeli-lo pelo fogo.



A 26 [de Dezembro de 1969], forças da CART 2520 [companhia de artilharia], reforçadas por um 1 Gr Comb da CCAÇ 12 realizam um patrulhamento ofensivo na região do Xime, Madina Colhido, Chacali, Colicumbel e Amedalai, sem detectacterm vestígios do IN (Op Faca Húmida).



A 30, Sua Excia. o Comandante Chefe [General António de Spínola]visita Bambadinca para apresentar cumprimentos de Ano Novo a todos os oficiais, sargentos e praças do CMD e CCS/BCAÇ 2852 [comando e companhia de comando e serviços do Batalhão de Artilharia 2852], e sub-unidades adidas [a CCAÇ 12 incluída].





2. Excertos do diário de um tuga:



Bambadinca, 24/25 de Dezembro de 1969:



Natal nos trópicos! Não consigo imaginá-lo sem aquela ambiência mágica que me vem do fundo da memória. É que do cristianismo terei apenas captado o sentido encantatório do Natal e a sua antítese, que é o universo maniqueísta da Paixão. Mas decididamente não vou fazer flash-back. Cortei o corão umbilical a frio e da infância resta-me apenas a sensação do salto mortal.



Há, porém, certas imagens poéticas, recalcadas no subconsciente ou guardadas no baú da memória, que hoje vêm ao de cima. Por um qualquer automatismo. Ou talvez por ser Natal algures, far from the Vietnam, longe da Guiné, e eu passar esta noite emboscado. O que não tem nada de insólito: é uma actividade de rotina. Mas é terrivelmnete cruel a solidão deste tempo em que os homens se esperam uns aos outros nas encruzilhadas da morte, os dentes cerrados e as armas aperradas, em contraste com o bando alegre de crianças cabo-verdianas que, não longe daqui, da Missão do Sono (uma estrutura sanitária, agora militarizada, transformada em local de emboscada!), entoam alegres cânticos do Natal crioulo ao som do batuque pagão.



No aquartelamanto, de que vejo as luzes ao fundo, ninguém se desejou boas festas porque também ninguém tem sentido de humor. Nem por isso deixou de celebrar-se a Consoada da nossa terra: um pretexto para se comer (o tradicional prato de bacalhau com batatas e grelhos.. desidratados) e sobretudo para se beber (muito).



Hoji, festa di brancu, noite di Natal, manga di sabe!, lembra-me um dos meus soldados africanos, enquanto ao longe a artilharia do Xime e de Massambo faz fogo de reconhecimento. E eu fiquei a pensar neste tempo de silêncio, de cobardia e de cumplicidade. Mas também de raiva. Como o Manuel Alegre, eu gostaria de poder dizer neste dia, todos os dias: "Mesmo na noite mais triste / Em tempo de servidão / Há sempre alguém que resiste / Há sempre alguém que diz não".

Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical

1. Excertos da história da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71

Bamdabinca, Dezembro de 1969:

(...) a 24, 2 Gr Comb [grupos de combate] da CCAÇ 12, em cooperação com a autoridade administrativa de Bambadinca [onde estava aquartelada a companhia], levam a efeito uma rusga (com cerco) à tabanca de Mero [aldeia balanta, junto ao Rio Geba]. Apesar de alguns indícios suspeitos, não foram detectados elementos IN [inimigo]. Para efeitos de controlo populacional, completou-se e actualizou-se o recenseamento dos habitantes de Mero (Op Acção Guilotina)[nome de código da operação]. Nas duas semanas anteriores, o IN tinha desencadeado várias acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque, a última das quais levada a efeito por um grupo enquadrado por brancos que retirou para a região de Bucol, cambando o RGeba [atravesando o Rio Geba de canoa, para norte].

Por outro lado, prevendo-se a possibilidade o IN atacar os aquartelamentos das NT [nossas tropas] durante a quadra festiva do Natal e Ano Novo, foi reforçado o dispositivo de defesa de Bambadinca. Assim, além da emboscada diária até às 1 a 3 horas da noite, a nível de secção reforçada num raio de 3 a 5 km (segurança próxima), passou a ser destacado 1 Gr Comb para Bambadincazinha (em fase de reordenamento), todas as noites até às 6h da manhã, constituindo uma força de intervenção com a missão de fazer malograr o eventual ataque ao aquartelamento e/ou às tabancas da periferia, actuando pela manobra e pelo fogo sobre as prováveis linhas de infiltração e locais de instalação das bases de fogo do IN, ou no mínimo detê-lo e repeli-lo pelo fogo.

A 26 [de Dezembro de 1969], forças da CART 2520 [companhia de artilharia], reforçadas por um 1 Gr Comb da CCAÇ 12 realizam um patrulhamento ofensivo na região do Xime, Madina Colhido, Chacali, Colicumbel e Amedalai, sem detectacterm vestígios do IN (Op Faca Húmida).

A 30, Sua Excia. o Comandante Chefe [General António de Spínola]visita Bambadinca para apresentar cumprimentos de Ano Novo a todos os oficiais, sargentos e praças do CMD e CCS/BCAÇ 2852 [comando e companhia de comando e serviços do Batalhão de Artilharia 2852], e sub-unidades adidas [a CCAÇ 12 incluída].


2. Excertos do diário de um tuga:

Bambadinca, 24/25 de Dezembro de 1969:

Natal nos trópicos! Não consigo imaginá-lo sem aquela ambiência mágica que me vem do fundo da memória. É que do cristianismo terei apenas captado o sentido encantatório do Natal e a sua antítese, que é o universo maniqueísta da Paixão. Mas decididamente não vou fazer flash-back. Cortei o corão umbilical a frio e da infância resta-me apenas a sensação do salto mortal.

Há, porém, certas imagens poéticas, recalcadas no subconsciente ou guardadas no baú da memória, que hoje vêm ao de cima. Por um qualquer automatismo. Ou talvez por ser Natal algures, far from the Vietnam, longe da Guiné, e eu passar esta noite emboscado. O que não tem nada de insólito: é uma actividade de rotina. Mas é terrivelmnete cruel a solidão deste tempo em que os homens se esperam uns aos outros nas encruzilhadas da morte, os dentes cerrados e as armas aperradas, em contraste com o bando alegre de crianças cabo-verdianas que, não longe daqui, da Missão do Sono (uma estrutura sanitária, agora militarizada, transformada em local de emboscada!), entoam alegres cânticos do Natal crioulo ao som do batuque pagão.

No aquartelamanto, de que vejo as luzes ao fundo, ninguém se desejou boas festas porque também ninguém tem sentido de humor. Nem por isso deixou de celebrar-se a Consoada da nossa terra: um pretexto para se comer (o tradicional prato de bacalhau com batatas e grelhos.. desidratados) e sobretudo para se beber (muito).

Hoji, festa di brancu, noite di Natal, manga di sabe!, lembra-me um dos meus soldados africanos, enquanto ao longe a artilharia do Xime e de Massambo faz fogo de reconhecimento. E eu fiquei a pensar neste tempo de silêncio, de cobardia e de cumplicidade. Mas também de raiva. Como o Manuel Alegre, eu gostaria de poder dizer neste dia, todos os dias: "Mesmo na noite mais triste / Em tempo de servidão / Há sempre alguém que resiste / Há sempre alguém que diz não".

05 dezembro 2004

(Ex)citações de cada dia - XV: A sociopatologia portuguesa

Vasco Pulido Valente (abreviadamente, VPV) está mais inspirado, irreverente e contundente do que nunca, depois de se ter mudado, de caneta e papel, para o Público. Eu, no Diário de Notícias , nunca o lia, mas agora passei a ser fã do seu estilo, da sua verve e do seu humor corrosivo. VPV tem demonstrado quão importante é, para um analista político lido e temido como ele, ter uma sólida cultura histórica e sociológica, cultura essa que é, infelizmente, tão rara na concorrência. Leiam-se estes excertos da sua coluna de hoje, 5 de Dezembro de 2004, na última página do nosso melhor diário:



"Maus Políticos, Dias Lindos", por Vasco Pulido valente (Adaptação de L.G.)



"Desde 1820 que Portugal, como Cavaco, tenta perceber, angustiado, por que razão ou maldição temos tão maus políticos. Com o tempo, foram aparecendo várias teses. Nesta melancólica época de Santana e sarilhos, convém talvez recapitular:



"1ª Tese: A política, por não exigir qualquer espécie de qualificação substancial, e por ser uma forma de vadiagem reconhecida e glorificada, atrai os piores;



"2ª Tese: Os partidos políticos, que se regem pelo princípio da fidelidade e não da qualidade, repelem os melhores;



"3ª Tese: Um povo analfabeto, ignorante e primitivo, se o deixam votar, escolhe fatalmente a canalha;



"4ª Tese: Os políticos são maus, porque a élite é geralmente má" (...);



"5ª Tese: A elite é geralmente má, porque um ensino obsoleto e rígido não promove a independência e a crítica;



"6ª Tese: A pobreza do país cria uma cultura de servilismo, mentira e manha, que os políticos fielmente reflectem;



"7ª Tese: "A Igreja Católica Apostólica Romana educa os portugueses para a obediência e a hipocrisia. Os políticos, mesmo ateus, não se distinguem da manada"...



Em resumo, diz o colunista, "teses não faltam para explicar a existência, e a persistência, de maus políticos", teses para todos ou quase todos os quadrantes político-ideológicos, nacionais ou estrangeirados, acrescento eu. Mas também nunca faltaram soluções, historicamente falando, acrescenta e exemplifica o VPV:



"1ª Solução: Acabar com a política;



"2ª Solução: Substituir os partidos por corporações;



"3ª Solução: Não permitir que o povo, ou a maior parte dele, votasse;



"4ª Solução: Aturar resignadamente a mediocridade do país, morrer ou emigrar;



"5ª Solução: Reformar o ensino (coisa que também decorre da Tese 3);



"6ª Solução: Fazer a revolução (liberal, republicana ou socialista) para tornar a nossa querida Pátria rica, orgulhosa e honesta ou, na absoluta impossibilidade disso, mudar a mentalidade da elite por métodos suasórios" [leia-se: persuasivos];



"7ª Solução: Perseguir a Igreja Católica Apostólica Romana e principalmente exterminar os padres"...



Desgraçadamente ou não, "a aplicação repetida, simultânea e sucessiva destas soluções nunca produziu o efeito esperado: os maus políticos, como se sabe, continuam connosco".



Mesmo assim, conclui bem-humorado e irónico o queirosiano VPV, "até com maus políticos, temos dias lindos"... Ou por outras palavras: será que alguma vez a nossa sociopatologia vai ter cura? A pergunta é minha e não do VPV. E quando tiver resposta é por que definitivamente deixámos de ser portugas (e de ter dias lindos, como foi o de hoje).

(Ex)citações de cada dia - XV: A sociopatologia portuguesa

Vasco Pulido Valente (abreviadamente, VPV) está mais inspirado, irreverente e contundente do que nunca, depois de se ter mudado, de caneta e papel, para o Público. Eu, no Diário de Notícias , nunca o lia, mas agora passei a ser fã do seu estilo, da sua verve e do seu humor corrosivo. VPV tem demonstrado quão importante é, para um analista político lido e temido como ele, ter uma sólida cultura histórica e sociológica, cultura essa que é, infelizmente, tão rara na concorrência. Leiam-se estes excertos da sua coluna de hoje, 5 de Dezembro de 2004, na última página do nosso melhor diário:

"Maus Políticos, Dias Lindos", por Vasco Pulido valente (Adaptação de L.G.)

"Desde 1820 que Portugal, como Cavaco, tenta perceber, angustiado, por que razão ou maldição temos tão maus políticos. Com o tempo, foram aparecendo várias teses. Nesta melancólica época de Santana e sarilhos, convém talvez recapitular:

"1ª Tese: A política, por não exigir qualquer espécie de qualificação substancial, e por ser uma forma de vadiagem reconhecida e glorificada, atrai os piores;

"2ª Tese: Os partidos políticos, que se regem pelo princípio da fidelidade e não da qualidade, repelem os melhores;

"3ª Tese: Um povo analfabeto, ignorante e primitivo, se o deixam votar, escolhe fatalmente a canalha;

"4ª Tese: Os políticos são maus, porque a élite é geralmente má" (...);

"5ª Tese: A elite é geralmente má, porque um ensino obsoleto e rígido não promove a independência e a crítica;

"6ª Tese: A pobreza do país cria uma cultura de servilismo, mentira e manha, que os políticos fielmente reflectem;

"7ª Tese: "A Igreja Católica Apostólica Romana educa os portugueses para a obediência e a hipocrisia. Os políticos, mesmo ateus, não se distinguem da manada"...

Em resumo, diz o colunista, "teses não faltam para explicar a existência, e a persistência, de maus políticos", teses para todos ou quase todos os quadrantes político-ideológicos, nacionais ou estrangeirados, acrescento eu. Mas também nunca faltaram soluções, historicamente falando, acrescenta e exemplifica o VPV:

"1ª Solução: Acabar com a política;

"2ª Solução: Substituir os partidos por corporações;

"3ª Solução: Não permitir que o povo, ou a maior parte dele, votasse;

"4ª Solução: Aturar resignadamente a mediocridade do país, morrer ou emigrar;

"5ª Solução: Reformar o ensino (coisa que também decorre da Tese 3);

"6ª Solução: Fazer a revolução (liberal, republicana ou socialista) para tornar a nossa querida Pátria rica, orgulhosa e honesta ou, na absoluta impossibilidade disso, mudar a mentalidade da elite por métodos suasórios" [leia-se: persuasivos];

"7ª Solução: Perseguir a Igreja Católica Apostólica Romana e principalmente exterminar os padres"...

Desgraçadamente ou não, "a aplicação repetida, simultânea e sucessiva destas soluções nunca produziu o efeito esperado: os maus políticos, como se sabe, continuam connosco".

Mesmo assim, conclui bem-humorado e irónico o queirosiano VPV, "até com maus políticos, temos dias lindos"... Ou por outras palavras: será que alguma vez a nossa sociopatologia vai ter cura? A pergunta é minha e não do VPV. E quando tiver resposta é por que definitivamente deixámos de ser portugas (e de ter dias lindos, como foi o de hoje).