13 julho 2005

Blogantologia(s) - XXVIII: A Naifa e os novos sons subterrâneos

Ponham os olhos (e os ouvidos) neste grupo musical português, A Naifa, e o seu primeiro álbum "Sons subterrâneos", produzidos a partir da exploração de novas formas musicais e poéticas associadas à canção popular de Lisboa.

Aqui ficam as letras de algumas das canções, escritas por poetas da nova geração (Adília Lopes & Companhia). Para mim a melhor letra (e música) é a 4 (Música, poema de José Luís Peixoto). Podiam ser filhos e filhas do Cesário Verde, ou do Álvaro de Camps ou do Alexandre O'Neil. Felizmente que não estão no Parque dos Poetas do Isaltino.

2. Skipping
Poema: Rui Pires Cabral

Na estrada mal alcatroada
do subúrbio
onde havia fábricas e o dia
era um tormento

Quando a luz veio
nos postigos e o teu corpo
não me serviu de resgate

Tudo perdido em favor
das grandes rodas
da angústia no autocarro


3. Queixas de um utente
Poema: José Miguel Slva

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.

Deus é a nossa mulher a dias~
Poema: Adília Lopes

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a vida
porque achamos
que não presta

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a fé
porque achamos
que é pirosa


4. Música
Poema: José Luís Peixoto

Como um raio a rasgar a vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma cidade secreta
a levantar-se do chão, como água, como pão

Como um instante único na vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma pétala dessa flor
a levantar-se do chão, como água, como pão,

Assim nasceste no meu olhar, assim te vi,
flor a florir desmedida, instante único
a levantar-se do chão, a rasgar a vida,

Assim nasceste no meu olhar, assim te amei,
vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta
a levantar-se do chão, flor a florir desmedida


8. Bairro velho
Poema: Tiago Gomes

No bairro por trás da avenida nova
com as ruelas sombreadas das traseiras
onde na praça tudo é mais barato cordial
as peixeiras com olhos de boga
gritam para vender o seu peixe

As finíssimas senhoras das avenidas dão por mim
quando passo

11. Poema com domícilia
Poema: Carlos Luís Bessa

Esta apólice, o vizinho de cima
a puxar o autoclismo
a bater na mulher e nos filhos

A água da torneira com cheiro a lexivia
sempre a pingar
o televisor com uma avaria

Talvez o canteiro das flores
sujas e maltratadas
estas zangas por tudo e por nada


Questão da noite
Poema: Nuno Moura

Questão da noite
do programa que acontece
em Portugal, neste fim de século,
navegar é preciso ?
resposta:
se morar no Barreiro, sim


PS - No sitio do grupo, constituído por Luís Varatojo (guitarra), João Aguardela (Baixo), Vasco Vaz (bateria) e Maria Antónia Mendes (voz, e que voz!) podem aceder a a uma amostra das suas criações musicais, através de registos de som e vídeos.

Recomendo que comprem o CD. Vai fazer história. Eu ainda não comprei mas vou já para a bicha. É o tom e o som deste tempo, desta cidade, desta saudade, deste spleen, desta morabeza, desta tristeza quente e afável que nos alimenta e que nos mata, e que é tão nossa que não dá para exportar (nem para explicar)...

O grupo, além de compor e cantar, tamnbém bloga... Vejam o sítio > A NAIFA
Um dia tão bonito e eu não fornico
.

Blogantologia(s) - XXVIII: A Naifa e os novos sons subterrâneos

Ponham os olhos (e os ouvidos) neste grupo musical português, A Naifa, e o seu primeiro álbum "Sons subterrâneos", produzidos a partir da exploração de novas formas musicais e poéticas associadas à canção popular de Lisboa.

Aqui ficam as letras de algumas das canções, escritas por poetas da nova geração (Adília Lopes & Companhia). Para mim a melhor letra (e música) é a 4 (Música, poema de José Luís Peixoto). Podiam ser filhos e filhas do Cesário Verde, ou do Álvaro de Camps ou do Alexandre O'Neil. Felizmente que não estão no Parque dos Poetas do Isaltino.

2. Skipping
Poema: Rui Pires Cabral

Na estrada mal alcatroada
do subúrbio
onde havia fábricas e o dia
era um tormento

Quando a luz veio
nos postigos e o teu corpo
não me serviu de resgate

Tudo perdido em favor
das grandes rodas
da angústia no autocarro


3. Queixas de um utente
Poema: José Miguel Slva

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.

Deus é a nossa mulher a dias~
Poema: Adília Lopes

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a vida
porque achamos
que não presta

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a fé
porque achamos
que é pirosa


4. Música
Poema: José Luís Peixoto

Como um raio a rasgar a vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma cidade secreta
a levantar-se do chão, como água, como pão

Como um instante único na vida, como uma flor
a florir desmedida, como uma pétala dessa flor
a levantar-se do chão, como água, como pão,

Assim nasceste no meu olhar, assim te vi,
flor a florir desmedida, instante único
a levantar-se do chão, a rasgar a vida,

Assim nasceste no meu olhar, assim te amei,
vida, água, pão, raio a rasgar uma cidade secreta
a levantar-se do chão, flor a florir desmedida


8. Bairro velho
Poema: Tiago Gomes

No bairro por trás da avenida nova
com as ruelas sombreadas das traseiras
onde na praça tudo é mais barato cordial
as peixeiras com olhos de boga
gritam para vender o seu peixe

As finíssimas senhoras das avenidas dão por mim
quando passo

11. Poema com domícilia
Poema: Carlos Luís Bessa

Esta apólice, o vizinho de cima
a puxar o autoclismo
a bater na mulher e nos filhos

A água da torneira com cheiro a lexivia
sempre a pingar
o televisor com uma avaria

Talvez o canteiro das flores
sujas e maltratadas
estas zangas por tudo e por nada


Questão da noite
Poema: Nuno Moura

Questão da noite
do programa que acontece
em Portugal, neste fim de século,
navegar é preciso ?
resposta:
se morar no Barreiro, sim


PS - No sitio do grupo, constituído por Luís Varatojo (guitarra), João Aguardela (Baixo), Vasco Vaz (bateria) e Maria Antónia Mendes (voz, e que voz!) podem aceder a a uma amostra das suas criações musicais, através de registos de som e vídeos.

Recomendo que comprem o CD. Vai fazer história. Eu ainda não comprei mas vou já para a bicha. É o tom e o som deste tempo, desta cidade, desta saudade, deste spleen, desta morabeza, desta tristeza quente e afável que nos alimenta e que nos mata, e que é tão nossa que não dá para exportar (nem para explicar)...

O grupo, além de compor e cantar, tamnbém bloga... Vejam o sítio > A NAIFA
Um dia tão bonito e eu não fornico
.

Guiné 69/71 - CVIII: Welcome aboard, captain ! (CCAÇ 3493, Mansambo, 1972)

1. O Manuel Cruz, que trabalha em Sines numa multinacional como engenheiro, confirma em mensagem enviada ao David J. Guimarães que foi "o comandante da CCAÇ 3493 do BART 3873".

E acrescenta: "Chegámos a Bolama para treinos militares entre o Natal e o Ano Novo (1971/1972. Depois seguimos para Mansambo onde estivemos em sobreposição com a companhia (???) comandada por um capitão miliciano, de nome Agordela. Não sei exactamente quando, mas o senhor comandante da Guiné, General Spínola, transferiu-nos para Cobumba, [região de Tombali] (perto de Cufar - COP4 e perto de Bedanda e um pouco mais a montante do rio Cobumba instalou-se um grupo de Fuzileiros) Alguns meses depois a CCAÇ 3493 foi para Fá Mandinga, onde estivemos poucos meses.

"A última parte da comissão, que nos custou ao todo 27 meses, estivemos em Bissau no COMBIS, onde integrávamos a defesa de Bissau e dávamos apoio / segurança a colunas militares e civis para Farim".


2. Aqui fica a minha resposta (L.G:):

Caro companheiro do TO da Guiné, ex-capitão da CCAÇ 3493 (Mansambo, 1972):

Tomei conhecimento da sua mensagem, através do David J. Guimarães (CART 2716, Xitole, 1970/72), e tenho muito gosto em incluí-lo na nossa tertúlia (se for esse o seu desejo).

Disponibilizei a minha página pessoal para divulgação de textos, de fotos e de outra documentação sobre a guerra colonial na Guiné (1963/74).

Como pode verificar há uma página especificamente sobre Mansambo onde foi inicialmente colocada, como unidade de quadrícula, a sua companhia (a CCAÇ 3493) em substituição da CART 2714 (1970/72), pertencente ao BART 2717, sedeado em Bambadinca (Sector L1) onde eu estive, como furriel miliciano, integrado na CCAÇ 12 (1969/71). Temos aqui vários camaradas que conhecem bem o aquartelamento de Mansambo e que fizeram operações na região, incluindo colunas logísticas.

Por enquanto ainda não temos informação sobre Cobumba / Cufar / Bedanda (região para onde vocês seguiram depois de Mansambo) mas ficaremos muito felizes se o meu amigo nos ajudar a colmatar essa lacuna.

Também escrevemos regularmente no Blogue-Fora-Nada... Em escassos dois ou três meses o nosso grupo (que inclui gente com muita experiência operacional) já produziu mais de cem textos.

Esteja à vontade para nos mandar os seus escritos e fotos (digitalizadas), com ou sem pseudónimo... Temos também um vídeo, em DVD, relativamente recente (2000) sobre a Guiné (incluindo o Sector L1: Xime, Bambadinca, Mansambo, Xitole…).

Para já aqui vai um abraço de todos nós. Welcome aboard, captain!

Guiné 69/71 - CVIII: Welcome aboard, captain ! (CCAÇ 3493, Mansambo, 1972)

1. O Manuel Cruz, que trabalha em Sines numa multinacional como engenheiro, confirma em mensagem enviada ao David J. Guimarães que foi "o comandante da CCAÇ 3493 do BART 3873".

E acrescenta: "Chegámos a Bolama para treinos militares entre o Natal e o Ano Novo (1971/1972. Depois seguimos para Mansambo onde estivemos em sobreposição com a companhia (???) comandada por um capitão miliciano, de nome Agordela. Não sei exactamente quando, mas o senhor comandante da Guiné, General Spínola, transferiu-nos para Cobumba, [região de Tombali] (perto de Cufar - COP4 e perto de Bedanda e um pouco mais a montante do rio Cobumba instalou-se um grupo de Fuzileiros) Alguns meses depois a CCAÇ 3493 foi para Fá Mandinga, onde estivemos poucos meses.

"A última parte da comissão, que nos custou ao todo 27 meses, estivemos em Bissau no COMBIS, onde integrávamos a defesa de Bissau e dávamos apoio / segurança a colunas militares e civis para Farim".


2. Aqui fica a minha resposta (L.G:):

Caro companheiro do TO da Guiné, ex-capitão da CCAÇ 3493 (Mansambo, 1972):

Tomei conhecimento da sua mensagem, através do David J. Guimarães (CART 2716, Xitole, 1970/72), e tenho muito gosto em incluí-lo na nossa tertúlia (se for esse o seu desejo).

Disponibilizei a minha página pessoal para divulgação de textos, de fotos e de outra documentação sobre a guerra colonial na Guiné (1963/74).

Como pode verificar há uma página especificamente sobre Mansambo onde foi inicialmente colocada, como unidade de quadrícula, a sua companhia (a CCAÇ 3493) em substituição da CART 2714 (1970/72), pertencente ao BART 2717, sedeado em Bambadinca (Sector L1) onde eu estive, como furriel miliciano, integrado na CCAÇ 12 (1969/71). Temos aqui vários camaradas que conhecem bem o aquartelamento de Mansambo e que fizeram operações na região, incluindo colunas logísticas.

Por enquanto ainda não temos informação sobre Cobumba / Cufar / Bedanda (região para onde vocês seguiram depois de Mansambo) mas ficaremos muito felizes se o meu amigo nos ajudar a colmatar essa lacuna.

Também escrevemos regularmente no Blogue-Fora-Nada... Em escassos dois ou três meses o nosso grupo (que inclui gente com muita experiência operacional) já produziu mais de cem textos.

Esteja à vontade para nos mandar os seus escritos e fotos (digitalizadas), com ou sem pseudónimo... Temos também um vídeo, em DVD, relativamente recente (2000) sobre a Guiné (incluindo o Sector L1: Xime, Bambadinca, Mansambo, Xitole…).

Para já aqui vai um abraço de todos nós. Welcome aboard, captain!

12 julho 2005

Guiné 69/71 - CVII: Bibliografia de uma guerra (3)

Selecção de livros feita pelo Jorge Santos, membro da nossa tertúlia de ex-combatentes da guerra colonial:


TÍTULO: Rumo a Fulacunda
AUTOR: Rui Alexandrino Ferreira
EDITOR: Palimage
ANO: 2000

RESUMO: O autor nasceu em Angola (1943). Fez o curso de oficiais milicianos em Mafra (1964). Foi mobilizado para a Guiné,tendo rendido um desaparecido em combate e pertencido à CCAÇ 1420, sedeada em Fulacunda (1965/67). Depois de frequentar o curso de capitães, em Mafra (1970), volta à Guiné, para comandar a CCAÇ 18. Em 1973 faz uma comissão em Angola. Regressa a Portugal em 1975. Vive actualmente em Viseu. É Coronel de Infantaria na situação de reforma. Rumo a Fulacunda é a sua obra literária de estreia.

Nesta obra, de mais de 400 páginas, "perpassam os odores do mato, o cheiro da morte, o apelo da guerra", enquanto ao mesmo tempo se assiste ao fluir dos tempos sacrificados e difíceis, ao deflagrar das misérias e fraquezas humanas, ao vasculhar das situações caricatas e ridículas"...

Segundo a apresentação da responsabilidade da editora, "sente-se ainda a magia daquelas gentes diferentes e o sortilégio da terra inóspita, selvagem, rude e bela que condicionavam e faziam da vida um permanente confronto de sentimentos, um gigantesco conflito de emoções. Sobressaíam os verdadeiros homens. Sobreviviam os mais capazes, os que melhor se adaptavam, os que a sorte protegia".


TÍTULO: A Pátria ou a Vida
AUTOR: Gertrudes da Silva
EDITORA: Palimage
ANO: 2005

RESUMO: O autor nasceu no concelho de Moimenta da Beira (1943), tendo ingressado em 1963 na Academia Militar. Hoje é coronel de infantaria na situação de reserva.
Durante a guerra colonial, fez duas comissões, uma em Angola e outra na Guiné. É licenciado em História na Universidade de Coimbra (1980). Participou no Movimento do 25 de Abril de 1974.

O livro é, fundamentalmente, a visão romanceada da experiência pessoal do autor no contexto da guerra na Guiné.

Em A Pátria ou a Vida, segundo a apresentação feita pela editora, "vive-se, sofre-se e morre-se sem heroísmos nem honrarias; caminha-se sempre sobre o arame que marca a fronteira entre dois valores que temos como sagrados. Porque a Pátria – lugar comum – nesses tempos era madrasta, tratando como estranhos os seus próprios filhos. Não de sua própria natureza, que essa era boa, e por isso sempre lhe fomos afeiçoados; mas por força dos homens a que, ilegitimamente, se foi entregando, todos com jeito de abastados morgados, a largar-nos por aí, feitos filhos bastardos".

TÍTULO: Guiné 1968 e 1973 – Soldados uma Vez, Sempre Soldados
AUTOR: Nuno Mira Vaz
EDITORA: Tribuna
ANO: 2003

RESUMO: O autor é Coronel de Cavalaria na reserva. Fez toda a vida militar nas tropas pára-quedistas, tendo cumprido quatro comissões de serviço em África.

"A luta travada na Guiné entre Forças Armadas Portuguesas e guerrilheiros do PAIGC, apesar de não registar muitas acções militares com expressão significativa, é geralmente recordada como a mais dura de quantas se travaram no antigo ultramar português.

"Neste contexto, o heliassalto em Cafal-Cafine e a demorada e complexa acção naval, terrestre e aérea montada para libertar Guidaje, fornecem, na diversidade da sua concepção, duas imagens expressivas da intensidade dos combates e dos sacrifícios exigidos aos soldados portugueses.

"Na Operação Ciclone II, em Fevereiro de 1968, um comboio fluvial de rotina serviu de isco ao lançamento de duas companhias de pára-quedistas sobre uma unidade do PAIGC instalada em abrigos preparados, tendo as tropas portuguesas iniciado um combate de aniquilamento do bigrupo inimigo.

"Em Maio e Junho de 1973, a Operação Ametista Real e todos os outros combates travados para romper o cerco montado a Guidaje ocorreram numa época em que se registavam severas limitações aos meios aéreos, sendo o desfecho da guerra cada vez mais incerto. Ao fim de um mês e meio de combates, as baixas das duas partes foram bastante severas e, sabe-se hoje, equiparadas" (Texto de apresentação, da responsabilidade da editora).

Guiné 69/71 - CVII: Bibliografia de uma guerra (3)

Selecção de livros feita pelo Jorge Santos, membro da nossa tertúlia de ex-combatentes da guerra colonial:


TÍTULO: Rumo a Fulacunda
AUTOR: Rui Alexandrino Ferreira
EDITOR: Palimage
ANO: 2000

RESUMO: O autor nasceu em Angola (1943). Fez o curso de oficiais milicianos em Mafra (1964). Foi mobilizado para a Guiné,tendo rendido um desaparecido em combate e pertencido à CCAÇ 1420, sedeada em Fulacunda (1965/67). Depois de frequentar o curso de capitães, em Mafra (1970), volta à Guiné, para comandar a CCAÇ 18. Em 1973 faz uma comissão em Angola. Regressa a Portugal em 1975. Vive actualmente em Viseu. É Coronel de Infantaria na situação de reforma. Rumo a Fulacunda é a sua obra literária de estreia.

Nesta obra, de mais de 400 páginas, "perpassam os odores do mato, o cheiro da morte, o apelo da guerra", enquanto ao mesmo tempo se assiste ao fluir dos tempos sacrificados e difíceis, ao deflagrar das misérias e fraquezas humanas, ao vasculhar das situações caricatas e ridículas"...

Segundo a apresentação da responsabilidade da editora, "sente-se ainda a magia daquelas gentes diferentes e o sortilégio da terra inóspita, selvagem, rude e bela que condicionavam e faziam da vida um permanente confronto de sentimentos, um gigantesco conflito de emoções. Sobressaíam os verdadeiros homens. Sobreviviam os mais capazes, os que melhor se adaptavam, os que a sorte protegia".


TÍTULO: A Pátria ou a Vida
AUTOR: Gertrudes da Silva
EDITORA: Palimage
ANO: 2005

RESUMO: O autor nasceu no concelho de Moimenta da Beira (1943), tendo ingressado em 1963 na Academia Militar. Hoje é coronel de infantaria na situação de reserva.
Durante a guerra colonial, fez duas comissões, uma em Angola e outra na Guiné. É licenciado em História na Universidade de Coimbra (1980). Participou no Movimento do 25 de Abril de 1974.

O livro é, fundamentalmente, a visão romanceada da experiência pessoal do autor no contexto da guerra na Guiné.

Em A Pátria ou a Vida, segundo a apresentação feita pela editora, "vive-se, sofre-se e morre-se sem heroísmos nem honrarias; caminha-se sempre sobre o arame que marca a fronteira entre dois valores que temos como sagrados. Porque a Pátria – lugar comum – nesses tempos era madrasta, tratando como estranhos os seus próprios filhos. Não de sua própria natureza, que essa era boa, e por isso sempre lhe fomos afeiçoados; mas por força dos homens a que, ilegitimamente, se foi entregando, todos com jeito de abastados morgados, a largar-nos por aí, feitos filhos bastardos".

TÍTULO: Guiné 1968 e 1973 – Soldados uma Vez, Sempre Soldados
AUTOR: Nuno Mira Vaz
EDITORA: Tribuna
ANO: 2003

RESUMO: O autor é Coronel de Cavalaria na reserva. Fez toda a vida militar nas tropas pára-quedistas, tendo cumprido quatro comissões de serviço em África.

"A luta travada na Guiné entre Forças Armadas Portuguesas e guerrilheiros do PAIGC, apesar de não registar muitas acções militares com expressão significativa, é geralmente recordada como a mais dura de quantas se travaram no antigo ultramar português.

"Neste contexto, o heliassalto em Cafal-Cafine e a demorada e complexa acção naval, terrestre e aérea montada para libertar Guidaje, fornecem, na diversidade da sua concepção, duas imagens expressivas da intensidade dos combates e dos sacrifícios exigidos aos soldados portugueses.

"Na Operação Ciclone II, em Fevereiro de 1968, um comboio fluvial de rotina serviu de isco ao lançamento de duas companhias de pára-quedistas sobre uma unidade do PAIGC instalada em abrigos preparados, tendo as tropas portuguesas iniciado um combate de aniquilamento do bigrupo inimigo.

"Em Maio e Junho de 1973, a Operação Ametista Real e todos os outros combates travados para romper o cerco montado a Guidaje ocorreram numa época em que se registavam severas limitações aos meios aéreos, sendo o desfecho da guerra cada vez mais incerto. Ao fim de um mês e meio de combates, as baixas das duas partes foram bastante severas e, sabe-se hoje, equiparadas" (Texto de apresentação, da responsabilidade da editora).

Guiné 69/71 - CVI: Bibliografia de uma guerra (2)

Notas enviadas por Jorge Santos:


TÍTULO: Memórias de um Prisioneiro de Guerra
AUTOR: António Júlio Rosa
EDITORA: Campo das Letras, Porto.
ANO: 2003


RESUMO: O autor pertenceu à Companhia Independente de Artilharia 1743, aquartelada em Tite, desde Dezembro de 1967 (agregada ao Batalhão de Artilharia 1914). Foi prisioneiro do PAIGC, desde Fevereiro de 1968 até Dezembro de 1970.

O autor refere-se à atitude de um regime que um dia o obrigou a lutar numa guerra que lhe tirou a liberdade. No livro conta a história de três anos de cativeiro vividos na Guiné-Conacri, transmitindo as experiências, o sofrimento e os factos vividos.

São relatos contados na primeira pessoa de momentos que, pela sua intensidade, ficaram para sempre guardados na sua memória. É a história de um jovem que, como tantos outros, um dia se viu numa terra distante e desconhecida com um simples objectivo: lutar.


TÍTULO: Os Dias da Guerra
ORGANIZADORES: José Manuel Lages e José Silva Ferreira
EDITORA: Externato Infante D. Henrique
ANO: 1995


RESUMO: Relatos de elementos da Companhia de Caçadores 2645 que desenvolveu a sua actividade na Guiné entre Fevereiro de 1969 e Dezembro de 1970.

Ultrapassando o frio e simples relato das operações militares, colige factos que marcaram mais ou menos profundamente os elementos que os sentiram, tanto mais que, em conjunto, passaram momentos de sacrifício, de angústia, de desânimo que, declaradamente, terão levado muitas vezes os seus autores ao próprio desprezo pela vida.

Registo de vivências, medos, mas também de momentos de cooperação com as populações locais, na melhoria do seu nível de vida. Inclui, ainda, exemplos de literatura de guerra retirados de correspondência entre os militares e as famílias ou as namoradas e termina com um texto sobre o Anexo Militar de Lisboa.


TÍTULO: Até Hoje (Memória de Cão)
AUTOR: Álamo de Oliveira
EDITORA: Ulmeiro
ANO: 1986

RESUMO: Excertos do livro: "Hoje, comi salsichas com arroz. Recebi um aerograma dos velhotes. Gritei que estava farto desta porcaria e o capitão mandou-me pró caralho. A tropa é mesmo uma merda! (…)

"Nome no placard, com as maiúsculas possíveis na lista pequena de mobilizados: SOLD. 127 – MACHADO, JOÃO DE S; o número primeiro, que na tropa é assim e depois Machado – machado de não cortar -, João. Iria para a Guiné em rendição individual. Estava ali, preto no branco, a ordem do poder absoluto.

"Apenas sentiu o sangue esquentar-lhe a cabeça, as pernas a quebrar pelos joelhos. Aguentou-se.

"Os mais entendidos diziam que a rendição individual era bom. Não se é operacional tanto tempo. Substitui-se o ferido, o desaparecido, o morto – um destino mórbido. É entrar vivo para o caixão que vagou. Mudar o número por outro".

Guiné 69/71 - CVI: Bibliografia de uma guerra (2)

Notas enviadas por Jorge Santos:


TÍTULO: Memórias de um Prisioneiro de Guerra
AUTOR: António Júlio Rosa
EDITORA: Campo das Letras, Porto.
ANO: 2003


RESUMO: O autor pertenceu à Companhia Independente de Artilharia 1743, aquartelada em Tite, desde Dezembro de 1967 (agregada ao Batalhão de Artilharia 1914). Foi prisioneiro do PAIGC, desde Fevereiro de 1968 até Dezembro de 1970.

O autor refere-se à atitude de um regime que um dia o obrigou a lutar numa guerra que lhe tirou a liberdade. No livro conta a história de três anos de cativeiro vividos na Guiné-Conacri, transmitindo as experiências, o sofrimento e os factos vividos.

São relatos contados na primeira pessoa de momentos que, pela sua intensidade, ficaram para sempre guardados na sua memória. É a história de um jovem que, como tantos outros, um dia se viu numa terra distante e desconhecida com um simples objectivo: lutar.


TÍTULO: Os Dias da Guerra
ORGANIZADORES: José Manuel Lages e José Silva Ferreira
EDITORA: Externato Infante D. Henrique
ANO: 1995


RESUMO: Relatos de elementos da Companhia de Caçadores 2645 que desenvolveu a sua actividade na Guiné entre Fevereiro de 1969 e Dezembro de 1970.

Ultrapassando o frio e simples relato das operações militares, colige factos que marcaram mais ou menos profundamente os elementos que os sentiram, tanto mais que, em conjunto, passaram momentos de sacrifício, de angústia, de desânimo que, declaradamente, terão levado muitas vezes os seus autores ao próprio desprezo pela vida.

Registo de vivências, medos, mas também de momentos de cooperação com as populações locais, na melhoria do seu nível de vida. Inclui, ainda, exemplos de literatura de guerra retirados de correspondência entre os militares e as famílias ou as namoradas e termina com um texto sobre o Anexo Militar de Lisboa.


TÍTULO: Até Hoje (Memória de Cão)
AUTOR: Álamo de Oliveira
EDITORA: Ulmeiro
ANO: 1986

RESUMO: Excertos do livro: "Hoje, comi salsichas com arroz. Recebi um aerograma dos velhotes. Gritei que estava farto desta porcaria e o capitão mandou-me pró caralho. A tropa é mesmo uma merda! (…)

"Nome no placard, com as maiúsculas possíveis na lista pequena de mobilizados: SOLD. 127 – MACHADO, JOÃO DE S; o número primeiro, que na tropa é assim e depois Machado – machado de não cortar -, João. Iria para a Guiné em rendição individual. Estava ali, preto no branco, a ordem do poder absoluto.

"Apenas sentiu o sangue esquentar-lhe a cabeça, as pernas a quebrar pelos joelhos. Aguentou-se.

"Os mais entendidos diziam que a rendição individual era bom. Não se é operacional tanto tempo. Substitui-se o ferido, o desaparecido, o morto – um destino mórbido. É entrar vivo para o caixão que vagou. Mudar o número por outro".

Guiné 69/71 - CV: Bibliografia de uma guerra (1)

1. O Jorge Santos, autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso companheiro de tertúlia (embora tenha sido combatente noutra frente, em Moçambique) sugeriu-me, há dias, a inserção no nosso blogue de uma "Bibliografia sobre a Guerra Colonial na Guiné". Eu achei logo a ideia muito interessante e pedi-lhe para se encarregar dessa tarefa.

Ele respondeu-me: "Posso dar o meu contributo, enviando dados referentes a alguns livros, com uma pequena sinopse, bem como a foto da capa e uma nota biográfica do autor (sempre que possível). Outro pessoal [da tertúlia] colaborará, de certeza, e será uma forma de divulgar o que se tem escrito".

2. Da ideia ao acto foi um passo e aqui chegam as referências aos primeiros livros, que são também sugestões de leitura para as férias. Aqui ficam, pois, as três primeiras sugestões do Jorge Santos, a quem agradeço a excelente colaboração. Há já outras na calha. Para quem quiser aprofundar o conhecimento das relações entre a guerra colonial e a literatura (nomeadamente o romance de ficção), há vários sítios com artigos interessantes, como por exemplo:


Margarida Calafate Ribeiro (Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra) > Uma história de regressos: império, guerra colonial e pós-colonialismo

René Pelissier > Militares, polítios e outros mágicos. Análise Social. xxxviii (166)


TÍTULO: As Ausências de Deus - No Labirinto da Guerra Colonial.

AUTOR: António Loja
EDITOR: Editorial Notícias
ANO: 2001

RESUMO: Num quarto de hospital onde se encontra internado para uma intervenção cirúrgica, o autor regressa, de maneira obsessiva, à guerra de há trinta anos atrás. Desde os ruídos do dia-a-dia no hospital às pessoas com quem se cruza, tudo o faz voltar a uma guerra que nunca o abandonou, mesmo passado tatnto tempo. Memórias que o arrastam, sem querer, para as situações de combate e para aqueles que a viveram. Brancos e negros, todos povoam as suas recordações de um modo irrecusável.

Sem regularidade, mas sob pressão das memórias de cada noite e da dormência da recuperação pós-operatória, o autor mantém, entre Fevereiro e Setembro de 2001, uma espécie de diário, onde revive momentos que supunha esquecidos. E entrecruzando personagens e situações reais, em recordações diluídas pelo tempo, recria a realidade, numa teia com alguns nomes fictícios para não afectar a imagem (e pôr em causa o direito à privacidade) dos que, como ele, foram compelidos a lutar na Guiné, na época de 1966/68.

TÍTULO: No Regresso Vinham Todos
AUTOR: Vasco Lourenço
EDITOR: Editorial Notícias
ANO:1978

RESUMO: Mais do que a narração da guerra, este livro, escrito por um dos capitães de Abril, descreve-nos pequenos acontecimentos de uma comissão na guerra colonial, na Guiné (onde foi comandante da CCAÇ 2540), e sobretudo dá-nos conta das emoções, dos sentimentos, dos medos, dos passatempos, que passaram pela mente, pelo coração e pela vivência de um punhado de homens atirados para essa guerra.

No Regresso Vinham Todos é bem um testemunho da forma como a guerra colonial se desenrolou. A maioria dos portugueses que a ela eram obrigados, faziam-na com a ideia fixa no regresso, sãos e salvos, e nunca com a convicção da sua justeza e da sua razão de ser.

TÍTULO: sairòmeM - Guerra Colonial
EDITORA: Palimage
AUTOR: Gustavo Pimenta
ANO: 1999

RESUMO: A realidade, quando é sublimemente contada, ultrapassa quase sempre a ficção. De leitura de cortar a respiração, este relato da vida prende-nos à sua conclusão, afinal já conhecida, transportando-nos para o inferno da Guiné, onde se emprestam à memória do leitor as pequenas alegrias do dia seguinte e as marcas mais indeléveis que só a guerra consegue deixar. Memórias – sairómeM – de uma geração que se revê inevitavelmente na dor que delas transpira.

Guiné 69/71 - CV: Bibliografia de uma guerra (1)

1. O Jorge Santos, autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso companheiro de tertúlia (embora tenha sido combatente noutra frente, em Moçambique) sugeriu-me, há dias, a inserção no nosso blogue de uma "Bibliografia sobre a Guerra Colonial na Guiné". Eu achei logo a ideia muito interessante e pedi-lhe para se encarregar dessa tarefa.

Ele respondeu-me: "Posso dar o meu contributo, enviando dados referentes a alguns livros, com uma pequena sinopse, bem como a foto da capa e uma nota biográfica do autor (sempre que possível). Outro pessoal [da tertúlia] colaborará, de certeza, e será uma forma de divulgar o que se tem escrito".

2. Da ideia ao acto foi um passo e aqui chegam as referências aos primeiros livros, que são também sugestões de leitura para as férias. Aqui ficam, pois, as três primeiras sugestões do Jorge Santos, a quem agradeço a excelente colaboração. Há já outras na calha. Para quem quiser aprofundar o conhecimento das relações entre a guerra colonial e a literatura (nomeadamente o romance de ficção), há vários sítios com artigos interessantes, como por exemplo:


Margarida Calafate Ribeiro (Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra) > Uma história de regressos: império, guerra colonial e pós-colonialismo

René Pelissier > Militares, polítios e outros mágicos. Análise Social. xxxviii (166)


TÍTULO: As Ausências de Deus - No Labirinto da Guerra Colonial.

AUTOR: António Loja
EDITOR: Editorial Notícias
ANO: 2001

RESUMO: Num quarto de hospital onde se encontra internado para uma intervenção cirúrgica, o autor regressa, de maneira obsessiva, à guerra de há trinta anos atrás. Desde os ruídos do dia-a-dia no hospital às pessoas com quem se cruza, tudo o faz voltar a uma guerra que nunca o abandonou, mesmo passado tatnto tempo. Memórias que o arrastam, sem querer, para as situações de combate e para aqueles que a viveram. Brancos e negros, todos povoam as suas recordações de um modo irrecusável.

Sem regularidade, mas sob pressão das memórias de cada noite e da dormência da recuperação pós-operatória, o autor mantém, entre Fevereiro e Setembro de 2001, uma espécie de diário, onde revive momentos que supunha esquecidos. E entrecruzando personagens e situações reais, em recordações diluídas pelo tempo, recria a realidade, numa teia com alguns nomes fictícios para não afectar a imagem (e pôr em causa o direito à privacidade) dos que, como ele, foram compelidos a lutar na Guiné, na época de 1966/68.

TÍTULO: No Regresso Vinham Todos
AUTOR: Vasco Lourenço
EDITOR: Editorial Notícias
ANO:1978

RESUMO: Mais do que a narração da guerra, este livro, escrito por um dos capitães de Abril, descreve-nos pequenos acontecimentos de uma comissão na guerra colonial, na Guiné (onde foi comandante da CCAÇ 2540), e sobretudo dá-nos conta das emoções, dos sentimentos, dos medos, dos passatempos, que passaram pela mente, pelo coração e pela vivência de um punhado de homens atirados para essa guerra.

No Regresso Vinham Todos é bem um testemunho da forma como a guerra colonial se desenrolou. A maioria dos portugueses que a ela eram obrigados, faziam-na com a ideia fixa no regresso, sãos e salvos, e nunca com a convicção da sua justeza e da sua razão de ser.

TÍTULO: sairòmeM - Guerra Colonial
EDITORA: Palimage
AUTOR: Gustavo Pimenta
ANO: 1999

RESUMO: A realidade, quando é sublimemente contada, ultrapassa quase sempre a ficção. De leitura de cortar a respiração, este relato da vida prende-nos à sua conclusão, afinal já conhecida, transportando-nos para o inferno da Guiné, onde se emprestam à memória do leitor as pequenas alegrias do dia seguinte e as marcas mais indeléveis que só a guerra consegue deixar. Memórias – sairómeM – de uma geração que se revê inevitavelmente na dor que delas transpira.

Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império

1. Vasculhando o baú das minhas memórias (físicas) da guerra colonial, acabei pro deparar com as velhas fotografias, algumas delas já irrecuperáveis, do meu pai que, por ironia do destino, também fez a sua tropa no Ultramar, em plena II Guerra Mundial, como muitos outros jovens da sua geração.

Já as conhecia, de puto. Conheci-as , de cor e salteado, de tanto ter desfolhado aquele album, desconjuntado e hoje já desaparecido. Não sei como algumas das fotos sobreviveram mais de sessenta anos. Uma boa parte já se terá perdido.

Nunca entendi, em puto, o seu significado. Que faziam aqueles homens numa terra distante, numa ilha careca, sem árvores nem bichos, aonde se chegava por mar, em grandes barcos que levavam magotes de gente ? Uma terra onde não chovia e a fome matava a pobre gente que lá vivia ou vegetava!...

Legenda no verso da foto:

"23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R. I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques".

© Luís Graça



2. Além de barcos e tubarões, o meu pai sempre me falou de fome, do Joãozinho que morreu de fome, apesar dos restos do quartel. Também me falou da morna e da coladera... O que ele nunca me contou foi que, nesse período, a Grande Seca e a Grande Fome dizimaram milhares e milhares de caboverdianos, miseravelmente entregues à sua sorte pelo regime de Salazar... Aliás, a seca, a fome e as epidemias sempre marcaram, ciclicamente, as gente das ilhas e a sua literatura. Os que puderam fugiram, na década de 1940, para a diáspora... Só percebi isso mais tarde, já adolescente, quando li o romance Hora di Bai, de Manuel Ferreira, que também esteve em Cabo Verde por essa altura como militar.

Legenda no verso da foto:

"O Paquete Mouzinho. Oferecido pelo meu amigo José B. Lourenço no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942. Luís Henriques,(...) em S. Vicente, C. Verde".

© Luís Graça

O meu pai, felizmente ainda vivo, era o 1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5. Esteve em Cabo Verde, no Lazareto, na Ilha de São Vicente, entre 1941/43. Muitos soldados portugueses morreram lá, de tuberculose, de doença, de desnutrição, de solidão, de saudade. Os seus restos mortais ficaram, para sempre, longe de casa, da terra natal, da Pátria. São os mortos e os esquecidos do Império.

Uma saga que durou cinco séculos, e que atravessou a minha própria família do lado paterno: a minha bisavó Maçarica, nascida em Ribamar em 1864, descendia justamente dos pobres diabos arrebanhados, à força, para os porões das caravelas e nas naus. Embarcados como pau para toda a obra, daí a alcunha (Maçaricos) e, possivelmente mais tarde, o apelido de família (Maçarico). O mar marcou-os de tal maneira que nunca conseguiram viver longe dele: foram (e continuam a ser) gente ribeirinha, concentrados maioritariamente em Ribamar da Lourinhã, mas também com um possível núcleo em Mira, sendo marinheiros, aventureiros, mercadores, pescadores, calafates, construtores de barcos, mestres de traineiras, pescadores de lagosta, pescadores do alto, cabos de mar, peixeiros, negociantes de peixe, donos de restaurantes, tascas e hotéis à beira mar, perdidos e achados nas setes partidas do mundo, junto aos cais...

3. Serve esta evocação nostálgicas dos meus antepassados, para dizer que a minha geração, a nossa geração, foi a coveira do Império. 500 anos depois liquidámos o Império. E justamente na Guiné. Foi na Guiné que enterrámos os últimos mortos e os últimos esquecidos do Império. Que derrubámos o último padrão das quinas e arriámos a última bandeira verde-rubra. Não é sem um arrepio que escrevo isto. Mas hoje apeteceu-me invocar aqui os meus antepassados, a nossa gente. Tal como o Guimarães que teve a ternura de chamar aqui, à colação, o seu velho pai, herói da 1ª Grande Guerra...

Legenda no verso da foto:
"Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar). Luís Henriques".
© Luís Graça.

Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império

1. Vasculhando o baú das minhas memórias (físicas) da guerra colonial, acabei pro deparar com as velhas fotografias, algumas delas já irrecuperáveis, do meu pai que, por ironia do destino, também fez a sua tropa no Ultramar, em plena II Guerra Mundial, como muitos outros jovens da sua geração.

Já as conhecia, de puto. Conheci-as , de cor e salteado, de tanto ter desfolhado aquele album, desconjuntado e hoje já desaparecido. Não sei como algumas das fotos sobreviveram mais de sessenta anos. Uma boa parte já se terá perdido.

Nunca entendi, em puto, o seu significado. Que faziam aqueles homens numa terra distante, numa ilha careca, sem árvores nem bichos, aonde se chegava por mar, em grandes barcos que levavam magotes de gente ? Uma terra onde não chovia e a fome matava a pobre gente que lá vivia ou vegetava!...

Legenda no verso da foto:

"23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R. I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques".

© Luís Graça



2. Além de barcos e tubarões, o meu pai sempre me falou de fome, do Joãozinho que morreu de fome, apesar dos restos do quartel. Também me falou da morna e da coladera... O que ele nunca me contou foi que, nesse período, a Grande Seca e a Grande Fome dizimaram milhares e milhares de caboverdianos, miseravelmente entregues à sua sorte pelo regime de Salazar... Aliás, a seca, a fome e as epidemias sempre marcaram, ciclicamente, as gente das ilhas e a sua literatura. Os que puderam fugiram, na década de 1940, para a diáspora... Só percebi isso mais tarde, já adolescente, quando li o romance Hora di Bai, de Manuel Ferreira, que também esteve em Cabo Verde por essa altura como militar.

Legenda no verso da foto:

"O Paquete Mouzinho. Oferecido pelo meu amigo José B. Lourenço no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942. Luís Henriques,(...) em S. Vicente, C. Verde".

© Luís Graça

O meu pai, felizmente ainda vivo, era o 1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5. Esteve em Cabo Verde, no Lazareto, na Ilha de São Vicente, entre 1941/43. Muitos soldados portugueses morreram lá, de tuberculose, de doença, de desnutrição, de solidão, de saudade. Os seus restos mortais ficaram, para sempre, longe de casa, da terra natal, da Pátria. São os mortos e os esquecidos do Império.

Uma saga que durou cinco séculos, e que atravessou a minha própria família do lado paterno: a minha bisavó Maçarica, nascida em Ribamar em 1864, descendia justamente dos pobres diabos arrebanhados, à força, para os porões das caravelas e nas naus. Embarcados como pau para toda a obra, daí a alcunha (Maçaricos) e, possivelmente mais tarde, o apelido de família (Maçarico). O mar marcou-os de tal maneira que nunca conseguiram viver longe dele: foram (e continuam a ser) gente ribeirinha, concentrados maioritariamente em Ribamar da Lourinhã, mas também com um possível núcleo em Mira, sendo marinheiros, aventureiros, mercadores, pescadores, calafates, construtores de barcos, mestres de traineiras, pescadores de lagosta, pescadores do alto, cabos de mar, peixeiros, negociantes de peixe, donos de restaurantes, tascas e hotéis à beira mar, perdidos e achados nas setes partidas do mundo, junto aos cais...

3. Serve esta evocação nostálgicas dos meus antepassados, para dizer que a minha geração, a nossa geração, foi a coveira do Império. 500 anos depois liquidámos o Império. E justamente na Guiné. Foi na Guiné que enterrámos os últimos mortos e os últimos esquecidos do Império. Que derrubámos o último padrão das quinas e arriámos a última bandeira verde-rubra. Não é sem um arrepio que escrevo isto. Mas hoje apeteceu-me invocar aqui os meus antepassados, a nossa gente. Tal como o Guimarães que teve a ternura de chamar aqui, à colação, o seu velho pai, herói da 1ª Grande Guerra...

Legenda no verso da foto:
"Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar). Luís Henriques".
© Luís Graça.

11 julho 2005

Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri

Versão, modificada, de um texto que publiquei em O Jornal, em 16 de Abril de 1981 (A tropa-macaca e a elite da tropa), no dossiê Memória da guerra colonial.




Furriel miliciano numa companhia africana (a CCAÇ 12, sediada em Bambadinca, na Zona Leste da Guiné), conheci de relativamente de perto as misérias e as grandezas da 1ª Companhia de Comandos Africanos. Privei inclusive, embora ocasionalmente, com algumas das figuras que o Carlos França retratou do seu artigo “Arame farpado em tempo de massacre”, publicado em O Jornal, nº 319, de 10 de Abril de 1981.


Tal como a tropa-macaca (termo depreciativo dado às unidades do exército constituídas por praças do recrutamento local e por quadros de origem metropolitana tal como a CCAÇ 12, e outras que também já existiam, e que têm sido aqui evocadas no nosso blogue: a CAÇ 3, do ex-Alferes miliciano Lopes, a CCAÇ 13, do ex-furriel miliciano Fortunato, a CART 11 [, depopis CCAÇ 11,] do ex-furriel miliciano Monteiro, a CCAÇ 14...), os comandos africanos faziam parte da nova forma africana que era então a menina bonita de Spínola e da sua entourage.


Havia porém alguns diferenças substanciais entre a 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA) e as restantes unidades, incluindo os Pelotões de Caçadores Nativos (conheci alguns: estacionados em Bambadinca, Fá Mandinga, Missirá, estes dois últimos, comandandos respectivamente pelos ex-alferes milicianos Cabral, o 53, e Beja Santos, o 52): os comandos africanos eram uma tropa de elite, bem paga, bem treinada e bem armada, com quadros operacionais exclusivamente africanos, desde os oficiais aos sargentos.


Os muchachos de Pancho Villa


O primeiro contacto que tive com os futuros comandos africanos foi aquando da sua chegada ao Xime, vindos de Bissau, em LDG da Marinha. O meu grupo de combate havia sido escalado para os escoltar no percurso até Fá Mandinga – a mesma povoação onde, por ironia, se localizava a antiga estação agronómica onde, se dizia, trabalhara o engenheiro Amílcar Cabral.


Em , situada junto ao Rio Geba, entre Bambadinca e Bafatá, ficariam instalados os futuros comandos africanos, para efeitos de instrução da especialidade e treino operacional. Isto passa-se em princípios de Fevereiro de 1970, já não posso precisar de cor.


Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando Barbosa Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes.


No meio da bandalheira geral que já era então o nosso exército, corroído pelo mal dos milicianos e o cansaço dos oficiais e sargentos do quadro, o capitão-comando Barbosa  Henriques era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point!


A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma “instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada".


E no entanto por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como todos nós, capaz de deixar trair as suas emoções,e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...


Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o All you need is love dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome).


O comandante operacional, esse, era o lendário capitão graduado comando João Bacar Jaló, um torre e espada, ex-alferes de milícia, de etnia fula, oriundo de Catió, que viria a morrer em combate, mais tarde, já depois de Conacri. Também me lembro do Zacarias Saeigh, o 2º comandante. Era um dos tipos mais evoluídos e correctos no convívo com os outros militares.

Não creio que tenha trocado com o João Bacar Jaló mais do que meia dúzia de palavras, em português. Mas estou a vê-lo, a entrar na parada do quartel de Bambadinca, ao volante de um burrinho (Unimog 411), à revelia de qualquer Regulamento de Disciplina Militar (RDM), à frente dos seus garbosos comandos, fabricados em série, denotando forte espírito de corpo e moral elevada.


Alguns de nós chamávamos-lhes, com uma certa ironia, os muchachos de Pancho Villa por andarem armados até aos dentes e com fitas de metralhadora a tiracolo, além de gostarem de se fazer anunciar com enervantes rajadas de Kalash para o ar… Nas barbas do comandante do BART 2917 e do seu oficialato.
- Comando africano é aquela máquina – diziam eles, pavoneando-se nas tabancas, de de Kalash na mão, impecáveis no seu camuflado a que a boina e o lenço vermelhos, além do crachá, davam o traço de distinção dos grandes predadores.
- Comando tem manga de mania, nô furriè – comentavam, não sem uma certa ponta de inveja, alguns dos meus soldados fulas, praças de 2ª classe, mal pagos, mal alimentados e já duramente marcados pela guerra…


Este comportamento sadobelicista não deixaria de ser, entretanto, fatal para alguns deles: estou-me a recordar, por exemplo, do primeiro dos seus graduados, um furriel, morto em combate em 18 de Junho de 1970, na antiga estrada da Ponta do Inglês, na região do Xime. Vi os restos do cadáver na capela de Bambadinca. Tinha sido literalmente serrado a meio como quem corta um tronco de árvore com cordão detonante: ao pisar uma mina antipessoal, as numerosas granadas de mão que levava à cintura haviam rebentado por simpatia...




Uloma, caçador de cabeças



Desconheço a origem dos comandos africanos, bem como os critérios utilizados no seu recrutamento e selecção. De qualquer modo, contrariamente às companhias de caçadores africanas como a CAÇ 3, 11, 12, 13 e 14 cuja composição tendia a obedecer a razões de natureza etnicogeográfica, os elementos da 1ª CCA eram (ou pareciam-me ser) socialmente heterogéneos.


Os seus quadros revelavam, inevitavelmente, um baixo nível cultural, embora falassem razoavelemente o português. Um ou outro desses quadros tinha sido educado nas Missões Católicas: caso do tenente graduado comando Januário, de etnia papel, que mais tarde irá jogar um papel determinante, por omissão, na Op Mar Verde, tendo sido considerado desertor pelas NT. Também havia alguns caboverdianos ou filhos de caboverdianos, segundo creio.


Julgo que as praças eram fracamente escolarizadas. Uma boa parte eram fulas, mas havia em contrapartida bastantes elementos já destribalizados, ou em perda de identidade cultural por via da assimilação, alguns podendo ter sido recrutados entre os descamisados, o lumpen-proletariado que vegetava pelas ruas de Bissau e pelas tabancas do Pilão. Seriam precisos mais elementos para uma boa caracterização sociodemográfica da 1ª Companhia de Comandos Africanos [,mais tarde Batalhão].


Um dos comandos africanos mais conhecidos em Bambadinca era o furriel Uloma, filho de régulo, da zona de Varela, e um dos raros felupes que vestiam a farda do exército português, segundo se dizia no meu tempo. Uloma era uma espécie de coqueluche ou mascote da companhia, não só pelo seu aspecto físico (era um tipo entroncado, corpolento)  como sobretudo pelos seus estranhos rituais de guerra e pela sua macabra colecção de cabeças cortadas ao inimigo, conservadas em álcool (trinta e duas, ao que parece, segundo os cálculos do Carlos França, que terá privado com ele, em Fá).
- Essas práticas culturais de bom selvagem teriam a ver com as reminiscências do canibalismo ritual entre os felupes – como me tentava, em vão, explicar, em jeito de antropólogo, com uma garrafa de uísque na mão, o meu amigo Cabral, com fama de poeta, antimilitarista, filho de militar de carreira, alferes miliciano, tão dilacerado como eu pela brutal irracionalidade daquela guerra, e que privava como os comandos africanos na sua qualidade de comandante do Pelotão de Caçadores Nativos local, o Pel Caç Nat 63.


Para mim, não havia dúvidas: essas práticas, não sendo obviamente encorajadas, eram pelo menos toleradas pelos responsáveis da 1ª CCA e, no mínimo, pelas autoridades militares da zona leste (Bafatá) e do sector L1 (Bambadinca). Havia quem encolhesse os ombros, alegando que os comandos africanos dependiam directamente do Com-Chefe e, como tal, tinham carta branca.


Recordo certa vez que o Uloma  se deixou fotografar, como um verdadeiro predador, exibicionista, imponente, triunfante, com um dos seus sangrentos e macabros troféus de caça, no regresso de um raide a território IN, a norte do Rio Geba, no regulado do Cuor. (Julgo que esta cena se passou no final de um operação de vários dias em que a 1ª CCA actuou na região a norte do Enxalé, de 30 de Outubro a 7 de Novembro de 1970, às ordens do BART 2917; de qualquer modo, foi antes da invasão de Conacri).


À falta de caça grossa, dizia-se, tinha atirado sobre um pobre camponês, porventura balanta ou beafada, que cultivava, desarmado, o seu arroz na bolanha… Cortada a cabeça, rente ao pescoço, de um só golpe de catana, atara-lhe um pano branco que ligava a boca ao esófago, à laia de pega…


O nosso cabo Encarnação, fotógrafo amador por necessidade e jeito para a biscatagem (batia e revelava, num estúdio fotográfico improvisado as chapas que os tugas mandavam para a família na Metrópole, as namoradas e os amigos, como certificado de que continuavam vivos, inteiros e de boa saúde), aproveitou o boneco do Uloma segurando a cabeça, pela carapinha, de um terrível e bravo inimigo, para fazer o negócio da sua vida…


De forma que muitas dezenas dessas macabras fotografias foram vendidas rápida mas discretamente em Bambadinca, como postal ilustrado de um ronco típico das terras da Guiné, até que a coisa chegou aos ouvidos do tenente-coronel, comandante do BART 2917...


Este, claro, alarmado com a eventualidade de algum escândalo (estava-se no auge da ideologia e da política da Guiné Melhor, da acção psicossocial, do spinolismo…) e, pior ainda, receoso da porrada mais que certa do Com-Chefe se a coisa não fosse abafada a tempo, mandou recolher de imediato as fotografias em circulação, confiscar e destruir as restantes cópias, além dos negativos… Mas algumas chegaram à Metrópole...


Moral da história: o nosso fotógrafo encartado, o pobre do nosso cabo Encarnação, como se não bastassem já as perdas e danos sofridos, esteve à beira de levar uma porrada…

Quanto ao Uloma,  teve um fim triste, às mãos dos vencedores, já depois da independência... Está na triste lista das vítimas das execuções sumárias levadas a cabo pelas novas autoridades da Guíné-Bissau.


O horror destas cenas de guerra, não só pela sua gratuitidade como também pela hipocrisia das autoridades militares de Bambadinca, não deixaram de impressionar alguns de nós, milicianos, mais informados, civilizados e/ou politizados, mas ninguém mexeu uma palha para as denunciar ou simplesmente divulgar. Eu próprio limitei-me a tomar algumas notas para o Diário de um tuga.



O filho da puta do tenente Januário


Nós não éramos a elite da tropa nem sequer a fina flor da Nação (como nos repetia ad nauseam o garboso tenente de Tavira que foi comandante de companhia)... Mas quantos de nós, milicianos, não terão consciente ou inconscientemenete desejado sê-lo, ao admirar com volúpia e ciúme os brinquedos, os roncos, apanhados ao IN pelos paras, pelos comandos ou pelos fuzos ?


Estes poderiam ser algumas notas para outros tantos capítulos da história da 1ª CCA. A sua participação na temerária e controversa invasão anfíbia de Conacri em 22 de Novembro de 1970 é, só por si, um outro capítulo, embora já relativamente conhecido depois das revelações feitas em 1976 pelo cérebro e comandante operacional da Op Mar Verde, o fuzileiro Alpoim Galvão.


Eu próprio vi-os partir, aos comandos africanos (só mais tarde saberia para onde…) e vi-os regressar, carregados de roncos, com o ar triunfal dos guerreiros de antigamente…


Lembro-me ainda de um deles que trazia um trombone de varas, pilhado num cabaré de Conacri que fora destruído à granada de mão e que não me consta que fizesse parte dos objectivos político-militares a atingir… Depressa deram à língua, contando histórias incríveis de perigos e de heroísmo, ao mesmo tempo que faziam negócio com armas automáticas que haviam trazido de Conacri como souvenirs. Na altura chegaram a oferecer-nos espingardas automáticas Kalash, novinhas em folha, em Bambadinca e Bafatá, por 500 pesos...


Alpoim Galvão, no seu livro (De Conakry ao MDLP. Lisboa: Editorial Intervenção. 1976), fala em 500 baixas por parte do IN. Rádio-Conacri, por seu turno, fazendo balanço dos trágicos acontecimentos, estimava-as em duas ou três mil, entre civis e militares. Entretanto, pudemos acompanhar, em Bambadinca, através daquela emissora os interrogatórios, em francês, do tenente graduado comando João Januário Lopes e dos seus homens pela comissão de inquérito da ONU.


As informações reveladas vieram confirmar o que já sabíamos (ou suspeitávamos ) sobre o grau do nosso envolvimento nesta operação que visava, claramente, o derrube do regime de Sekou Touré e a liquidação dos principais dirigentes do PAIGC, além da libertação dos soldados portugueses detidos em Conacri, alguns há vários anos, incluindo dos camaradas da CART 1690, do nosso amigo Marques Lopes, apanhados à unha em Catacunda no ataque à aquele destacamento do sub-sector de Geba, em 11 de Abril de 1968.


O "estranho e inexplicável rebate de consciência" do supervisor da 1ª CCA (o então major Leal de Almeida) que inicialmente se teria recusado a participar na Op Mar Verde; o "momento de hesitação" do capitão graduado comando e herói Bacar Jaló; e, mais tarde, a deserção do "filho da puta" (sic) do tenente graduado Januário e dos seus homens, além da "forma bizarra" como actuou no terreno a equipa do alferes graduado Jamanca (as expressões entre aspas não são minhas, mas do comandante Alpoim Galvão) não deixam, entretanto, de pôr em causa a tão proclamada eficácia, eficiência, disciplina e espírito de corpo dos comandos, sendo factos reveladores desta verdade tão simples e comezinha: mesmo os profissionais da guerra, mesmo a tropa de elite, por muito máquinas que sejam, não deixam de ser tão livres, responsáveis, vulneráveis e… até mortais como os outros homens, civis ou militares.


Post scriptum > Presto aqui as minhas homenagens aos comandos africanos, que eu escoltei do Xime até Fá Mandinga, que eu vi crescer e alguns morrer, com quem convi esporadicamente e que nós abandonámos miseravelmente depois do 25 de Abril (não dei se estou a ser justo para como homens como o Carlos Fabião, o Almeida Bruno, o Folques ou o Carlos Matos Gomes, brilhantes e corajosos oficiais portugueses que os enquadraram ou comandaram)... E sobretudo àqueles que foram perseguidos, presos, torturados e fuzilados no seu país, na sua terra, sem qualquer acusação ou julgamento. Esta página do pós-guerra colonial tenho pena que tenha sido escrita pelo (ou em nome do) PAIGC... Não digo: envergonho-me, porque eu nunca pertenci ao PAIGC (nem, aliás, a um nenhum partido político)... Mas confesso que na época (Guiné, 1969/71) tinha alguma simpatia pela figuar do Amílcar Cabral.




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Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana


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E depois do adeus... O massacre dos comandos negros do Exército Português, por Hugo Gonçalves


João Paulo Borges Coelho (2003) > Da violência colonial ordenada à ordem pós-colonial violenta. Lusotopie.2003: 173-195




Vida e morre da 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA):




9 de Julho de 1969 - Início da organização da companhia, em Fá Mandinga, formada exclusivamente por naturais da Guiné e ecom base em anteriores grupos de comandos já existentes nos batalhões"


6 de Fevereiro de 1970 - Início da sua instrução


26 de Abril de 1970 - Cerimónia de juramento de bandeira em Bissau, na presença do COM-CHEFE.


21 de Junho / 15 de Julho de 1970 - Treino operacional na região de Bajocunda. No final é colocada em Fá Mandinga, com a missãod e interevenção e reserva do COM-CHEFE.


30 de Outubro a 7 de Novmebro de 1970 - Operação a norte da região do Enxalé, na zona de acção do BaRT 2917 (Bambadinca, 1970/72).


21/22 de Novembro de 1970 - Toma parte na Op Mar verde, sob o comando de Alpoim Galvão (invasão da Conacri). Perde um dos seus grupos de combate (comandando pelo tenente graduado Januário).


Princípios de Dezembro de 1970 / Finais de Janeiro de 1971 - Três pelotões em refeorço temporário das guarnições fronteiriças de Gandembel e Guileje.


Finais de Julho de 1971 - Segue de Tite para Bolama, para um curto período de descanso e recuperação.


Meados de Agosto de 1971 - É colocada em Brá (Bissau), nas instalações do futuro Batalhão de Comandos. Continua a sua intensa actividade operacional, durante o resto do ano de 1971 e o ano de 1972, em conjunto com a 2ª Companhia de Comandos Africanos, entretanto formada. Penetra em santuários do IN que eram verdadeiros mitos no meu tempo, como por exemplo o Morés (20-24 de Dezembro de 1971; 7-12 de Fevereiro de 1972), o Choquemone (18-22 de Outubro de 1971), a região de Salancaur-Unal-Guileje (28 de Março a 8 de Abril de 1972)e outras.


2 de Novmebro de 1972 - É integrada no Batalhão de Comandos.


7 de Setembro de 1974 - A 1ª CCA é desactivada e extinta, bem como as restantes forças do Batalhão de Comandos.


Fonte: Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana

Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri

Versão, modificada, de um texto que publiquei em O Jornal, em 16 de Abril de 1981 (A tropa-macaca e a elite da tropa), no dossiê Memória da guerra colonial.




Furriel miliciano numa companhia africana (a CCAÇ 12, sediada em Bambadinca, na Zona Leste da Guiné), conheci de relativamente de perto as misérias e as grandezas da 1ª Companhia de Comandos Africanos. Privei inclusive, embora ocasionalmente, com algumas das figuras que o Carlos França retratou do seu artigo “Arame farpado em tempo de massacre”, publicado em O Jornal, nº 319, de 10 de Abril de 1981.


Tal como a tropa-macaca (termo depreciativo dado às unidades do exército constituídas por praças do recrutamento local e por quadros de origem metropolitana tal como a CCAÇ 12, e outras que também já existiam, e que têm sido aqui evocadas no nosso blogue: a CAÇ 3, do ex-Alferes miliciano Lopes, a CCAÇ 13, do ex-furriel miliciano Fortunato, a CART 11 [, depopis CCAÇ 11,] do ex-furriel miliciano Monteiro, a CCAÇ 14...), os comandos africanos faziam parte da nova forma africana que era então a menina bonita de Spínola e da sua entourage.


Havia porém alguns diferenças substanciais entre a 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA) e as restantes unidades, incluindo os Pelotões de Caçadores Nativos (conheci alguns: estacionados em Bambadinca, Fá Mandinga, Missirá, estes dois últimos, comandandos respectivamente pelos ex-alferes milicianos Cabral, o 53, e Beja Santos, o 52): os comandos africanos eram uma tropa de elite, bem paga, bem treinada e bem armada, com quadros operacionais exclusivamente africanos, desde os oficiais aos sargentos.


Os muchachos de Pancho Villa


O primeiro contacto que tive com os futuros comandos africanos foi aquando da sua chegada ao Xime, vindos de Bissau, em LDG da Marinha. O meu grupo de combate havia sido escalado para os escoltar no percurso até Fá Mandinga – a mesma povoação onde, por ironia, se localizava a antiga estação agronómica onde, se dizia, trabalhara o engenheiro Amílcar Cabral.


Em , situada junto ao Rio Geba, entre Bambadinca e Bafatá, ficariam instalados os futuros comandos africanos, para efeitos de instrução da especialidade e treino operacional. Isto passa-se em princípios de Fevereiro de 1970, já não posso precisar de cor.


Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando Barbosa Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes.


No meio da bandalheira geral que já era então o nosso exército, corroído pelo mal dos milicianos e o cansaço dos oficiais e sargentos do quadro, o capitão-comando Barbosa  Henriques era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point!


A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma “instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada".


E no entanto por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como todos nós, capaz de deixar trair as suas emoções,e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...


Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o All you need is love dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome).


O comandante operacional, esse, era o lendário capitão graduado comando João Bacar Jaló, um torre e espada, ex-alferes de milícia, de etnia fula, oriundo de Catió, que viria a morrer em combate, mais tarde, já depois de Conacri. Também me lembro do Zacarias Saeigh, o 2º comandante. Era um dos tipos mais evoluídos e correctos no convívo com os outros militares.

Não creio que tenha trocado com o João Bacar Jaló mais do que meia dúzia de palavras, em português. Mas estou a vê-lo, a entrar na parada do quartel de Bambadinca, ao volante de um burrinho (Unimog 411), à revelia de qualquer Regulamento de Disciplina Militar (RDM), à frente dos seus garbosos comandos, fabricados em série, denotando forte espírito de corpo e moral elevada.


Alguns de nós chamávamos-lhes, com uma certa ironia, os muchachos de Pancho Villa por andarem armados até aos dentes e com fitas de metralhadora a tiracolo, além de gostarem de se fazer anunciar com enervantes rajadas de Kalash para o ar… Nas barbas do comandante do BART 2917 e do seu oficialato.
- Comando africano é aquela máquina – diziam eles, pavoneando-se nas tabancas, de de Kalash na mão, impecáveis no seu camuflado a que a boina e o lenço vermelhos, além do crachá, davam o traço de distinção dos grandes predadores.
- Comando tem manga de mania, nô furriè – comentavam, não sem uma certa ponta de inveja, alguns dos meus soldados fulas, praças de 2ª classe, mal pagos, mal alimentados e já duramente marcados pela guerra…


Este comportamento sadobelicista não deixaria de ser, entretanto, fatal para alguns deles: estou-me a recordar, por exemplo, do primeiro dos seus graduados, um furriel, morto em combate em 18 de Junho de 1970, na antiga estrada da Ponta do Inglês, na região do Xime. Vi os restos do cadáver na capela de Bambadinca. Tinha sido literalmente serrado a meio como quem corta um tronco de árvore com cordão detonante: ao pisar uma mina antipessoal, as numerosas granadas de mão que levava à cintura haviam rebentado por simpatia...




Uloma, caçador de cabeças



Desconheço a origem dos comandos africanos, bem como os critérios utilizados no seu recrutamento e selecção. De qualquer modo, contrariamente às companhias de caçadores africanas como a CAÇ 3, 11, 12, 13 e 14 cuja composição tendia a obedecer a razões de natureza etnicogeográfica, os elementos da 1ª CCA eram (ou pareciam-me ser) socialmente heterogéneos.


Os seus quadros revelavam, inevitavelmente, um baixo nível cultural, embora falassem razoavelemente o português. Um ou outro desses quadros tinha sido educado nas Missões Católicas: caso do tenente graduado comando Januário, de etnia papel, que mais tarde irá jogar um papel determinante, por omissão, na Op Mar Verde, tendo sido considerado desertor pelas NT. Também havia alguns caboverdianos ou filhos de caboverdianos, segundo creio.


Julgo que as praças eram fracamente escolarizadas. Uma boa parte eram fulas, mas havia em contrapartida bastantes elementos já destribalizados, ou em perda de identidade cultural por via da assimilação, alguns podendo ter sido recrutados entre os descamisados, o lumpen-proletariado que vegetava pelas ruas de Bissau e pelas tabancas do Pilão. Seriam precisos mais elementos para uma boa caracterização sociodemográfica da 1ª Companhia de Comandos Africanos [,mais tarde Batalhão].


Um dos comandos africanos mais conhecidos em Bambadinca era o furriel Uloma, filho de régulo, da zona de Varela, e um dos raros felupes que vestiam a farda do exército português, segundo se dizia no meu tempo. Uloma era uma espécie de coqueluche ou mascote da companhia, não só pelo seu aspecto físico (era um tipo entroncado, corpolento)  como sobretudo pelos seus estranhos rituais de guerra e pela sua macabra colecção de cabeças cortadas ao inimigo, conservadas em álcool (trinta e duas, ao que parece, segundo os cálculos do Carlos França, que terá privado com ele, em Fá).
- Essas práticas culturais de bom selvagem teriam a ver com as reminiscências do canibalismo ritual entre os felupes – como me tentava, em vão, explicar, em jeito de antropólogo, com uma garrafa de uísque na mão, o meu amigo Cabral, com fama de poeta, antimilitarista, filho de militar de carreira, alferes miliciano, tão dilacerado como eu pela brutal irracionalidade daquela guerra, e que privava como os comandos africanos na sua qualidade de comandante do Pelotão de Caçadores Nativos local, o Pel Caç Nat 63.


Para mim, não havia dúvidas: essas práticas, não sendo obviamente encorajadas, eram pelo menos toleradas pelos responsáveis da 1ª CCA e, no mínimo, pelas autoridades militares da zona leste (Bafatá) e do sector L1 (Bambadinca). Havia quem encolhesse os ombros, alegando que os comandos africanos dependiam directamente do Com-Chefe e, como tal, tinham carta branca.


Recordo certa vez que o Uloma  se deixou fotografar, como um verdadeiro predador, exibicionista, imponente, triunfante, com um dos seus sangrentos e macabros troféus de caça, no regresso de um raide a território IN, a norte do Rio Geba, no regulado do Cuor. (Julgo que esta cena se passou no final de um operação de vários dias em que a 1ª CCA actuou na região a norte do Enxalé, de 30 de Outubro a 7 de Novembro de 1970, às ordens do BART 2917; de qualquer modo, foi antes da invasão de Conacri).


À falta de caça grossa, dizia-se, tinha atirado sobre um pobre camponês, porventura balanta ou beafada, que cultivava, desarmado, o seu arroz na bolanha… Cortada a cabeça, rente ao pescoço, de um só golpe de catana, atara-lhe um pano branco que ligava a boca ao esófago, à laia de pega…


O nosso cabo Encarnação, fotógrafo amador por necessidade e jeito para a biscatagem (batia e revelava, num estúdio fotográfico improvisado as chapas que os tugas mandavam para a família na Metrópole, as namoradas e os amigos, como certificado de que continuavam vivos, inteiros e de boa saúde), aproveitou o boneco do Uloma segurando a cabeça, pela carapinha, de um terrível e bravo inimigo, para fazer o negócio da sua vida…


De forma que muitas dezenas dessas macabras fotografias foram vendidas rápida mas discretamente em Bambadinca, como postal ilustrado de um ronco típico das terras da Guiné, até que a coisa chegou aos ouvidos do tenente-coronel, comandante do BART 2917...


Este, claro, alarmado com a eventualidade de algum escândalo (estava-se no auge da ideologia e da política da Guiné Melhor, da acção psicossocial, do spinolismo…) e, pior ainda, receoso da porrada mais que certa do Com-Chefe se a coisa não fosse abafada a tempo, mandou recolher de imediato as fotografias em circulação, confiscar e destruir as restantes cópias, além dos negativos… Mas algumas chegaram à Metrópole...


Moral da história: o nosso fotógrafo encartado, o pobre do nosso cabo Encarnação, como se não bastassem já as perdas e danos sofridos, esteve à beira de levar uma porrada…

Quanto ao Uloma,  teve um fim triste, às mãos dos vencedores, já depois da independência... Está na triste lista das vítimas das execuções sumárias levadas a cabo pelas novas autoridades da Guíné-Bissau.


O horror destas cenas de guerra, não só pela sua gratuitidade como também pela hipocrisia das autoridades militares de Bambadinca, não deixaram de impressionar alguns de nós, milicianos, mais informados, civilizados e/ou politizados, mas ninguém mexeu uma palha para as denunciar ou simplesmente divulgar. Eu próprio limitei-me a tomar algumas notas para o Diário de um tuga.



O filho da puta do tenente Januário


Nós não éramos a elite da tropa nem sequer a fina flor da Nação (como nos repetia ad nauseam o garboso tenente de Tavira que foi comandante de companhia)... Mas quantos de nós, milicianos, não terão consciente ou inconscientemenete desejado sê-lo, ao admirar com volúpia e ciúme os brinquedos, os roncos, apanhados ao IN pelos paras, pelos comandos ou pelos fuzos ?


Estes poderiam ser algumas notas para outros tantos capítulos da história da 1ª CCA. A sua participação na temerária e controversa invasão anfíbia de Conacri em 22 de Novembro de 1970 é, só por si, um outro capítulo, embora já relativamente conhecido depois das revelações feitas em 1976 pelo cérebro e comandante operacional da Op Mar Verde, o fuzileiro Alpoim Galvão.


Eu próprio vi-os partir, aos comandos africanos (só mais tarde saberia para onde…) e vi-os regressar, carregados de roncos, com o ar triunfal dos guerreiros de antigamente…


Lembro-me ainda de um deles que trazia um trombone de varas, pilhado num cabaré de Conacri que fora destruído à granada de mão e que não me consta que fizesse parte dos objectivos político-militares a atingir… Depressa deram à língua, contando histórias incríveis de perigos e de heroísmo, ao mesmo tempo que faziam negócio com armas automáticas que haviam trazido de Conacri como souvenirs. Na altura chegaram a oferecer-nos espingardas automáticas Kalash, novinhas em folha, em Bambadinca e Bafatá, por 500 pesos...


Alpoim Galvão, no seu livro (De Conakry ao MDLP. Lisboa: Editorial Intervenção. 1976), fala em 500 baixas por parte do IN. Rádio-Conacri, por seu turno, fazendo balanço dos trágicos acontecimentos, estimava-as em duas ou três mil, entre civis e militares. Entretanto, pudemos acompanhar, em Bambadinca, através daquela emissora os interrogatórios, em francês, do tenente graduado comando João Januário Lopes e dos seus homens pela comissão de inquérito da ONU.


As informações reveladas vieram confirmar o que já sabíamos (ou suspeitávamos ) sobre o grau do nosso envolvimento nesta operação que visava, claramente, o derrube do regime de Sekou Touré e a liquidação dos principais dirigentes do PAIGC, além da libertação dos soldados portugueses detidos em Conacri, alguns há vários anos, incluindo dos camaradas da CART 1690, do nosso amigo Marques Lopes, apanhados à unha em Catacunda no ataque à aquele destacamento do sub-sector de Geba, em 11 de Abril de 1968.


O "estranho e inexplicável rebate de consciência" do supervisor da 1ª CCA (o então major Leal de Almeida) que inicialmente se teria recusado a participar na Op Mar Verde; o "momento de hesitação" do capitão graduado comando e herói Bacar Jaló; e, mais tarde, a deserção do "filho da puta" (sic) do tenente graduado Januário e dos seus homens, além da "forma bizarra" como actuou no terreno a equipa do alferes graduado Jamanca (as expressões entre aspas não são minhas, mas do comandante Alpoim Galvão) não deixam, entretanto, de pôr em causa a tão proclamada eficácia, eficiência, disciplina e espírito de corpo dos comandos, sendo factos reveladores desta verdade tão simples e comezinha: mesmo os profissionais da guerra, mesmo a tropa de elite, por muito máquinas que sejam, não deixam de ser tão livres, responsáveis, vulneráveis e… até mortais como os outros homens, civis ou militares.


Post scriptum > Presto aqui as minhas homenagens aos comandos africanos, que eu escoltei do Xime até Fá Mandinga, que eu vi crescer e alguns morrer, com quem convi esporadicamente e que nós abandonámos miseravelmente depois do 25 de Abril (não dei se estou a ser justo para como homens como o Carlos Fabião, o Almeida Bruno, o Folques ou o Carlos Matos Gomes, brilhantes e corajosos oficiais portugueses que os enquadraram ou comandaram)... E sobretudo àqueles que foram perseguidos, presos, torturados e fuzilados no seu país, na sua terra, sem qualquer acusação ou julgamento. Esta página do pós-guerra colonial tenho pena que tenha sido escrita pelo (ou em nome do) PAIGC... Não digo: envergonho-me, porque eu nunca pertenci ao PAIGC (nem, aliás, a um nenhum partido político)... Mas confesso que na época (Guiné, 1969/71) tinha alguma simpatia pela figuar do Amílcar Cabral.




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Vida e morre da 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA):




9 de Julho de 1969 - Início da organização da companhia, em Fá Mandinga, formada exclusivamente por naturais da Guiné e ecom base em anteriores grupos de comandos já existentes nos batalhões"


6 de Fevereiro de 1970 - Início da sua instrução


26 de Abril de 1970 - Cerimónia de juramento de bandeira em Bissau, na presença do COM-CHEFE.


21 de Junho / 15 de Julho de 1970 - Treino operacional na região de Bajocunda. No final é colocada em Fá Mandinga, com a missãod e interevenção e reserva do COM-CHEFE.


30 de Outubro a 7 de Novmebro de 1970 - Operação a norte da região do Enxalé, na zona de acção do BaRT 2917 (Bambadinca, 1970/72).


21/22 de Novembro de 1970 - Toma parte na Op Mar verde, sob o comando de Alpoim Galvão (invasão da Conacri). Perde um dos seus grupos de combate (comandando pelo tenente graduado Januário).


Princípios de Dezembro de 1970 / Finais de Janeiro de 1971 - Três pelotões em refeorço temporário das guarnições fronteiriças de Gandembel e Guileje.


Finais de Julho de 1971 - Segue de Tite para Bolama, para um curto período de descanso e recuperação.


Meados de Agosto de 1971 - É colocada em Brá (Bissau), nas instalações do futuro Batalhão de Comandos. Continua a sua intensa actividade operacional, durante o resto do ano de 1971 e o ano de 1972, em conjunto com a 2ª Companhia de Comandos Africanos, entretanto formada. Penetra em santuários do IN que eram verdadeiros mitos no meu tempo, como por exemplo o Morés (20-24 de Dezembro de 1971; 7-12 de Fevereiro de 1972), o Choquemone (18-22 de Outubro de 1971), a região de Salancaur-Unal-Guileje (28 de Março a 8 de Abril de 1972)e outras.


2 de Novmebro de 1972 - É integrada no Batalhão de Comandos.


7 de Setembro de 1974 - A 1ª CCA é desactivada e extinta, bem como as restantes forças do Batalhão de Comandos.


Fonte: Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana