27 novembro 2004

Estórias com mural ao fundo - XXV: O português e o chinês

1. Há dias, num dos cemitérios de Lisboa, estava um jovem, de boa aparênica, a depositar um ramo de flores na campa, presumivelmente, de um familiar ou amigo. De repente vê a seu lado um velhote, com traços fisionómicos de chinês, que colocava delicadamente um prato de arroz na lápida de outra campa.

O jovem portuga não se conteve e logo ali entabulou conversa com o velhote chinês:
- O senhor desculpe, mas acha mesmo que o seu defunto virá aqui comer o arroz?

Respondeu o velho chinocas, com a confiança, a serenidade e o humor que são próprias dos sábios e da milenar cultura das gentes do Oriente:
- Mas concerteza, meu jovem!
- Ah, sim ?! E, já agora, quando ?, retorquiu o portuga, com ar irónico.
- Olhe, ma mesma altura em que o seu defunto vier cheirar as flores!

2. Moral da estória:

Tenta compreender o outro,
E sobretudo respeita as opções do teu vizinho,
Do teu irmão, do teu amigo
E do estrangeiro que passa
No passeio do outro lado da rua.
Sejam elas no domínio teológico ou filosófico,
Religioso, moral, ético ou político.
Nunca sejas juiz em causa própria.
Põe-te na pele do outro,
Que é diferente,
Que não pensa como tu
Nem tem de se comportar como tu
Em muitos outros assuntos,
E nomeadamente nos da esfera privada…

Estórias com mural ao fundo - XXV: O português e o chinês

1. Há dias, num dos cemitérios de Lisboa, estava um jovem, de boa aparênica, a depositar um ramo de flores na campa, presumivelmente, de um familiar ou amigo. De repente vê a seu lado um velhote, com traços fisionómicos de chinês, que colocava delicadamente um prato de arroz na lápida de outra campa.

O jovem portuga não se conteve e logo ali entabulou conversa com o velhote chinês:
- O senhor desculpe, mas acha mesmo que o seu defunto virá aqui comer o arroz?

Respondeu o velho chinocas, com a confiança, a serenidade e o humor que são próprias dos sábios e da milenar cultura das gentes do Oriente:
- Mas concerteza, meu jovem!
- Ah, sim ?! E, já agora, quando ?, retorquiu o portuga, com ar irónico.
- Olhe, ma mesma altura em que o seu defunto vier cheirar as flores!

2. Moral da estória:

Tenta compreender o outro,
E sobretudo respeita as opções do teu vizinho,
Do teu irmão, do teu amigo
E do estrangeiro que passa
No passeio do outro lado da rua.
Sejam elas no domínio teológico ou filosófico,
Religioso, moral, ético ou político.
Nunca sejas juiz em causa própria.
Põe-te na pele do outro,
Que é diferente,
Que não pensa como tu
Nem tem de se comportar como tu
Em muitos outros assuntos,
E nomeadamente nos da esfera privada…

26 novembro 2004

Humor com humor se paga - XXVII: Descansem em paz

As melhores lápides funerárias do mundo:



O Amigo do Peito: À volta cá te espero!

O Apaixonado: Voltaria a morrer por ti, meu bem!

O Ateu: Mas porquê eu, se nem acredito em Deus ?!

O Barqueiro de Caronte: Viagem sem retorno.

O Bombista Suicida (Muçulmano): Virgens, cheguei!

O Calceteiro: Erros de médico a terra os cobre!

O Caloteiro: Deus te pague!

O Católico: Obrigado, Pai,vou por fim conhecer-Te, pessoalmente!

O Claustrobófico: Por favor, tirem-me daqui!

O Comerciante: Liquidação Total. Preços de saldo. Motivo força maior.

O Comodista: O último a morrer que feche a tampa do caixão!

O Coveiro: Reformado! Não se aceitam mais encomendas!

O Ecologista: Extinto!

O Escritor: Ponto final parágrafo. Fim da estória.

O Fadista: Fado meu!

O Filósofo: Ser ou não ser, eis a questão.

O Gourmet: Acabou-se o que era doce!

O Herói: Saltei para o lado errado da barricada!

O Hipocondríaco: Eu bem disse que estava doente!

O Homem Mais Velho do Mundo: Custou mas foi!

O Humorista: Ói, pessoal, onde é que está a piada ?

O Informático: Vítima do pior vírus do mundo!

O Jogador de Futebol: Arrumei as botas!

O Malcriado: A vida é uma merda!

O Marido Fiel: Até que a morte, por fim, nos separou!

O Médico: O cangalheiro e o coveiro são sempre os últimos a rir!

O Metereologista: No inferno deve estar um frio de rachar!

O Optimista: É só um momentinho, por favor!

O Padre: Meu Deus, porque me escolhestes a mim ?

O Paleontologista: De fóssil em fóssil!

O Pedófilo: Anjinhos, cheguei!

O Pessimista: Nunca mais vou sair daqui!

O Poeta: Saudade eterna!

O Poeta Bocage: Já Bocage não sou...

O Politicamente Correcto: Tudo acaba!

O Portuga (Pobre): Nunca mais vejo a tal luz ao fundo do túnel!

O Portuga (Rico): Uma suite para a eternidade!

O Revolucionário: Os vermes ao poder! A terra a quem a trabalha!

O Suicida Arrependido: Porra, não comprei bilhete de ida e volta!

O Soldado: Levantado do chão.

O Toxicodependente: Enfim, meu, é só pó!

O Virgem (Resistente): Maldita terra que me hás de comer!



Humor com humor se paga - XXVII: Descansem em paz

As melhores lápides funerárias do mundo:

O Amigo do Peito: À volta cá te espero!
O Apaixonado: Voltaria a morrer por ti, meu bem!
O Ateu: Mas porquê eu, se nem acredito em Deus ?!
O Barqueiro de Caronte: Viagem sem retorno.
O Bombista Suicida (Muçulmano): Virgens, cheguei!
O Calceteiro: Erros de médico a terra os cobre!
O Caloteiro: Deus te pague!
O Católico: Obrigado, Pai,vou por fim conhecer-Te, pessoalmente!
O Claustrobófico: Por favor, tirem-me daqui!
O Comerciante: Liquidação Total. Preços de saldo. Motivo força maior.
O Comodista: O último a morrer que feche a tampa do caixão!
O Coveiro: Reformado! Não se aceitam mais encomendas!
O Ecologista: Extinto!
O Escritor: Ponto final parágrafo. Fim da estória.
O Fadista: Fado meu!
O Filósofo: Ser ou não ser, eis a questão.
O Gourmet: Acabou-se o que era doce!
O Herói: Saltei para o lado errado da barricada!
O Hipocondríaco: Eu bem disse que estava doente!
O Homem Mais Velho do Mundo: Custou mas foi!
O Humorista: Ói, pessoal, onde é que está a piada ?
O Informático: Vítima do pior vírus do mundo!
O Jogador de Futebol: Arrumei as botas!
O Malcriado: A vida é uma merda!
O Marido Fiel: Até que a morte, por fim, nos separou!
O Médico: O cangalheiro e o coveiro são sempre os últimos a rir!
O Metereologista: No inferno deve estar um frio de rachar!
O Optimista: É só um momentinho, por favor!
O Padre: Meu Deus, porque me escolhestes a mim ?
O Paleontologista: De fóssil em fóssil!
O Pedófilo: Anjinhos, cheguei!
O Pessimista: Nunca mais vou sair daqui!
O Poeta: Saudade eterna!
O Poeta Bocage: Já Bocage não sou...
O Politicamente Correcto: Tudo acaba!
O Portuga (Pobre): Nunca mais vejo a tal luz ao fundo do túnel!
O Portuga (Rico): Uma suite para a eternidade!
O Revolucionário: Os vermes ao poder! A terra a quem a trabalha!
O Suicida Arrependido: Porra, não comprei bilhete de ida e volta!
O Soldado: Levantado do chão.
O Toxicodependente: Enfim, meu, é só pó!
O Virgem (Resistente): Maldita terra que me hás de comer!

(Ex)citações de cada dia - XIII: O leite

"302. O melhor leite, e o mais proveitofo, he o de mulher; e fe for preta, melhor: logo o de burras, depois defte o de cabras negras, ou ruivas, logo o de vacas, e o de ovelhas naõ havendo outro".



Fonte: Postilla religiosa, e arte de enfermeiros (Lisboa, 1741.156).

(Ex)citações de cada dia - XIII: O leite

"302. O melhor leite, e o mais proveitofo, he o de mulher; e fe for preta, melhor: logo o de burras, depois defte o de cabras negras, ou ruivas, logo o de vacas, e o de ovelhas naõ havendo outro".

Fonte: Postilla religiosa, e arte de enfermeiros (Lisboa, 1741.156).

25 novembro 2004

Blogarias - IV: História do jardim que estava muito triste

História do Jardim que Estava Muito Triste

Por Não Poder Ir à Festa da Joana




Para a Joaninha

No dia em que fez três anos.

Uma história escrita pelo papá

E contada pela mamã,

Segundo o princípio da divisão social do trabalho.



Amadora, 6 de Abril de 1981





Perdida no sótão das velharias

E recuperada vinte e três anos depois.

Em homenagem àquela que hoje é

A mais bela rosa do meu jardim,

E que ficará sempre conhecida como

A Joaninha da Fada Oriana.

Dedico-a a todos os meninos e meninas deste país,

Com problemas de sono,

E aos respectivos papás e mamãs

Que já esgotaram o seu vasto resportório de estórias e cantigas de embalar.



_______



Era uma vez um jardim

Com três árvores, três flores e um cãozinho.

Mas lá não havia meninos

E o cãozinho estava muito triste

Porque não gostava de brincar sozinho.



Um dia apareceram no jardim

Três peixinhos que vinham do mar.

E então o cãozinho, as árvores e as flores

Ficaram logo contentes

E arranjaram uma casinha para os peixinhos

Com água da chuva e tudo.

A essa casinha puseram o nome de lago.



Os peixinhos nadavam

E brincavam muito no lago

Até que o cãozinho ficou todo molhado

E começou a chorar.

A fada Oriana ia a passar ao pé do jardim

E ouviu o cãozinho a chorar.

De forma que foi lá ver o que era aquilo.

E então o cãozinho disse

Que estava muito triste

Porque os peixinhos não gostavam dele.



A Oriana que ia para a festa da Joana,

Deu-lhe um beijinho

E perguntou se ele não queria ir também

Brincar com muitos meninos

E apagar a vela.



E o cãozinho disse logo que sim.

Mas os peixinhos que eram muito espertalhões,

Ouviram a conversa toda

E também quiseram ir à casa da Joana.



Só as árvores e as flores

É que ficaram no jardim, muito tristes,

Por não poderem sair e andar de comboio.

A Oriana que era fada

E tinha uma varinha de condão,

Tocou com a varinha nas árvores e nas flores

E logo elas se puseram a correr,

Atrás do cãozinho e dos peixinhos.

E foram todos de comboio

Até à casa da Joana

Onde já estavam muitos meninos.

Quando lá chegaram cantaram todos

Os "Parabéns a você",

Apagaram a vela,

Comeram o bolo

E deram muitos beijinhos e chicorações à Joana.



Depois desse dia

O jardim nunca mais ficou triste

Porque os meninos iam sempre para lá brincar

Com as árvores, as florinhas, os peixinhos,

O cãozinho, a Joana e... a fada Oriana!!!



Fim

Blogarias - IV: História do jardim que estava muito triste

História do Jardim que Estava Muito Triste
Por Não Poder Ir à Festa da Joana


Para a Joaninha
No dia em que fez três anos.
Uma história escrita pelo papá
E contada pela mamã,
Segundo o princípio da divisão social do trabalho.

Amadora, 6 de Abril de 1981


Perdida no sótão das velharias
E recuperada vinte e três anos depois.
Em homenagem àquela que hoje é
A mais bela rosa do meu jardim,
E que ficará sempre conhecida como
A Joaninha da Fada Oriana.
Dedico-a a todos os meninos e meninas deste país,
Com problemas de sono,
E aos respectivos papás e mamãs
Que já esgotaram o seu vasto resportório de estórias e cantigas de embalar.

_______

Era uma vez um jardim
Com três árvores, três flores e um cãozinho.
Mas lá não havia meninos
E o cãozinho estava muito triste
Porque não gostava de brincar sozinho.

Um dia apareceram no jardim
Três peixinhos que vinham do mar.
E então o cãozinho, as árvores e as flores
Ficaram logo contentes
E arranjaram uma casinha para os peixinhos
Com água da chuva e tudo.
A essa casinha puseram o nome de lago.

Os peixinhos nadavam
E brincavam muito no lago
Até que o cãozinho ficou todo molhado
E começou a chorar.
A fada Oriana ia a passar ao pé do jardim
E ouviu o cãozinho a chorar.
De forma que foi lá ver o que era aquilo.
E então o cãozinho disse
Que estava muito triste
Porque os peixinhos não gostavam dele.

A Oriana que ia para a festa da Joana,
Deu-lhe um beijinho
E perguntou se ele não queria ir também
Brincar com muitos meninos
E apagar a vela.

E o cãozinho disse logo que sim.
Mas os peixinhos que eram muito espertalhões,
Ouviram a conversa toda
E também quiseram ir à casa da Joana.

Só as árvores e as flores
É que ficaram no jardim, muito tristes,
Por não poderem sair e andar de comboio.
A Oriana que era fada
E tinha uma varinha de condão,
Tocou com a varinha nas árvores e nas flores
E logo elas se puseram a correr,
Atrás do cãozinho e dos peixinhos.
E foram todos de comboio
Até à casa da Joana
Onde já estavam muitos meninos.
Quando lá chegaram cantaram todos
Os "Parabéns a você",
Apagaram a vela,
Comeram o bolo
E deram muitos beijinhos e chicorações à Joana.

Depois desse dia
O jardim nunca mais ficou triste
Porque os meninos iam sempre para lá brincar
Com as árvores, as florinhas, os peixinhos,
O cãozinho, a Joana e... a fada Oriana!!!

Fim

Blogarias - III: Rua da Conceição

português sem título nobiliárquico

sem pedigree

marca d'água

árvore geneológica

e agora explorado oprimido

quer dizer periférico

dependente

depois de perder o império colonial

o último



advinha fácil para um marinheiro sem bote nem mar

mas os novos senhores da praça do comércio

ainda gostam do travo a sal

maresia canela azebre patine sangue

que a grande aventura dos avoengos lhes deixou

na boca

e no fígado já sem fel



pelo menos estas imagens e cheiros são flores de estilo

metáforas

que ainda salpicam os seus discursos

gongoricamente socializantes

tuga chamavam-te os negros da guiné

em crioulo

como quem te chama filho da puta



hoje demandas outras paragens

vais por terra porque

já não tens porto nem caravelas

seis milhas marítimas são um lago

para as crianças brincarem

e já não há rei nem roque

para chamares aqui d’el-rei

mas não estás só

nem órfão

a europa dizem-te

está contigo



de qualquer modo

não perdeste

o gosto pelas anedotas trágico-marítimas

e agora falas no tigre de são bento

que era de papel

e tinha um amigo em belém

rodeado de quarenta piratas de perna de pau

que tinham trocado a cruz e a espada

pelo garfo e faca do gambrinus



português enfim

de seu nome

filho de gente pouco ilustre mas suave

cuja origem se perde na noite dos tempos



bip

bipolar

bifurcação

bicéfalo

bis bis

bisar bisca bilhete bissexto

banco

banco português

banco intercontinental português

pluricontinental pluracial

capital plural

rua da conceição número cem

baixa pombalina

entre o ouro e a prata

e sua majestade augusta o capital

15 de fevereiro de 1977



recordações

que o ex-império tece

mas onde é que

acaba o passado e

começa o futuro ponto de interrogação

fim de citação

um poeta sem mensagem

que podia ter sido fernando

o menino de sua mãe

ou ricardo coração de leão



lisboa, 15 de feveiro de 1977

ao fundo, o som triste de um cacilheiro

Blogarias - III: Rua da Conceição

português sem título nobiliárquico
sem pedigree
marca d'água
árvore geneológica
e agora explorado oprimido
quer dizer periférico
dependente
depois de perder o império colonial
o último

advinha fácil para um marinheiro sem bote nem mar
mas os novos senhores da praça do comércio
ainda gostam do travo a sal
maresia canela azebre patine sangue
que a grande aventura dos avoengos lhes deixou
na boca
e no fígado já sem fel

pelo menos estas imagens e cheiros são flores de estilo
metáforas
que ainda salpicam os seus discursos
gongoricamente socializantes
tuga chamavam-te os negros da guiné
em crioulo
como quem te chama filho da puta

hoje demandas outras paragens
vais por terra porque
já não tens porto nem caravelas
seis milhas marítimas são um lago
para as crianças brincarem
e já não há rei nem roque
para chamares aqui d’el-rei
mas não estás só
nem órfão
a europa dizem-te
está contigo

de qualquer modo
não perdeste
o gosto pelas anedotas trágico-marítimas
e agora falas no tigre de são bento
que era de papel
e tinha um amigo em belém
rodeado de quarenta piratas de perna de pau
que tinham trocado a cruz e a espada
pelo garfo e faca do gambrinus

português enfim
de seu nome
filho de gente pouco ilustre mas suave
cuja origem se perde na noite dos tempos

bip
bipolar
bifurcação
bicéfalo
bis bis
bisar bisca bilhete bissexto
banco
banco português
banco intercontinental português
pluricontinental pluracial
capital plural
rua da conceição número cem
baixa pombalina
entre o ouro e a prata
e sua majestade augusta o capital
15 de fevereiro de 1977

recordações
que o ex-império tece
mas onde é que
acaba o passado e
começa o futuro ponto de interrogação
fim de citação
um poeta sem mensagem
que podia ter sido fernando
o menino de sua mãe
ou ricardo coração de leão

lisboa, 15 de feveiro de 1977
ao fundo, o som triste de um cacilheiro

21 novembro 2004

Blogarias - II: O grande circo americano

e agora meus senhores e minhas senhoras

vamos apresentar o espectáculo do século

transmitido via satélite para todo o sistema solar

o grande match ford-carter

a finalíssima das presidenciais



o imperialismo sentou-se na cagadeira

a ver televisão a cores

os lobbies os grupos de pressão

as multinacionais o exército azul

a nasa

todas as esquadras de todos mares imperialistas

o primeiro homen que pisou a lua

o new york times

o frankenstein do kissinger

mais a sua baby doll

o cowboy da velha fita do animatógrafo

e o showbusiness



enfim todo o respeitável público

do grande circo americano

além da escumalha que não tem money para o bilhete

e que ficou nos bastidores da história

assistiu ao grande debate masturbatório

estoirou o fígado de coca-cola whisky e pipocas

veio-se três vezes como o gary cooper

deu um urra

e adormeceu altas horas da madrugada

debaixo do guarda-chuva atómico

no dia seguinte continuou a foder a mulher o negro o portorriquenho o índio

o latino americano o africano o asiático o zé portuga



e a propósito alguém quis saber se

o judeu do henry miller sempre tinha morrido de tanta tesão

e a contracultura também era responsável pelos massacres no sudoeste asiático

e se o black power tinha morto definitivamente a luta de classes nos states

e se os contestatários de 68 ainda contestavam

e se a classe operária ainda existia



tudo isto vem a talhe de foice

com a apresentação da minha professora de métodos e técnicas de ciências sociais

que era assistente social

e que foi para o novo mundo com uma bolsa de estudos

e que teve um professor que for morto à naifada

por uns putos que apenas lhe queriam roubar o relógio

e dar uma fumaça de marijuana

e que apontou este episódio do seu pesadelo americano

como algo de ridículo tragicamente ridículo

afinal estou numa sociedade civilizada ou na selva

e aqui a selva é apenas o negativo do cliché da ordem burguesa

sim porque a selva são as reservas dos índios

os guetos dos negros

o vietname Angola o Líbano

a cia o fbi o crime organizado

os computadores ao serviço do imperialismo

o pentágono os pastores evangélicos a mafia

o dolar as flores dos hippies de são francisco

os ratos das ruas de nova Iorque

o fim das reservas petrolíferas

o crescimento zero

o meu cartão de crédito a zeros



em contrapartida para a querida minha professora

que tem as mamas grandes

e gagueja de vez em quando

os gajos têm um grande espaço de liberdade intelectual

grandes bibliotecas grandes

onde se pode consultar e ler tudo mas mesmo tudo

até os reltórios da cia que já foram ultrapassados pela luta anti-imperialista

levada cabo nos cinco continentes

toda a produção intelectual da humanidade ab initio

desde o marx de muletas liofilizado e encadernado

até aquele coreano ferozmente anticomunista

que é o big boss das novas santas teresinhas

que andam p’ra aí a limpar as paredes dos burgas

para depois escreverem cartas de amor

jesus ama-te jesus vem(-se)



a américa enfim

é o país dos colarinhos brancos

dos cabeças de ovo

dos sociólogos do estrutural-funcionalismo

dos gajos que vão pôr esta merda nos eixos

na calhas da ordem

que vão ordenar o espaço e o tempo da desordem

que vão salvar o sistema capitalista mundial

que vão salvar o planeta e o sistema solar

que vão salvar a tua alma



agora as armas são outras

já não são os pattons as carabinas m17 e os f111

que os camponeses dos arrozais vietnamitas abatiam como pássaros

segundo diz propaganda dos vietcongues

mais o napalm a sétima esquadra a brigada na nato portuguesa os magriços

são os gajos que vão resolver as contradições do mpc

chamar branco ao preto e preto ao branco sem jogar xadrez

chamar pá ao burga e tratar por vexa o proleta

os gajos vão pôr os chineses e os russos

e todo o mundo incluindo os pobres dos arapesh da guiné

aos índios da amazónia e o pastor de cabras do gerês

a comer a beber a cagar a pensar made in usa



o kissinger desta vez perdeu por carambola

mas já vem outro na volta do correio

qu’isto em demokracia é preciso saber perder e saber ganhar

mas o circo continua e agora temos o carter

que não sofre de perturbações mentais

nunca esteve internado num hospital psiquiátrico

e que já foi marinheiro dum submarino nuclear

todos os grandes democratas de resto

já passaram por essa gloriosa escola

que são as united state forces

e que depois se dedicou à política em fultime

mas que antes era filho dum grande fazendeiro da geórgia

onde fuçavam umas centenas de pretos filhos de pretos e netos de escravos

por o gajo ser um porreiraço prós pretos

ao ponto de encher a administração do estado

com os netos dos escravos

quando foi eleito governador

e que foi pastor evangélico

e que foi o misticismo que o salvou

e que o levou a candidatar-se

ao primeiro lugar da hierarquia do corpo social

puuf norte-americano

bem o resto da história não sei

ganhou o carter pois que viva o raio que o parta



4 de Novembro de 1976

Blogarias - II: O grande circo americano

e agora meus senhores e minhas senhoras
vamos apresentar o espectáculo do século
transmitido via satélite para todo o sistema solar
o grande match ford-carter
a finalíssima das presidenciais

o imperialismo sentou-se na cagadeira
a ver televisão a cores
os lobbies os grupos de pressão
as multinacionais o exército azul
a nasa
todas as esquadras de todos mares imperialistas
o primeiro homen que pisou a lua
o new york times
o frankenstein do kissinger
mais a sua baby doll
o cowboy da velha fita do animatógrafo
e o showbusiness

enfim todo o respeitável público
do grande circo americano
além da escumalha que não tem money para o bilhete
e que ficou nos bastidores da história
assistiu ao grande debate masturbatório
estoirou o fígado de coca-cola whisky e pipocas
veio-se três vezes como o gary cooper
deu um urra
e adormeceu altas horas da madrugada
debaixo do guarda-chuva atómico
no dia seguinte continuou a foder a mulher o negro o portorriquenho o índio
o latino americano o africano o asiático o zé portuga

e a propósito alguém quis saber se
o judeu do henry miller sempre tinha morrido de tanta tesão
e a contracultura também era responsável pelos massacres no sudoeste asiático
e se o black power tinha morto definitivamente a luta de classes nos states
e se os contestatários de 68 ainda contestavam
e se a classe operária ainda existia

tudo isto vem a talhe de foice
com a apresentação da minha professora de métodos e técnicas de ciências sociais
que era assistente social
e que foi para o novo mundo com uma bolsa de estudos
e que teve um professor que for morto à naifada
por uns putos que apenas lhe queriam roubar o relógio
e dar uma fumaça de marijuana
e que apontou este episódio do seu pesadelo americano
como algo de ridículo tragicamente ridículo
afinal estou numa sociedade civilizada ou na selva
e aqui a selva é apenas o negativo do cliché da ordem burguesa
sim porque a selva são as reservas dos índios
os guetos dos negros
o vietname Angola o Líbano
a cia o fbi o crime organizado
os computadores ao serviço do imperialismo
o pentágono os pastores evangélicos a mafia
o dolar as flores dos hippies de são francisco
os ratos das ruas de nova Iorque
o fim das reservas petrolíferas
o crescimento zero
o meu cartão de crédito a zeros

em contrapartida para a querida minha professora
que tem as mamas grandes
e gagueja de vez em quando
os gajos têm um grande espaço de liberdade intelectual
grandes bibliotecas grandes
onde se pode consultar e ler tudo mas mesmo tudo
até os reltórios da cia que já foram ultrapassados pela luta anti-imperialista
levada cabo nos cinco continentes
toda a produção intelectual da humanidade ab initio
desde o marx de muletas liofilizado e encadernado
até aquele coreano ferozmente anticomunista
que é o big boss das novas santas teresinhas
que andam p’ra aí a limpar as paredes dos burgas
para depois escreverem cartas de amor
jesus ama-te jesus vem(-se)

a américa enfim
é o país dos colarinhos brancos
dos cabeças de ovo
dos sociólogos do estrutural-funcionalismo
dos gajos que vão pôr esta merda nos eixos
na calhas da ordem
que vão ordenar o espaço e o tempo da desordem
que vão salvar o sistema capitalista mundial
que vão salvar o planeta e o sistema solar
que vão salvar a tua alma

agora as armas são outras
já não são os pattons as carabinas m17 e os f111
que os camponeses dos arrozais vietnamitas abatiam como pássaros
segundo diz propaganda dos vietcongues
mais o napalm a sétima esquadra a brigada na nato portuguesa os magriços
são os gajos que vão resolver as contradições do mpc
chamar branco ao preto e preto ao branco sem jogar xadrez
chamar pá ao burga e tratar por vexa o proleta
os gajos vão pôr os chineses e os russos
e todo o mundo incluindo os pobres dos arapesh da guiné
aos índios da amazónia e o pastor de cabras do gerês
a comer a beber a cagar a pensar made in usa

o kissinger desta vez perdeu por carambola
mas já vem outro na volta do correio
qu’isto em demokracia é preciso saber perder e saber ganhar
mas o circo continua e agora temos o carter
que não sofre de perturbações mentais
nunca esteve internado num hospital psiquiátrico
e que já foi marinheiro dum submarino nuclear
todos os grandes democratas de resto
já passaram por essa gloriosa escola
que são as united state forces
e que depois se dedicou à política em fultime
mas que antes era filho dum grande fazendeiro da geórgia
onde fuçavam umas centenas de pretos filhos de pretos e netos de escravos
por o gajo ser um porreiraço prós pretos
ao ponto de encher a administração do estado
com os netos dos escravos
quando foi eleito governador
e que foi pastor evangélico
e que foi o misticismo que o salvou
e que o levou a candidatar-se
ao primeiro lugar da hierarquia do corpo social
puuf norte-americano
bem o resto da história não sei
ganhou o carter pois que viva o raio que o parta

4 de Novembro de 1976

Blogarias - I: Portugal, porta do cavalo da Europa

Blogarias. Papéis velhos, desenterrados do baú, literalmente do sótão da casa e da memória. Outos tempos. Outros estados de alma. Em 1976, o mundo ainda era a preto e branco, não havia televisão a cores. Nem computadores pessoais. Escrevia numa maquineta de dactilografar, levezinha, daquelas portáteis. Era estudante de sociologia. Trabalhava na Rua da Conceição e apanhava o agora famoso 28 para ir almoçar a casa. Morava nas traseiras da Infante Santo, no baiiro da Lapa dos bores. Tinha posto um anúncio no "Página Um", tentando a sorte de arranjar uma casa ou parte de casa. Ainda me recordo que o anúncio (pessoal) começava assim: "A um capitalista que leia o 'Página Um' por engano". Arranjei uma parte de casa. Estudava à noite. Entretanto o ministro Cardia tinha mandado fechar o nosso instituto, o ISCPS. Em nome da normalização democrática. Tinham tirado o U ao velho ISCSPU, depois da queda do império. Sanearam as 'múmias'. Decapitaram o conselho científico. Os assistentes e os estudantes tomaram o poder. Nada que não se tivesse visto antes, noutros tempos, noutros lugares. O poder tem horror ao vazio. Fui para o ISEG. Outros como o Salgueiro Maia ficaram por lá, na Guerra Junqueiro, para acabar a antropologia. Mas os sociólogos e os economistas foram corridos. Acabei, no 3º ano, por ir parar ao ISCTE do Sedas Nunes. Algumas destas blogarias são dessa época, de 1976. Outras são até mais antigas. Tinha-lhes perdido o rasto. Já não me reconheço totalmente no que escrevia na época. Mas não rejeito esses escritos nem vou branqueá-los.



tempo

outono de 1976

lugar

portugal porta do cavalo da europa



exercícios de estilo

atenção meus senhores isto é um assalto mãos ao ar

impressões de viagem no eléctrico estrela rua da conceição

fichas de leitura

escrita automática

contributo para um novo modo de produzir e de viver

faits divers

a ideologia que se consome todos os dias à mesa

o direito de cagar ao livre consagrado na constituição já

notícias necrológicas

histórias aos quadradinhos dum maginal-secante

boletim metereológico da revolução pra manhã

cartas clandestinas ou nem por isso

folha dominical para os dias cinzentos da semana

informações pidescas ou pós

relatório do crime

pequena enciclopédia da via sexual dos sete aos setenta anos

títulos de caixa alta

o tédio em tempo de paz

a imaginação para a prisão

recortes de A a Z

curriculum vitae oprimido e explorado

o livrinho cor de rosa dos maus pensamentos

transgressões íntimas

o elogio do colchão ortopédico

misérias e grandezas do(a) capital

blá blá

peças em 1 acto (sexual)

parecer sobre o estado calamitoso do reino

a arte de fugir ao fisco

os contos do vinho tinto

a autofagia ou a economia política ao alcance de todas bocas

proletas de todo o mundo (re)uni

os destroços das batalhas perdidas

dos últimos dois séculos

vous aimez marx

a angústia em papel celofane

poesia amor arte guerra solidão

solidariedade de classe revolução

misturem bem e bebam frio

haraquiri dum petit-bourgeois

aqui e agora

comem-se castanhas assadas

no jardim da estrela

Blogarias - I: Portugal, porta do cavalo da Europa

Blogarias. Papéis velhos, desenterrados do baú, literalmente do sótão da casa e da memória. Outos tempos. Outros estados de alma. Em 1976, o mundo ainda era a preto e branco, não havia televisão a cores. Nem computadores pessoais. Escrevia numa maquineta de dactilografar, levezinha, daquelas portáteis. Era estudante de sociologia. Trabalhava na Rua da Conceição e apanhava o agora famoso 28 para ir almoçar a casa. Morava nas traseiras da Infante Santo, no baiiro da Lapa dos bores. Tinha posto um anúncio no "Página Um", tentando a sorte de arranjar uma casa ou parte de casa. Ainda me recordo que o anúncio (pessoal) começava assim: "A um capitalista que leia o 'Página Um' por engano". Arranjei uma parte de casa. Estudava à noite. Entretanto o ministro Cardia tinha mandado fechar o nosso instituto, o ISCPS. Em nome da normalização democrática. Tinham tirado o U ao velho ISCSPU, depois da queda do império. Sanearam as 'múmias'. Decapitaram o conselho científico. Os assistentes e os estudantes tomaram o poder. Nada que não se tivesse visto antes, noutros tempos, noutros lugares. O poder tem horror ao vazio. Fui para o ISEG. Outros como o Salgueiro Maia ficaram por lá, na Guerra Junqueiro, para acabar a antropologia. Mas os sociólogos e os economistas foram corridos. Acabei, no 3º ano, por ir parar ao ISCTE do Sedas Nunes. Algumas destas blogarias são dessa época, de 1976. Outras são até mais antigas. Tinha-lhes perdido o rasto. Já não me reconheço totalmente no que escrevia na época. Mas não rejeito esses escritos nem vou branqueá-los.

tempo
outono de 1976
lugar
portugal porta do cavalo da europa

exercícios de estilo
atenção meus senhores isto é um assalto mãos ao ar
impressões de viagem no eléctrico estrela rua da conceição
fichas de leitura
escrita automática
contributo para um novo modo de produzir e de viver
faits divers
a ideologia que se consome todos os dias à mesa
o direito de cagar ao livre consagrado na constituição já
notícias necrológicas
histórias aos quadradinhos dum maginal-secante
boletim metereológico da revolução pra manhã
cartas clandestinas ou nem por isso
folha dominical para os dias cinzentos da semana
informações pidescas ou pós
relatório do crime
pequena enciclopédia da via sexual dos sete aos setenta anos
títulos de caixa alta
o tédio em tempo de paz
a imaginação para a prisão
recortes de A a Z
curriculum vitae oprimido e explorado
o livrinho cor de rosa dos maus pensamentos
transgressões íntimas
o elogio do colchão ortopédico
misérias e grandezas do(a) capital
blá blá
peças em 1 acto (sexual)
parecer sobre o estado calamitoso do reino
a arte de fugir ao fisco
os contos do vinho tinto
a autofagia ou a economia política ao alcance de todas bocas
proletas de todo o mundo (re)uni
os destroços das batalhas perdidas
dos últimos dois séculos
vous aimez marx
a angústia em papel celofane
poesia amor arte guerra solidão
solidariedade de classe revolução
misturem bem e bebam frio
haraquiri dum petit-bourgeois
aqui e agora
comem-se castanhas assadas
no jardim da estrela