A construção social do risco
ou socio(b)logando sobre uma exposição do escultor Anthony Gormley ("Mass and Empathy")
No princípio não era ainda o verbo.
O verbo virá depois.
Critical mass. Domain field.
O Anjo do Norte. O corpo e a morte.
E outras ideias fortes
Esculpidas no gesso, no ferro, no aço ou no cimento.
No princípio era o corpo.
A imensa mole de corpos.
A mão. O braço. O teu corpo.
O braço como extensão do teu corpo.
O corpo ubíquo. Iníquo.
O corpo de pé. De cócoras. De joelhos.
Sentado. Dobrado.
Deitado. Despojado.
Amontoado. Pendurado. Dependurado.
Petrificado. Fossilizado.
A partir do teu corpo.
Da extensão do teu braço.
Marcas um círculo à tua volta.
Aí mesmo onde as pedras fizeram uma elipse e
Pousaram.
Na terra. A cima da terra.
O teu corpo em molde de gesso.
Recuperas o teu corpo. Molécula a molécula.
Devolves o teu genoma à terra.
Estás num caixão. Um sarcófago. Um cofre.
Sem olhos. Estanque.
Um corpo à procura dum lugar para ser.
Um corpo. Um braço.
Algo que é teu.
O braço do teu corpo.
Mas que te é estranho.
Familiarmente estranho.
Como os restos do cordão umbilical
Que te liga(m) à matriz original
De todas as coisas.
Na tua mão seguras
O epicentro do mundo.
Chamemos-lhe provisoriamente mundo.
Punhamo-lo entre parêntesis. O mundo.
Entre parêntesis de arame farpado.
Porque no princípio era apenas o corpo
E a extensão do teu corpo.
E a violência do teu parto.
E o cordão umbilical que te liga à terra.
Mas isto não é um corpo.
É uma maçã, diz Magritte. Ou talvez não.
Apenas um poema em construção.
Um acto de criação.
A criação em acção.
Um muro liso e branco.
O muro. O fio de prumo.
O pêndulo. A corda. O cadafalso.
A linha do horizonte na vertical.
A luz ao fundo do túnel.
O fio de Ariane que te conduz
No labirinto.
Se o em si existe
É esta porção de mundo
Que está ao alcance da tua mão.
Um círculo. A exacta circunferência
Desenhada pelo teu dedo
Na areia da praia onde arribaste.
Ou poderia ter sido o dedo do deus
De Miguel Ângelo.
Ou outra criatura. Ou outro criador.
O teu corpo supunha-o blindado.
Como um caixão de chumbo. Um sarcófago.
Blindado mas oco como uma forma.
Sem olhos. Vazio. Mumificado.
Afinal, o teu corpo
É apenas um material de construção.
Um poema em construção. Um projecto.
Com especificações técnicas como qualquer projecto.
E dentro do poema um coração
Onde se lê: Cuidado, frágil.
É a relação com os outros
Que importa agora reter.
A semelhança. A dissemelhança.
É o relacional que dá sentido
À tua ubiquidade.
À tua iniquidade.
És velho e novo.
Alto e baixo.
Servo e senhor.
Objecto e sujeito.
Doente e terapeuta.
Masculino e feminino.
Escultor e esculpido.
Medium e antropólogo.
Construído e construtor.
Vítima e predador.
Fio e labirinto.
Perdido e achado.
Fóssil e paleontólogo.
Arte e artista.
Antony e Gormley.
És mais do que um corpo.
Mais do que um corpo na cidade.
És a própria cidade em construção.
A textura da cidade. O sociograma.
Mais do que rélation, diria rapport.
Relação de força, tensão, stresse, strain.
Tenho dificuldade em explicar-te
Onde acaba o biológico
E onde começa o social.
A linha de risco. O risco. O existencial.
O normal e o patológico.
O céu e o inferno. O axiológico.
A salutogénese e a patogénese.
A expiação do pecado original.
O mal. Pompeia e o Etna.
Hiroshima. O absurdo.
A angústia à flor da pele.
O envelhecer. A dor.
A raíz da dor. A depressão. O medo.
A morte e o morrer.
E sobretudo o poder.
Da vida e da morte.
O poder que não é coisa,
Atributo, categoria ou variável.
Mas relação. Um construído.
Como o teu corpo. A tua identidade.
A estratificação socioespacial do teu corpo.
O tempo e o lugar. A equidade. A bioética.
O corpo no labirinto.
Que disse que o mundo é
Injusto ou errado ?
Ou foi mal planeado ?
O problema não é de filosofia
Nem de risk assessment
Mas de engenharia (meta)física.
O stresse é uma força
Que aplicada sobre o aço do teu corpo
A deforma. Mais: O stresse mata.
E depois há o corpo que suporta
O peso. Do próprio corpo.
Dos outros corpos. Do mundo.
Mais do que os teus 700 quilos de ferro forjado
É o insustentável peso do mundo
Que tu habitas mais o teu corpo.
E o teu frágil coração.
Julgava-o blindado, o teu corpo. Mas não.
Há também, antes ou depois,
O corpo solidário. A rede.
O projecto identitário.
O poema em construção.
O desastre humanitário.
O fio do labirinto de Ariane.
O estado totalitário.
O corpo em acção.
O futuro sempre precário.
Mesmo Robinson Crusoe na tua ilha de arribação,
És um corpo com marcas indeléveis.
No teu invólucro de gesso
Vejo a marca do bisturi. Do naufrágio.
Da Kalashnikov. Do trabalho.
Da doença. Da escrita.
Da escola. Do código de Hamurabi.
Da guerra. Da tatuagem. Do sucesso.
Da formatação. Do clã. Do vulcão.
Do genoma. Da engenharia genética.
Da iatrogénse. Do puro terror.
Do Génesis. Da palavra de salvação.
Da bomba de Hiroshima.
Do desembarque nas praias da Normandia.
Do fado. Da saudade da partida.
Do horóscopo. Da viagem.
Da memória. Da história.
Da tua história de vida.
Mercator, ergo pestiferus.
Corpo ambulante. Desertor. Militante.
Mercador. Corsário. Marinheiro.
Recrutador de soldados.
Hóspede e hospedeiro.
Enfim, livre.
Trazes das outras ilhas a peste. A vida.
Nunca te reconheceria apenas pela cor dos teus olhos.
Furados.
Fundação Calouste Gulbenkian,
Museu de Arte Moderna,
Lisboa, 7 de Maio de 2004.
Por ocasião de uma visita guiada à exposição "mass and Empahy", de Antony Gormley, na companhia da Prof. Dra. Isabel Loureiro, do psiquiatra Dr. Luís Gamito e de dezasseis mestrand@s de saúde pública (7º Mestrado de Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública/Universidade Nova de Lisboa, 2003/2005)
Duas instalações de Antoney Gormley (n. Londres, 1950):
(i) Critical Mass II (1998). Ferro forjado. 60 unidades em tamanho natural. Molde do corpo do artista. Oficinas de carpintaria da Gulbenkian.
(ii) Domain Field (2003). Barras de ferro inoxidável. 4.76 x 4.76 mm. 287 esculturas, vários tamanhos, resultantes de moldes em gesso de habitantes de Newcastle-Gateshead com idades compreendidas entre os 2.5 anos e os 84 anos. Espaço (fabuloso) de exposições temporárias do Centro de Arte Moderna.
Outros sítios sobre Antony Gormley:
21st Century British Sculpture > Antony Gormley
Artcyclopedia > Antony Gormley
BBC > BBC Four > Audio Interviews > Antony Gormley
BALTIC > Summer 2003 Imagebank > Antony Gormley> Body and Fruit, 1993
Graeme Peacock > Photos > Angel of the North > Gateshead, Tyne & Wear, UK
blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!
08 junho 2004
Blogantologia(s) - XII: Antony Gormley: no princípio era o corpo
A construção social do risco
ou socio(b)logando sobre uma exposição do escultor Anthony Gormley ("Mass and Empathy")
No princípio não era ainda o verbo.
O verbo virá depois.
Critical mass. Domain field.
O Anjo do Norte. O corpo e a morte.
E outras ideias fortes
Esculpidas no gesso, no ferro, no aço ou no cimento.
No princípio era o corpo.
A imensa mole de corpos.
A mão. O braço. O teu corpo.
O braço como extensão do teu corpo.
O corpo ubíquo. Iníquo.
O corpo de pé. De cócoras. De joelhos.
Sentado. Dobrado.
Deitado. Despojado.
Amontoado. Pendurado. Dependurado.
Petrificado. Fossilizado.
A partir do teu corpo.
Da extensão do teu braço.
Marcas um círculo à tua volta.
Aí mesmo onde as pedras fizeram uma elipse e
Pousaram.
Na terra. A cima da terra.
O teu corpo em molde de gesso.
Recuperas o teu corpo. Molécula a molécula.
Devolves o teu genoma à terra.
Estás num caixão. Um sarcófago. Um cofre.
Sem olhos. Estanque.
Um corpo à procura dum lugar para ser.
Um corpo. Um braço.
Algo que é teu.
O braço do teu corpo.
Mas que te é estranho.
Familiarmente estranho.
Como os restos do cordão umbilical
Que te liga(m) à matriz original
De todas as coisas.
Na tua mão seguras
O epicentro do mundo.
Chamemos-lhe provisoriamente mundo.
Punhamo-lo entre parêntesis. O mundo.
Entre parêntesis de arame farpado.
Porque no princípio era apenas o corpo
E a extensão do teu corpo.
E a violência do teu parto.
E o cordão umbilical que te liga à terra.
Mas isto não é um corpo.
É uma maçã, diz Magritte. Ou talvez não.
Apenas um poema em construção.
Um acto de criação.
A criação em acção.
Um muro liso e branco.
O muro. O fio de prumo.
O pêndulo. A corda. O cadafalso.
A linha do horizonte na vertical.
A luz ao fundo do túnel.
O fio de Ariane que te conduz
No labirinto.
Se o em si existe
É esta porção de mundo
Que está ao alcance da tua mão.
Um círculo. A exacta circunferência
Desenhada pelo teu dedo
Na areia da praia onde arribaste.
Ou poderia ter sido o dedo do deus
De Miguel Ângelo.
Ou outra criatura. Ou outro criador.
O teu corpo supunha-o blindado.
Como um caixão de chumbo. Um sarcófago.
Blindado mas oco como uma forma.
Sem olhos. Vazio. Mumificado.
Afinal, o teu corpo
É apenas um material de construção.
Um poema em construção. Um projecto.
Com especificações técnicas como qualquer projecto.
E dentro do poema um coração
Onde se lê: Cuidado, frágil.
É a relação com os outros
Que importa agora reter.
A semelhança. A dissemelhança.
É o relacional que dá sentido
À tua ubiquidade.
À tua iniquidade.
És velho e novo.
Alto e baixo.
Servo e senhor.
Objecto e sujeito.
Doente e terapeuta.
Masculino e feminino.
Escultor e esculpido.
Medium e antropólogo.
Construído e construtor.
Vítima e predador.
Fio e labirinto.
Perdido e achado.
Fóssil e paleontólogo.
Arte e artista.
Antony e Gormley.
És mais do que um corpo.
Mais do que um corpo na cidade.
És a própria cidade em construção.
A textura da cidade. O sociograma.
Mais do que rélation, diria rapport.
Relação de força, tensão, stresse, strain.
Tenho dificuldade em explicar-te
Onde acaba o biológico
E onde começa o social.
A linha de risco. O risco. O existencial.
O normal e o patológico.
O céu e o inferno. O axiológico.
A salutogénese e a patogénese.
A expiação do pecado original.
O mal. Pompeia e o Etna.
Hiroshima. O absurdo.
A angústia à flor da pele.
O envelhecer. A dor.
A raíz da dor. A depressão. O medo.
A morte e o morrer.
E sobretudo o poder.
Da vida e da morte.
O poder que não é coisa,
Atributo, categoria ou variável.
Mas relação. Um construído.
Como o teu corpo. A tua identidade.
A estratificação socioespacial do teu corpo.
O tempo e o lugar. A equidade. A bioética.
O corpo no labirinto.
Que disse que o mundo é
Injusto ou errado ?
Ou foi mal planeado ?
O problema não é de filosofia
Nem de risk assessment
Mas de engenharia (meta)física.
O stresse é uma força
Que aplicada sobre o aço do teu corpo
A deforma. Mais: O stresse mata.
E depois há o corpo que suporta
O peso. Do próprio corpo.
Dos outros corpos. Do mundo.
Mais do que os teus 700 quilos de ferro forjado
É o insustentável peso do mundo
Que tu habitas mais o teu corpo.
E o teu frágil coração.
Julgava-o blindado, o teu corpo. Mas não.
Há também, antes ou depois,
O corpo solidário. A rede.
O projecto identitário.
O poema em construção.
O desastre humanitário.
O fio do labirinto de Ariane.
O estado totalitário.
O corpo em acção.
O futuro sempre precário.
Mesmo Robinson Crusoe na tua ilha de arribação,
És um corpo com marcas indeléveis.
No teu invólucro de gesso
Vejo a marca do bisturi. Do naufrágio.
Da Kalashnikov. Do trabalho.
Da doença. Da escrita.
Da escola. Do código de Hamurabi.
Da guerra. Da tatuagem. Do sucesso.
Da formatação. Do clã. Do vulcão.
Do genoma. Da engenharia genética.
Da iatrogénse. Do puro terror.
Do Génesis. Da palavra de salvação.
Da bomba de Hiroshima.
Do desembarque nas praias da Normandia.
Do fado. Da saudade da partida.
Do horóscopo. Da viagem.
Da memória. Da história.
Da tua história de vida.
Mercator, ergo pestiferus.
Corpo ambulante. Desertor. Militante.
Mercador. Corsário. Marinheiro.
Recrutador de soldados.
Hóspede e hospedeiro.
Enfim, livre.
Trazes das outras ilhas a peste. A vida.
Nunca te reconheceria apenas pela cor dos teus olhos.
Furados.
Fundação Calouste Gulbenkian,
Museu de Arte Moderna,
Lisboa, 7 de Maio de 2004.
Por ocasião de uma visita guiada à exposição "mass and Empahy", de Antony Gormley, na companhia da Prof. Dra. Isabel Loureiro, do psiquiatra Dr. Luís Gamito e de dezasseis mestrand@s de saúde pública (7º Mestrado de Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública/Universidade Nova de Lisboa, 2003/2005)
Duas instalações de Antoney Gormley (n. Londres, 1950):
(i) Critical Mass II (1998). Ferro forjado. 60 unidades em tamanho natural. Molde do corpo do artista. Oficinas de carpintaria da Gulbenkian.
(ii) Domain Field (2003). Barras de ferro inoxidável. 4.76 x 4.76 mm. 287 esculturas, vários tamanhos, resultantes de moldes em gesso de habitantes de Newcastle-Gateshead com idades compreendidas entre os 2.5 anos e os 84 anos. Espaço (fabuloso) de exposições temporárias do Centro de Arte Moderna.
Outros sítios sobre Antony Gormley:
21st Century British Sculpture > Antony Gormley
Artcyclopedia > Antony Gormley
BBC > BBC Four > Audio Interviews > Antony Gormley
BALTIC > Summer 2003 Imagebank > Antony Gormley> Body and Fruit, 1993
Graeme Peacock > Photos > Angel of the North > Gateshead, Tyne & Wear, UK
ou socio(b)logando sobre uma exposição do escultor Anthony Gormley ("Mass and Empathy")
No princípio não era ainda o verbo.
O verbo virá depois.
Critical mass. Domain field.
O Anjo do Norte. O corpo e a morte.
E outras ideias fortes
Esculpidas no gesso, no ferro, no aço ou no cimento.
No princípio era o corpo.
A imensa mole de corpos.
A mão. O braço. O teu corpo.
O braço como extensão do teu corpo.
O corpo ubíquo. Iníquo.
O corpo de pé. De cócoras. De joelhos.
Sentado. Dobrado.
Deitado. Despojado.
Amontoado. Pendurado. Dependurado.
Petrificado. Fossilizado.
A partir do teu corpo.
Da extensão do teu braço.
Marcas um círculo à tua volta.
Aí mesmo onde as pedras fizeram uma elipse e
Pousaram.
Na terra. A cima da terra.
O teu corpo em molde de gesso.
Recuperas o teu corpo. Molécula a molécula.
Devolves o teu genoma à terra.
Estás num caixão. Um sarcófago. Um cofre.
Sem olhos. Estanque.
Um corpo à procura dum lugar para ser.
Um corpo. Um braço.
Algo que é teu.
O braço do teu corpo.
Mas que te é estranho.
Familiarmente estranho.
Como os restos do cordão umbilical
Que te liga(m) à matriz original
De todas as coisas.
Na tua mão seguras
O epicentro do mundo.
Chamemos-lhe provisoriamente mundo.
Punhamo-lo entre parêntesis. O mundo.
Entre parêntesis de arame farpado.
Porque no princípio era apenas o corpo
E a extensão do teu corpo.
E a violência do teu parto.
E o cordão umbilical que te liga à terra.
Mas isto não é um corpo.
É uma maçã, diz Magritte. Ou talvez não.
Apenas um poema em construção.
Um acto de criação.
A criação em acção.
Um muro liso e branco.
O muro. O fio de prumo.
O pêndulo. A corda. O cadafalso.
A linha do horizonte na vertical.
A luz ao fundo do túnel.
O fio de Ariane que te conduz
No labirinto.
Se o em si existe
É esta porção de mundo
Que está ao alcance da tua mão.
Um círculo. A exacta circunferência
Desenhada pelo teu dedo
Na areia da praia onde arribaste.
Ou poderia ter sido o dedo do deus
De Miguel Ângelo.
Ou outra criatura. Ou outro criador.
O teu corpo supunha-o blindado.
Como um caixão de chumbo. Um sarcófago.
Blindado mas oco como uma forma.
Sem olhos. Vazio. Mumificado.
Afinal, o teu corpo
É apenas um material de construção.
Um poema em construção. Um projecto.
Com especificações técnicas como qualquer projecto.
E dentro do poema um coração
Onde se lê: Cuidado, frágil.
É a relação com os outros
Que importa agora reter.
A semelhança. A dissemelhança.
É o relacional que dá sentido
À tua ubiquidade.
À tua iniquidade.
És velho e novo.
Alto e baixo.
Servo e senhor.
Objecto e sujeito.
Doente e terapeuta.
Masculino e feminino.
Escultor e esculpido.
Medium e antropólogo.
Construído e construtor.
Vítima e predador.
Fio e labirinto.
Perdido e achado.
Fóssil e paleontólogo.
Arte e artista.
Antony e Gormley.
És mais do que um corpo.
Mais do que um corpo na cidade.
És a própria cidade em construção.
A textura da cidade. O sociograma.
Mais do que rélation, diria rapport.
Relação de força, tensão, stresse, strain.
Tenho dificuldade em explicar-te
Onde acaba o biológico
E onde começa o social.
A linha de risco. O risco. O existencial.
O normal e o patológico.
O céu e o inferno. O axiológico.
A salutogénese e a patogénese.
A expiação do pecado original.
O mal. Pompeia e o Etna.
Hiroshima. O absurdo.
A angústia à flor da pele.
O envelhecer. A dor.
A raíz da dor. A depressão. O medo.
A morte e o morrer.
E sobretudo o poder.
Da vida e da morte.
O poder que não é coisa,
Atributo, categoria ou variável.
Mas relação. Um construído.
Como o teu corpo. A tua identidade.
A estratificação socioespacial do teu corpo.
O tempo e o lugar. A equidade. A bioética.
O corpo no labirinto.
Que disse que o mundo é
Injusto ou errado ?
Ou foi mal planeado ?
O problema não é de filosofia
Nem de risk assessment
Mas de engenharia (meta)física.
O stresse é uma força
Que aplicada sobre o aço do teu corpo
A deforma. Mais: O stresse mata.
E depois há o corpo que suporta
O peso. Do próprio corpo.
Dos outros corpos. Do mundo.
Mais do que os teus 700 quilos de ferro forjado
É o insustentável peso do mundo
Que tu habitas mais o teu corpo.
E o teu frágil coração.
Julgava-o blindado, o teu corpo. Mas não.
Há também, antes ou depois,
O corpo solidário. A rede.
O projecto identitário.
O poema em construção.
O desastre humanitário.
O fio do labirinto de Ariane.
O estado totalitário.
O corpo em acção.
O futuro sempre precário.
Mesmo Robinson Crusoe na tua ilha de arribação,
És um corpo com marcas indeléveis.
No teu invólucro de gesso
Vejo a marca do bisturi. Do naufrágio.
Da Kalashnikov. Do trabalho.
Da doença. Da escrita.
Da escola. Do código de Hamurabi.
Da guerra. Da tatuagem. Do sucesso.
Da formatação. Do clã. Do vulcão.
Do genoma. Da engenharia genética.
Da iatrogénse. Do puro terror.
Do Génesis. Da palavra de salvação.
Da bomba de Hiroshima.
Do desembarque nas praias da Normandia.
Do fado. Da saudade da partida.
Do horóscopo. Da viagem.
Da memória. Da história.
Da tua história de vida.
Mercator, ergo pestiferus.
Corpo ambulante. Desertor. Militante.
Mercador. Corsário. Marinheiro.
Recrutador de soldados.
Hóspede e hospedeiro.
Enfim, livre.
Trazes das outras ilhas a peste. A vida.
Nunca te reconheceria apenas pela cor dos teus olhos.
Furados.
Fundação Calouste Gulbenkian,
Museu de Arte Moderna,
Lisboa, 7 de Maio de 2004.
Por ocasião de uma visita guiada à exposição "mass and Empahy", de Antony Gormley, na companhia da Prof. Dra. Isabel Loureiro, do psiquiatra Dr. Luís Gamito e de dezasseis mestrand@s de saúde pública (7º Mestrado de Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública/Universidade Nova de Lisboa, 2003/2005)
Duas instalações de Antoney Gormley (n. Londres, 1950):
(i) Critical Mass II (1998). Ferro forjado. 60 unidades em tamanho natural. Molde do corpo do artista. Oficinas de carpintaria da Gulbenkian.
(ii) Domain Field (2003). Barras de ferro inoxidável. 4.76 x 4.76 mm. 287 esculturas, vários tamanhos, resultantes de moldes em gesso de habitantes de Newcastle-Gateshead com idades compreendidas entre os 2.5 anos e os 84 anos. Espaço (fabuloso) de exposições temporárias do Centro de Arte Moderna.
Outros sítios sobre Antony Gormley:
21st Century British Sculpture > Antony Gormley
Artcyclopedia > Antony Gormley
BBC > BBC Four > Audio Interviews > Antony Gormley
BALTIC > Summer 2003 Imagebank > Antony Gormley> Body and Fruit, 1993
Graeme Peacock > Photos > Angel of the North > Gateshead, Tyne & Wear, UK
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