23 dezembro 2004

Blogantologia(s) - XXII: Saldo(s) para o ano de 2005

A todos os homens e mulheres (i) que cabem na minha lista de e-mails ou (ii) que a transbordam ou (iii) que circulam, a desoras e sem rumo, na blogosfera, (iv) quer façam ou não o favor de serem meus amigos: deixem-me desejar-vos o melhor da vida para o Novo Ano que, dizem, aí vem!!!



L.G.





Car@s amig@s planetári@s:



1. Eis-nos chegad@s

Ao fim do ano de dois mil e quatro,

E digo fim

Porque é já inverno

E faz frio

E porque acabei de arrancar

A última folha amarelada do calendário.

E digo fim para não praguejar

E para não ir parar com os quatro costados

Ao inferno.



Dizemos fim do ano

Por mera convenção ou conveniência.

Ou se calhar,

Por tristeza ou desfastio,

Cansaço, saturação, impaciência.

Depressão, dirá muita boa gente.

Ou só por que nos deu na real veneta;

Em suma, dizemos fim

Sem qualquer razão aparente.



Na prática não chegámos ao fim,

Não chegámos a parte nenhuma,

A pé, de carro, de barco ou de dromedário,

À boleia, a nado ou até de parapente,

Que o chegar é sempre a um algum sítio,

Lugar, porto, ilha, montanha de bruma,

País, continente, planeta,

Ou pico do Evereste.

E chegar ao fim

É sempre sinónimo de festa.



Não arribámos a nenhum porto

Ou outro ponto imaginário

Do globo terrestre;

Não fomos pioneiros,

Não descobrimos a misteriosa citânia

Da nossa proto-história lusitana

Nem sequer a porta do risonho futuro

Que há-de vir;

É tudo treta,

Não fomos os primeiros

Nem sequer os últimos

A cortar a meta;

Não fomos notícia,

Nem mesmo em Alcácer Quibir;

Não estávamos entre os anónimos mineiros

Soterrados na China e na Ucrânia;

Não houve festa, nem luto, nem bomba atómica,

Não houve alvoroço, nem foguetes,

Nem estátua equestre,

Nem sequer a banda trágico-cómica

Dos bombeiros voluntários

Do Emir Kusturica.

À nossa espera

Ou no nosso enterro.



Vendo bem,

Não fizemos nada de heróico,

Não salvámos a humanidade,

Não fizemos a guerra,

Não lutámos contra os canhões,

Não assinámos a paz,

Nem sequer levámos a carta a Garcia.

Enfim, não ganhámos nenhum prémio,

Nem sequer o Nobel, nem a lotaria,

Muito menos o Euromilhões;

Em resumo, dizem-nos que,

No ano da graça do senhor

De dois e mil e quatro,

Tu e eu, nós todos,

Nada temos de concreto

Para celebrar.



Mas chegados ao fim do ano,

É costume fazer-se o balanço,

Se não da viagem,

Pelo menos do deve-e-haver

Das nossas vidas,

Da carga preciosa que transportamos connosco,

Que é a vida e o dever de a viver.

Que é o fogo da vida

E a obrigação de o alimentarmos,

O pequeno milagre

Ou o simples facto

De estarmos vivos,

De ainda estarmos vivos

E de estarmos juntos.





2. Façamos, pois, o balanço,

Meus amigos,

O deve-e-haver deste ano

De dois mil e quatro,

Que se calhar foi um annus horribilis

Como os anteriores,

Para a maior parte dos homens e mulheres,

Noss@s vizinh@s planetári@s.

Que a vinte e três de dezembro,

O horóscopo da humanidade

Não está em condições de prever

Terramotos, catástrofes, pestes, tsunamis,

O cortejo dos horrores

Que costumam acompanhar os cavaleiros do Apocalipse.



Façamos o balanço das nossas vidas

Como pessoas, como grupos,

Como instituições, como países.

Siga-se, nesta matéria, a tradição,

Que a tradição ainda manda,

E com isso não vai grande mal ao mundo

(Se querem saber a minha opinião).





3. Como sempre, houve coisas boas

E coisas más

Ao longo do ano que agora finda.

Releguemos as más para os historiadores.

Ou para o nosso confessor, psiquiatra ou confidente.

Ou para o diário secreto de Narciso.

Em boa verdade, as coisas más vão ao fundo,

Não flutuam como os corpos,

São, por definição, para esquecer.

- Dorme, que foi um sonho mau!,

Diziam-te em criança.

Criança sem juízo,

Sem dente do siso.



Abramos, pois, os nossos corações

Para falar ou dar testemunho

Das coisas boas que nos aconteceram.

Que a hora é de desafivelar as máscaras

Dos actores que também somos.

Maus, canastrões,

Mas que importa, se o palco é tudo!



Falemos dos acontecimentos

De que fomos protagonistas.

Pequenos, sem dúvida,

À nossa escala, à escala humana,

Mas importantes,

Para nós, a nossa família, os nossos amigos,

As empresas ou organizações onde trabalhamos,

As pessoas que confiaram em nós,

Que apostaram e acreditaram em nós.



Falemos das situações de que fomos

Actores de verdade, actores de facto.

Independentemente do nosso papel,

E do tamanho do nosso papel.

Ou do número de graus de liberdade

A que temos direito

Ou que fazem parte do nosso contrato.

Que o importante foi ser actor

E não mero figurante.



Falemos dos projectos

De que fomos gestores

Ou simples trabalhadores

De equipa.

Falemos dos conhecimentos novos

Que tivemos o privilégio

De produzir, obter ou divulgar

Através do nosso trabalho, estudo ou formação.

Dos livros que lemos ou escrevemos

Ou que comprámos para ler mais tarde,

”Quando formos velhinh@s

E tivermos todo o tempo do mundo”

(Oh, doce ilusão!).



Não nos esqueçamos de evocar

As pessoas fantásticas que conhecemos.

Mas também os filmes de última hora

Que perdemos no trânsito da vida.

Ou as estórias que não ouvimos ou não lemos,

Por falta de paciência ou de audiência

Ou de simples lugar de estacionamento

No hall congestionado do planeta azul.



Falemos das oportunidades que tivemos

De fazer coisas novas,

Inovadoras, ou simplesmente úteis,

Para nós, para os outros, para o nosso país.

E que não desperdiçámos.

Ajudando o mundo a tornar-se

Mais amigável

Ou, pelo menos, mais habitável.



Falemos das pequenas coisas boas

Que nos aconteceram,

Não por mero acaso,

Mas porque as merecemos,

(Sem falsa modéstia!),

Porque lutámos por elas,

Porque outros nos ajudaram a conseguí-las

Porque juntos conseguimo-las.



Falemos ainda do nosso crescimento interior:

Se estamos mais sábios, mais atentos,

Mais conscientes da água que corre nos nossos rios

Ou do HIV/SIDA que nos está matando,

É porque crescemos por dentro.



Mas sejamos capazes também de falar

Das brincadeiras ou partidas

(Não das sacanices!)

Que fizemos uns aos outros.

Que o brincar não é proibido,

Ou não deveria sê-lo,

Que o brincar devia mesmo ser obrigatório

Na escolinha da vida

E nos locais de trabalho

Onde, já crescidos, a ganhamos.



Falemos dos e-mails que trocámos

E que encheram as nossas caixas de correio.

Das anedotas que contámos.

Até das de mau gosto,

Xenófobas, racistas e sexistas.



Falemos do pão, do queijo e do vinho

Que partilhámos com alguém,

Ao fim da tarde,

Não importa onde,

No Alentejo, em Angola, ou no Minho,

Em qualquer parte onde

Temos im amigo, um parceiro, um compincha.

Que o companheiro (do latim cum + pane) é

Justamente aquele que compartilha connosco

O pão e o vinho à mesma mesa.



Sim, falemos das emoções

Que pusemos em cima da mesa.

Ou da ausência delas.

Da paz que conseguimos, em certas ocasiões,

Estabelecer connosco e com os outros.

Sim, falemos da paz:

Nada como um minuto de paz

Ao fim do dia, no fim do ano.

Um minuto, uma hora,

Mesmo se o fim do ano é uma treta

Do calendário gregoriano.



Falemos, por isso, e já agora

D@s velh@s amig@s que voltámos a encontrar.

Em vaigem,

Num terminal de aeroporto,

Numa esquina de rua congestionada,

Num bar triste de uma cidade

Em que estávamos de passagem.



Falemos d@s nov@s amig@s que fizemos.

Sem esquecer @s querid@s amig@s

Que perdemos, assim sem mais nada,

Por razões de vida ou de morte,

Ou de que perdemos simplesmente o norte,

O telefone, o fax, o endereço, o e-mail, a morada.



4. É a pensar em vocês tod@s

Com quem trabalhei, interagi, vivi, falei,

Discuti, barafustei,

E, se calhar, até magoei e decepcionei,

Durante o ano de dois mil e quatro,

É a pensar em tod@s vós,

Que eu peço ao Pai Natal

(Que eu ainda acredito nele,

Seja isso idiota ou infantil,

Muito pouco ou nada racional!)

Para pôr no vosso sapatinho

Esta singela mensagem:

“Que a nossa amizade seja…

O saldo contabilístico, positivo,

Que transita para o ano de dois mil e cinco”.



Estou-vos obrigado,

A todos vós,

Pela parte de mérito que vos coube

Nas pequenas coisas boas

Que me aconteceram, nos aconteceram,

Em dois mil e quatro.

Resta-me pedir-vos, sensibilizado:

"A mim, desculpem-me lá qualquer coisinha!"...



L.G.



Lisboa, 23 de Dezembro de 2004

Blogantologia(s) - XXII: Saldo(s) para o ano de 2005

A todos os homens e mulheres (i) que cabem na minha lista de e-mails ou (ii) que a transbordam ou (iii) que circulam, a desoras e sem rumo, na blogosfera, (iv) quer façam ou não o favor de serem meus amigos: deixem-me desejar-vos o melhor da vida para o Novo Ano que, dizem, aí vem!!!

L.G.


Car@s amig@s planetári@s:

1. Eis-nos chegad@s
Ao fim do ano de dois mil e quatro,
E digo fim
Porque é já inverno
E faz frio
E porque acabei de arrancar
A última folha amarelada do calendário.
E digo fim para não praguejar
E para não ir parar com os quatro costados
Ao inferno.

Dizemos fim do ano
Por mera convenção ou conveniência.
Ou se calhar,
Por tristeza ou desfastio,
Cansaço, saturação, impaciência.
Depressão, dirá muita boa gente.
Ou só por que nos deu na real veneta;
Em suma, dizemos fim
Sem qualquer razão aparente.

Na prática não chegámos ao fim,
Não chegámos a parte nenhuma,
A pé, de carro, de barco ou de dromedário,
À boleia, a nado ou até de parapente,
Que o chegar é sempre a um algum sítio,
Lugar, porto, ilha, montanha de bruma,
País, continente, planeta,
Ou pico do Evereste.
E chegar ao fim
É sempre sinónimo de festa.

Não arribámos a nenhum porto
Ou outro ponto imaginário
Do globo terrestre;
Não fomos pioneiros,
Não descobrimos a misteriosa citânia
Da nossa proto-história lusitana
Nem sequer a porta do risonho futuro
Que há-de vir;
É tudo treta,
Não fomos os primeiros
Nem sequer os últimos
A cortar a meta;
Não fomos notícia,
Nem mesmo em Alcácer Quibir;
Não estávamos entre os anónimos mineiros
Soterrados na China e na Ucrânia;
Não houve festa, nem luto, nem bomba atómica,
Não houve alvoroço, nem foguetes,
Nem estátua equestre,
Nem sequer a banda trágico-cómica
Dos bombeiros voluntários
Do Emir Kusturica.
À nossa espera
Ou no nosso enterro.

Vendo bem,
Não fizemos nada de heróico,
Não salvámos a humanidade,
Não fizemos a guerra,
Não lutámos contra os canhões,
Não assinámos a paz,
Nem sequer levámos a carta a Garcia.
Enfim, não ganhámos nenhum prémio,
Nem sequer o Nobel, nem a lotaria,
Muito menos o Euromilhões;
Em resumo, dizem-nos que,
No ano da graça do senhor
De dois e mil e quatro,
Tu e eu, nós todos,
Nada temos de concreto
Para celebrar.

Mas chegados ao fim do ano,
É costume fazer-se o balanço,
Se não da viagem,
Pelo menos do deve-e-haver
Das nossas vidas,
Da carga preciosa que transportamos connosco,
Que é a vida e o dever de a viver.
Que é o fogo da vida
E a obrigação de o alimentarmos,
O pequeno milagre
Ou o simples facto
De estarmos vivos,
De ainda estarmos vivos
E de estarmos juntos.


2. Façamos, pois, o balanço,
Meus amigos,
O deve-e-haver deste ano
De dois mil e quatro,
Que se calhar foi um annus horribilis
Como os anteriores,
Para a maior parte dos homens e mulheres,
Noss@s vizinh@s planetári@s.
Que a vinte e três de dezembro,
O horóscopo da humanidade
Não está em condições de prever
Terramotos, catástrofes, pestes, tsunamis,
O cortejo dos horrores
Que costumam acompanhar os cavaleiros do Apocalipse.

Façamos o balanço das nossas vidas
Como pessoas, como grupos,
Como instituições, como países.
Siga-se, nesta matéria, a tradição,
Que a tradição ainda manda,
E com isso não vai grande mal ao mundo
(Se querem saber a minha opinião).


3. Como sempre, houve coisas boas
E coisas más
Ao longo do ano que agora finda.
Releguemos as más para os historiadores.
Ou para o nosso confessor, psiquiatra ou confidente.
Ou para o diário secreto de Narciso.
Em boa verdade, as coisas más vão ao fundo,
Não flutuam como os corpos,
São, por definição, para esquecer.
- Dorme, que foi um sonho mau!,
Diziam-te em criança.
Criança sem juízo,
Sem dente do siso.

Abramos, pois, os nossos corações
Para falar ou dar testemunho
Das coisas boas que nos aconteceram.
Que a hora é de desafivelar as máscaras
Dos actores que também somos.
Maus, canastrões,
Mas que importa, se o palco é tudo!

Falemos dos acontecimentos
De que fomos protagonistas.
Pequenos, sem dúvida,
À nossa escala, à escala humana,
Mas importantes,
Para nós, a nossa família, os nossos amigos,
As empresas ou organizações onde trabalhamos,
As pessoas que confiaram em nós,
Que apostaram e acreditaram em nós.

Falemos das situações de que fomos
Actores de verdade, actores de facto.
Independentemente do nosso papel,
E do tamanho do nosso papel.
Ou do número de graus de liberdade
A que temos direito
Ou que fazem parte do nosso contrato.
Que o importante foi ser actor
E não mero figurante.

Falemos dos projectos
De que fomos gestores
Ou simples trabalhadores
De equipa.
Falemos dos conhecimentos novos
Que tivemos o privilégio
De produzir, obter ou divulgar
Através do nosso trabalho, estudo ou formação.
Dos livros que lemos ou escrevemos
Ou que comprámos para ler mais tarde,
”Quando formos velhinh@s
E tivermos todo o tempo do mundo”
(Oh, doce ilusão!).

Não nos esqueçamos de evocar
As pessoas fantásticas que conhecemos.
Mas também os filmes de última hora
Que perdemos no trânsito da vida.
Ou as estórias que não ouvimos ou não lemos,
Por falta de paciência ou de audiência
Ou de simples lugar de estacionamento
No hall congestionado do planeta azul.

Falemos das oportunidades que tivemos
De fazer coisas novas,
Inovadoras, ou simplesmente úteis,
Para nós, para os outros, para o nosso país.
E que não desperdiçámos.
Ajudando o mundo a tornar-se
Mais amigável
Ou, pelo menos, mais habitável.

Falemos das pequenas coisas boas
Que nos aconteceram,
Não por mero acaso,
Mas porque as merecemos,
(Sem falsa modéstia!),
Porque lutámos por elas,
Porque outros nos ajudaram a conseguí-las
Porque juntos conseguimo-las.

Falemos ainda do nosso crescimento interior:
Se estamos mais sábios, mais atentos,
Mais conscientes da água que corre nos nossos rios
Ou do HIV/SIDA que nos está matando,
É porque crescemos por dentro.

Mas sejamos capazes também de falar
Das brincadeiras ou partidas
(Não das sacanices!)
Que fizemos uns aos outros.
Que o brincar não é proibido,
Ou não deveria sê-lo,
Que o brincar devia mesmo ser obrigatório
Na escolinha da vida
E nos locais de trabalho
Onde, já crescidos, a ganhamos.

Falemos dos e-mails que trocámos
E que encheram as nossas caixas de correio.
Das anedotas que contámos.
Até das de mau gosto,
Xenófobas, racistas e sexistas.

Falemos do pão, do queijo e do vinho
Que partilhámos com alguém,
Ao fim da tarde,
Não importa onde,
No Alentejo, em Angola, ou no Minho,
Em qualquer parte onde
Temos im amigo, um parceiro, um compincha.
Que o companheiro (do latim cum + pane) é
Justamente aquele que compartilha connosco
O pão e o vinho à mesma mesa.

Sim, falemos das emoções
Que pusemos em cima da mesa.
Ou da ausência delas.
Da paz que conseguimos, em certas ocasiões,
Estabelecer connosco e com os outros.
Sim, falemos da paz:
Nada como um minuto de paz
Ao fim do dia, no fim do ano.
Um minuto, uma hora,
Mesmo se o fim do ano é uma treta
Do calendário gregoriano.

Falemos, por isso, e já agora
D@s velh@s amig@s que voltámos a encontrar.
Em vaigem,
Num terminal de aeroporto,
Numa esquina de rua congestionada,
Num bar triste de uma cidade
Em que estávamos de passagem.

Falemos d@s nov@s amig@s que fizemos.
Sem esquecer @s querid@s amig@s
Que perdemos, assim sem mais nada,
Por razões de vida ou de morte,
Ou de que perdemos simplesmente o norte,
O telefone, o fax, o endereço, o e-mail, a morada.

4. É a pensar em vocês tod@s
Com quem trabalhei, interagi, vivi, falei,
Discuti, barafustei,
E, se calhar, até magoei e decepcionei,
Durante o ano de dois mil e quatro,
É a pensar em tod@s vós,
Que eu peço ao Pai Natal
(Que eu ainda acredito nele,
Seja isso idiota ou infantil,
Muito pouco ou nada racional!)
Para pôr no vosso sapatinho
Esta singela mensagem:
“Que a nossa amizade seja…
O saldo contabilístico, positivo,
Que transita para o ano de dois mil e cinco”.

Estou-vos obrigado,
A todos vós,
Pela parte de mérito que vos coube
Nas pequenas coisas boas
Que me aconteceram, nos aconteceram,
Em dois mil e quatro.
Resta-me pedir-vos, sensibilizado:
"A mim, desculpem-me lá qualquer coisinha!"...

L.G.

Lisboa, 23 de Dezembro de 2004

20 dezembro 2004

BlogAngola - III: A cooperação no domínio da formação em saúde pública

1. “Portugal e os portugueses podem dar à Angola e aos angolanos aquilo em que são especialistas: o saber-ser, o saber-estar e o saber-fazer em saúde pública”, dizia-me há um ano, em Luanda, José Vieira Dias Van-Dúnem, vice-Ministro da Saúde do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional da República de Angola e membro do Comité Central do MPLA. Cito de cor mas julgo não estar a atraiçoar o pensamento do autor.



Médico licenciado, em 1988, pela Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto, de Luanda (FML/UAN), o Dr. José Vieira Dias Van-Dúnem frequentou no ano lectivo de 1994/95 o Curso de Especialização em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde, Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL), como bolseiro da OMS.



Qual é o sentido exacto das palavras daquele dirigente político angolano e antigo aluno da ENSP/UNL ? Em que circunstâncias foram ditas ? Que recado subentendiam ?



O que o meu interlocutor pretendia dizer-me ou transmitir-me, a mim, à instituição e até ao país que eu estava ali, de certo modo, a representar, era que a cooperação (i) não se resume aos grandes projectos que envolvem muitos milhões de dólares, transferência de alta tecnologia, grande volumes de trocas comerciais, mediáticas declarações políticas e, por vezes até, tráfico de interesses ligados a poderosos lóbis, internos e/ou externos; pelo contrário, que a cooperação também pode (e deve) ser vista, antes de mais, (ii) como uma relação recíproca, duplamente ganhadora, uma relação de amizade entre dois povos que têm valores, interesses e afinidades em comum (a história, a língua, a cultura, o imaginário, a economia…). E justamente em áreas que são vitais para o desenvolvimento do capital humano e que fazem mais apelo às soft sciences do que às hard sciences.



Estava, além disso, a defender uma concepção integrada e sustentada da formação e da cooperação no domínio da formação. Por fim, estava implicitamente a lembrar-me a origem etimológica da palavra cooperar, que significa trabalhar juntamente com outros para um mesmo fim, do latim cu(m) + operari.



A cooperação no domínio da educação, da formação e até da investigação em saúde pública é um campo onde se pode (e deve) estabelecer relações igualitárias, senão mesmo fraternas, entre instituições, povos e países. É algo que obriga à hospitalidade e à partilha, tal como uma refeição tomada à mesma mesa entre amigos. É um terreno onde todos aprendem a aprender e aprendem uns com os outros, o que os coloca num mesmo nível. Qualquer atitude de imperialismo, cultural e científico, ou até de simples paternalismo, é hoje inaceitável, de parte a parte, neste como noutros campos da cooperação bilateral.



2. Tratou-se, além disso, de uma conversa informal, num jantar que nos foi oferecido por ocasião da inauguração do 1º Curso de Especialização em Gestão em Saúde (Opção Administração Hospitalar), curso esse que resultou da solicitação, à FML/UAN, parte do Ministério da Saúde de Angola (MINSA), e que contou com o entusiástico apoio de duas instituições portuguesas: o apoio científico e pedagógico da ENSP/UNL e o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG).



A FML/UAN ainda não tinha então a experiência e os recursos suficientes para montar um curso de especialização ou um mestrado nesta área (tem noutros, por exemplo o mestrado em educação médica que está a decorrer em Luanda). Decidiu por isso

recorrer à ENSP/UNL mas não quis um curso de "chaves na mão", participou desde o princípio na concepção, desenvolvimento, aplicação e avaliação do produto.



Usando a metáfora do conhecido provérbio chinês, os nossos amigos e parceiros angolanos não querem apenas o peixe, mas também o anzol e a cana de pesca para poderem passar a pescar. Como está na moda dizer-se, a isto chama-se empowerment.



O supracitado curso teve início em Setembro de 2003 e terminou , na sua parte lectiva, em Dezembro de 2004. Até meados de Março de 2005, os alunos deverão entregar uma monografia final de 40 páginas (cerca de 50 mil caracteres), incidindo sobre um tema concreto, actual e relevante da administração hospitalar em Angola.



Os destinatários deste primeiro curso, em número de 33, são profissionais de saúde (cerca de 80% são médicos) que exercem ou podem vir a exercer funções ou cargos de gestão (director geral e director administrativo) e direcção técnica (director clínico) no subsistema hospitalar angolano, de Cabinda ao Cunene.



O Curso teve a duração de um ano (2003/2004) e 630 horas presenciais, repartidas por três Blocos separados no tempo (Setembro a Novembro de 2003, Maio a Julho de 2004; Setembro a Dezembro de 2004).



Cada módulo, semanal, foi leccionado por 2 formadores ou prelectores portugueses (em geral, docentes da ENSP/UNL ou formadores de outras instituições ligadas ao ensino da gestão em saúde). Estes formadores foram coadjuvados, em cada módulo, por 1 monitor local recrutado pela FML/UAN, com o propósito de (i) contextualizar as diferentes áreas temáticas no quadro político, jurídico, cultural, sócio-económico, demográfico e sanitário de Angola, e ainda de (ii) promover o seu próprio treino e formação como potencial docente angolano de futuras edições deste curso de especialização.



No Curso estiveram incluídos dois Estágios Hospitalares (um no Bloco II e outro no Bloco III) para constatação in loco da realidade de diferentes hospitais de referência de Angola, apresentada e discutida sob a forma de um relatório crítico. Nestes estágios colaboraram ainda tutores locais para efeitos de acompanhamento e orientação dos formandos.



O sucesso deste curso deve-se a muitas dezenas de pessoas competentes e e empenhadas. Gostaria de citar aqui, pela parte portuguesa, o Prof. Dr. António Correia de Campos; e pela parte angolana, o Prof. Dr. Mário Fresta.



Embora não querendo incorrer no risco do elogio em boca própria, não posso deixar de apontar este exemplo como um caso de sucesso que serviu três propósitos: (i) formar gestores de saúde angolanos ou melhorar os seus conhecimentos e competências (técnicas, sociais e humanas); (ii) capacitar uma equipa de docentes angolanos na área da administração de serviços de saúde; e, por fim, (iii) garantir o reforço da capacidade educativa e formativa do MINSA e da FML/UAN e a sustentabilidade deste projecto de cooperação, criando ao mesmo tempo condições para instalação da futura e tão desejada Escola Nacional de Saúde Pública de Angola.



De facto, o desafio agora é “consolidar a capacidade formativa”, sendo desejável para 2005 a realização de um curso de formação pedagógica em Lisboa, que reunisse docentes angolanos e portugueses com vista à preparação do próximo 2º Curso de Especialziação em Gestão em Saúde, a ministrar em Luanda com recursos locais.



Mas a cooperação da ENSP com o MINSA e a FML/UAN não se circunscreve apenas a este curso. A ENSP está também a apoiar o curso pós-graduado em saúde pública e, portanto, a formação dos futuros médicos de saúde pública de Angola em duas áreas disciplinares específicas onde os nossos parceiros angolanos pediram apoio: o ensino da epidemiologia e da administração de saúde. Além disso, tem recebido de braços abertos os profissionais de saúde, oriundos daquele país, que se inscrevem no seus cursos (mestrado de saúde pública e cursos de especialização de administração hospitalar, saúde pública e medicina do trabalho). Mais de metade dos cerca de 30 alunos oriundos de Macau e dos PALOP que frequentaram, nos últimos oito anos, os referidos cursos eram oriundos de Angola.



Todos fazemos votos para que a cooperação com Angola (e os demais países da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) se reforce no próximo ano de 2005, muito em particular no domínio da educação, formação e investigação em saúde pública.



(Editorial, Revista Portuguesa de Saúde Pública, 2/2004)



BlogAngola - III: A cooperação no domínio da formação em saúde pública

1. “Portugal e os portugueses podem dar à Angola e aos angolanos aquilo em que são especialistas: o saber-ser, o saber-estar e o saber-fazer em saúde pública”, dizia-me há um ano, em Luanda, José Vieira Dias Van-Dúnem, vice-Ministro da Saúde do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional da República de Angola e membro do Comité Central do MPLA. Cito de cor mas julgo não estar a atraiçoar o pensamento do autor.

Médico licenciado, em 1988, pela Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto, de Luanda (FML/UAN), o Dr. José Vieira Dias Van-Dúnem frequentou no ano lectivo de 1994/95 o Curso de Especialização em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde, Universidade Nova de Lisboa (ENSP/UNL), como bolseiro da OMS.

Qual é o sentido exacto das palavras daquele dirigente político angolano e antigo aluno da ENSP/UNL ? Em que circunstâncias foram ditas ? Que recado subentendiam ?

O que o meu interlocutor pretendia dizer-me ou transmitir-me, a mim, à instituição e até ao país que eu estava ali, de certo modo, a representar, era que a cooperação (i) não se resume aos grandes projectos que envolvem muitos milhões de dólares, transferência de alta tecnologia, grande volumes de trocas comerciais, mediáticas declarações políticas e, por vezes até, tráfico de interesses ligados a poderosos lóbis, internos e/ou externos; pelo contrário, que a cooperação também pode (e deve) ser vista, antes de mais, (ii) como uma relação recíproca, duplamente ganhadora, uma relação de amizade entre dois povos que têm valores, interesses e afinidades em comum (a história, a língua, a cultura, o imaginário, a economia…). E justamente em áreas que são vitais para o desenvolvimento do capital humano e que fazem mais apelo às soft sciences do que às hard sciences.

Estava, além disso, a defender uma concepção integrada e sustentada da formação e da cooperação no domínio da formação. Por fim, estava implicitamente a lembrar-me a origem etimológica da palavra cooperar, que significa trabalhar juntamente com outros para um mesmo fim, do latim cu(m) + operari.

A cooperação no domínio da educação, da formação e até da investigação em saúde pública é um campo onde se pode (e deve) estabelecer relações igualitárias, senão mesmo fraternas, entre instituições, povos e países. É algo que obriga à hospitalidade e à partilha, tal como uma refeição tomada à mesma mesa entre amigos. É um terreno onde todos aprendem a aprender e aprendem uns com os outros, o que os coloca num mesmo nível. Qualquer atitude de imperialismo, cultural e científico, ou até de simples paternalismo, é hoje inaceitável, de parte a parte, neste como noutros campos da cooperação bilateral.

2. Tratou-se, além disso, de uma conversa informal, num jantar que nos foi oferecido por ocasião da inauguração do 1º Curso de Especialização em Gestão em Saúde (Opção Administração Hospitalar), curso esse que resultou da solicitação, à FML/UAN, parte do Ministério da Saúde de Angola (MINSA), e que contou com o entusiástico apoio de duas instituições portuguesas: o apoio científico e pedagógico da ENSP/UNL e o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG).

A FML/UAN ainda não tinha então a experiência e os recursos suficientes para montar um curso de especialização ou um mestrado nesta área (tem noutros, por exemplo o mestrado em educação médica que está a decorrer em Luanda). Decidiu por isso
recorrer à ENSP/UNL mas não quis um curso de "chaves na mão", participou desde o princípio na concepção, desenvolvimento, aplicação e avaliação do produto.

Usando a metáfora do conhecido provérbio chinês, os nossos amigos e parceiros angolanos não querem apenas o peixe, mas também o anzol e a cana de pesca para poderem passar a pescar. Como está na moda dizer-se, a isto chama-se empowerment.

O supracitado curso teve início em Setembro de 2003 e terminou , na sua parte lectiva, em Dezembro de 2004. Até meados de Março de 2005, os alunos deverão entregar uma monografia final de 40 páginas (cerca de 50 mil caracteres), incidindo sobre um tema concreto, actual e relevante da administração hospitalar em Angola.

Os destinatários deste primeiro curso, em número de 33, são profissionais de saúde (cerca de 80% são médicos) que exercem ou podem vir a exercer funções ou cargos de gestão (director geral e director administrativo) e direcção técnica (director clínico) no subsistema hospitalar angolano, de Cabinda ao Cunene.

O Curso teve a duração de um ano (2003/2004) e 630 horas presenciais, repartidas por três Blocos separados no tempo (Setembro a Novembro de 2003, Maio a Julho de 2004; Setembro a Dezembro de 2004).

Cada módulo, semanal, foi leccionado por 2 formadores ou prelectores portugueses (em geral, docentes da ENSP/UNL ou formadores de outras instituições ligadas ao ensino da gestão em saúde). Estes formadores foram coadjuvados, em cada módulo, por 1 monitor local recrutado pela FML/UAN, com o propósito de (i) contextualizar as diferentes áreas temáticas no quadro político, jurídico, cultural, sócio-económico, demográfico e sanitário de Angola, e ainda de (ii) promover o seu próprio treino e formação como potencial docente angolano de futuras edições deste curso de especialização.

No Curso estiveram incluídos dois Estágios Hospitalares (um no Bloco II e outro no Bloco III) para constatação in loco da realidade de diferentes hospitais de referência de Angola, apresentada e discutida sob a forma de um relatório crítico. Nestes estágios colaboraram ainda tutores locais para efeitos de acompanhamento e orientação dos formandos.

O sucesso deste curso deve-se a muitas dezenas de pessoas competentes e e empenhadas. Gostaria de citar aqui, pela parte portuguesa, o Prof. Dr. António Correia de Campos; e pela parte angolana, o Prof. Dr. Mário Fresta.

Embora não querendo incorrer no risco do elogio em boca própria, não posso deixar de apontar este exemplo como um caso de sucesso que serviu três propósitos: (i) formar gestores de saúde angolanos ou melhorar os seus conhecimentos e competências (técnicas, sociais e humanas); (ii) capacitar uma equipa de docentes angolanos na área da administração de serviços de saúde; e, por fim, (iii) garantir o reforço da capacidade educativa e formativa do MINSA e da FML/UAN e a sustentabilidade deste projecto de cooperação, criando ao mesmo tempo condições para instalação da futura e tão desejada Escola Nacional de Saúde Pública de Angola.

De facto, o desafio agora é “consolidar a capacidade formativa”, sendo desejável para 2005 a realização de um curso de formação pedagógica em Lisboa, que reunisse docentes angolanos e portugueses com vista à preparação do próximo 2º Curso de Especialziação em Gestão em Saúde, a ministrar em Luanda com recursos locais.

Mas a cooperação da ENSP com o MINSA e a FML/UAN não se circunscreve apenas a este curso. A ENSP está também a apoiar o curso pós-graduado em saúde pública e, portanto, a formação dos futuros médicos de saúde pública de Angola em duas áreas disciplinares específicas onde os nossos parceiros angolanos pediram apoio: o ensino da epidemiologia e da administração de saúde. Além disso, tem recebido de braços abertos os profissionais de saúde, oriundos daquele país, que se inscrevem no seus cursos (mestrado de saúde pública e cursos de especialização de administração hospitalar, saúde pública e medicina do trabalho). Mais de metade dos cerca de 30 alunos oriundos de Macau e dos PALOP que frequentaram, nos últimos oito anos, os referidos cursos eram oriundos de Angola.

Todos fazemos votos para que a cooperação com Angola (e os demais países da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) se reforce no próximo ano de 2005, muito em particular no domínio da educação, formação e investigação em saúde pública.

(Editorial, Revista Portuguesa de Saúde Pública, 2/2004)

17 dezembro 2004

Blognecos - V: Grafiteiros, pichadores e satânicos, 1; Siza Vieira, 0

1. O Marco de Canaveses (também) é conhecido por possuir uma das obras mais emblemáticas da nossa arquitectura moderna, a “Igreja do Siza” (sic). É já hoje um ex-libris daquela simpática cidade duriense, e um dos seus pontos de atracção turística…



Há quem não goste. Por exemplo, o senhor Dom Duarte Nuno de Bragança não gosta. Está no seu real (e absoluto) direito de não gostar. Eu gosto, estou no meu direito relativo e republicano de gostar. O padre da freguesia (de Fornos) gosta. E a maior parte dos seus paroquianos também gostam. E muita gente, doutros pontos do país e do estrangeiro, também gostam. Ou, pelo menos, vão lá de propósito para ver o "caixote", o "armazém", o "quartel". Quarenta mil, no espaço de dois anos e meio, desde a sua abertura ao público. Leio no Diário de Notícias, de 11 de Dezembro de 1998. O jornal chama-lhes "os devotos de Siza Vieira". Um terço dos novos peregrinos são estrangeiros. Mesmo incompleto, em obra realizada (falta o centro paroquial, agora em construção), este projecto do Siza veio dar uma projecção internacional à terra que até agora só era conhecida por ser o berço de duas celebridades, a Carmen Miranda e o Eng. Belmiro de Azevedo.



Convenhamos que o risco é polémico, ousado, quiçá provocante. É uma arquitectura depurada, ascética, feita de luz e de silêncio. Tal como os templos gregos ou egípcios. Ou os primitivos conventos. Um templo deve ser feito de luz e de silêncio. Um sítio onde coabita o divino e o humano, o transcendente e o imanente, o sagrado e o profano. Num templo deve caber o finito e o infinito, o homem e o seu Deus.



2. Felizmente que neste país há liberdade estética. Há liberddae para se gostar e para não se gostar do Siza Vieira. Felizmente que neste país não há uma estética oficial. Já ninguém pinta à moda (naturalista) do Carlos Reis nem já se desenham casas ao estilo (ruralista) do Raul Lino. Mas estes padrões continuam a modelar o sentido estético do Portugal sacro-profano. A educação estética deixa muito a desejar. Não há nenhum portuga que não seja meio-arquitecto, meio-engenheiro, meio-pato bravo e meio-trolha da construção civil. Não admira por isso a estupefacção das pessoas, crentes e não crentes, arquitectos, engenheiros, patos bravos, trolhas da construção civil, críticos de arte, eleitos e eleitores, quando são confrontadas com propostas de arquitectura como a Igreja óu a Pala do Siza. Com o tempo, o Siza torna-se consensual. É já consensual. Aqui funciona a teoria da difusão da inovação. Claro qu haverá sempre os tais 16% dos irreudtíveis conservadores, o heróico punhado de gente que nunca gostará do Siza, não por razões estéticas mas por outras razões que são anedóticas ou circunstanciais: o homem fuma, o homem é morcão, o homem é ateu, o gajo é de esquerda...



3. Infelizmente, no Marco de Canaveses, também há (ou passam por…) lá grafiteiros que não mostram qualquer respeito nem pela arte nem pela religião, por Deus e pelo homem. Vejam as fotos do meu álbum sobre o Portugal Sacro-Profano .



Serão grafiteiros ou pichadores ? Se calhar nem uma coisa nem outra. Grafiteiros e pichadores são tribos que até têm, ao que me dizem, a sua ética e deontologia profissionais: sabem, em princípio, distinguir um templo, antigo, medieval, barroco, oitocentista, moderno ou pós-moderno, de um simples armazém ou muro para demolição... Grafiteiro ou pichador que se preze, sabe respeitar o património edificado, pese embora a sua pulsão pela 'personalização' do espaço urbano.



Estes artistas da pesada pertencem a uma nova seita, os "satânicos"... Nunca tinha ouvido falar deles, embora a cruz suástica me não seja estranha. A verdade é a que a gente também não pode estar a par de todas as notícias, boas ou más, incluindo as que nos chegam do Marco de Canaveses.



As fotos foram tiradas em 3 de Setembro de 2004. Espero no Natal, quando lá voltar, já não encontrar os "satânicos", ou pelo menos as feias impressões digitais que eles deixaram na parede interior do pátio da Igreja do Siza. Igreja que já não é só do Siza, nem do padre Nuno Higino, nem da sua freguesia de Fornos, nem da cidade e concelho do Marco de Canaveses,nem do Portugal Sacro-Profano, mas também de todos nós, a comunidade mundial dos crentes e não-crentes. Uma comunidade ecuménica onde se pratica a inclusão mas onde é difícil lidar com o fenómeno "satânico"...

Blognecos - V: Grafiteiros, pichadores e satânicos, 1; Siza Vieira, 0

1. O Marco de Canaveses (também) é conhecido por possuir uma das obras mais emblemáticas da nossa arquitectura moderna, a “Igreja do Siza” (sic). É já hoje um ex-libris daquela simpática cidade duriense, e um dos seus pontos de atracção turística…

Há quem não goste. Por exemplo, o senhor Dom Duarte Nuno de Bragança não gosta. Está no seu real (e absoluto) direito de não gostar. Eu gosto, estou no meu direito relativo e republicano de gostar. O padre da freguesia (de Fornos) gosta. E a maior parte dos seus paroquianos também gostam. E muita gente, doutros pontos do país e do estrangeiro, também gostam. Ou, pelo menos, vão lá de propósito para ver o "caixote", o "armazém", o "quartel". Quarenta mil, no espaço de dois anos e meio, desde a sua abertura ao público. Leio no Diário de Notícias, de 11 de Dezembro de 1998. O jornal chama-lhes "os devotos de Siza Vieira". Um terço dos novos peregrinos são estrangeiros. Mesmo incompleto, em obra realizada (falta o centro paroquial, agora em construção), este projecto do Siza veio dar uma projecção internacional à terra que até agora só era conhecida por ser o berço de duas celebridades, a Carmen Miranda e o Eng. Belmiro de Azevedo.

Convenhamos que o risco é polémico, ousado, quiçá provocante. É uma arquitectura depurada, ascética, feita de luz e de silêncio. Tal como os templos gregos ou egípcios. Ou os primitivos conventos. Um templo deve ser feito de luz e de silêncio. Um sítio onde coabita o divino e o humano, o transcendente e o imanente, o sagrado e o profano. Num templo deve caber o finito e o infinito, o homem e o seu Deus.

2. Felizmente que neste país há liberdade estética. Há liberddae para se gostar e para não se gostar do Siza Vieira. Felizmente que neste país não há uma estética oficial. Já ninguém pinta à moda (naturalista) do Carlos Reis nem já se desenham casas ao estilo (ruralista) do Raul Lino. Mas estes padrões continuam a modelar o sentido estético do Portugal sacro-profano. A educação estética deixa muito a desejar. Não há nenhum portuga que não seja meio-arquitecto, meio-engenheiro, meio-pato bravo e meio-trolha da construção civil. Não admira por isso a estupefacção das pessoas, crentes e não crentes, arquitectos, engenheiros, patos bravos, trolhas da construção civil, críticos de arte, eleitos e eleitores, quando são confrontadas com propostas de arquitectura como a Igreja óu a Pala do Siza. Com o tempo, o Siza torna-se consensual. É já consensual. Aqui funciona a teoria da difusão da inovação. Claro qu haverá sempre os tais 16% dos irreudtíveis conservadores, o heróico punhado de gente que nunca gostará do Siza, não por razões estéticas mas por outras razões que são anedóticas ou circunstanciais: o homem fuma, o homem é morcão, o homem é ateu, o gajo é de esquerda...

3. Infelizmente, no Marco de Canaveses, também há (ou passam por…) lá grafiteiros que não mostram qualquer respeito nem pela arte nem pela religião, por Deus e pelo homem. Vejam as fotos do meu álbum sobre o Portugal Sacro-Profano .

Serão grafiteiros ou pichadores ? Se calhar nem uma coisa nem outra. Grafiteiros e pichadores são tribos que até têm, ao que me dizem, a sua ética e deontologia profissionais: sabem, em princípio, distinguir um templo, antigo, medieval, barroco, oitocentista, moderno ou pós-moderno, de um simples armazém ou muro para demolição... Grafiteiro ou pichador que se preze, sabe respeitar o património edificado, pese embora a sua pulsão pela 'personalização' do espaço urbano.

Estes artistas da pesada pertencem a uma nova seita, os "satânicos"... Nunca tinha ouvido falar deles, embora a cruz suástica me não seja estranha. A verdade é a que a gente também não pode estar a par de todas as notícias, boas ou más, incluindo as que nos chegam do Marco de Canaveses.

As fotos foram tiradas em 3 de Setembro de 2004. Espero no Natal, quando lá voltar, já não encontrar os "satânicos", ou pelo menos as feias impressões digitais que eles deixaram na parede interior do pátio da Igreja do Siza. Igreja que já não é só do Siza, nem do padre Nuno Higino, nem da sua freguesia de Fornos, nem da cidade e concelho do Marco de Canaveses,nem do Portugal Sacro-Profano, mas também de todos nós, a comunidade mundial dos crentes e não-crentes. Uma comunidade ecuménica onde se pratica a inclusão mas onde é difícil lidar com o fenómeno "satânico"...

14 dezembro 2004

Humor com humor se paga - XXVIII: Anedotário da saúde

1. O Ministro da Saúde nunca tinha visitado um "manicómio", como ele dizia, entretido como estava com o deve-e-o-haver dos Hospitais SA. Por sugestão de um assessor, e em triste fim de mandato, lá teve a maçada de se deslocar a um dos hospitais psiquiátricos da capital. Alguém organizou uma cerimónia de boas vindas.

- Viva o senhor minstro que nos trata da saúde! Viva o senhor ministro...!, gritava em coro a comissão de boas vindas.

Um dos elementos permanecia mudo e calado. O assessor do ministro, intrigado, perguntou-lhe:

- Porque é que você aí não grita "Viva o senhor ministro" ?

- Porque eu sou médico, não sou doido!





2 O psiquiatra para o seu doente:

- Bom, vamos lá contar essa história, direitinha, desde o princípio...

- Pois bem, xô doutor!... Como eu estava dizendo, no princípio era o Verbo. Então, Eu criei o céu e a terra...





3. No consultório, o médico tenta, em vão, tranquilizar um seu doente, abalado pela notícia do diagnóstico de uma doença grave:

- Não se preocupe, meu caro! Há uns anos atrás tive essa doença e fiquei completamente curado!

- Isso eu sei, senhor doutor!... Mas o seu médico era... outro!





4. Conversa entre dois doentes num consultório de psiquiatria:

- Sabes qual é a diferença e a semelhança entre um clínico geral, um especialista de cirurgia geral e um psiquiatra ?

- Mas não são todos médicos ?

- Não é isso... O clínico geral sabe de tudo, mas não te faz nada; o cirurgião geral não sabe de nada, mas é capaz de fazer tudo; por fim, o psiquiatra não sabe de nada e não te faz nada. A única semelhante entre os três é que todos te levam dinheiro pela consulta.



5 Numa aula sobre epidemiologica clínica:

- Sabem o que é um estudo duplamente cego?, pergunta o professor.

- É um ortopedista e um dermatologista a discutir um electrocardiograma, responde um dos alunos.



6. Um velhote é atentido por um enfermeiro no serviço de triagem do Banco de Urgência do Hospital de Santa Maria:

- Então o que é que o trouxe cá ?

- Foi a ambulância dos bombeiros...



7. Conversa entre dois estudantes de medicina em estágio hospitalar:

- Como é que tu sabes que aquele gajo ali é urologista ?

- É porque lava sempre as mãos antes de mijar...



8. E ainda a propósito de diferenças:

- O que é distingue Deus e um ortopedista ?

- É que Deus nunca se julga ortopedista...



9. Diálogo entre o médico e o seu doente:

- Tenho duas notícias para lhe dar: uma boa e uma má!

- Por favor, doutor, comece pela má!, pediu o doente.

- Recebi os resultados das suas análises... É triste mas vou ter que lhe dizer que o meu amigo só tem vinte e quatro horas de vida!

- Só vinte e quatro horas?! Ó meu Deus!... E qual é, ao menos, a notícia boa ?

- É que ando desde ontem a tentar contactá-lo para lhe dar a notícia má!



10. Pergunta o utente ao dentista:

- Senhor doutor, tenho os dentes amarelos... O que é que me aconselha ?

- Olhe, use uma gravata castanha.



11.Comenta o paciente para o seu estomatogista:

- Cem euros, só por me arrancar um dente num minuto ?! Mas você ganha seis mil euros por hora! É um roubo!

- Se quiser, para a próxima posso arrancar o seu dente mais devagar, responde-lhe o dentista.



12.Pergunta o doente ao seu médico, conhecido por ser um grande jogador da Bolsa de Valores de Lisboa:

- Senhor doutor, o que é que eu devo fazer se logo à tarde a febre subir aos 38 ?

- Ó homem, não hesite, dê logo uma ordem de venda!



13. O médico para o seu mecânico de automóveis, olhando para a conta da revisão do carro:

- É, pá, você desculpe, mas leva muito mais dinheiro do que eu, só de mão-de-obra, à hora...

- Pois é, doutor, mas não compare: o senhor trabalha com um modelo que nunca muda, é sempre o mesmo desde os tempos do Adão e a Eva; ao passo que nós temos todos os meses um modelo novo e precisamos de estar sempre actualizados...





14. Sabes aquela do tipo que foi ao médico, depois de uns problemas de coração ? Comentava ele, outro dia, com um amigo dos copos e das noitadas:

- Fui ao médico, pregou-me um susto, e desta vez tirou-me tudo...

- Tudo o quê, homem ?

- O que havia de ser ? A bebida, a comida, o sexo e ... o tabaco!

- E agora, o que é que te resta da puta da vida ?

- A saúde, meu!...

Humor com humor se paga - XXVIII: Anedotário da saúde

1. O Ministro da Saúde nunca tinha visitado um "manicómio", como ele dizia, entretido como estava com o deve-e-o-haver dos Hospitais SA. Por sugestão de um assessor, e em triste fim de mandato, lá teve a maçada de se deslocar a um dos hospitais psiquiátricos da capital. Alguém organizou uma cerimónia de boas vindas.
- Viva o senhor minstro que nos trata da saúde! Viva o senhor ministro...!, gritava em coro a comissão de boas vindas.
Um dos elementos permanecia mudo e calado. O assessor do ministro, intrigado, perguntou-lhe:
- Porque é que você aí não grita "Viva o senhor ministro" ?
- Porque eu sou médico, não sou doido!


2 O psiquiatra para o seu doente:
- Bom, vamos lá contar essa história, direitinha, desde o princípio...
- Pois bem, xô doutor!... Como eu estava dizendo, no princípio era o Verbo. Então, Eu criei o céu e a terra...


3. No consultório, o médico tenta, em vão, tranquilizar um seu doente, abalado pela notícia do diagnóstico de uma doença grave:
- Não se preocupe, meu caro! Há uns anos atrás tive essa doença e fiquei completamente curado!
- Isso eu sei, senhor doutor!... Mas o seu médico era... outro!


4. Conversa entre dois doentes num consultório de psiquiatria:
- Sabes qual é a diferença e a semelhança entre um clínico geral, um especialista de cirurgia geral e um psiquiatra ?
- Mas não são todos médicos ?
- Não é isso... O clínico geral sabe de tudo, mas não te faz nada; o cirurgião geral não sabe de nada, mas é capaz de fazer tudo; por fim, o psiquiatra não sabe de nada e não te faz nada. A única semelhante entre os três é que todos te levam dinheiro pela consulta.

5 Numa aula sobre epidemiologica clínica:
- Sabem o que é um estudo duplamente cego?, pergunta o professor.
- É um ortopedista e um dermatologista a discutir um electrocardiograma, responde um dos alunos.

6. Um velhote é atentido por um enfermeiro no serviço de triagem do Banco de Urgência do Hospital de Santa Maria:
- Então o que é que o trouxe cá ?
- Foi a ambulância dos bombeiros...

7. Conversa entre dois estudantes de medicina em estágio hospitalar:
- Como é que tu sabes que aquele gajo ali é urologista ?
- É porque lava sempre as mãos antes de mijar...

8. E ainda a propósito de diferenças:
- O que é distingue Deus e um ortopedista ?
- É que Deus nunca se julga ortopedista...

9. Diálogo entre o médico e o seu doente:
- Tenho duas notícias para lhe dar: uma boa e uma má!
- Por favor, doutor, comece pela má!, pediu o doente.
- Recebi os resultados das suas análises... É triste mas vou ter que lhe dizer que o meu amigo só tem vinte e quatro horas de vida!
- Só vinte e quatro horas?! Ó meu Deus!... E qual é, ao menos, a notícia boa ?
- É que ando desde ontem a tentar contactá-lo para lhe dar a notícia má!

10. Pergunta o utente ao dentista:
- Senhor doutor, tenho os dentes amarelos... O que é que me aconselha ?
- Olhe, use uma gravata castanha.

11.Comenta o paciente para o seu estomatogista:
- Cem euros, só por me arrancar um dente num minuto ?! Mas você ganha seis mil euros por hora! É um roubo!
- Se quiser, para a próxima posso arrancar o seu dente mais devagar, responde-lhe o dentista.

12.Pergunta o doente ao seu médico, conhecido por ser um grande jogador da Bolsa de Valores de Lisboa:
- Senhor doutor, o que é que eu devo fazer se logo à tarde a febre subir aos 38 ?
- Ó homem, não hesite, dê logo uma ordem de venda!

13. O médico para o seu mecânico de automóveis, olhando para a conta da revisão do carro:
- É, pá, você desculpe, mas leva muito mais dinheiro do que eu, só de mão-de-obra, à hora...
- Pois é, doutor, mas não compare: o senhor trabalha com um modelo que nunca muda, é sempre o mesmo desde os tempos do Adão e a Eva; ao passo que nós temos todos os meses um modelo novo e precisamos de estar sempre actualizados...


14. Sabes aquela do tipo que foi ao médico, depois de uns problemas de coração ? Comentava ele, outro dia, com um amigo dos copos e das noitadas:
- Fui ao médico, pregou-me um susto, e desta vez tirou-me tudo...
- Tudo o quê, homem ?
- O que havia de ser ? A bebida, a comida, o sexo e ... o tabaco!
- E agora, o que é que te resta da puta da vida ?
- A saúde, meu!...

11 dezembro 2004

Socio(b)logia - XII: A humanização da condição animal

1. Há fotos que recebemos na nossa caixa de correio que são tristes, lamentáveis e até reprováveis. Eis uma lista, a título exemplificativo:

(i) o tigre a brincar num jardim zoológico tailandês com os três porquinhos da história do lobo;

(ii) os três ursinhos pardos, perdidos da mãe, a espreitar para dentro de um jeep todo o terreno numa estrada de um parque nacional nos States, sobb o olhar embevecido de uma turista de fim-de-semana;

(iii) uma mãe orangotango olhando com ‘ar ternurento’ o seu bebé orangotango, num centro de reabilitação de orangotangos;

(iv) o pobre do cão que se refugia na parte de baixo do frigorífico para fugir da canícula do verão ou da estupidez do dono;

(v) um macaco (japonês ? Macaca fuscata ?) a abraçar um felino…



Fotos tristes, eticamente reprováveis e que poderiam ter como legenda, se os animais falassem como no tempo de La Fontaine: “Eis que o Ele fez de nós!”… Ele é o ‘Homo Sapiens’, o ‘Primus Inter Pares’, o primeiro entre iguais, segundo a velha classificação de Lineu (1707-1778)...



Tenho, às vezes, a secreta dúvida, ou suspeita, de que a humanização do planeta azul foi (ou tem sido) igual a colonização e domesticação (logo, dominação) dos outros seres vivos… O primata social e territorial que há em nós é incapaz de amar sem possuir, colonizar, e hélas!, destruir…



2. Fico horrorizado só de pensar que os nossos ’irmãos’ primatas, os grandes símios, do gorila de montanha, na África equatorial, ao orangotango da floresta do Bornéu, na Indonésia, vão desaparecer dentro dos próximos anos e que só vamos passar a poder vê-los em cativeiro, em prisões mais ou menos douradas, em zoos pós-modernos, nas reservas para turistas ricos, nos laboratórios de genética animal, nos canais de televisão por cabo, nas imagens que guardarmos nos nossos computadores, nos manuais de biologia, zoologia e etologia, nos livros das nossas bibliotecas de Alexandria… Como estas imagens que de vez em quando recebo e que também mando aos meus amigos e conhecidos, e que não deveria mandar porque são tristes, lamentáveis e sobretudo reprováveis.



Será que Ele e eles ainda têm alguma chance de escapar da extinção? Sejamos moderadamente optimistas… De qualquer modo, dizer que o homem é o lobo do homem (homo lupus homimi) é um insulto ao pobre do lobo, em extinção em Portugal e no resto da Europa. Como se não bastasse já esta estória execrável, antropocêntrica, de violação e de terror que é a do O Lobo e o Capuchinho Vermelho, que nos era contada até à saciedade quando éramos meninos do coro e da catequese, usávamos bibe e jogávamos ao pião.

Socio(b)logia - XII: A humanização da condição animal

1. Há fotos que recebemos na nossa caixa de correio que são tristes, lamentáveis e até reprováveis. Eis uma lista, a título exemplificativo:
(i) o tigre a brincar num jardim zoológico tailandês com os três porquinhos da história do lobo;
(ii) os três ursinhos pardos, perdidos da mãe, a espreitar para dentro de um jeep todo o terreno numa estrada de um parque nacional nos States, sobb o olhar embevecido de uma turista de fim-de-semana;
(iii) uma mãe orangotango olhando com ‘ar ternurento’ o seu bebé orangotango, num centro de reabilitação de orangotangos;
(iv) o pobre do cão que se refugia na parte de baixo do frigorífico para fugir da canícula do verão ou da estupidez do dono;
(v) um macaco (japonês ? Macaca fuscata ?) a abraçar um felino…

Fotos tristes, eticamente reprováveis e que poderiam ter como legenda, se os animais falassem como no tempo de La Fontaine: “Eis que o Ele fez de nós!”… Ele é o ‘Homo Sapiens’, o ‘Primus Inter Pares’, o primeiro entre iguais, segundo a velha classificação de Lineu (1707-1778)...

Tenho, às vezes, a secreta dúvida, ou suspeita, de que a humanização do planeta azul foi (ou tem sido) igual a colonização e domesticação (logo, dominação) dos outros seres vivos… O primata social e territorial que há em nós é incapaz de amar sem possuir, colonizar, e hélas!, destruir…

2. Fico horrorizado só de pensar que os nossos ’irmãos’ primatas, os grandes símios, do gorila de montanha, na África equatorial, ao orangotango da floresta do Bornéu, na Indonésia, vão desaparecer dentro dos próximos anos e que só vamos passar a poder vê-los em cativeiro, em prisões mais ou menos douradas, em zoos pós-modernos, nas reservas para turistas ricos, nos laboratórios de genética animal, nos canais de televisão por cabo, nas imagens que guardarmos nos nossos computadores, nos manuais de biologia, zoologia e etologia, nos livros das nossas bibliotecas de Alexandria… Como estas imagens que de vez em quando recebo e que também mando aos meus amigos e conhecidos, e que não deveria mandar porque são tristes, lamentáveis e sobretudo reprováveis.

Será que Ele e eles ainda têm alguma chance de escapar da extinção? Sejamos moderadamente optimistas… De qualquer modo, dizer que o homem é o lobo do homem (homo lupus homimi) é um insulto ao pobre do lobo, em extinção em Portugal e no resto da Europa. Como se não bastasse já esta estória execrável, antropocêntrica, de violação e de terror que é a do O Lobo e o Capuchinho Vermelho, que nos era contada até à saciedade quando éramos meninos do coro e da catequese, usávamos bibe e jogávamos ao pião.

07 dezembro 2004

Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical

1. Excertos da história da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71



Bamdabinca, Dezembro de 1969:



(...) a 24, 2 Gr Comb [grupos de combate] da CCAÇ 12, em cooperação com a autoridade administrativa de Bambadinca [onde estava aquartelada a companhia], levam a efeito uma rusga (com cerco) à tabanca de Mero [aldeia balanta, junto ao Rio Geba]. Apesar de alguns indícios suspeitos, não foram detectados elementos IN [inimigo]. Para efeitos de controlo populacional, completou-se e actualizou-se o recenseamento dos habitantes de Mero (Op Acção Guilotina)[nome de código da operação]. Nas duas semanas anteriores, o IN tinha desencadeado várias acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque, a última das quais levada a efeito por um grupo enquadrado por brancos que retirou para a região de Bucol, cambando o RGeba [atravesando o Rio Geba de canoa, para norte].



Por outro lado, prevendo-se a possibilidade o IN atacar os aquartelamentos das NT [nossas tropas] durante a quadra festiva do Natal e Ano Novo, foi reforçado o dispositivo de defesa de Bambadinca. Assim, além da emboscada diária até às 1 a 3 horas da noite, a nível de secção reforçada num raio de 3 a 5 km (segurança próxima), passou a ser destacado 1 Gr Comb para Bambadincazinha (em fase de reordenamento), todas as noites até às 6h da manhã, constituindo uma força de intervenção com a missão de fazer malograr o eventual ataque ao aquartelamento e/ou às tabancas da periferia, actuando pela manobra e pelo fogo sobre as prováveis linhas de infiltração e locais de instalação das bases de fogo do IN, ou no mínimo detê-lo e repeli-lo pelo fogo.



A 26 [de Dezembro de 1969], forças da CART 2520 [companhia de artilharia], reforçadas por um 1 Gr Comb da CCAÇ 12 realizam um patrulhamento ofensivo na região do Xime, Madina Colhido, Chacali, Colicumbel e Amedalai, sem detectacterm vestígios do IN (Op Faca Húmida).



A 30, Sua Excia. o Comandante Chefe [General António de Spínola]visita Bambadinca para apresentar cumprimentos de Ano Novo a todos os oficiais, sargentos e praças do CMD e CCS/BCAÇ 2852 [comando e companhia de comando e serviços do Batalhão de Artilharia 2852], e sub-unidades adidas [a CCAÇ 12 incluída].





2. Excertos do diário de um tuga:



Bambadinca, 24/25 de Dezembro de 1969:



Natal nos trópicos! Não consigo imaginá-lo sem aquela ambiência mágica que me vem do fundo da memória. É que do cristianismo terei apenas captado o sentido encantatório do Natal e a sua antítese, que é o universo maniqueísta da Paixão. Mas decididamente não vou fazer flash-back. Cortei o corão umbilical a frio e da infância resta-me apenas a sensação do salto mortal.



Há, porém, certas imagens poéticas, recalcadas no subconsciente ou guardadas no baú da memória, que hoje vêm ao de cima. Por um qualquer automatismo. Ou talvez por ser Natal algures, far from the Vietnam, longe da Guiné, e eu passar esta noite emboscado. O que não tem nada de insólito: é uma actividade de rotina. Mas é terrivelmnete cruel a solidão deste tempo em que os homens se esperam uns aos outros nas encruzilhadas da morte, os dentes cerrados e as armas aperradas, em contraste com o bando alegre de crianças cabo-verdianas que, não longe daqui, da Missão do Sono (uma estrutura sanitária, agora militarizada, transformada em local de emboscada!), entoam alegres cânticos do Natal crioulo ao som do batuque pagão.



No aquartelamanto, de que vejo as luzes ao fundo, ninguém se desejou boas festas porque também ninguém tem sentido de humor. Nem por isso deixou de celebrar-se a Consoada da nossa terra: um pretexto para se comer (o tradicional prato de bacalhau com batatas e grelhos.. desidratados) e sobretudo para se beber (muito).



Hoji, festa di brancu, noite di Natal, manga di sabe!, lembra-me um dos meus soldados africanos, enquanto ao longe a artilharia do Xime e de Massambo faz fogo de reconhecimento. E eu fiquei a pensar neste tempo de silêncio, de cobardia e de cumplicidade. Mas também de raiva. Como o Manuel Alegre, eu gostaria de poder dizer neste dia, todos os dias: "Mesmo na noite mais triste / Em tempo de servidão / Há sempre alguém que resiste / Há sempre alguém que diz não".

Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical

1. Excertos da história da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71

Bamdabinca, Dezembro de 1969:

(...) a 24, 2 Gr Comb [grupos de combate] da CCAÇ 12, em cooperação com a autoridade administrativa de Bambadinca [onde estava aquartelada a companhia], levam a efeito uma rusga (com cerco) à tabanca de Mero [aldeia balanta, junto ao Rio Geba]. Apesar de alguns indícios suspeitos, não foram detectados elementos IN [inimigo]. Para efeitos de controlo populacional, completou-se e actualizou-se o recenseamento dos habitantes de Mero (Op Acção Guilotina)[nome de código da operação]. Nas duas semanas anteriores, o IN tinha desencadeado várias acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque, a última das quais levada a efeito por um grupo enquadrado por brancos que retirou para a região de Bucol, cambando o RGeba [atravesando o Rio Geba de canoa, para norte].

Por outro lado, prevendo-se a possibilidade o IN atacar os aquartelamentos das NT [nossas tropas] durante a quadra festiva do Natal e Ano Novo, foi reforçado o dispositivo de defesa de Bambadinca. Assim, além da emboscada diária até às 1 a 3 horas da noite, a nível de secção reforçada num raio de 3 a 5 km (segurança próxima), passou a ser destacado 1 Gr Comb para Bambadincazinha (em fase de reordenamento), todas as noites até às 6h da manhã, constituindo uma força de intervenção com a missão de fazer malograr o eventual ataque ao aquartelamento e/ou às tabancas da periferia, actuando pela manobra e pelo fogo sobre as prováveis linhas de infiltração e locais de instalação das bases de fogo do IN, ou no mínimo detê-lo e repeli-lo pelo fogo.

A 26 [de Dezembro de 1969], forças da CART 2520 [companhia de artilharia], reforçadas por um 1 Gr Comb da CCAÇ 12 realizam um patrulhamento ofensivo na região do Xime, Madina Colhido, Chacali, Colicumbel e Amedalai, sem detectacterm vestígios do IN (Op Faca Húmida).

A 30, Sua Excia. o Comandante Chefe [General António de Spínola]visita Bambadinca para apresentar cumprimentos de Ano Novo a todos os oficiais, sargentos e praças do CMD e CCS/BCAÇ 2852 [comando e companhia de comando e serviços do Batalhão de Artilharia 2852], e sub-unidades adidas [a CCAÇ 12 incluída].


2. Excertos do diário de um tuga:

Bambadinca, 24/25 de Dezembro de 1969:

Natal nos trópicos! Não consigo imaginá-lo sem aquela ambiência mágica que me vem do fundo da memória. É que do cristianismo terei apenas captado o sentido encantatório do Natal e a sua antítese, que é o universo maniqueísta da Paixão. Mas decididamente não vou fazer flash-back. Cortei o corão umbilical a frio e da infância resta-me apenas a sensação do salto mortal.

Há, porém, certas imagens poéticas, recalcadas no subconsciente ou guardadas no baú da memória, que hoje vêm ao de cima. Por um qualquer automatismo. Ou talvez por ser Natal algures, far from the Vietnam, longe da Guiné, e eu passar esta noite emboscado. O que não tem nada de insólito: é uma actividade de rotina. Mas é terrivelmnete cruel a solidão deste tempo em que os homens se esperam uns aos outros nas encruzilhadas da morte, os dentes cerrados e as armas aperradas, em contraste com o bando alegre de crianças cabo-verdianas que, não longe daqui, da Missão do Sono (uma estrutura sanitária, agora militarizada, transformada em local de emboscada!), entoam alegres cânticos do Natal crioulo ao som do batuque pagão.

No aquartelamanto, de que vejo as luzes ao fundo, ninguém se desejou boas festas porque também ninguém tem sentido de humor. Nem por isso deixou de celebrar-se a Consoada da nossa terra: um pretexto para se comer (o tradicional prato de bacalhau com batatas e grelhos.. desidratados) e sobretudo para se beber (muito).

Hoji, festa di brancu, noite di Natal, manga di sabe!, lembra-me um dos meus soldados africanos, enquanto ao longe a artilharia do Xime e de Massambo faz fogo de reconhecimento. E eu fiquei a pensar neste tempo de silêncio, de cobardia e de cumplicidade. Mas também de raiva. Como o Manuel Alegre, eu gostaria de poder dizer neste dia, todos os dias: "Mesmo na noite mais triste / Em tempo de servidão / Há sempre alguém que resiste / Há sempre alguém que diz não".

05 dezembro 2004

(Ex)citações de cada dia - XV: A sociopatologia portuguesa

Vasco Pulido Valente (abreviadamente, VPV) está mais inspirado, irreverente e contundente do que nunca, depois de se ter mudado, de caneta e papel, para o Público. Eu, no Diário de Notícias , nunca o lia, mas agora passei a ser fã do seu estilo, da sua verve e do seu humor corrosivo. VPV tem demonstrado quão importante é, para um analista político lido e temido como ele, ter uma sólida cultura histórica e sociológica, cultura essa que é, infelizmente, tão rara na concorrência. Leiam-se estes excertos da sua coluna de hoje, 5 de Dezembro de 2004, na última página do nosso melhor diário:



"Maus Políticos, Dias Lindos", por Vasco Pulido valente (Adaptação de L.G.)



"Desde 1820 que Portugal, como Cavaco, tenta perceber, angustiado, por que razão ou maldição temos tão maus políticos. Com o tempo, foram aparecendo várias teses. Nesta melancólica época de Santana e sarilhos, convém talvez recapitular:



"1ª Tese: A política, por não exigir qualquer espécie de qualificação substancial, e por ser uma forma de vadiagem reconhecida e glorificada, atrai os piores;



"2ª Tese: Os partidos políticos, que se regem pelo princípio da fidelidade e não da qualidade, repelem os melhores;



"3ª Tese: Um povo analfabeto, ignorante e primitivo, se o deixam votar, escolhe fatalmente a canalha;



"4ª Tese: Os políticos são maus, porque a élite é geralmente má" (...);



"5ª Tese: A elite é geralmente má, porque um ensino obsoleto e rígido não promove a independência e a crítica;



"6ª Tese: A pobreza do país cria uma cultura de servilismo, mentira e manha, que os políticos fielmente reflectem;



"7ª Tese: "A Igreja Católica Apostólica Romana educa os portugueses para a obediência e a hipocrisia. Os políticos, mesmo ateus, não se distinguem da manada"...



Em resumo, diz o colunista, "teses não faltam para explicar a existência, e a persistência, de maus políticos", teses para todos ou quase todos os quadrantes político-ideológicos, nacionais ou estrangeirados, acrescento eu. Mas também nunca faltaram soluções, historicamente falando, acrescenta e exemplifica o VPV:



"1ª Solução: Acabar com a política;



"2ª Solução: Substituir os partidos por corporações;



"3ª Solução: Não permitir que o povo, ou a maior parte dele, votasse;



"4ª Solução: Aturar resignadamente a mediocridade do país, morrer ou emigrar;



"5ª Solução: Reformar o ensino (coisa que também decorre da Tese 3);



"6ª Solução: Fazer a revolução (liberal, republicana ou socialista) para tornar a nossa querida Pátria rica, orgulhosa e honesta ou, na absoluta impossibilidade disso, mudar a mentalidade da elite por métodos suasórios" [leia-se: persuasivos];



"7ª Solução: Perseguir a Igreja Católica Apostólica Romana e principalmente exterminar os padres"...



Desgraçadamente ou não, "a aplicação repetida, simultânea e sucessiva destas soluções nunca produziu o efeito esperado: os maus políticos, como se sabe, continuam connosco".



Mesmo assim, conclui bem-humorado e irónico o queirosiano VPV, "até com maus políticos, temos dias lindos"... Ou por outras palavras: será que alguma vez a nossa sociopatologia vai ter cura? A pergunta é minha e não do VPV. E quando tiver resposta é por que definitivamente deixámos de ser portugas (e de ter dias lindos, como foi o de hoje).

(Ex)citações de cada dia - XV: A sociopatologia portuguesa

Vasco Pulido Valente (abreviadamente, VPV) está mais inspirado, irreverente e contundente do que nunca, depois de se ter mudado, de caneta e papel, para o Público. Eu, no Diário de Notícias , nunca o lia, mas agora passei a ser fã do seu estilo, da sua verve e do seu humor corrosivo. VPV tem demonstrado quão importante é, para um analista político lido e temido como ele, ter uma sólida cultura histórica e sociológica, cultura essa que é, infelizmente, tão rara na concorrência. Leiam-se estes excertos da sua coluna de hoje, 5 de Dezembro de 2004, na última página do nosso melhor diário:

"Maus Políticos, Dias Lindos", por Vasco Pulido valente (Adaptação de L.G.)

"Desde 1820 que Portugal, como Cavaco, tenta perceber, angustiado, por que razão ou maldição temos tão maus políticos. Com o tempo, foram aparecendo várias teses. Nesta melancólica época de Santana e sarilhos, convém talvez recapitular:

"1ª Tese: A política, por não exigir qualquer espécie de qualificação substancial, e por ser uma forma de vadiagem reconhecida e glorificada, atrai os piores;

"2ª Tese: Os partidos políticos, que se regem pelo princípio da fidelidade e não da qualidade, repelem os melhores;

"3ª Tese: Um povo analfabeto, ignorante e primitivo, se o deixam votar, escolhe fatalmente a canalha;

"4ª Tese: Os políticos são maus, porque a élite é geralmente má" (...);

"5ª Tese: A elite é geralmente má, porque um ensino obsoleto e rígido não promove a independência e a crítica;

"6ª Tese: A pobreza do país cria uma cultura de servilismo, mentira e manha, que os políticos fielmente reflectem;

"7ª Tese: "A Igreja Católica Apostólica Romana educa os portugueses para a obediência e a hipocrisia. Os políticos, mesmo ateus, não se distinguem da manada"...

Em resumo, diz o colunista, "teses não faltam para explicar a existência, e a persistência, de maus políticos", teses para todos ou quase todos os quadrantes político-ideológicos, nacionais ou estrangeirados, acrescento eu. Mas também nunca faltaram soluções, historicamente falando, acrescenta e exemplifica o VPV:

"1ª Solução: Acabar com a política;

"2ª Solução: Substituir os partidos por corporações;

"3ª Solução: Não permitir que o povo, ou a maior parte dele, votasse;

"4ª Solução: Aturar resignadamente a mediocridade do país, morrer ou emigrar;

"5ª Solução: Reformar o ensino (coisa que também decorre da Tese 3);

"6ª Solução: Fazer a revolução (liberal, republicana ou socialista) para tornar a nossa querida Pátria rica, orgulhosa e honesta ou, na absoluta impossibilidade disso, mudar a mentalidade da elite por métodos suasórios" [leia-se: persuasivos];

"7ª Solução: Perseguir a Igreja Católica Apostólica Romana e principalmente exterminar os padres"...

Desgraçadamente ou não, "a aplicação repetida, simultânea e sucessiva destas soluções nunca produziu o efeito esperado: os maus políticos, como se sabe, continuam connosco".

Mesmo assim, conclui bem-humorado e irónico o queirosiano VPV, "até com maus políticos, temos dias lindos"... Ou por outras palavras: será que alguma vez a nossa sociopatologia vai ter cura? A pergunta é minha e não do VPV. E quando tiver resposta é por que definitivamente deixámos de ser portugas (e de ter dias lindos, como foi o de hoje).

02 dezembro 2004

Portugas que merecem as nossas palmas - XIII: Lídia Jorge e Margarida Cardoso

1. A razão é "A Costa dos Murmúrios", o romance de Lídia Jorge(Lisboa, D. Quixote, 1988) e o filme, de Margarida Cardoso (Distribuição: Atalanta Filmes, 2004). Um olhar duplamente feminino sobre a guerra colonial em África e o silêncio, incómodo, cúmplice, que se fez à volta dela.



2. Do filme direi que é comovente e perturbador. Sinopse: No final da década de 1960, Evita (Beatriz Batarda) desembarca na Beira, em Moçambique, para se casar com Luís (Filipe Duarte), um génio da matemática enquanto estudante que está agora a cumprir o serviço militar, como alferes miliciano numa companhia de paraquedistas. Evita dá conta, logo nos primeiros dias, que o seu noivo Luís já não é o mesmo homem que ela conhecera e amara em Lisboa. Marcado pela guerra, Luís vive obcecado pela imagem de herói, conquistada nas bolanhas da Guiné onde foi gravemente ferido, o capitão da sua companhia, o duro Forza Leal (Adriano Luz).



Depois do descanso do guerreiro, Luís e Forza Leal partem para para uma grande operação militar no norte que irá acabar ccom o 'terrorismo' e levar à independência dos brancos (não se faz referência explícita, mas trata-se da Operação Nó Górdio, sob o comando do general Kaulza de Arriaga, realizada entre 1 de Julho e 6 de Agosto de 1970)).



Evita fica sozinha mas não desiste de tentar perceber o que se havia passado com Luís e o que terá feito mudar os seus valores e comportamentos. Vai, por isso, procurar a companhia de Helena, mais conhecida por Helena de Tróia (Mónica Calle), a bela e perturbante mulher de Forza Leal.É ela quem vai revelar a Evita o que a guerra faz aos homens que a fazem. Humilhada pelo marido, Helena cumpre uma promessa, enclauradas em casa, contando os mortos e alimentando a secreta esperança de que entre eles venha o seu marido num caixão de chumbo...



3. Filmado em Moçambique, com uma belíssima fotografia, um magnífico som e uma sóbria direcção de actores, esta primeira obra de ficção de Margarida Cardoso, baseada no romance homónimo de Lídia Jorge, merece o meu entusiástico aplauso. Espero que o público (português) faça o mesmo...



Estamos longe de ter ultrapassado o tabu da guerra colonial, e de ter exorcizado os nossos fantasmas... Este olhar sobre a guerra e sobretudo sobre a violência psicológica da guerra é muito pessoal, muito feminino , muito subtil, e tem a marca de duas mulheres que, não tendo feito a guerra, estiveram em Moçambique e mais concretamente na Beira na época em que se desenrola a acção: Lídia Jorge, como professora na Beira, e Margarida Cardoso, como criança, filha de militar, tendo lá vivido entre os 2 e os 12 anos.



4. Gostei particularmente deste excerto de uma entrevista da realizadora, transcrita num dossiê para a a imprensa, organizado pela distribuidora Atalanta Filmes:



"Li o romance da Lídia Jorge, 'A Costa dos Murmúrios', no início dos anos 90 quando ainda não pensava em realizar. O livro tocou-me por razões muito pessoais: tudo se passava em sítios que eu conhecia, num ambiente em que eu vivera, o dos militares portugueses em África e das suas famílias, durante a guerra colonial. Vivi em Moçambique entre 1965 e 1975, dos 2 aos 12 anos, em Lourenço Marques [hoje Maputo] e depois na Beira já que o meu pai era militar, da Força Aérea. Só voltei a Moçambique em 96 e sofri um choque ao deparar com uma sociedade destruída e tão difícil de compreender, com um povo desfeito, sem dignidade nenhuma, uma dignidade que lhe tinha sido tirada, roubada... A minha história pessoal está para sempre ligada àquela terra, que foi afinal o local da minha infância, e penso que, por isso, é difícil não querer, com toda a força, responder à pergunta 'o que foi que correu tão mal nisto tudo?'. Correu mal para todos, para os africanos, para os portugueses, para todos os que sofreram com o absurdo que foi o colonialismo. Este 'absurdo' marcou muitas pessoas da minha idade e fez com que muitos de nós ficássemos para sempre sem pertencer realmente a lugar nenhum. O meu percurso mais íntimo está relacionado com factos históricos, com a guerra colonial, com a revolução de 1974 em Portugal, com o regresso de África, acontecimentos que marcaram e mudaram muitas vidas. Ainda hoje há coisas que me fazem chorar imenso, sem saber porquê, como ver pessoas a fugir, imagens de refugiados, gente a ter que sair das suas terras. Deixam-me desfeita. Acho que isso tem a ver com esse período, com uma perda que não é só emocional, é geográfica também. Em Moçambique, ainda por cima, a mudança foi dramática. Queres revisitar o sítio onde colocaste fisicamente as tuas memórias mas nunca o encontras... Parece que alguma coisa da tua vida ficou para sempre escondida, nas pregas da História, e isso é um pouco angustiante. Acho que foi esta necessidade de procura, que já está presente nos meus documentários anteriores, que me fez adaptar 'A Costa dos Murmúrios'. Percebi que aquilo que queria procurar estava ali, naquele tempo e naquele lugar".

Portugas que merecem as nossas palmas - XIII: Lídia Jorge e Margarida Cardoso

1. A razão é "A Costa dos Murmúrios", o romance de Lídia Jorge(Lisboa, D. Quixote, 1988) e o filme, de Margarida Cardoso (Distribuição: Atalanta Filmes, 2004). Um olhar duplamente feminino sobre a guerra colonial em África e o silêncio, incómodo, cúmplice, que se fez à volta dela.

2. Do filme direi que é comovente e perturbador. Sinopse: No final da década de 1960, Evita (Beatriz Batarda) desembarca na Beira, em Moçambique, para se casar com Luís (Filipe Duarte), um génio da matemática enquanto estudante que está agora a cumprir o serviço militar, como alferes miliciano numa companhia de paraquedistas. Evita dá conta, logo nos primeiros dias, que o seu noivo Luís já não é o mesmo homem que ela conhecera e amara em Lisboa. Marcado pela guerra, Luís vive obcecado pela imagem de herói, conquistada nas bolanhas da Guiné onde foi gravemente ferido, o capitão da sua companhia, o duro Forza Leal (Adriano Luz).

Depois do descanso do guerreiro, Luís e Forza Leal partem para para uma grande operação militar no norte que irá acabar ccom o 'terrorismo' e levar à independência dos brancos (não se faz referência explícita, mas trata-se da Operação Nó Górdio, sob o comando do general Kaulza de Arriaga, realizada entre 1 de Julho e 6 de Agosto de 1970)).

Evita fica sozinha mas não desiste de tentar perceber o que se havia passado com Luís e o que terá feito mudar os seus valores e comportamentos. Vai, por isso, procurar a companhia de Helena, mais conhecida por Helena de Tróia (Mónica Calle), a bela e perturbante mulher de Forza Leal.É ela quem vai revelar a Evita o que a guerra faz aos homens que a fazem. Humilhada pelo marido, Helena cumpre uma promessa, enclauradas em casa, contando os mortos e alimentando a secreta esperança de que entre eles venha o seu marido num caixão de chumbo...

3. Filmado em Moçambique, com uma belíssima fotografia, um magnífico som e uma sóbria direcção de actores, esta primeira obra de ficção de Margarida Cardoso, baseada no romance homónimo de Lídia Jorge, merece o meu entusiástico aplauso. Espero que o público (português) faça o mesmo...

Estamos longe de ter ultrapassado o tabu da guerra colonial, e de ter exorcizado os nossos fantasmas... Este olhar sobre a guerra e sobretudo sobre a violência psicológica da guerra é muito pessoal, muito feminino , muito subtil, e tem a marca de duas mulheres que, não tendo feito a guerra, estiveram em Moçambique e mais concretamente na Beira na época em que se desenrola a acção: Lídia Jorge, como professora na Beira, e Margarida Cardoso, como criança, filha de militar, tendo lá vivido entre os 2 e os 12 anos.

4. Gostei particularmente deste excerto de uma entrevista da realizadora, transcrita num dossiê para a a imprensa, organizado pela distribuidora Atalanta Filmes:

"Li o romance da Lídia Jorge, 'A Costa dos Murmúrios', no início dos anos 90 quando ainda não pensava em realizar. O livro tocou-me por razões muito pessoais: tudo se passava em sítios que eu conhecia, num ambiente em que eu vivera, o dos militares portugueses em África e das suas famílias, durante a guerra colonial. Vivi em Moçambique entre 1965 e 1975, dos 2 aos 12 anos, em Lourenço Marques [hoje Maputo] e depois na Beira já que o meu pai era militar, da Força Aérea. Só voltei a Moçambique em 96 e sofri um choque ao deparar com uma sociedade destruída e tão difícil de compreender, com um povo desfeito, sem dignidade nenhuma, uma dignidade que lhe tinha sido tirada, roubada... A minha história pessoal está para sempre ligada àquela terra, que foi afinal o local da minha infância, e penso que, por isso, é difícil não querer, com toda a força, responder à pergunta 'o que foi que correu tão mal nisto tudo?'. Correu mal para todos, para os africanos, para os portugueses, para todos os que sofreram com o absurdo que foi o colonialismo. Este 'absurdo' marcou muitas pessoas da minha idade e fez com que muitos de nós ficássemos para sempre sem pertencer realmente a lugar nenhum. O meu percurso mais íntimo está relacionado com factos históricos, com a guerra colonial, com a revolução de 1974 em Portugal, com o regresso de África, acontecimentos que marcaram e mudaram muitas vidas. Ainda hoje há coisas que me fazem chorar imenso, sem saber porquê, como ver pessoas a fugir, imagens de refugiados, gente a ter que sair das suas terras. Deixam-me desfeita. Acho que isso tem a ver com esse período, com uma perda que não é só emocional, é geográfica também. Em Moçambique, ainda por cima, a mudança foi dramática. Queres revisitar o sítio onde colocaste fisicamente as tuas memórias mas nunca o encontras... Parece que alguma coisa da tua vida ficou para sempre escondida, nas pregas da História, e isso é um pouco angustiante. Acho que foi esta necessidade de procura, que já está presente nos meus documentários anteriores, que me fez adaptar 'A Costa dos Murmúrios'. Percebi que aquilo que queria procurar estava ali, naquele tempo e naquele lugar".

28 novembro 2004

(Ex)citações de cada dia - XIV: A fortaleza da Europa

Notícia do El Pais on line, de hoje: "Dos muertos y 14 desaparecidos al naufragar una patera en las costas de Fuerteventura".



No desenvolvimento da notícia fico a saber que, pelo menos, dois imigrantes africanos morreram e outros 14 são dados como desaparecidos, numa das ilhas Canárias. "Embarcaciones y helicópteros de Salvamento Marítimo y Guardia Civil efectúan una búsqueda en la zona del naufragio desde el aviso recibido a las cinco de la madrugada".



Um fait-divers que em Espanha se tem vindo a repetir, com alguma frequência (corpos de imigrantes clandestinos a dar à costa), e que se procura esconder dos turistas estrangeiros. No suplemento semanal de El Pais, de hoje, leio uma reportagem feita pelo jornalista Grégoire Deniau e pelo fotógrafo Oliver Jobard sobre o drama das dezenas ou até centenas de africanos que em cada dia tentam alcançar Espanha, porta de entrada da fortaleza da Europa, através do Estreito de Gilbraltar (5 horas de travessia, cada vez mais arriscada devido ao sistema de vigilância montado quer pelos espanhóis que pelos marroquinos) ou através do Atlântico (20 horas, desde o Sara Ocidental até Fuerteventura, a mais próxima das ilhas Canárias).



Os dois jornalistas testemunham e documentam a odisseia de um grupo de trinta e tal africanos que tentam a sua sorte. Apenas 25 (incluindo os jornalistas) conseguem chegar às Canárias, onde são inevitavelmente interceptados pela Guardia Civil. Pelo caminho, há 10 que desistem e dois que morrem afogados. "Prefiro estar en una cárcel en Europa a seguir viviendo en África", diz um deles. A viagem, primeiro através do deserto até El Marsa, no Sará ocidental, e depois por mar em lancha precária de seis metros, a motor, é um perfeito suicídio. Há cada vez mais africanos a ficam enterrados, anonimamente, no cemitério local de Fuerteventura. Por outro lado, "el pasaje en patera cuesta 1000 euros, una fortuna para un africano". Pequenas mafias controlam este novo tráfico de homens e mulheres que fogem do pesadelo dos seus países...



O jornalista e realizador Grégoire Deniau é conhecido pelas suas "reportagens de imersão". E foi um dos raros jornalistas franceses e ocidentais que ficou ao lado dos insurrectos sunistas, quando a cidade iraquiana de Faluja foi tomada de assalto pelo exército americano em Abril passado.



A sua dramática aventura, em que partilhou a viagem até às Canárias do referido grupo de imigrantes africanos clandestinos, foi tema de uma reportagem, "Traversée clandestine", tendo passado recentemente, no dia 4 de Novembro, no programa de televisão "Envoyé spécial" da France 2.

(Ex)citações de cada dia - XIV: A fortaleza da Europa

Notícia do El Pais on line, de hoje: "Dos muertos y 14 desaparecidos al naufragar una patera en las costas de Fuerteventura".

No desenvolvimento da notícia fico a saber que, pelo menos, dois imigrantes africanos morreram e outros 14 são dados como desaparecidos, numa das ilhas Canárias. "Embarcaciones y helicópteros de Salvamento Marítimo y Guardia Civil efectúan una búsqueda en la zona del naufragio desde el aviso recibido a las cinco de la madrugada".

Um fait-divers que em Espanha se tem vindo a repetir, com alguma frequência (corpos de imigrantes clandestinos a dar à costa), e que se procura esconder dos turistas estrangeiros. No suplemento semanal de El Pais, de hoje, leio uma reportagem feita pelo jornalista Grégoire Deniau e pelo fotógrafo Oliver Jobard sobre o drama das dezenas ou até centenas de africanos que em cada dia tentam alcançar Espanha, porta de entrada da fortaleza da Europa, através do Estreito de Gilbraltar (5 horas de travessia, cada vez mais arriscada devido ao sistema de vigilância montado quer pelos espanhóis que pelos marroquinos) ou através do Atlântico (20 horas, desde o Sara Ocidental até Fuerteventura, a mais próxima das ilhas Canárias).

Os dois jornalistas testemunham e documentam a odisseia de um grupo de trinta e tal africanos que tentam a sua sorte. Apenas 25 (incluindo os jornalistas) conseguem chegar às Canárias, onde são inevitavelmente interceptados pela Guardia Civil. Pelo caminho, há 10 que desistem e dois que morrem afogados. "Prefiro estar en una cárcel en Europa a seguir viviendo en África", diz um deles. A viagem, primeiro através do deserto até El Marsa, no Sará ocidental, e depois por mar em lancha precária de seis metros, a motor, é um perfeito suicídio. Há cada vez mais africanos a ficam enterrados, anonimamente, no cemitério local de Fuerteventura. Por outro lado, "el pasaje en patera cuesta 1000 euros, una fortuna para un africano". Pequenas mafias controlam este novo tráfico de homens e mulheres que fogem do pesadelo dos seus países...

O jornalista e realizador Grégoire Deniau é conhecido pelas suas "reportagens de imersão". E foi um dos raros jornalistas franceses e ocidentais que ficou ao lado dos insurrectos sunistas, quando a cidade iraquiana de Faluja foi tomada de assalto pelo exército americano em Abril passado.

A sua dramática aventura, em que partilhou a viagem até às Canárias do referido grupo de imigrantes africanos clandestinos, foi tema de uma reportagem, "Traversée clandestine", tendo passado recentemente, no dia 4 de Novembro, no programa de televisão "Envoyé spécial" da France 2.

27 novembro 2004

Estórias com mural ao fundo - XXV: O português e o chinês

1. Há dias, num dos cemitérios de Lisboa, estava um jovem, de boa aparênica, a depositar um ramo de flores na campa, presumivelmente, de um familiar ou amigo. De repente vê a seu lado um velhote, com traços fisionómicos de chinês, que colocava delicadamente um prato de arroz na lápida de outra campa.

O jovem portuga não se conteve e logo ali entabulou conversa com o velhote chinês:
- O senhor desculpe, mas acha mesmo que o seu defunto virá aqui comer o arroz?

Respondeu o velho chinocas, com a confiança, a serenidade e o humor que são próprias dos sábios e da milenar cultura das gentes do Oriente:
- Mas concerteza, meu jovem!
- Ah, sim ?! E, já agora, quando ?, retorquiu o portuga, com ar irónico.
- Olhe, ma mesma altura em que o seu defunto vier cheirar as flores!

2. Moral da estória:

Tenta compreender o outro,
E sobretudo respeita as opções do teu vizinho,
Do teu irmão, do teu amigo
E do estrangeiro que passa
No passeio do outro lado da rua.
Sejam elas no domínio teológico ou filosófico,
Religioso, moral, ético ou político.
Nunca sejas juiz em causa própria.
Põe-te na pele do outro,
Que é diferente,
Que não pensa como tu
Nem tem de se comportar como tu
Em muitos outros assuntos,
E nomeadamente nos da esfera privada…

Estórias com mural ao fundo - XXV: O português e o chinês

1. Há dias, num dos cemitérios de Lisboa, estava um jovem, de boa aparênica, a depositar um ramo de flores na campa, presumivelmente, de um familiar ou amigo. De repente vê a seu lado um velhote, com traços fisionómicos de chinês, que colocava delicadamente um prato de arroz na lápida de outra campa.

O jovem portuga não se conteve e logo ali entabulou conversa com o velhote chinês:
- O senhor desculpe, mas acha mesmo que o seu defunto virá aqui comer o arroz?

Respondeu o velho chinocas, com a confiança, a serenidade e o humor que são próprias dos sábios e da milenar cultura das gentes do Oriente:
- Mas concerteza, meu jovem!
- Ah, sim ?! E, já agora, quando ?, retorquiu o portuga, com ar irónico.
- Olhe, ma mesma altura em que o seu defunto vier cheirar as flores!

2. Moral da estória:

Tenta compreender o outro,
E sobretudo respeita as opções do teu vizinho,
Do teu irmão, do teu amigo
E do estrangeiro que passa
No passeio do outro lado da rua.
Sejam elas no domínio teológico ou filosófico,
Religioso, moral, ético ou político.
Nunca sejas juiz em causa própria.
Põe-te na pele do outro,
Que é diferente,
Que não pensa como tu
Nem tem de se comportar como tu
Em muitos outros assuntos,
E nomeadamente nos da esfera privada…

26 novembro 2004

Humor com humor se paga - XXVII: Descansem em paz

As melhores lápides funerárias do mundo:



O Amigo do Peito: À volta cá te espero!

O Apaixonado: Voltaria a morrer por ti, meu bem!

O Ateu: Mas porquê eu, se nem acredito em Deus ?!

O Barqueiro de Caronte: Viagem sem retorno.

O Bombista Suicida (Muçulmano): Virgens, cheguei!

O Calceteiro: Erros de médico a terra os cobre!

O Caloteiro: Deus te pague!

O Católico: Obrigado, Pai,vou por fim conhecer-Te, pessoalmente!

O Claustrobófico: Por favor, tirem-me daqui!

O Comerciante: Liquidação Total. Preços de saldo. Motivo força maior.

O Comodista: O último a morrer que feche a tampa do caixão!

O Coveiro: Reformado! Não se aceitam mais encomendas!

O Ecologista: Extinto!

O Escritor: Ponto final parágrafo. Fim da estória.

O Fadista: Fado meu!

O Filósofo: Ser ou não ser, eis a questão.

O Gourmet: Acabou-se o que era doce!

O Herói: Saltei para o lado errado da barricada!

O Hipocondríaco: Eu bem disse que estava doente!

O Homem Mais Velho do Mundo: Custou mas foi!

O Humorista: Ói, pessoal, onde é que está a piada ?

O Informático: Vítima do pior vírus do mundo!

O Jogador de Futebol: Arrumei as botas!

O Malcriado: A vida é uma merda!

O Marido Fiel: Até que a morte, por fim, nos separou!

O Médico: O cangalheiro e o coveiro são sempre os últimos a rir!

O Metereologista: No inferno deve estar um frio de rachar!

O Optimista: É só um momentinho, por favor!

O Padre: Meu Deus, porque me escolhestes a mim ?

O Paleontologista: De fóssil em fóssil!

O Pedófilo: Anjinhos, cheguei!

O Pessimista: Nunca mais vou sair daqui!

O Poeta: Saudade eterna!

O Poeta Bocage: Já Bocage não sou...

O Politicamente Correcto: Tudo acaba!

O Portuga (Pobre): Nunca mais vejo a tal luz ao fundo do túnel!

O Portuga (Rico): Uma suite para a eternidade!

O Revolucionário: Os vermes ao poder! A terra a quem a trabalha!

O Suicida Arrependido: Porra, não comprei bilhete de ida e volta!

O Soldado: Levantado do chão.

O Toxicodependente: Enfim, meu, é só pó!

O Virgem (Resistente): Maldita terra que me hás de comer!