Uma empresa, uma daquelas novas empresas do Século XXI, pôs um anúncio num dos novos jornais de negócios on line, com oferta de emprego para uma importante função na área comercial.
Ainda à moda antiga (ou não estivéssemos em Lisboa), chegaram 830 currículos à mesa do director. Em suporte de papel, tal como era exigido no anúncio. O homem não se impressionou com o número de candidatos e ordenou à sua secretária:
- Escolha trinta à sorte e chame os candidatos para as entrevistas. As restantes oitocentas respostas podem mandá-las para o caixote do lixo.
O director de pessoal ainda ensaiou um gesto de protesto:
- Desculpe, senhor director, mas são 800 pessoas que responderam ao nosso anúncio e que querem mostrar o que valem. Quem sabe se nesse grupo não estará o melhor dos melhores!
- Oiça, eu tenho mais do que fazer e só preciso de gente com sorte!...
Moral da história: Tal como na guerra ou nos jogos de fortuna e azar, ter ou não ter sorte, eis a questão... Do meu tempo de jovem miliciano, contestatário da guerra colonial, recordo ainda a famosa divisa dos Comandos, Audaces Fortuna Juvat ou A Sorte Protege os Audazes. Infelizmente para os comandos africanos na Guiné a sorte foi-lhes madrasta, acabando a maior parte deles na vala comum dos ajustes de contas do pós-guerra.
Hoje no mercado como ontem na guerra, a sorte é o critério fundamental para se triunfar ou não na vida, no amor, na saúde, no amor, nos negócios, na riqueza, em tudo... Nunca como hoje a leitura matinal do horóscopo foi tão importante. Se eu fosse o director daquela empresa, já há muito que tinha despedido o gestor de recursos humanos, substituindo-o por um croupier e por uma tabela de números aleatórios...
blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!
01 abril 2004
Estórias com mural ao fundo - XXIV: A sorte protege os audazesl
Uma empresa, uma daquelas novas empresas do Século XXI, pôs um anúncio num dos novos jornais de negócios on line, com oferta de emprego para uma importante função na área comercial.
Ainda à moda antiga (ou não estivéssemos em Lisboa), chegaram 830 currículos à mesa do director. Em suporte de papel, tal como era exigido no anúncio. O homem não se impressionou com o número de candidatos e ordenou à sua secretária:
- Escolha trinta à sorte e chame os candidatos para as entrevistas. As restantes oitocentas respostas podem mandá-las para o caixote do lixo.
O director de pessoal ainda ensaiou um gesto de protesto:
- Desculpe, senhor director, mas são 800 pessoas que responderam ao nosso anúncio e que querem mostrar o que valem. Quem sabe se nesse grupo não estará o melhor dos melhores!
- Oiça, eu tenho mais do que fazer e só preciso de gente com sorte!...
Moral da história: Tal como na guerra ou nos jogos de fortuna e azar, ter ou não ter sorte, eis a questão... Do meu tempo de jovem miliciano, contestatário da guerra colonial, recordo ainda a famosa divisa dos Comandos, Audaces Fortuna Juvat ou A Sorte Protege os Audazes. Infelizmente para os comandos africanos na Guiné a sorte foi-lhes madrasta, acabando a maior parte deles na vala comum dos ajustes de contas do pós-guerra.
Hoje no mercado como ontem na guerra, a sorte é o critério fundamental para se triunfar ou não na vida, no amor, na saúde, no amor, nos negócios, na riqueza, em tudo... Nunca como hoje a leitura matinal do horóscopo foi tão importante. Se eu fosse o director daquela empresa, já há muito que tinha despedido o gestor de recursos humanos, substituindo-o por um croupier e por uma tabela de números aleatórios...
Ainda à moda antiga (ou não estivéssemos em Lisboa), chegaram 830 currículos à mesa do director. Em suporte de papel, tal como era exigido no anúncio. O homem não se impressionou com o número de candidatos e ordenou à sua secretária:
- Escolha trinta à sorte e chame os candidatos para as entrevistas. As restantes oitocentas respostas podem mandá-las para o caixote do lixo.
O director de pessoal ainda ensaiou um gesto de protesto:
- Desculpe, senhor director, mas são 800 pessoas que responderam ao nosso anúncio e que querem mostrar o que valem. Quem sabe se nesse grupo não estará o melhor dos melhores!
- Oiça, eu tenho mais do que fazer e só preciso de gente com sorte!...
Moral da história: Tal como na guerra ou nos jogos de fortuna e azar, ter ou não ter sorte, eis a questão... Do meu tempo de jovem miliciano, contestatário da guerra colonial, recordo ainda a famosa divisa dos Comandos, Audaces Fortuna Juvat ou A Sorte Protege os Audazes. Infelizmente para os comandos africanos na Guiné a sorte foi-lhes madrasta, acabando a maior parte deles na vala comum dos ajustes de contas do pós-guerra.
Hoje no mercado como ontem na guerra, a sorte é o critério fundamental para se triunfar ou não na vida, no amor, na saúde, no amor, nos negócios, na riqueza, em tudo... Nunca como hoje a leitura matinal do horóscopo foi tão importante. Se eu fosse o director daquela empresa, já há muito que tinha despedido o gestor de recursos humanos, substituindo-o por um croupier e por uma tabela de números aleatórios...
30 março 2004
O tripaliu(m) que mata a gente - III: O assédio moral
1. O assédio moral e outras formas de violência no local de trabalho não são de ontem nem de hoje mas agravam-se em épocas de crise. Um indício disso é o facto de hoje se falar mais nestes fenómenos, de haver mais casos que chegam ao nosso conhecimento, de haver inclusivamente uma tentativa para lhe dar uma moldura legal, criminalizando este tipo de comportamentos.
Por exemplo, o nosso Código do Trabalho, que entrou em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2003, consagra a figura do assédio e dá uma definição alargada (se bem que imprecisa) desta forma de violência. Segundo o art. 24º (Assédio), (i) constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador; (ii) entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº1 do art. 23º, praticado aquando do acesso ao emprego, ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa, ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; (iii) constitui, em especial, assédio, todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior".
O nº 1 do artº 23º diz explicitamente que "o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical".
2. Para a organização Opusgay, "o novo Código de Trabalho atenta, em muitos aspectos, contra direitos adquiridos dos trabalhadores"; todavia, "na questão da luta contra a discriminação, foi dado um forte passo, em virtude da obrigatoriedade de transposição da Directiva 2000/78/CE".
Esta Directiva (Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000) estabelece o quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional.
Para a Opusgay há "um conceito de assédio mais alargado (que) está agora em vigor", passando a ser proibido "qualquer comportamento indesejado dos outros que, injustificadamente, humilhe ou intimide uma pessoa (por exemplo, em função da sua homossexualidade)".
Em teoria, não cabe à vítima de assédio fazer o ónus da prova. Na prática, continua a ser "muito difícil falar disto" e sobretudo criminalizar o assédio, seja ele praticado pelo empregador e/ou seus representantes, ou seja ele imputado aos colegas de trabalho da vítima...
3. Há dias recebi um pedido de ajuda, bastante dramático, de alguém, uma mulher, que está a ser alvo de comportamentos de intimação no seu local de trabalho. Falei com ela pelo telefone, e dei-lhe o conforto e a solidariedade possíveis. Acho que, nestas situações, o mais importante é saber ouvir mais do que falar... Dei-lhe também algumas dicas, por e-mail: Por exemplo, falei-lhe de Marie France Hirigoyen, a psiquiatra francesa que tem dois livros publicados em Portugal. Aconselhei a minha interlocutora a comprar o mais recente (2002). Ele é hoje reconhecida como uma autoridade a nível mundial neste domínio. "O livro custa à volta de 15 euros. É excepcional, você vai reconhecer-se nele... Pode ajudá-la a defender-se e sobretudo a sobreviver em toda esta história, com saúde mental, que é o mais importante".
Aqui ficam, para outros interessados, as referências bibliográficas:
Hirigoyen, M.-F. (1999). Assédio, Coacção e Violência no Quotidiano. Lisboa: Pergaminho.
Hirigoyen M.-F. (2002). O Assédio no Trabalho - Como Distinguir a Verdade. Lisboa: Pergaminho.
Veja-se também o sítio oficial, na Net, de Marie-France Hirigoyen, em francês. Há um grupo de profissionais brasileiros, ligados à saúde e segurança do trabalho, que também têm um excelente sítio sobre este tópico: Assédio moral no trabalho: chega de humilhação!
Em inglês há muito mais bibliografia em diversos sites.
4. Recebi logo a seguir a resposta desta jovem (que trabalha no ensino superior). Eis alguns extractos do e-mail que me mandou:
" (...) Estou-lhe muito agradecida pela amabilidade e prontidão com que atendeu o meu pedido e por toda a informação que me enviou. Vou certamente comprar o livro que me aconselhou e também ver se consigo que o meu colega o leia pois, de facto, não sabemos ambos como lidar com a situação.
"Apenas tive oportunidade de dar uma vista de olhos [aos sites citados. Num deles] é referido que muitos autores e a generalidade das pessoas que foram vítimas de assédio recomendam a mudança de emprego como medida de preservação da saúde física e mental. Como concordo com esta afirmação, esta questão é para mim a mais preocupante. Tenho consciência de que tanto eu como o meu colega não o conseguiremos fazer rapidamente uma vez que, na nossa área, há inclusivamente doutorados a candidatar-se a bolsas anuais de 150 contos e maior parte das pessoas chega a levar anos a encontrar um emprego que, na maioria das vezes, é tão ou mais precário que o nosso. Dedicámos também já muito trabalho ao emprego que temos e à progressão na carreira, conseguindo isto à custa de muito sofrimento pessoal e das nossas famílias. Acho, por isso, está mesmo na altura de ler o livro que me recomendou.
"Também já me apercebi que a maioria das pessoas que se encontra na nossa situação não fala a maior parte das vezes do seu caso e, por isso, estamos ainda mais isolados. O sigilo obriga-nos ainda a isolar-nos mais e, por isso, penso que o melhor é recorrer directamente aos serviços jurídicos dos sindicatos que mencionou" (por ex., sindicatos dos professores, sindicatos da função pública).
5. Infelizmente, para além do apoio jurídico, muitas das pessoas que são vítimas de violência no local de trabalho (e mais concretamente de assédio, sexual ou moral), também precisam de apoio clínico e psicoterapêutico. Repare-se que esta violência não é, em princípio, física, mas sobretudo psicológica. Há várias desiganções para este fenómeno, nas nossas línguas europeias: harrassement, mobbing, bullying, assédio, terrorismo organizacional, intimidação... Gosto particularmente do termo castelhano acoso ... A vítima de assédio moral no local de trabalho sente-se, em muitos casos, como um "animal acossado"!
E a verdade é que os nossos serviços de saúde (a começar pelos Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas também o Serviço Nacional de Saúde) não estão ainda sensibilizados e preparados para lidar com estes casos. Considero, no entanto, que o médico de família, nos centros de saúde, e o médico do trabalho, nos serviços de saúde/medicina do trabalho, podem e devem ter uma intervenção qualificada nestes casos.
6. Infelizmente, este é um mundo de sigilo, silêncio, solidão, vergonha, medo... Mas é bom que falemos bem alto destas coisas, porque elas também parte do tripaliu(m) que mata a gente .
Por exemplo, o nosso Código do Trabalho, que entrou em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2003, consagra a figura do assédio e dá uma definição alargada (se bem que imprecisa) desta forma de violência. Segundo o art. 24º (Assédio), (i) constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador; (ii) entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº1 do art. 23º, praticado aquando do acesso ao emprego, ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa, ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; (iii) constitui, em especial, assédio, todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior".
O nº 1 do artº 23º diz explicitamente que "o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical".
2. Para a organização Opusgay, "o novo Código de Trabalho atenta, em muitos aspectos, contra direitos adquiridos dos trabalhadores"; todavia, "na questão da luta contra a discriminação, foi dado um forte passo, em virtude da obrigatoriedade de transposição da Directiva 2000/78/CE".
Esta Directiva (Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000) estabelece o quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional.
Para a Opusgay há "um conceito de assédio mais alargado (que) está agora em vigor", passando a ser proibido "qualquer comportamento indesejado dos outros que, injustificadamente, humilhe ou intimide uma pessoa (por exemplo, em função da sua homossexualidade)".
Em teoria, não cabe à vítima de assédio fazer o ónus da prova. Na prática, continua a ser "muito difícil falar disto" e sobretudo criminalizar o assédio, seja ele praticado pelo empregador e/ou seus representantes, ou seja ele imputado aos colegas de trabalho da vítima...
3. Há dias recebi um pedido de ajuda, bastante dramático, de alguém, uma mulher, que está a ser alvo de comportamentos de intimação no seu local de trabalho. Falei com ela pelo telefone, e dei-lhe o conforto e a solidariedade possíveis. Acho que, nestas situações, o mais importante é saber ouvir mais do que falar... Dei-lhe também algumas dicas, por e-mail: Por exemplo, falei-lhe de Marie France Hirigoyen, a psiquiatra francesa que tem dois livros publicados em Portugal. Aconselhei a minha interlocutora a comprar o mais recente (2002). Ele é hoje reconhecida como uma autoridade a nível mundial neste domínio. "O livro custa à volta de 15 euros. É excepcional, você vai reconhecer-se nele... Pode ajudá-la a defender-se e sobretudo a sobreviver em toda esta história, com saúde mental, que é o mais importante".
Aqui ficam, para outros interessados, as referências bibliográficas:
Hirigoyen, M.-F. (1999). Assédio, Coacção e Violência no Quotidiano. Lisboa: Pergaminho.
Hirigoyen M.-F. (2002). O Assédio no Trabalho - Como Distinguir a Verdade. Lisboa: Pergaminho.
Veja-se também o sítio oficial, na Net, de Marie-France Hirigoyen, em francês. Há um grupo de profissionais brasileiros, ligados à saúde e segurança do trabalho, que também têm um excelente sítio sobre este tópico: Assédio moral no trabalho: chega de humilhação!
Em inglês há muito mais bibliografia em diversos sites.
4. Recebi logo a seguir a resposta desta jovem (que trabalha no ensino superior). Eis alguns extractos do e-mail que me mandou:
" (...) Estou-lhe muito agradecida pela amabilidade e prontidão com que atendeu o meu pedido e por toda a informação que me enviou. Vou certamente comprar o livro que me aconselhou e também ver se consigo que o meu colega o leia pois, de facto, não sabemos ambos como lidar com a situação.
"Apenas tive oportunidade de dar uma vista de olhos [aos sites citados. Num deles] é referido que muitos autores e a generalidade das pessoas que foram vítimas de assédio recomendam a mudança de emprego como medida de preservação da saúde física e mental. Como concordo com esta afirmação, esta questão é para mim a mais preocupante. Tenho consciência de que tanto eu como o meu colega não o conseguiremos fazer rapidamente uma vez que, na nossa área, há inclusivamente doutorados a candidatar-se a bolsas anuais de 150 contos e maior parte das pessoas chega a levar anos a encontrar um emprego que, na maioria das vezes, é tão ou mais precário que o nosso. Dedicámos também já muito trabalho ao emprego que temos e à progressão na carreira, conseguindo isto à custa de muito sofrimento pessoal e das nossas famílias. Acho, por isso, está mesmo na altura de ler o livro que me recomendou.
"Também já me apercebi que a maioria das pessoas que se encontra na nossa situação não fala a maior parte das vezes do seu caso e, por isso, estamos ainda mais isolados. O sigilo obriga-nos ainda a isolar-nos mais e, por isso, penso que o melhor é recorrer directamente aos serviços jurídicos dos sindicatos que mencionou" (por ex., sindicatos dos professores, sindicatos da função pública).
5. Infelizmente, para além do apoio jurídico, muitas das pessoas que são vítimas de violência no local de trabalho (e mais concretamente de assédio, sexual ou moral), também precisam de apoio clínico e psicoterapêutico. Repare-se que esta violência não é, em princípio, física, mas sobretudo psicológica. Há várias desiganções para este fenómeno, nas nossas línguas europeias: harrassement, mobbing, bullying, assédio, terrorismo organizacional, intimidação... Gosto particularmente do termo castelhano acoso ... A vítima de assédio moral no local de trabalho sente-se, em muitos casos, como um "animal acossado"!
E a verdade é que os nossos serviços de saúde (a começar pelos Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas também o Serviço Nacional de Saúde) não estão ainda sensibilizados e preparados para lidar com estes casos. Considero, no entanto, que o médico de família, nos centros de saúde, e o médico do trabalho, nos serviços de saúde/medicina do trabalho, podem e devem ter uma intervenção qualificada nestes casos.
6. Infelizmente, este é um mundo de sigilo, silêncio, solidão, vergonha, medo... Mas é bom que falemos bem alto destas coisas, porque elas também parte do tripaliu(m) que mata a gente .
O tripaliu(m) que mata a gente - III: O assédio moral
1. O assédio moral e outras formas de violência no local de trabalho não são de ontem nem de hoje mas agravam-se em épocas de crise. Um indício disso é o facto de hoje se falar mais nestes fenómenos, de haver mais casos que chegam ao nosso conhecimento, de haver inclusivamente uma tentativa para lhe dar uma moldura legal, criminalizando este tipo de comportamentos.
Por exemplo, o nosso Código do Trabalho, que entrou em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2003, consagra a figura do assédio e dá uma definição alargada (se bem que imprecisa) desta forma de violência. Segundo o art. 24º (Assédio), (i) constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador; (ii) entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº1 do art. 23º, praticado aquando do acesso ao emprego, ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa, ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; (iii) constitui, em especial, assédio, todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior".
O nº 1 do artº 23º diz explicitamente que "o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical".
2. Para a organização Opusgay, "o novo Código de Trabalho atenta, em muitos aspectos, contra direitos adquiridos dos trabalhadores"; todavia, "na questão da luta contra a discriminação, foi dado um forte passo, em virtude da obrigatoriedade de transposição da Directiva 2000/78/CE".
Esta Directiva (Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000) estabelece o quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional.
Para a Opusgay há "um conceito de assédio mais alargado (que) está agora em vigor", passando a ser proibido "qualquer comportamento indesejado dos outros que, injustificadamente, humilhe ou intimide uma pessoa (por exemplo, em função da sua homossexualidade)".
Em teoria, não cabe à vítima de assédio fazer o ónus da prova. Na prática, continua a ser "muito difícil falar disto" e sobretudo criminalizar o assédio, seja ele praticado pelo empregador e/ou seus representantes, ou seja ele imputado aos colegas de trabalho da vítima...
3. Há dias recebi um pedido de ajuda, bastante dramático, de alguém, uma mulher, que está a ser alvo de comportamentos de intimação no seu local de trabalho. Falei com ela pelo telefone, e dei-lhe o conforto e a solidariedade possíveis. Acho que, nestas situações, o mais importante é saber ouvir mais do que falar... Dei-lhe também algumas dicas, por e-mail: Por exemplo, falei-lhe de Marie France Hirigoyen, a psiquiatra francesa que tem dois livros publicados em Portugal. Aconselhei a minha interlocutora a comprar o mais recente (2002). Ele é hoje reconhecida como uma autoridade a nível mundial neste domínio. "O livro custa à volta de 15 euros. É excepcional, você vai reconhecer-se nele... Pode ajudá-la a defender-se e sobretudo a sobreviver em toda esta história, com saúde mental, que é o mais importante".
Aqui ficam, para outros interessados, as referências bibliográficas:
Hirigoyen, M.-F. (1999). Assédio, Coacção e Violência no Quotidiano. Lisboa: Pergaminho.
Hirigoyen M.-F. (2002). O Assédio no Trabalho - Como Distinguir a Verdade. Lisboa: Pergaminho.
Veja-se também o sítio oficial, na Net, de Marie-France Hirigoyen, em francês. Há um grupo de profissionais brasileiros, ligados à saúde e segurança do trabalho, que também têm um excelente sítio sobre este tópico: Assédio moral no trabalho: chega de humilhação!
Em inglês há muito mais bibliografia em diversos sites.
4. Recebi logo a seguir a resposta desta jovem (que trabalha no ensino superior). Eis alguns extractos do e-mail que me mandou:
" (...) Estou-lhe muito agradecida pela amabilidade e prontidão com que atendeu o meu pedido e por toda a informação que me enviou. Vou certamente comprar o livro que me aconselhou e também ver se consigo que o meu colega o leia pois, de facto, não sabemos ambos como lidar com a situação.
"Apenas tive oportunidade de dar uma vista de olhos [aos sites citados. Num deles] é referido que muitos autores e a generalidade das pessoas que foram vítimas de assédio recomendam a mudança de emprego como medida de preservação da saúde física e mental. Como concordo com esta afirmação, esta questão é para mim a mais preocupante. Tenho consciência de que tanto eu como o meu colega não o conseguiremos fazer rapidamente uma vez que, na nossa área, há inclusivamente doutorados a candidatar-se a bolsas anuais de 150 contos e maior parte das pessoas chega a levar anos a encontrar um emprego que, na maioria das vezes, é tão ou mais precário que o nosso. Dedicámos também já muito trabalho ao emprego que temos e à progressão na carreira, conseguindo isto à custa de muito sofrimento pessoal e das nossas famílias. Acho, por isso, está mesmo na altura de ler o livro que me recomendou.
"Também já me apercebi que a maioria das pessoas que se encontra na nossa situação não fala a maior parte das vezes do seu caso e, por isso, estamos ainda mais isolados. O sigilo obriga-nos ainda a isolar-nos mais e, por isso, penso que o melhor é recorrer directamente aos serviços jurídicos dos sindicatos que mencionou" (por ex., sindicatos dos professores, sindicatos da função pública).
5. Infelizmente, para além do apoio jurídico, muitas das pessoas que são vítimas de violência no local de trabalho (e mais concretamente de assédio, sexual ou moral), também precisam de apoio clínico e psicoterapêutico. Repare-se que esta violência não é, em princípio, física, mas sobretudo psicológica. Há várias desiganções para este fenómeno, nas nossas línguas europeias: harrassement, mobbing, bullying, assédio, terrorismo organizacional, intimidação... Gosto particularmente do termo castelhano acoso ... A vítima de assédio moral no local de trabalho sente-se, em muitos casos, como um "animal acossado"!
E a verdade é que os nossos serviços de saúde (a começar pelos Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas também o Serviço Nacional de Saúde) não estão ainda sensibilizados e preparados para lidar com estes casos. Considero, no entanto, que o médico de família, nos centros de saúde, e o médico do trabalho, nos serviços de saúde/medicina do trabalho, podem e devem ter uma intervenção qualificada nestes casos.
6. Infelizmente, este é um mundo de sigilo, silêncio, solidão, vergonha, medo... Mas é bom que falemos bem alto destas coisas, porque elas também parte do tripaliu(m) que mata a gente .
Por exemplo, o nosso Código do Trabalho, que entrou em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2003, consagra a figura do assédio e dá uma definição alargada (se bem que imprecisa) desta forma de violência. Segundo o art. 24º (Assédio), (i) constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador; (ii) entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº1 do art. 23º, praticado aquando do acesso ao emprego, ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa, ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; (iii) constitui, em especial, assédio, todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referido no número anterior".
O nº 1 do artº 23º diz explicitamente que "o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical".
2. Para a organização Opusgay, "o novo Código de Trabalho atenta, em muitos aspectos, contra direitos adquiridos dos trabalhadores"; todavia, "na questão da luta contra a discriminação, foi dado um forte passo, em virtude da obrigatoriedade de transposição da Directiva 2000/78/CE".
Esta Directiva (Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000) estabelece o quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional.
Para a Opusgay há "um conceito de assédio mais alargado (que) está agora em vigor", passando a ser proibido "qualquer comportamento indesejado dos outros que, injustificadamente, humilhe ou intimide uma pessoa (por exemplo, em função da sua homossexualidade)".
Em teoria, não cabe à vítima de assédio fazer o ónus da prova. Na prática, continua a ser "muito difícil falar disto" e sobretudo criminalizar o assédio, seja ele praticado pelo empregador e/ou seus representantes, ou seja ele imputado aos colegas de trabalho da vítima...
3. Há dias recebi um pedido de ajuda, bastante dramático, de alguém, uma mulher, que está a ser alvo de comportamentos de intimação no seu local de trabalho. Falei com ela pelo telefone, e dei-lhe o conforto e a solidariedade possíveis. Acho que, nestas situações, o mais importante é saber ouvir mais do que falar... Dei-lhe também algumas dicas, por e-mail: Por exemplo, falei-lhe de Marie France Hirigoyen, a psiquiatra francesa que tem dois livros publicados em Portugal. Aconselhei a minha interlocutora a comprar o mais recente (2002). Ele é hoje reconhecida como uma autoridade a nível mundial neste domínio. "O livro custa à volta de 15 euros. É excepcional, você vai reconhecer-se nele... Pode ajudá-la a defender-se e sobretudo a sobreviver em toda esta história, com saúde mental, que é o mais importante".
Aqui ficam, para outros interessados, as referências bibliográficas:
Hirigoyen, M.-F. (1999). Assédio, Coacção e Violência no Quotidiano. Lisboa: Pergaminho.
Hirigoyen M.-F. (2002). O Assédio no Trabalho - Como Distinguir a Verdade. Lisboa: Pergaminho.
Veja-se também o sítio oficial, na Net, de Marie-France Hirigoyen, em francês. Há um grupo de profissionais brasileiros, ligados à saúde e segurança do trabalho, que também têm um excelente sítio sobre este tópico: Assédio moral no trabalho: chega de humilhação!
Em inglês há muito mais bibliografia em diversos sites.
4. Recebi logo a seguir a resposta desta jovem (que trabalha no ensino superior). Eis alguns extractos do e-mail que me mandou:
" (...) Estou-lhe muito agradecida pela amabilidade e prontidão com que atendeu o meu pedido e por toda a informação que me enviou. Vou certamente comprar o livro que me aconselhou e também ver se consigo que o meu colega o leia pois, de facto, não sabemos ambos como lidar com a situação.
"Apenas tive oportunidade de dar uma vista de olhos [aos sites citados. Num deles] é referido que muitos autores e a generalidade das pessoas que foram vítimas de assédio recomendam a mudança de emprego como medida de preservação da saúde física e mental. Como concordo com esta afirmação, esta questão é para mim a mais preocupante. Tenho consciência de que tanto eu como o meu colega não o conseguiremos fazer rapidamente uma vez que, na nossa área, há inclusivamente doutorados a candidatar-se a bolsas anuais de 150 contos e maior parte das pessoas chega a levar anos a encontrar um emprego que, na maioria das vezes, é tão ou mais precário que o nosso. Dedicámos também já muito trabalho ao emprego que temos e à progressão na carreira, conseguindo isto à custa de muito sofrimento pessoal e das nossas famílias. Acho, por isso, está mesmo na altura de ler o livro que me recomendou.
"Também já me apercebi que a maioria das pessoas que se encontra na nossa situação não fala a maior parte das vezes do seu caso e, por isso, estamos ainda mais isolados. O sigilo obriga-nos ainda a isolar-nos mais e, por isso, penso que o melhor é recorrer directamente aos serviços jurídicos dos sindicatos que mencionou" (por ex., sindicatos dos professores, sindicatos da função pública).
5. Infelizmente, para além do apoio jurídico, muitas das pessoas que são vítimas de violência no local de trabalho (e mais concretamente de assédio, sexual ou moral), também precisam de apoio clínico e psicoterapêutico. Repare-se que esta violência não é, em princípio, física, mas sobretudo psicológica. Há várias desiganções para este fenómeno, nas nossas línguas europeias: harrassement, mobbing, bullying, assédio, terrorismo organizacional, intimidação... Gosto particularmente do termo castelhano acoso ... A vítima de assédio moral no local de trabalho sente-se, em muitos casos, como um "animal acossado"!
E a verdade é que os nossos serviços de saúde (a começar pelos Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, mas também o Serviço Nacional de Saúde) não estão ainda sensibilizados e preparados para lidar com estes casos. Considero, no entanto, que o médico de família, nos centros de saúde, e o médico do trabalho, nos serviços de saúde/medicina do trabalho, podem e devem ter uma intervenção qualificada nestes casos.
6. Infelizmente, este é um mundo de sigilo, silêncio, solidão, vergonha, medo... Mas é bom que falemos bem alto destas coisas, porque elas também parte do tripaliu(m) que mata a gente .
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