14 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXLVIII: Adeus, Mansambo (CART 2339, 1969)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Pessoal da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) em fim de comissão... Cansando, mas bem humorado e sobretudo feliz por voltar a casa...



O Humberto Reis manda dizer que esta (foto) é para o pessoal da CART 2339, de Mansambo. E explica:

"Este que está de pé é o ex-furriel miliciano Rei (alguém sabe onde pára este homem? Se souberem digam-me!) .... No dia em que vocês vieram embora do sector.

"Esta foto foi tirada por mim na pista em Bambadinca no dia em que vos escoltei com o meu pelotão até ao Xime [para embracarem em LDG até Bissau, de regresso a acasa]. Eu, ainda periquito, com 7 meses de Guiné, a ver os outros a vir embora e a mim a faltarem-me tantos meses!... Tempos que já lá vão!"

No original pode ver-se e ler-se o seguinte:

(i) Uma seta indicando Mansambo que ficara trás;
(ii) A Guiné e alguns dos seus ícones: a palhota, a palmeira, a mulher pilando o cereal...
(iii) A identificação da Companhia e a referência explícita ao 2º pelotão cujo pessoal, uma parte, está em cima do Unimog;
(iv) O 'autocarro do amor' que vai a caminho do Porto (seta topográfica e Ponte da Arrábida), passando por Lisboa (ponte sobre o Rio Tejo)...

Bem haja o Humberto Reis que mandou digitalizar os seus diapositivos do tempo da Guiné. Eu bem me queria parecer que ele, na Guiné, não andou a ver passar os comboios!...

Obrigado também ao Albano Costa (Foto Guifões) que sabe destas coisas e arranjou maneira de resolver, no Norte, o problema (técnico) que o Humberto tinha em mãos: um excelente colecção de diapositivos (ou slides) que ele queria partilhar connosco mas não sabia como... Este é o primeira imagem que ele nos oferece... Há outras na calha...

Guiné 63/74 - CDXLVIII: Adeus, Mansambo (CART 2339, 1969)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Pessoal da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) em fim de comissão... Cansando, mas bem humorado e sobretudo feliz por voltar a casa...



O Humberto Reis manda dizer que esta (foto) é para o pessoal da CART 2339, de Mansambo. E explica:

"Este que está de pé é o ex-furriel miliciano Rei (alguém sabe onde pára este homem? Se souberem digam-me!) .... No dia em que vocês vieram embora do sector.

"Esta foto foi tirada por mim na pista em Bambadinca no dia em que vos escoltei com o meu pelotão até ao Xime [para embracarem em LDG até Bissau, de regresso a acasa]. Eu, ainda periquito, com 7 meses de Guiné, a ver os outros a vir embora e a mim a faltarem-me tantos meses!... Tempos que já lá vão!"

No original pode ver-se e ler-se o seguinte:

(i) Uma seta indicando Mansambo que ficara trás;
(ii) A Guiné e alguns dos seus ícones: a palhota, a palmeira, a mulher pilando o cereal...
(iii) A identificação da Companhia e a referência explícita ao 2º pelotão cujo pessoal, uma parte, está em cima do Unimog;
(iv) O 'autocarro do amor' que vai a caminho do Porto (seta topográfica e Ponte da Arrábida), passando por Lisboa (ponte sobre o Rio Tejo)...

Bem haja o Humberto Reis que mandou digitalizar os seus diapositivos do tempo da Guiné. Eu bem me queria parecer que ele, na Guiné, não andou a ver passar os comboios!...

Obrigado também ao Albano Costa (Foto Guifões) que sabe destas coisas e arranjou maneira de resolver, no Norte, o problema (técnico) que o Humberto tinha em mãos: um excelente colecção de diapositivos (ou slides) que ele queria partilhar connosco mas não sabia como... Este é o primeira imagem que ele nos oferece... Há outras na calha...

13 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha

Guiné > Buba > Maio de 1969 >Fotografia tirada de helicóptero

© José Teixeira (2005)



II parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).

Transferência para Guilege

Nos primeiros dias de Julho de 1967 recebemos ordem para marchar para Guileje, a fim de rendermos a CCAÇ 1477.

Nas conversas do Café Bento, em Bissau, apelidado de 5ª repartição por ser ali que se sabiam todos os acontecimentos ocorridos na Província, o nome de Guileje era citado frequentemente como uma região onde havia porrada da grossa.

As contingências da sorte ditaram que a CART 1613 fosse verificar in loco a veracidade das informações veiculadas na dita repartição.

Carregando apenas o armamento individual e o meu caixote da papelada deslocámo-nos para Buba onde embarcámos numa das barcaças civis Correias com destino a Gadamael Porto. Dali fizemos, em coluna auto, os dezassete quilómetros mais compridos do planeta até à tabanca fortificada que ia ser o nosso lar durante cerca de um ano.

No dia 19 de Agosto, ao fim da tarde, fomos delirantemente recebidos pelo pessoal da companhia que íamos render.

A tradição de pregar uns sustos aos maçaricos (o que não era bem o caso) foi terrível, de muito mau gosto e até propício a qualquer acidente. Quando se fechou a noite o gerador eléctrico não funcionou porque, dizia o velhinho, estava avariado. Desde tomar a 3ª refeição à luz de archotes e fogueiras até andar pela tabanca aos tropeções e escorregadelas nas valas e entradas de abrigos, de tudo sucedeu.

Perante a nossa insistência em ir verificar o estado do gerador, o cabo que lidava com ele lá condescendeu em deixar-nos dar uma olhadela no trambolho instalado numa cabine de alvenaria semi-enterrada.

Não foi preciso muito tempo para o Furriel Baroeth, o nosso mecânico, descobrir que o tirante de descompressão do motor Diesel estava bloqueado propositadamente. Por mais que dessem à manivela, nos cilindros não havia compressão, pois as válvulas de escape mantinham-se abertas. Era assim que se parava o motor.

Depois de retirado o taco de madeira sabotador, com prenúncios de agressões ao engraçadinho, duas maniveladas chegaram para as luzes se acenderem, mas isto já perto da meia-noite.

Como não havia sobreposição, a CCAÇ ia embarcar na barcaça que nos trouxera, pelo que no dia seguinte foi a lufa-lufa das entregas e recepções de materiais, não sem alguns barretes a que já estávamos habituados e que contávamos vir a enfiar um ano depois a quem nos substituísse… A lei da vida obrigava-nos a estes truques.

O barrete maior era que, como não apareceu ninguém em Colibuia e Cumbijã (1) para receber os nossos materiais, a minha companhia passou a ter a responsabilidade de duas cargas completas.

Em Colibuia ficou uma secção com o 2º Sargento S... a tomar conta dos tarecos amontoados nas arrecadações improvisadas. O mais problemático era o depósito de géneros alimentícios, cujos produtos estavam sujeitos a deterioração, como é compreensível.

Por mais notas que mandássemos para a sede do Batalhão, e até para a delegação da Manutenção Militar de Bissau, ninguém tomava uma atitude. Irrisoriamente, o comandante do batalhão sugeriu, via rádio, que vendêssemos os géneros às populações. Está-se mesmo a ver os nativos, muçulmanos, a comprar-nos latas de chouriço, barricas de carne de porco em salmoura, barris de vinho tinto e outras delícias da nossa da nossa bárbara dieta!!!

O S... lá foi vendendo uns quilos de farinha, de arroz, umas latas de fruta e coisas assim, mas a sua gerência da mercearia foi desastrosa. Quando, uns meses depois, entregou a tralha a outra companhia que lá apareceu, veio para Guilege, trazendo uma resma de papéis com apontamentos que nem ele era capaz de destrinçar. As guias de entrega de materiais, padronizadas, vinham repletas de observações de deficiências, faltas ao completo e outras incapacidades.

Levei semanas, com o meu competentíssimo cabo escriturário, o Ramiro, a fazer autos de ruína prematura e de extravio, sempre com a justificação de “exposição às intempéries por falta de recinto adequado à sua conservação” ou “efectivo exíguo para a vigilância e evitar a subtracção, por parte dos nativos, de componentes de ferro com que improvisavam alfaias agrícolas” e outras patranhas que, em Bissau, eram engolidas a contra-gosto, mas… entre os autos aprovados e os que exigiam mais esclarecimentos para apreciação superior, tive um petisco que durou até ao meu último dia na Guiné.

Quanto aos géneros alimentícios a coisa foi mais radical porque o S... não encontrava, ou não tinha feito, a relação dos produtos que mandou enterrar por se terem estragado e que deveriam ser objecto de pedido de abate, e respectivo crédito, a que a MM não punha objecções de maior.

Ainda por cima disto vim a saber que ele tinha mandado vir a esposa para Bissau, aonde se deslocava com alguma frequência, em consultas externas sabe-se lá de quê e em boleias da Força Aérea, a partir de Aldeia Formosa.

Olhos nos olhos, confrontei-o com o montante do depósito de géneros deixado em Colibuia, pois constava dos documentos de prestação de contas, com a pequena parcela deixada aos substitutos, com o dinheiro que me entregava proveniente das vendas aos nativos e faltavam cerca de dez mil escudos.

Isto a juntar ao prejuízo trazido de S. João já rondava os trinta contos e era preciso fazer muita ginástica para recuperar tanto dinheiro. E, meu amigo:
- O senhor foi negligente e comodista. Vai entregar na companhia cinco mil escudos, metade do prejuízo, ou apresento o caso ao nosso Capitão.

Nem pestanejou. Só pediu para lhe descontar em cinco prestações. Concordei e, se não perdi um amigo, ganhei um inimigo. Metade dos sargentos de Artilharia daquele tempo ouviu do S... uma história retorcida em que eu o ludibriei em cinco contos.

A tabanca de Guileje, habitada por cerca de trezentos nativos de etnia fula (marcados a fogo, à nascença, com dois traços verticais no prolongamento exterior das pálpebras) situava-se a pouco mais de quatro quilómetros da fronteira com a Guiné Conacri e servia de tampão e base de lançamento de operações no celebérrimo Corredor de Guileje.

Este corredor era a via natural de penetração dos turras para o interior sul do território, a partir do seu santuário do outro lado da fronteira.

De traçado rectangular, cerca de 250 x 200 metros, era fortificada com taludes e abrigos semi-enterrados, estes cobertos por cibos (troncos de palmeira) de quase impossível penetração por projécteis de tiro curvo.

As palhotas cónicas onde vivia a população civil espalhavam-se em quatro fileiras irregulares, separadas por três avenidas onde até parecia que havia o Metro, mas em boa verdade eram as entradas para os abrigos subterrâneos. Ao fundo, do lado oeste, erguia-se a residência do Régulo, de traçado rectangular com varandim, a mesquita e escola (árabe) construídas em madeira.

Por detrás destas últimas construções e do alto talude que as protegia, fora da área fortificada, situavam-se os espigueiros, engenhosamente feitos de bambu e barro sobre estacas. Ainda mais para oeste, na orla da picada do Mejo, havia um aldeamento fantasma, muito bem feito e alinhado, mas, compreensivelmente, desabitado. Tinha sido construído pelo Governo pouco antes do conflito.

Era ainda cercada por duas filas de arame farpado, com garrafas de cerveja vazias penduradas aos pares, para retinirem se os arames mexessem e, no terreno desmatado circundante estavam implantadas cerca de setecentas minas, fornilhos e armadilhas devidamente fichadas e verificadas periodicamente. Enquanto lá estivemos estes últimos artefactos só serviram para matar gazelas.

Havia ainda uma pista que permitia a aterragem e descolagem de aviões ligeiros. Estes aviões, na sua maioria Dornier da Força Aérea, eram chamados de Biela, não sei porquê.
Mal se ouvia o som do motor dum avião, até os pretitos gritavam:
-Olha a biela!!!

Os dois pontos fracos daquela fortaleza eram cruciais e, agora é fácil dizê-lo, nunca foram bem explorados pelo nosso inimigo.

O primeiro era obtenção de água. O riacho onde a íamos colher ficava a oitocentos metros do aquartelamento, para o lado da fronteira, o que nos obrigava a empenhar, diariamente, dois Grupos de Combate para montar segurança na zona e três ou quatro viaturas, com bidões de 200 litros, para o transporte.

A única emboscada ali montada pelo IN foi feita às tropas da companhia anterior que tiveram vários feridos e um morto.

O segundo fraco era o reabastecimento de víveres, combustíveis, munições e outros materiais pesados que eram transportados por via marítima até Gadamael Porto e dali trazidos pelas nossas colunas auto.

Nos já referidos dezassete quilómetros rara era a coluna que não era emboscada pelo IN e, como era minha função contabilizar para efeitos de prémios, lembro-me que foram levantadas vinte e duas minas anti-carro na picada.

Graças à notável equipa de picadores, elementos das milícias nativas que usavam varas ponteagudas para detectar os engenhos e aos nossos furriéis especializados na montagem e neutralização dessas armas traiçoeiras, nunca sofremos os seus efeitos.

Não faço favor nenhum em prestar homenagem a esses heróis esquecidos cujos nomes saliento:

(i) Cá Missá (Camisa, para a malta), Cabo milícia que chefiava os picadores e diziam que tinha na cabeça a configuração, os pequenos relevos e a vegetação de cada centímetro da picada;

(ii) Furriéis António Martins, Amílcar Almeida, Arclides Mateus e Manuel Pernes a quem a Pátria pagou mil escudos por cada uma das vinte e duas vezes que se despediram dos colegas para irem à sua função de desmontar as minas.

Na modesta epopeia que estas colunas auto representaram saliento uma emboscada em que os turras usaram abelhas dentro de caixas de sapatos, penduradas nas árvores, as quais eram soltas, à distância, por intermédio dum cordel quando abriam fogo. Na primeira vez o estrago foi notório e deu muito trabalho aos enfermeiros, mas depois tiveram de desistir porque a nossa tropa passou a transportar dezenas de potes de fumo que eram accionados ao grito de abelhas!. Os insectos afastavam-se e iam ferrar os seus amigos.

Outro pormenor foi a adopção da camuflagem sonora. A saída das colunas era sempre de madrugada e o Capitão Corvacho (2) desconfiou que a barulheira das viaturas a aquecer os motores para iniciar a marcha era audível no outro lado da fronteira e um bom aviso para o IN vir, nas calmas, chatear o pessoal na picada.

Então pôs em prática o sistema de, a espaços de tempo desencontrados, os condutores se levantarem mais cedo, irem dar as aceleradelas do costume e voltarem para a cama.
É óbvio que a intenção era criar a confusão nas hostes contrárias e o certo é que as visitas diminuíram.

Cabe aqui também o reconhecimento, que não passa pela cabeça de muitos estrategas de pacotilha, aos abnegados Condutores Auto. Eram os mais expostos ao fogo inimigo, como é evidente.

A guarnição era composta pela (i) minha companhia, (ii) o Pelotão de Reconhecimento Fox nº 1165 (Pel Rec Fox 1165) sob o comando do Alferes Miliciano de Cavalaria Michael, (iii) o Pelotão de Caçadores Nativos nº 51 (Pel Caç Nat 51) (3) , comandado pelo Alf Mil de Infantaria Perneco e (IV) o Pelotão nº 138 da Companhia de Milícias nº 12 (o Pel. Nº 139 da mesma companhia estava no Mejo), comandado pelo 2º Sargento Milícia Ussumane Sila.

Estas duas últimas subunidades, irregulares, tinham efectivos variáveis, pois eram compostas por naturais ou residentes nas respectivas tabancas, que se alistavam ou demitiam a seu bel-prazer. Não necessitavam de instrução militar porque, desgraçadamente, qualquer garoto de 9, 10 anos desmontava e montava uma espingarda automática G-3 com os olhos fechados. Eram eles que, por avença, limpavam as armas do nosso pessoal quando isso era requerido, facto que sempre me causou alguma preocupação, porque não me agradava o vício da guerra que tal ganha-pão inculcava nessas crianças.

Portanto, não contando com o armamento pesado, GuileJe tinha muito perto de trezentas armas prontas a disparar. A minha era única e a mais pequena: uma pistola-metralhadora FBP. Mas fartei-me de disparar… a máquina fotográfica.

Constituía assim um bastião avançado de que o IN raras vezes de aproximava. Apesar das contingências do estado de guerra, a população convivia alegremente connosco e havia uma apertada vigilância para que os nossos militares respeitassem, não só os usos e costumes, mas também as pessoas em si. Um ou outro desaguisado foi prontamente saneado pelo nosso Capitão em consonância com o Régulo.

O Régulo Suleimane era um homem razoavelmente inteligente e compenetrado da sua posição algo magestática. Falava muito bem português e o seu porte altivo infundia uma distância no relacionamento que os soldados depressa aprenderam com os nativos a respeitar.

A certa altura eu passei a ser o intercultor preferido dele porque chegamos à conclusão de que tínhamos um ponto em comum. Ambos estivemos em Macau. Ele tinha feito parte duma companhia de tropas da Guiné, como soldado do nosso Exército, que foi destacada para Macau no fim da II Guerra Mundial.

A única maneira de lhe ver um sorriso era a falarmos de Macau. Ele contava as suas lembranças dos bons tempos que lá passou e eu retocava os pormenores com a descrição dos progressos daquele torrão português.

A população era agradável no trato, muito trabalhadora e, sobretudo, bastante asseada, não obstante o facto de que obtinham a preciosa água nos charcos junto das lavras que cultivavam na área contígua ao fundo da pista de aterragem.

Foi nessas lavras que se deu o maior mistério da nossa estadia nessas paragens. A CAÇ 1622, de Gadamael, foi fazer uma operação ao Corredor, a partir do nossoaquartelamento.

Quando regressou foi dado como desaparecido, numa emboscada que sofreram, um soldado que só me lembro de ser de Carregal do Sal, ou dali perto.

Durante três dias foram lançadas patrulhas de busca formadas nas unidades da área que bateram todo o terreno onde se dera a emboscada, reforçadas por apoio e observação aérea e não foi encontrado o mais leve indício da presença do desaparecido.

Passados onze dias, um nativo de Guilege foi encontrá-lo nas terras encharcadas das lavras vivo, mas extremamente depauperado, transportando a sua G-3. Trouxe-o para o aquartelamento onde foi imediatamente socorrido e feita a comunicação do seu aparecimento à CCAÇ 1622.

Pelo menos a nós não conseguiu explicar como tinha sobrevivido e, o mais incrível, porque razão não se encaminhou para um dos aquartelamentos, Guileje ou Mejo, que, pelo menos de noite, eram fáceis de localizar devido à iluminação eléctrica. Ou tentasse dar sinal de si aos aviões que sobrevoaram a zona.

Soubemos que o CTIG teve de o mandar à Metrópole para convencer os familiares de que estava realmente vivo e de boa saúde, pois já lhes tinha sido comunicado o seu desaparecimento em combate.

Lembro-me que o Furriel Figueiredo, do Pelotão Fox, conhecia o rapaz. Para adensar o mistério não consigo encontrar as quatro ou cinco fotografias que fiz na altura em que estava a ser assistido no posto de socorros.

_____

(1) Duas povoações na zona de Aldeia Formosa (Quebo) sem quaisquer instalações militares para onde mandaram a minha companhia “para encher chouriços” enquanto faziam os reajustamentos ao dispositivo do subsector à responsabilidade do meu batalhão (BART 1896).

(2) Capitão de Artilharia Eurico de Deus Corvacho.

(3) Este Pelotão era composto por praças do recrutamento guineense e enquadrados por furriéis e um subalterno metropolitanos, todos milicianos. As praças pertenciam a várias etnias, com uma pequena predominância de balantas. A disciplina militar não era suficiente para estabelecer uma coesão aceitável entre eles. O aspecto diversificado das suas culturas chocava amiúde entre eles e mormente com os fulas, sem dúvida mais civilizados.

Era-lhes abonada a alimentação em numerário (a dinheiro) por impossibilidade de lhes satisfazer as suas dietas tradicionais. Mais do que uma ajuda ao esforço da campanha, eram um caldeirão de problemas. O Capitão Corvacho evitava atribuir-lhes missões que implicassem saídas com algum risco porque a sua eficiência não era famosa.

Guiné 63/74 - CDXLVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (2): Ordem de marcha

Guiné > Buba > Maio de 1969 >Fotografia tirada de helicóptero

© José Teixeira (2005)



II parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).

Transferência para Guilege

Nos primeiros dias de Julho de 1967 recebemos ordem para marchar para Guileje, a fim de rendermos a CCAÇ 1477.

Nas conversas do Café Bento, em Bissau, apelidado de 5ª repartição por ser ali que se sabiam todos os acontecimentos ocorridos na Província, o nome de Guileje era citado frequentemente como uma região onde havia porrada da grossa.

As contingências da sorte ditaram que a CART 1613 fosse verificar in loco a veracidade das informações veiculadas na dita repartição.

Carregando apenas o armamento individual e o meu caixote da papelada deslocámo-nos para Buba onde embarcámos numa das barcaças civis Correias com destino a Gadamael Porto. Dali fizemos, em coluna auto, os dezassete quilómetros mais compridos do planeta até à tabanca fortificada que ia ser o nosso lar durante cerca de um ano.

No dia 19 de Agosto, ao fim da tarde, fomos delirantemente recebidos pelo pessoal da companhia que íamos render.

A tradição de pregar uns sustos aos maçaricos (o que não era bem o caso) foi terrível, de muito mau gosto e até propício a qualquer acidente. Quando se fechou a noite o gerador eléctrico não funcionou porque, dizia o velhinho, estava avariado. Desde tomar a 3ª refeição à luz de archotes e fogueiras até andar pela tabanca aos tropeções e escorregadelas nas valas e entradas de abrigos, de tudo sucedeu.

Perante a nossa insistência em ir verificar o estado do gerador, o cabo que lidava com ele lá condescendeu em deixar-nos dar uma olhadela no trambolho instalado numa cabine de alvenaria semi-enterrada.

Não foi preciso muito tempo para o Furriel Baroeth, o nosso mecânico, descobrir que o tirante de descompressão do motor Diesel estava bloqueado propositadamente. Por mais que dessem à manivela, nos cilindros não havia compressão, pois as válvulas de escape mantinham-se abertas. Era assim que se parava o motor.

Depois de retirado o taco de madeira sabotador, com prenúncios de agressões ao engraçadinho, duas maniveladas chegaram para as luzes se acenderem, mas isto já perto da meia-noite.

Como não havia sobreposição, a CCAÇ ia embarcar na barcaça que nos trouxera, pelo que no dia seguinte foi a lufa-lufa das entregas e recepções de materiais, não sem alguns barretes a que já estávamos habituados e que contávamos vir a enfiar um ano depois a quem nos substituísse… A lei da vida obrigava-nos a estes truques.

O barrete maior era que, como não apareceu ninguém em Colibuia e Cumbijã (1) para receber os nossos materiais, a minha companhia passou a ter a responsabilidade de duas cargas completas.

Em Colibuia ficou uma secção com o 2º Sargento S... a tomar conta dos tarecos amontoados nas arrecadações improvisadas. O mais problemático era o depósito de géneros alimentícios, cujos produtos estavam sujeitos a deterioração, como é compreensível.

Por mais notas que mandássemos para a sede do Batalhão, e até para a delegação da Manutenção Militar de Bissau, ninguém tomava uma atitude. Irrisoriamente, o comandante do batalhão sugeriu, via rádio, que vendêssemos os géneros às populações. Está-se mesmo a ver os nativos, muçulmanos, a comprar-nos latas de chouriço, barricas de carne de porco em salmoura, barris de vinho tinto e outras delícias da nossa da nossa bárbara dieta!!!

O S... lá foi vendendo uns quilos de farinha, de arroz, umas latas de fruta e coisas assim, mas a sua gerência da mercearia foi desastrosa. Quando, uns meses depois, entregou a tralha a outra companhia que lá apareceu, veio para Guilege, trazendo uma resma de papéis com apontamentos que nem ele era capaz de destrinçar. As guias de entrega de materiais, padronizadas, vinham repletas de observações de deficiências, faltas ao completo e outras incapacidades.

Levei semanas, com o meu competentíssimo cabo escriturário, o Ramiro, a fazer autos de ruína prematura e de extravio, sempre com a justificação de “exposição às intempéries por falta de recinto adequado à sua conservação” ou “efectivo exíguo para a vigilância e evitar a subtracção, por parte dos nativos, de componentes de ferro com que improvisavam alfaias agrícolas” e outras patranhas que, em Bissau, eram engolidas a contra-gosto, mas… entre os autos aprovados e os que exigiam mais esclarecimentos para apreciação superior, tive um petisco que durou até ao meu último dia na Guiné.

Quanto aos géneros alimentícios a coisa foi mais radical porque o S... não encontrava, ou não tinha feito, a relação dos produtos que mandou enterrar por se terem estragado e que deveriam ser objecto de pedido de abate, e respectivo crédito, a que a MM não punha objecções de maior.

Ainda por cima disto vim a saber que ele tinha mandado vir a esposa para Bissau, aonde se deslocava com alguma frequência, em consultas externas sabe-se lá de quê e em boleias da Força Aérea, a partir de Aldeia Formosa.

Olhos nos olhos, confrontei-o com o montante do depósito de géneros deixado em Colibuia, pois constava dos documentos de prestação de contas, com a pequena parcela deixada aos substitutos, com o dinheiro que me entregava proveniente das vendas aos nativos e faltavam cerca de dez mil escudos.

Isto a juntar ao prejuízo trazido de S. João já rondava os trinta contos e era preciso fazer muita ginástica para recuperar tanto dinheiro. E, meu amigo:
- O senhor foi negligente e comodista. Vai entregar na companhia cinco mil escudos, metade do prejuízo, ou apresento o caso ao nosso Capitão.

Nem pestanejou. Só pediu para lhe descontar em cinco prestações. Concordei e, se não perdi um amigo, ganhei um inimigo. Metade dos sargentos de Artilharia daquele tempo ouviu do S... uma história retorcida em que eu o ludibriei em cinco contos.

A tabanca de Guileje, habitada por cerca de trezentos nativos de etnia fula (marcados a fogo, à nascença, com dois traços verticais no prolongamento exterior das pálpebras) situava-se a pouco mais de quatro quilómetros da fronteira com a Guiné Conacri e servia de tampão e base de lançamento de operações no celebérrimo Corredor de Guileje.

Este corredor era a via natural de penetração dos turras para o interior sul do território, a partir do seu santuário do outro lado da fronteira.

De traçado rectangular, cerca de 250 x 200 metros, era fortificada com taludes e abrigos semi-enterrados, estes cobertos por cibos (troncos de palmeira) de quase impossível penetração por projécteis de tiro curvo.

As palhotas cónicas onde vivia a população civil espalhavam-se em quatro fileiras irregulares, separadas por três avenidas onde até parecia que havia o Metro, mas em boa verdade eram as entradas para os abrigos subterrâneos. Ao fundo, do lado oeste, erguia-se a residência do Régulo, de traçado rectangular com varandim, a mesquita e escola (árabe) construídas em madeira.

Por detrás destas últimas construções e do alto talude que as protegia, fora da área fortificada, situavam-se os espigueiros, engenhosamente feitos de bambu e barro sobre estacas. Ainda mais para oeste, na orla da picada do Mejo, havia um aldeamento fantasma, muito bem feito e alinhado, mas, compreensivelmente, desabitado. Tinha sido construído pelo Governo pouco antes do conflito.

Era ainda cercada por duas filas de arame farpado, com garrafas de cerveja vazias penduradas aos pares, para retinirem se os arames mexessem e, no terreno desmatado circundante estavam implantadas cerca de setecentas minas, fornilhos e armadilhas devidamente fichadas e verificadas periodicamente. Enquanto lá estivemos estes últimos artefactos só serviram para matar gazelas.

Havia ainda uma pista que permitia a aterragem e descolagem de aviões ligeiros. Estes aviões, na sua maioria Dornier da Força Aérea, eram chamados de Biela, não sei porquê.
Mal se ouvia o som do motor dum avião, até os pretitos gritavam:
-Olha a biela!!!

Os dois pontos fracos daquela fortaleza eram cruciais e, agora é fácil dizê-lo, nunca foram bem explorados pelo nosso inimigo.

O primeiro era obtenção de água. O riacho onde a íamos colher ficava a oitocentos metros do aquartelamento, para o lado da fronteira, o que nos obrigava a empenhar, diariamente, dois Grupos de Combate para montar segurança na zona e três ou quatro viaturas, com bidões de 200 litros, para o transporte.

A única emboscada ali montada pelo IN foi feita às tropas da companhia anterior que tiveram vários feridos e um morto.

O segundo fraco era o reabastecimento de víveres, combustíveis, munições e outros materiais pesados que eram transportados por via marítima até Gadamael Porto e dali trazidos pelas nossas colunas auto.

Nos já referidos dezassete quilómetros rara era a coluna que não era emboscada pelo IN e, como era minha função contabilizar para efeitos de prémios, lembro-me que foram levantadas vinte e duas minas anti-carro na picada.

Graças à notável equipa de picadores, elementos das milícias nativas que usavam varas ponteagudas para detectar os engenhos e aos nossos furriéis especializados na montagem e neutralização dessas armas traiçoeiras, nunca sofremos os seus efeitos.

Não faço favor nenhum em prestar homenagem a esses heróis esquecidos cujos nomes saliento:

(i) Cá Missá (Camisa, para a malta), Cabo milícia que chefiava os picadores e diziam que tinha na cabeça a configuração, os pequenos relevos e a vegetação de cada centímetro da picada;

(ii) Furriéis António Martins, Amílcar Almeida, Arclides Mateus e Manuel Pernes a quem a Pátria pagou mil escudos por cada uma das vinte e duas vezes que se despediram dos colegas para irem à sua função de desmontar as minas.

Na modesta epopeia que estas colunas auto representaram saliento uma emboscada em que os turras usaram abelhas dentro de caixas de sapatos, penduradas nas árvores, as quais eram soltas, à distância, por intermédio dum cordel quando abriam fogo. Na primeira vez o estrago foi notório e deu muito trabalho aos enfermeiros, mas depois tiveram de desistir porque a nossa tropa passou a transportar dezenas de potes de fumo que eram accionados ao grito de abelhas!. Os insectos afastavam-se e iam ferrar os seus amigos.

Outro pormenor foi a adopção da camuflagem sonora. A saída das colunas era sempre de madrugada e o Capitão Corvacho (2) desconfiou que a barulheira das viaturas a aquecer os motores para iniciar a marcha era audível no outro lado da fronteira e um bom aviso para o IN vir, nas calmas, chatear o pessoal na picada.

Então pôs em prática o sistema de, a espaços de tempo desencontrados, os condutores se levantarem mais cedo, irem dar as aceleradelas do costume e voltarem para a cama.
É óbvio que a intenção era criar a confusão nas hostes contrárias e o certo é que as visitas diminuíram.

Cabe aqui também o reconhecimento, que não passa pela cabeça de muitos estrategas de pacotilha, aos abnegados Condutores Auto. Eram os mais expostos ao fogo inimigo, como é evidente.

A guarnição era composta pela (i) minha companhia, (ii) o Pelotão de Reconhecimento Fox nº 1165 (Pel Rec Fox 1165) sob o comando do Alferes Miliciano de Cavalaria Michael, (iii) o Pelotão de Caçadores Nativos nº 51 (Pel Caç Nat 51) (3) , comandado pelo Alf Mil de Infantaria Perneco e (IV) o Pelotão nº 138 da Companhia de Milícias nº 12 (o Pel. Nº 139 da mesma companhia estava no Mejo), comandado pelo 2º Sargento Milícia Ussumane Sila.

Estas duas últimas subunidades, irregulares, tinham efectivos variáveis, pois eram compostas por naturais ou residentes nas respectivas tabancas, que se alistavam ou demitiam a seu bel-prazer. Não necessitavam de instrução militar porque, desgraçadamente, qualquer garoto de 9, 10 anos desmontava e montava uma espingarda automática G-3 com os olhos fechados. Eram eles que, por avença, limpavam as armas do nosso pessoal quando isso era requerido, facto que sempre me causou alguma preocupação, porque não me agradava o vício da guerra que tal ganha-pão inculcava nessas crianças.

Portanto, não contando com o armamento pesado, GuileJe tinha muito perto de trezentas armas prontas a disparar. A minha era única e a mais pequena: uma pistola-metralhadora FBP. Mas fartei-me de disparar… a máquina fotográfica.

Constituía assim um bastião avançado de que o IN raras vezes de aproximava. Apesar das contingências do estado de guerra, a população convivia alegremente connosco e havia uma apertada vigilância para que os nossos militares respeitassem, não só os usos e costumes, mas também as pessoas em si. Um ou outro desaguisado foi prontamente saneado pelo nosso Capitão em consonância com o Régulo.

O Régulo Suleimane era um homem razoavelmente inteligente e compenetrado da sua posição algo magestática. Falava muito bem português e o seu porte altivo infundia uma distância no relacionamento que os soldados depressa aprenderam com os nativos a respeitar.

A certa altura eu passei a ser o intercultor preferido dele porque chegamos à conclusão de que tínhamos um ponto em comum. Ambos estivemos em Macau. Ele tinha feito parte duma companhia de tropas da Guiné, como soldado do nosso Exército, que foi destacada para Macau no fim da II Guerra Mundial.

A única maneira de lhe ver um sorriso era a falarmos de Macau. Ele contava as suas lembranças dos bons tempos que lá passou e eu retocava os pormenores com a descrição dos progressos daquele torrão português.

A população era agradável no trato, muito trabalhadora e, sobretudo, bastante asseada, não obstante o facto de que obtinham a preciosa água nos charcos junto das lavras que cultivavam na área contígua ao fundo da pista de aterragem.

Foi nessas lavras que se deu o maior mistério da nossa estadia nessas paragens. A CAÇ 1622, de Gadamael, foi fazer uma operação ao Corredor, a partir do nossoaquartelamento.

Quando regressou foi dado como desaparecido, numa emboscada que sofreram, um soldado que só me lembro de ser de Carregal do Sal, ou dali perto.

Durante três dias foram lançadas patrulhas de busca formadas nas unidades da área que bateram todo o terreno onde se dera a emboscada, reforçadas por apoio e observação aérea e não foi encontrado o mais leve indício da presença do desaparecido.

Passados onze dias, um nativo de Guilege foi encontrá-lo nas terras encharcadas das lavras vivo, mas extremamente depauperado, transportando a sua G-3. Trouxe-o para o aquartelamento onde foi imediatamente socorrido e feita a comunicação do seu aparecimento à CCAÇ 1622.

Pelo menos a nós não conseguiu explicar como tinha sobrevivido e, o mais incrível, porque razão não se encaminhou para um dos aquartelamentos, Guileje ou Mejo, que, pelo menos de noite, eram fáceis de localizar devido à iluminação eléctrica. Ou tentasse dar sinal de si aos aviões que sobrevoaram a zona.

Soubemos que o CTIG teve de o mandar à Metrópole para convencer os familiares de que estava realmente vivo e de boa saúde, pois já lhes tinha sido comunicado o seu desaparecimento em combate.

Lembro-me que o Furriel Figueiredo, do Pelotão Fox, conhecia o rapaz. Para adensar o mistério não consigo encontrar as quatro ou cinco fotografias que fiz na altura em que estava a ser assistido no posto de socorros.

_____

(1) Duas povoações na zona de Aldeia Formosa (Quebo) sem quaisquer instalações militares para onde mandaram a minha companhia “para encher chouriços” enquanto faziam os reajustamentos ao dispositivo do subsector à responsabilidade do meu batalhão (BART 1896).

(2) Capitão de Artilharia Eurico de Deus Corvacho.

(3) Este Pelotão era composto por praças do recrutamento guineense e enquadrados por furriéis e um subalterno metropolitanos, todos milicianos. As praças pertenciam a várias etnias, com uma pequena predominância de balantas. A disciplina militar não era suficiente para estabelecer uma coesão aceitável entre eles. O aspecto diversificado das suas culturas chocava amiúde entre eles e mormente com os fulas, sem dúvida mais civilizados.

Era-lhes abonada a alimentação em numerário (a dinheiro) por impossibilidade de lhes satisfazer as suas dietas tradicionais. Mais do que uma ajuda ao esforço da campanha, eram um caldeirão de problemas. O Capitão Corvacho evitava atribuir-lhes missões que implicassem saídas com algum risco porque a sua eficiência não era famosa.

Guiné 63/74 - CDXLVI: Expedição 2005: o seu a seu dono


O José Teixeira vem rectificar a legenda que acompanha uma foto sua (1), dentro de um jipe carregado de material escolar, algures em Marrocos, a caminho da Guiné-Bissau. Ele faz questão de esclarecer o seguinte:

(i) O jipe é do Camilo; e
(ii) vai carregado de livros escolares.

Mais concretamente:

"Devo informar os tertulianos de que o Camilo e o Xico Allen faziam a 3ª viagem, por estrada e sempre carregados de material escolar (cadernos, lápis, esferográficas) e material de higiene hospitalar.

"No grupo seguíamos 6 pessoas com 3 viaturas, todas elas cheias de material. Quatro dos participantes eram antigos combatentes, os outros dois eram amigos da aventura.

"Devo salientar que os artigos transportados e distribuidos directamente nas escolas locais e nos hospitais, foram angariados pelo Camilo e pelo Xico.

"O Camilo que alguns membros da Tertúlia conhecem é um comerciante na Lagoa, Algarve, e como nós, ou mais do que nós, ficou completamente apanhado pelo clima... Em Fevereiro próximo vai partir de novo para a 4ª Expedição Portugal Guiné-Bissau, desta vez com 5 Viaturas, provavelmente todas cheias de material escolar".

Lagoa, Algarve > Março de 2005 > Partida para a 3ª Expedição: 3 viaturas, 6 pessoas, sendo 4 antigos combatentes (entre eles, o Camilo, o José Teixeira e o Xico Allen)


Bodjour, Marrocos > A SIC estava lá... O Camilo (dolado esquerdo, de maõs nos bolsos, junto ao jipe,) está a ser entrevistado, sob o olhar (divertido) do José Teixeira...


Senegal > O José Teixeira fazendo a sua "psicossocial" a jovens pastores...


Guyiné-Bissau > 2005 > Um acolhimento fraterno e caloroso... Na foto o Camilo e o Teixeira... O Xico Allen não sei onde pára...

Créditos fotográficos: José Teixeira (2005) e Francisco Allen (2005)


(1) Vd. post de 11 de Janeiro de 2006 >

Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968

Guiné 63/74 - CDXLVI: Expedição 2005: o seu a seu dono


O José Teixeira vem rectificar a legenda que acompanha uma foto sua (1), dentro de um jipe carregado de material escolar, algures em Marrocos, a caminho da Guiné-Bissau. Ele faz questão de esclarecer o seguinte:

(i) O jipe é do Camilo; e
(ii) vai carregado de livros escolares.

Mais concretamente:

"Devo informar os tertulianos de que o Camilo e o Xico Allen faziam a 3ª viagem, por estrada e sempre carregados de material escolar (cadernos, lápis, esferográficas) e material de higiene hospitalar.

"No grupo seguíamos 6 pessoas com 3 viaturas, todas elas cheias de material. Quatro dos participantes eram antigos combatentes, os outros dois eram amigos da aventura.

"Devo salientar que os artigos transportados e distribuidos directamente nas escolas locais e nos hospitais, foram angariados pelo Camilo e pelo Xico.

"O Camilo que alguns membros da Tertúlia conhecem é um comerciante na Lagoa, Algarve, e como nós, ou mais do que nós, ficou completamente apanhado pelo clima... Em Fevereiro próximo vai partir de novo para a 4ª Expedição Portugal Guiné-Bissau, desta vez com 5 Viaturas, provavelmente todas cheias de material escolar".

Lagoa, Algarve > Março de 2005 > Partida para a 3ª Expedição: 3 viaturas, 6 pessoas, sendo 4 antigos combatentes (entre eles, o Camilo, o José Teixeira e o Xico Allen)


Bodjour, Marrocos > A SIC estava lá... O Camilo (dolado esquerdo, de maõs nos bolsos, junto ao jipe,) está a ser entrevistado, sob o olhar (divertido) do José Teixeira...


Senegal > O José Teixeira fazendo a sua "psicossocial" a jovens pastores...


Guyiné-Bissau > 2005 > Um acolhimento fraterno e caloroso... Na foto o Camilo e o Teixeira... O Xico Allen não sei onde pára...

Créditos fotográficos: José Teixeira (2005) e Francisco Allen (2005)


(1) Vd. post de 11 de Janeiro de 2006 >

Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968

12 janeiro 2006

Guiné 63/74 - CDXLV: As malditas formigas pretas do José Teixeira

Texto do Zé Neto:

Luis: A minha intenção era ficar aqui caladinho no meu canto para não entupir a formidável sequência de factos das campanhas da Guiné. (Creio que estamos a construir um monumento histórico e inédito). Mas o José Teixeira tem o condão de me despertar recordações dispersas, pois "fala" de sítios por onde andei. Admiro-o muito.

E, a propósito das "desgraçadas" formigas (1), veio-me à memória a morte inglória do meu conterrâneo Alferes Miliciano Manuel Sobreiro (2º comandante da CART 1612, por ser o mais classificado dos alferes)(2). O Sobreirito (como eu o tratava na intimidade) tinha a especialidade de Minas e Armadilhas.

Em Fevereiro de 1968, precisamente na área de Mampatá, foi encarregado de desarmadilhar uma zona por onde iam alargar uma picada. Quando já tinha bem presa a alavanca duma granada defensiva instantânea e se preparava para introduzir a cavilha foi mordido num artelho por uma dessas formigas. Ao fazer o gesto de sacudir o insecto escorregou-lhe a alavanca e... sucumbiu crivado de estilhaços.

O Alferes Miliciano de Artilharia nº 0022363, Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, natural de Riba de Aves, Souto da Carpalhosa, Leiria, não morreu em combate. Os senhores da guerra determinaram que foi "morto por acidente". Tanta injustiça que se cometeu!!! Um dia hei-de abordar este tema.

Até breve. Zé Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68, ex-saragento, hoje capitão reformado)

____________

Notas de L.G.

(1) Vd post de 11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968

(2) Um das três companhias operacionais do BART 1896 (As outras duas eram a 1613 e a 1614). Segundo o Zé Neto, esta última, a CART 1614 era "a subunidade turista da Guiné que nunca ninguém do Batalhão conseguiu descobrir a razão de ficar sempre de fora dos petiscos que calharam às outras duas companhias operacionais (1612 e 1613)". E acrescenta, com ironia: "Eu desconfio, mas, para misérias do Celestino já basta!"...

Guiné 63/74 - CDXLV: As malditas formigas pretas do José Teixeira

Texto do Zé Neto:

Luis: A minha intenção era ficar aqui caladinho no meu canto para não entupir a formidável sequência de factos das campanhas da Guiné. (Creio que estamos a construir um monumento histórico e inédito). Mas o José Teixeira tem o condão de me despertar recordações dispersas, pois "fala" de sítios por onde andei. Admiro-o muito.

E, a propósito das "desgraçadas" formigas (1), veio-me à memória a morte inglória do meu conterrâneo Alferes Miliciano Manuel Sobreiro (2º comandante da CART 1612, por ser o mais classificado dos alferes)(2). O Sobreirito (como eu o tratava na intimidade) tinha a especialidade de Minas e Armadilhas.

Em Fevereiro de 1968, precisamente na área de Mampatá, foi encarregado de desarmadilhar uma zona por onde iam alargar uma picada. Quando já tinha bem presa a alavanca duma granada defensiva instantânea e se preparava para introduzir a cavilha foi mordido num artelho por uma dessas formigas. Ao fazer o gesto de sacudir o insecto escorregou-lhe a alavanca e... sucumbiu crivado de estilhaços.

O Alferes Miliciano de Artilharia nº 0022363, Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, natural de Riba de Aves, Souto da Carpalhosa, Leiria, não morreu em combate. Os senhores da guerra determinaram que foi "morto por acidente". Tanta injustiça que se cometeu!!! Um dia hei-de abordar este tema.

Até breve. Zé Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68, ex-saragento, hoje capitão reformado)

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Notas de L.G.

(1) Vd post de 11 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXL: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (6): Mampatá, Setembro-Outubro de 1968

(2) Um das três companhias operacionais do BART 1896 (As outras duas eram a 1613 e a 1614). Segundo o Zé Neto, esta última, a CART 1614 era "a subunidade turista da Guiné que nunca ninguém do Batalhão conseguiu descobrir a razão de ficar sempre de fora dos petiscos que calharam às outras duas companhias operacionais (1612 e 1613)". E acrescenta, com ironia: "Eu desconfio, mas, para misérias do Celestino já basta!"...

Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1997 : Rio Geba. Cais de desembarque, em ruínas.

Por aqui passaram, durante a guerra (1963-1974), milhares e milhares de homens, viaturas , armas e demais material, desembarcados em LDM e LDG (Lanchas de Desembarque Médias e Grandes). A partir do Xime, o rio passava a designar-se por Geba Estreito, sendo navegável até Bafatá apenas através de pequenas embarcações civis ou LDP (Lanchas de Desembarque Pequenas).

© Humberto Reis(2005)

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Texto de Luís Graça:

- Como um cão apanhado na rede – repetia eu, nessa manhã de 2 de Junho de 1969, no fundo da LDG Bombarda, entre fardos de colchões de espuma, cunhetes de munições, Unimogs novinhos em folha e velhas malas de viagem atadas com cordões, enquanto os fuzileiros, hercúleos, heróicos, em tronco nu, de garrafa de cerveja na mão, assustavam bichos e homens com tiros de morteirete próximo da temível Ponta Varela, exorcizando os diabos negros que infestavam o tarrafe e os cerrados palmeirais que circundavam as margens do Geba, ao mesmo tempo que um solitário T-6, protector como um anjo da guarda, sobrevoava a foz do Corubal, ronceiro, sob um céu de chumbo (ou de bronze incandescente ?), em círculos concêntricos como o voo do sinistro jagudi - que fareja a morte, dizem os guinéus, a quilómetros de distância -, acabando por alijar a sua carga mortífera lá para longe, talvez a norte, em Madina/Belel, talvez a sul, no Fiofioli – após a nossa chegada a bom porto…

Na circunstância, um porto fluvial, um sítio chamado Xime, sem qualquer tabuleta que o identificasse – um pontão acostável, uma guarnição militar a nível de companhia (com um destacamento no Enxalé, do outro lado do rio e da bolanha), três obuses Krupp, silenciosos mas ameaçadores, meia dúzia de casas de estilo colonial, de adobe e chapa de zinco, e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo, ruínas dum antigo posto administrativo, restos de uma comunidade mandinga, vestígios de um decadente entreposto comercial, cercados de holofotes, arame farpado, espaldões, valas, abrigos, a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento, dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime> 1969: A LDG (Lancha de Desembarque Grande) 105 pronta a descarregar mais um contingente de tropas no cais do Xime, a caminho da Zona leste. Ou, como diz o fotógrafo, "LDG a abicar no cais do Xime em Novembro de 1969 com mais uma carga de carne para canhão".


© Humberto Reis (2005)


Todo o tráfego para a Zona Leste passava inevitavelmente pelo Xime, sendo o rio Geba (ou Xaianga) navegável até Bafatá, mas apenas por embarcações de pequeno calado, e mesmo era assim uma aventura devido ao risco de emboscadas especialmente no Mato Cão, no troço entre o Xime e Bambadinca quando o rio estreitava e se espraiava pela terra dentro, enroscando-se como uma cobra entre a bolanha e a floresta…

E como os cães (vadios) que se levam na carroça camarária, lá seguimos a caminho do matadouro ou de um outro qualquer destino cruel, para um sítio no mínimo desconhecido, que sabíamos apenas chamar-se Contuboel (2), algures no leste da Guiné, a meio caminho entre Bafatá e a fronteira norte, para aí formarmos companhia, transportados em estranhos camiões que habitualmente serviam para reboque de peças de artilharia – por ironia, chamados Matadores! - , entre alas de soldados, tugas, que faziam segurança nos flancos, bronzeados pelos trópicos, de lenços de pescoço garridos – tão garridos como o traje da minhota em dia de arraial, tão desconcertantemente garridos em contraste com o camuflado já comido do sol e da chuva - , alardeando a sua velhice, por gestos que revelavam um misto de paternalismo, sobranceiria, fanfarronice e inconsciência -, esforçando-se por asssinalar, a nós, pobres e assustados periquitos, o buracão da última mina, os vestígios da última emboscada, a curva fatídica onde, por detrás dos morros de baga-baga, a morte podia estar à nossa espreita, sob a forma do lendário Fernandes, antigo futebolista do Sporting de Bissau, de quem se dizia ser capaz de fazer saltar a cabeça dum tuga a 100 metros de distância com um único tiro certeiro de RGP… Pobres periquitos que engoliam todas as patranhas que lhes impingiam desde a chegada a Bissau, propagadas de esplanada em esplanada, do Bento ao Pelicano, como fogo atiçado ao capim…

Um arrepio de frio percorreu-me o corpo de alto a baixo. Instintivamente tirei os meus óculos, puxei a escassa gola do camuflado para o desguarnecido pescoço, enterrei o quico na cabeça e pus a patilha da G-3 no automático – quebrando assim, pela primeira vez, o juramento que a mim próprio fizera, ainda em Santa Margarida (3), de nunca mais pôr uma bala na câmara, depois do lamentável incidente com a velha mauser em que, durante um das brincadeiras estúpidas da IAO, no assalto a uma tenda de campanha do inimigo-a-fingir, havia arrancado os fundilhos das calças da farda nº 3 a um cabo miliciano, quase à queima roupa, com uma bala de madeira...

A meu lado, o pobre do Pastilhas (4) suava por todos os poros, à medida que o gigante da floresta verde abria os seus braços para nos deixar passar… A começar pelo nosso capitão, o afável capitão Brito, veterano da Índia, seguíamos todos tensos e calados, tentando disfarçar o natural nervosismo de quem entrava abruptamente no famoso TO (teatro de operações) da Guiné.

Pairava ainda na estrada Xime-Bambadinca o fantasma do furriel vagomestre do Xime que em Ponta Coli, antes de Amedalai, tinha por hábito desafiar impunemente o turra, insultando-o de cabrão e filha da puta para cima, turra esse que nós iríamos aprender a respeitar com a reverência temerosoa que é devida a todos os inimigos poderosos, armados ou não de RPG – até que um dia morreu com um tiro na nuca e a bela Helena de Bafatá nos braços (5).

… Amorosa Helena, pequena fula dengosa, ‘salva das garras do Islão’ (sic) por zelosos missionários católicos – mas não da faca da fanateca, que te extirpou, na festa do fanado, o clitóris – para se tornar o colchão de todas as camas, a Vénus negra de batalhões inteiros, a iniciadora sexual de mancebos que as sortes vieram arrancar às saias da mamã, a alegre e traquinas companheira de muitas farras de caserna, correndo nua e lasciva do regaço de tropas bêbedos que nem cachos, para o abrigo mais próximo quando às tantas da madrugada soava o canhão sem recuo!...

... Bela Helena de Bafatá que sabias pôr na ordem os arruaceiros paraquedistas de Galomaro que te batiam à porta a pontapé quando eu estava contigo, deitado na tua liteira, e me dispensavas pequenas gentilezas – um ronco de missangas, vermelhas, ou uma talhada de papaia que trazias do mercado – sempre que eu ia a Bafatá e procurava a tua companhia, na melhor das hipóteses, uma vez por mês, no dia de folga dos guerreiros… Tu e as tuas amigas de Bafatá que tanto trabalho deram que fazer ao competentíssimo furriel enfermeiro Martins, que nunca punha os pés fora da sua enfermaria e que eu duvido que alguma vez tenha ido a Bafatá, o nosso querido Pastilhas que vivia 24 horas dentro do arame farpado, trabalhando incansavelmente, de bata branca, em prol de uma Guiné Melhor, que nos aturou mil e um travessuras, partidas de mau gosto, brincadeiras estúpidas, bebedeiras de caixão à cova e sobretudo nos curou de alguns valentes esquentamentos…

… Destes e doutros males de amores, estás perdoada, Helena. Afinal, quem vai à guerra, dá e leva… Tu curavas-nos dos males da alma, o Pastilhas dos males do corpo… Entretanto, quando a guerra acabar, para mim e para os meus camaradas da CCAÇ 12, não terei tido tempo de te devolver a pulseira de missangas vermelhas nem de te dizer um 'Adeus, até sempre', um adeus sem regresso… Guardarei de ti a doce lembrança das tuas estridentes e saudáveis gargalhadas, do cheiro exótico do teu corpo, das tuas sagradas funções de sacerdotiza do amor em tempo de guerra… Imagino que a tua vida não tenha sido fácil depois da independência, se é que lá chegaste com vida e saúde… Nunca mais tive notícias tuas, mas hoje, revendo a minha primeira viagem, por terra, no interior da Guiné, do Xime até Contuboel onde me esperavam os meus queridos 'nharros', ao longo do interminável dia de 2 de Junho de 1969, o teu nome, o teu rosto e as tuas gargalhadas vieram-me à lembrança…

...Lembrei-te de ti em Ponta Coli, frente à vasta bolanha, agora seara inútil de capim alto, com o cadáver do furriel vagomestre nos braços; lembrei-te de ti e das minhas escapadelas a Bafatá… Também foste, à tua maneira, uma heroína daquela guerra, minha impossível amiga, separada pelos papéis que nos obrigaram a representar na tragicomédia da guerra colonial da Guiné… Daí figurares, contra a toda a ortodoxia (do teu povo fula, dos teus missionários católicos, dos 'tugas' que apenas queriam o teu corpo, dos revolucionários do PAIGC que não te terão perdoado o colaboracionismo com os colonialistas, para mais sendo tu conterrâneo do pai da Pátria, o Amílcar Cabral), daí figurares, dizia eu, na minha galeria de heróis e de heroínas… Com todo o direito, com o direito que ganharam as mulheres do teu país, ofendidas e humilhadas, violentadas pelo sistema, pela guerra, pela dominância dos machos, pelo imperativo da sobrevivência… Aceita esta pequena homenagem da minha parte, onde quer que estejas, na terra, no céu ou no inferno!


Continuando em coluna militar, atravessámos, a pé, a ponte do Rio Undunduma, parcialmente dinamitada uns dias antes, na noite de 28 de Maio, por ocasião do ataque, em força, à sede do comando do sector, em Bambadinca. Um grupo de combate (6) defendia desde então, dia e noite, aquele ponto sensível cuja destruição total significaria de imediato o fim das ligações terrestres com a Zona Leste (Bafatá e Gabu).

Estávamos, porém, longe de imaginar que, volvidos alguns meses, iríamos passar muitas noites e dias, intermináveis dias e noites, naquele morro triste e solitário, desmatado a motoserra, sobranceiro ao rio Undunduma, afluente do Geba, e à extensa bolanha de Samba Silate e Nhabijões, apanhando peixes à granada para matar a fome e o tédio, dormindo em valas protegidas por bidões de areia, tendo por tecto um pedaço de chapa de zinco e por companhia pequenos répteis esverdeados que nos divertiam com as suas acrobáticas flexões e a quem ficávamos gratos – se outros méritos não tivessem ! - pelo serviço de faxina que, todas as manhãs, nos prestavam, ao limparem-nos os fétidos colchões de espuma de toda a caterva de parasitas (7).

Luís Graça

Fonte: (Pre)texto: “Na Guiné, longe do Vietname” (inédito). © Luís Graça (1981-2005)(7)

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Notas de L.G.

(1) Vd post de 8 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LII: Antologia (2): A fábula do jagudi e do falcão

(2) Vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (Junho de 1969)

(3) vd post de 24 de Junhod e 2005 > Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida

(4) Alcunha do nosso furriel miliciano enfermeiro Martins... Um excelente profissional e um grande amigo!

(5) Na hitória do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), é referida, como actividade do IN em Maio de 1969, entre outras uma emboscada, em 15 de Maio, à 8h15, por um grupo de cerca de 20 elementos, com RPG e armas automáticas, durante 25 minutos, de que foram vítimas forças da CART 1746 (companhia sediada no Xime), no troço Xime-Amedalai, e que resultaram 4 feridos graves (incluindo um sargento), dois feridos ligeiros e danos em viatura. Duas horas antes, na estrada de Mansambo-Bambadinca, forças da CART 2339 (sediadasa em Mansambo) sofriam um emboscada de 25 minutos, sem consequências…

Dias antes, a 4 de Maio, pelas 7h30, no itinerário Dembataco-Amedalai tinha sido a vez de uma secção (reforçada) do Pelotão e Mílicias 105 sofreruma violenta emboscada, de 55 minutos, levada a cabo por um grupo IN de 30 elementos, com armas automáticas e LGFog de que resultaram um morto e um ferido grave (sargento de milícia), além da perda de um G-3 e de uma caixa de fardamento…

(6) Só agora fiquei a saber tratar-se do Grupo de Combate do Carlos Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), tanto pelo seu relato neste blogue – vd post de 4 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIX: Os Solitários da CART 2339 na Ponte do Rio Undunduma e em Fá – como pela consulta da História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Capítulo II, página 87).

Fiquei também a saber que nessa mesma noite, já depois de chegarmos a Contuboel, sãos e salvos, “três grupos não estimados flagelaram (…) simultaneamente os destacamentos de Amedalai, Dembataco e Moricanhe, utilizadnod 7 canhões sem recuo, 8 morteiros 82, 13 lança-granadas foguete, metralhadora [pesada] 12.7, várias metralhadoras ligeiras e armas automáticas”, causando um morto e três feridos entre as milícias e um morto e quatro feridos entre os civis, além de danos materiais nas tabancas…

Muito provavelmente alguns elementos destes grupos ter-nos-ão visto, à distância, e acompanhado visualmente a progressão da nossa coluna, ao longo da estrada do Xime… Por sorte nesse dia o que estava planeado era um violentíssimo ataque a três destacamentos de milícias (o primeiro dos quais sito na estrada Xime-Bambadinca) e não propriamente uma emboscada, em força, aos periquitos que chegavam de Bissau… Uf, que sorte!...

(7) Vd. posts anteriores, de 13 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXVIII: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã ; e de 14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau

Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xime > 1997 : Rio Geba. Cais de desembarque, em ruínas.

Por aqui passaram, durante a guerra (1963-1974), milhares e milhares de homens, viaturas , armas e demais material, desembarcados em LDM e LDG (Lanchas de Desembarque Médias e Grandes). A partir do Xime, o rio passava a designar-se por Geba Estreito, sendo navegável até Bafatá apenas através de pequenas embarcações civis ou LDP (Lanchas de Desembarque Pequenas).

© Humberto Reis(2005)

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Texto de Luís Graça:

- Como um cão apanhado na rede – repetia eu, nessa manhã de 2 de Junho de 1969, no fundo da LDG Bombarda, entre fardos de colchões de espuma, cunhetes de munições, Unimogs novinhos em folha e velhas malas de viagem atadas com cordões, enquanto os fuzileiros, hercúleos, heróicos, em tronco nu, de garrafa de cerveja na mão, assustavam bichos e homens com tiros de morteirete próximo da temível Ponta Varela, exorcizando os diabos negros que infestavam o tarrafe e os cerrados palmeirais que circundavam as margens do Geba, ao mesmo tempo que um solitário T-6, protector como um anjo da guarda, sobrevoava a foz do Corubal, ronceiro, sob um céu de chumbo (ou de bronze incandescente ?), em círculos concêntricos como o voo do sinistro jagudi - que fareja a morte, dizem os guinéus, a quilómetros de distância -, acabando por alijar a sua carga mortífera lá para longe, talvez a norte, em Madina/Belel, talvez a sul, no Fiofioli – após a nossa chegada a bom porto…

Na circunstância, um porto fluvial, um sítio chamado Xime, sem qualquer tabuleta que o identificasse – um pontão acostável, uma guarnição militar a nível de companhia (com um destacamento no Enxalé, do outro lado do rio e da bolanha), três obuses Krupp, silenciosos mas ameaçadores, meia dúzia de casas de estilo colonial, de adobe e chapa de zinco, e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo, ruínas dum antigo posto administrativo, restos de uma comunidade mandinga, vestígios de um decadente entreposto comercial, cercados de holofotes, arame farpado, espaldões, valas, abrigos, a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento, dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime> 1969: A LDG (Lancha de Desembarque Grande) 105 pronta a descarregar mais um contingente de tropas no cais do Xime, a caminho da Zona leste. Ou, como diz o fotógrafo, "LDG a abicar no cais do Xime em Novembro de 1969 com mais uma carga de carne para canhão".


© Humberto Reis (2005)


Todo o tráfego para a Zona Leste passava inevitavelmente pelo Xime, sendo o rio Geba (ou Xaianga) navegável até Bafatá, mas apenas por embarcações de pequeno calado, e mesmo era assim uma aventura devido ao risco de emboscadas especialmente no Mato Cão, no troço entre o Xime e Bambadinca quando o rio estreitava e se espraiava pela terra dentro, enroscando-se como uma cobra entre a bolanha e a floresta…

E como os cães (vadios) que se levam na carroça camarária, lá seguimos a caminho do matadouro ou de um outro qualquer destino cruel, para um sítio no mínimo desconhecido, que sabíamos apenas chamar-se Contuboel (2), algures no leste da Guiné, a meio caminho entre Bafatá e a fronteira norte, para aí formarmos companhia, transportados em estranhos camiões que habitualmente serviam para reboque de peças de artilharia – por ironia, chamados Matadores! - , entre alas de soldados, tugas, que faziam segurança nos flancos, bronzeados pelos trópicos, de lenços de pescoço garridos – tão garridos como o traje da minhota em dia de arraial, tão desconcertantemente garridos em contraste com o camuflado já comido do sol e da chuva - , alardeando a sua velhice, por gestos que revelavam um misto de paternalismo, sobranceiria, fanfarronice e inconsciência -, esforçando-se por asssinalar, a nós, pobres e assustados periquitos, o buracão da última mina, os vestígios da última emboscada, a curva fatídica onde, por detrás dos morros de baga-baga, a morte podia estar à nossa espreita, sob a forma do lendário Fernandes, antigo futebolista do Sporting de Bissau, de quem se dizia ser capaz de fazer saltar a cabeça dum tuga a 100 metros de distância com um único tiro certeiro de RGP… Pobres periquitos que engoliam todas as patranhas que lhes impingiam desde a chegada a Bissau, propagadas de esplanada em esplanada, do Bento ao Pelicano, como fogo atiçado ao capim…

Um arrepio de frio percorreu-me o corpo de alto a baixo. Instintivamente tirei os meus óculos, puxei a escassa gola do camuflado para o desguarnecido pescoço, enterrei o quico na cabeça e pus a patilha da G-3 no automático – quebrando assim, pela primeira vez, o juramento que a mim próprio fizera, ainda em Santa Margarida (3), de nunca mais pôr uma bala na câmara, depois do lamentável incidente com a velha mauser em que, durante um das brincadeiras estúpidas da IAO, no assalto a uma tenda de campanha do inimigo-a-fingir, havia arrancado os fundilhos das calças da farda nº 3 a um cabo miliciano, quase à queima roupa, com uma bala de madeira...

A meu lado, o pobre do Pastilhas (4) suava por todos os poros, à medida que o gigante da floresta verde abria os seus braços para nos deixar passar… A começar pelo nosso capitão, o afável capitão Brito, veterano da Índia, seguíamos todos tensos e calados, tentando disfarçar o natural nervosismo de quem entrava abruptamente no famoso TO (teatro de operações) da Guiné.

Pairava ainda na estrada Xime-Bambadinca o fantasma do furriel vagomestre do Xime que em Ponta Coli, antes de Amedalai, tinha por hábito desafiar impunemente o turra, insultando-o de cabrão e filha da puta para cima, turra esse que nós iríamos aprender a respeitar com a reverência temerosoa que é devida a todos os inimigos poderosos, armados ou não de RPG – até que um dia morreu com um tiro na nuca e a bela Helena de Bafatá nos braços (5).

… Amorosa Helena, pequena fula dengosa, ‘salva das garras do Islão’ (sic) por zelosos missionários católicos – mas não da faca da fanateca, que te extirpou, na festa do fanado, o clitóris – para se tornar o colchão de todas as camas, a Vénus negra de batalhões inteiros, a iniciadora sexual de mancebos que as sortes vieram arrancar às saias da mamã, a alegre e traquinas companheira de muitas farras de caserna, correndo nua e lasciva do regaço de tropas bêbedos que nem cachos, para o abrigo mais próximo quando às tantas da madrugada soava o canhão sem recuo!...

... Bela Helena de Bafatá que sabias pôr na ordem os arruaceiros paraquedistas de Galomaro que te batiam à porta a pontapé quando eu estava contigo, deitado na tua liteira, e me dispensavas pequenas gentilezas – um ronco de missangas, vermelhas, ou uma talhada de papaia que trazias do mercado – sempre que eu ia a Bafatá e procurava a tua companhia, na melhor das hipóteses, uma vez por mês, no dia de folga dos guerreiros… Tu e as tuas amigas de Bafatá que tanto trabalho deram que fazer ao competentíssimo furriel enfermeiro Martins, que nunca punha os pés fora da sua enfermaria e que eu duvido que alguma vez tenha ido a Bafatá, o nosso querido Pastilhas que vivia 24 horas dentro do arame farpado, trabalhando incansavelmente, de bata branca, em prol de uma Guiné Melhor, que nos aturou mil e um travessuras, partidas de mau gosto, brincadeiras estúpidas, bebedeiras de caixão à cova e sobretudo nos curou de alguns valentes esquentamentos…

… Destes e doutros males de amores, estás perdoada, Helena. Afinal, quem vai à guerra, dá e leva… Tu curavas-nos dos males da alma, o Pastilhas dos males do corpo… Entretanto, quando a guerra acabar, para mim e para os meus camaradas da CCAÇ 12, não terei tido tempo de te devolver a pulseira de missangas vermelhas nem de te dizer um 'Adeus, até sempre', um adeus sem regresso… Guardarei de ti a doce lembrança das tuas estridentes e saudáveis gargalhadas, do cheiro exótico do teu corpo, das tuas sagradas funções de sacerdotiza do amor em tempo de guerra… Imagino que a tua vida não tenha sido fácil depois da independência, se é que lá chegaste com vida e saúde… Nunca mais tive notícias tuas, mas hoje, revendo a minha primeira viagem, por terra, no interior da Guiné, do Xime até Contuboel onde me esperavam os meus queridos 'nharros', ao longo do interminável dia de 2 de Junho de 1969, o teu nome, o teu rosto e as tuas gargalhadas vieram-me à lembrança…

...Lembrei-te de ti em Ponta Coli, frente à vasta bolanha, agora seara inútil de capim alto, com o cadáver do furriel vagomestre nos braços; lembrei-te de ti e das minhas escapadelas a Bafatá… Também foste, à tua maneira, uma heroína daquela guerra, minha impossível amiga, separada pelos papéis que nos obrigaram a representar na tragicomédia da guerra colonial da Guiné… Daí figurares, contra a toda a ortodoxia (do teu povo fula, dos teus missionários católicos, dos 'tugas' que apenas queriam o teu corpo, dos revolucionários do PAIGC que não te terão perdoado o colaboracionismo com os colonialistas, para mais sendo tu conterrâneo do pai da Pátria, o Amílcar Cabral), daí figurares, dizia eu, na minha galeria de heróis e de heroínas… Com todo o direito, com o direito que ganharam as mulheres do teu país, ofendidas e humilhadas, violentadas pelo sistema, pela guerra, pela dominância dos machos, pelo imperativo da sobrevivência… Aceita esta pequena homenagem da minha parte, onde quer que estejas, na terra, no céu ou no inferno!


Continuando em coluna militar, atravessámos, a pé, a ponte do Rio Undunduma, parcialmente dinamitada uns dias antes, na noite de 28 de Maio, por ocasião do ataque, em força, à sede do comando do sector, em Bambadinca. Um grupo de combate (6) defendia desde então, dia e noite, aquele ponto sensível cuja destruição total significaria de imediato o fim das ligações terrestres com a Zona Leste (Bafatá e Gabu).

Estávamos, porém, longe de imaginar que, volvidos alguns meses, iríamos passar muitas noites e dias, intermináveis dias e noites, naquele morro triste e solitário, desmatado a motoserra, sobranceiro ao rio Undunduma, afluente do Geba, e à extensa bolanha de Samba Silate e Nhabijões, apanhando peixes à granada para matar a fome e o tédio, dormindo em valas protegidas por bidões de areia, tendo por tecto um pedaço de chapa de zinco e por companhia pequenos répteis esverdeados que nos divertiam com as suas acrobáticas flexões e a quem ficávamos gratos – se outros méritos não tivessem ! - pelo serviço de faxina que, todas as manhãs, nos prestavam, ao limparem-nos os fétidos colchões de espuma de toda a caterva de parasitas (7).

Luís Graça

Fonte: (Pre)texto: “Na Guiné, longe do Vietname” (inédito). © Luís Graça (1981-2005)(7)

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Notas de L.G.

(1) Vd post de 8 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LII: Antologia (2): A fábula do jagudi e do falcão

(2) Vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (Junho de 1969)

(3) vd post de 24 de Junhod e 2005 > Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida

(4) Alcunha do nosso furriel miliciano enfermeiro Martins... Um excelente profissional e um grande amigo!

(5) Na hitória do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), é referida, como actividade do IN em Maio de 1969, entre outras uma emboscada, em 15 de Maio, à 8h15, por um grupo de cerca de 20 elementos, com RPG e armas automáticas, durante 25 minutos, de que foram vítimas forças da CART 1746 (companhia sediada no Xime), no troço Xime-Amedalai, e que resultaram 4 feridos graves (incluindo um sargento), dois feridos ligeiros e danos em viatura. Duas horas antes, na estrada de Mansambo-Bambadinca, forças da CART 2339 (sediadasa em Mansambo) sofriam um emboscada de 25 minutos, sem consequências…

Dias antes, a 4 de Maio, pelas 7h30, no itinerário Dembataco-Amedalai tinha sido a vez de uma secção (reforçada) do Pelotão e Mílicias 105 sofreruma violenta emboscada, de 55 minutos, levada a cabo por um grupo IN de 30 elementos, com armas automáticas e LGFog de que resultaram um morto e um ferido grave (sargento de milícia), além da perda de um G-3 e de uma caixa de fardamento…

(6) Só agora fiquei a saber tratar-se do Grupo de Combate do Carlos Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), tanto pelo seu relato neste blogue – vd post de 4 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXIX: Os Solitários da CART 2339 na Ponte do Rio Undunduma e em Fá – como pela consulta da História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (Capítulo II, página 87).

Fiquei também a saber que nessa mesma noite, já depois de chegarmos a Contuboel, sãos e salvos, “três grupos não estimados flagelaram (…) simultaneamente os destacamentos de Amedalai, Dembataco e Moricanhe, utilizadnod 7 canhões sem recuo, 8 morteiros 82, 13 lança-granadas foguete, metralhadora [pesada] 12.7, várias metralhadoras ligeiras e armas automáticas”, causando um morto e três feridos entre as milícias e um morto e quatro feridos entre os civis, além de danos materiais nas tabancas…

Muito provavelmente alguns elementos destes grupos ter-nos-ão visto, à distância, e acompanhado visualmente a progressão da nossa coluna, ao longo da estrada do Xime… Por sorte nesse dia o que estava planeado era um violentíssimo ataque a três destacamentos de milícias (o primeiro dos quais sito na estrada Xime-Bambadinca) e não propriamente uma emboscada, em força, aos periquitos que chegavam de Bissau… Uf, que sorte!...

(7) Vd. posts anteriores, de 13 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXVIII: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã ; e de 14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau

Guiné 63/74 - CDXLIII: Mais estórias do Virgínio Briote (2): Clara

Guiné > 1972 > Eleição da Miss-Guiné 72: "A juventude guineense: presença e confiança no futuro, aliadas a uma indómita vontade de vencer". (in: Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão. Lisboa: edição de autor. 1972. 113).

(Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes, 2005)

CLARA

Boas notícias da metrópole! Para quem lá estava as coisas corriam bem. Mini-saias, calças à boca-de-sino. Nunca tinha visto, não fazia ideia como era, mas tudo bem, acreditava. Diziam que o comércio prosperava, que a têxtil e a construção cresciam. Que havia emprego. Que se construíam casas, se arranjavam outras, estradas novas, um pandemónio, espantados os que vinham de férias. E mais não se fazia porque, diziam, havia falta de mão-de-obra. Estavam cerca de 200.000 jovens no Ultramar mais os que se tinham pirado claro, não se podia ter tudo!

Por cá tudo bem, obrigado. Estava com 21 anos. Deixara Lisboa com o peito para fora, ia defender a Pátria dos terroristas a soldo de Moscovo. Sentia-se cansado mas também não se podia ter tudo, não é?

Calor húmido, o suor a escorrer pelo corpo todo, ora um chuveiro. Procurou roupa para se vestir. Só tinha um camuflado, o que trazia vestido. O Sany tinha lavado as camisas, cuecas, calças, toda a roupa que tinha, que não era muita que também não precisava, depois do Vidraças numa fúria que mais uma vez lhe deu no quarto, ter quebrado a caixa de Gin do furriel Morais. No quarto nem pensar entrar, cheirava a Gordon’s em Bissau inteira quanto mais em Brá! Lerpou, já não precisa do Gin, gritava o Vidraças para o tecto!

Guiné > Brá > 1966 > Centro de instrução e sede dos comandos. Recorde-se que foi aqui, em Brá, a nordeste de Bissau, que nasceram os comandos da Guiné, primeiro organizados em grupos e depois em companhia. Estes comandos, de primeira geração (ou os "velhos comandos") antecederam a primeira companhia de comandos metropolitana, formada em Lamego, e aqui chegada em Junho de 1966 (3ª CCmds).

© Virgínio Briote(2005)


Para espairecer nada melhor que uma volta. Toca, Alegre, que se faz tarde põe o ME-14-04 no piche para Bissau, põe essa chocolateira a andar. Vento quente na cara, curva do Hospital Militar, onde a propaganda dizia que ferido que lá entre já não morre, chiça que não fosse ele, recta para o bairro indígena de Bissau. As primeiras casas, gente, cães, cabras, tudo em câmara lenta.

Eh, pára aí, Alegre, que pressa danada, olha aquilo, o quê, meu alferes, aquela morena ali, não vês? Ah? Alegre, estás a vê-la bem? O meu alferes quer que faça marcha-atrás, qual atrás, Alegre, abre mas é os olhos e pára já aí! Põe-te à sombra, não demoro.

Onde se meteu? Perdeu-a de vista, mas uma beleza daquelas não pode desaparecer assim! E aí está ela outra vez, ah assim sim, dança a andar, onde terá aprendido?

Não acreditas? Está a olhar para ti, deve estar á tua espera, ou não? É contigo, não disfarces, estás a olhar para onde? Está espantada, sem saber bem o que fazer. E agora? Vai ter com ela, pode precisar de alguma coisa, nunca se sabe, estamos aqui uns para os outros, não foi isso que te ensinaram em Mafra, ajudar a população civil, a voz dentro dele não se calava, não foi? Pergunta-lhe o caminho, que te dê a mão e te leve, que interessa para onde?

Chegou-se a ela, a ferver. Boa tarde, como está? Que, boa não se pergunta, via-se!
O Joaquim já não mora aqui? Mas, qual Joaquim? Então, o Joaquim Comando, não conhece? E o seu nome qual é? Clara, que graça, fica bem consigo, não gosta do nome porquê? Então não conhece o Joaquim? E a mim também não? Não podemos estar aqui a falar? Onde então? Hoje não, Clara, porquê? Oh, esta semana também não? Só nãos, Clara, quando um sim? Então quando, Clara? Domingo às 2 da tarde aqui? Tanto tempo, Clara? Ah, aqui não, junto àquela casa? Clara…

Uma velha negra abre-lhe a porta da sala. A Clara está lá, passa roupa a ferro. Fresca, cabelo molhado a escorrer, vestido às flores, botões costas abaixo, que pernas, sandália rasa, até os pés pareciam ter levado pedra-pomes!

Boa tarde, Clara, mãos nem sabia aonde. Chegou-se a ela, um cheiro a fresco, tinha acabado de tomar banho, via-se. Porque quer falar comigo? Estou comprometida, sabe, alferes? Ele também, aliás estavam todos!

Clara, não resisti, enfim, quero conhecê-la, faz mal, pergunta? Estremeceu quando o sentiu encostar-se. Que está a fazer, alferes? Não podemos ficar assim só um bocadinho, Clara? Claro que não, não sou de pedra, o desejo não deixa, é grande demais, arrepia-se ao contacto dos dedos, os lábios dele no seu pescoço, ah, não posso, alferes, aliás não devo, poder posso, mas não devo.

O ferro pousado, a Clara ofegante, de costas, as nádegas pressionadas, as mãos dele nem acreditavam, os mamilos a quererem fugir das mamas inchadas. Ah, Clara, a tua pele, o teu cheiro! O vestido a abrir-se, os dedos dele a descer, ela toda arrepiada a dizer não, não posso, podes, Clara, não te está a saber bem? Está, alferes, mas não posso mais, vai-te embora, por favor, alferes, não posso mais!

Deitados no chão, o fumo do cigarro, Clara a querer mais brincadeira, senta-se, coxas abertas, mamas empinadas, é bom assim, suspira que sente, mexe-se devagar, gozo na cara…

Durou dois meses este encontro, sempre à mesma hora na casa da velha. Um prazer, um ritual obrigatório também, antes de uma saída para o mato, e depois de um bom banho, que prémio à chegada!

Até um dia em que, em má hora, passou e a viu pendurar roupa no arame. Não pares, não olhes para mim, vai-te embora que estragas tudo, Gil! Vais-te arrepender! Não me toques, ele está cá.

Viram-se todos ao mesmo tempo, o Gil, o sócio e a irmã dela. Então é você quem anda por aqui e eu é que pago as despesas, reponta. Ok, amigo, fique com a Clara! Já que come, pague ao menos a despesa!

Uma pena, mas teve que ser. Deixou de a procurar. Muitos meses depois numa rua de Bissau, uma voz conhecida, Gil! Parou, olhou para trás. Clara! Sorriso triste. Nunca mais me procuraste, quis tanto falar contigo mais que uma vez, não quiseste saber dos meus recados…

Envergonhado, baixou os olhos. Estava grávida. Foi a última vez que viu a Clara.

Virgínio Briote

(Ex-Al Mil Comando, Brá, 1965/67)

Guiné 63/74 - CDXLIII: Mais estórias do Virgínio Briote (2): Clara

Guiné > 1972 > Eleição da Miss-Guiné 72: "A juventude guineense: presença e confiança no futuro, aliadas a uma indómita vontade de vencer". (in: Pintasilgo, J. M. - Manga de Ronco no Chão. Lisboa: edição de autor. 1972. 113).

(Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes, 2005)

CLARA

Boas notícias da metrópole! Para quem lá estava as coisas corriam bem. Mini-saias, calças à boca-de-sino. Nunca tinha visto, não fazia ideia como era, mas tudo bem, acreditava. Diziam que o comércio prosperava, que a têxtil e a construção cresciam. Que havia emprego. Que se construíam casas, se arranjavam outras, estradas novas, um pandemónio, espantados os que vinham de férias. E mais não se fazia porque, diziam, havia falta de mão-de-obra. Estavam cerca de 200.000 jovens no Ultramar mais os que se tinham pirado claro, não se podia ter tudo!

Por cá tudo bem, obrigado. Estava com 21 anos. Deixara Lisboa com o peito para fora, ia defender a Pátria dos terroristas a soldo de Moscovo. Sentia-se cansado mas também não se podia ter tudo, não é?

Calor húmido, o suor a escorrer pelo corpo todo, ora um chuveiro. Procurou roupa para se vestir. Só tinha um camuflado, o que trazia vestido. O Sany tinha lavado as camisas, cuecas, calças, toda a roupa que tinha, que não era muita que também não precisava, depois do Vidraças numa fúria que mais uma vez lhe deu no quarto, ter quebrado a caixa de Gin do furriel Morais. No quarto nem pensar entrar, cheirava a Gordon’s em Bissau inteira quanto mais em Brá! Lerpou, já não precisa do Gin, gritava o Vidraças para o tecto!

Guiné > Brá > 1966 > Centro de instrução e sede dos comandos. Recorde-se que foi aqui, em Brá, a nordeste de Bissau, que nasceram os comandos da Guiné, primeiro organizados em grupos e depois em companhia. Estes comandos, de primeira geração (ou os "velhos comandos") antecederam a primeira companhia de comandos metropolitana, formada em Lamego, e aqui chegada em Junho de 1966 (3ª CCmds).

© Virgínio Briote(2005)


Para espairecer nada melhor que uma volta. Toca, Alegre, que se faz tarde põe o ME-14-04 no piche para Bissau, põe essa chocolateira a andar. Vento quente na cara, curva do Hospital Militar, onde a propaganda dizia que ferido que lá entre já não morre, chiça que não fosse ele, recta para o bairro indígena de Bissau. As primeiras casas, gente, cães, cabras, tudo em câmara lenta.

Eh, pára aí, Alegre, que pressa danada, olha aquilo, o quê, meu alferes, aquela morena ali, não vês? Ah? Alegre, estás a vê-la bem? O meu alferes quer que faça marcha-atrás, qual atrás, Alegre, abre mas é os olhos e pára já aí! Põe-te à sombra, não demoro.

Onde se meteu? Perdeu-a de vista, mas uma beleza daquelas não pode desaparecer assim! E aí está ela outra vez, ah assim sim, dança a andar, onde terá aprendido?

Não acreditas? Está a olhar para ti, deve estar á tua espera, ou não? É contigo, não disfarces, estás a olhar para onde? Está espantada, sem saber bem o que fazer. E agora? Vai ter com ela, pode precisar de alguma coisa, nunca se sabe, estamos aqui uns para os outros, não foi isso que te ensinaram em Mafra, ajudar a população civil, a voz dentro dele não se calava, não foi? Pergunta-lhe o caminho, que te dê a mão e te leve, que interessa para onde?

Chegou-se a ela, a ferver. Boa tarde, como está? Que, boa não se pergunta, via-se!
O Joaquim já não mora aqui? Mas, qual Joaquim? Então, o Joaquim Comando, não conhece? E o seu nome qual é? Clara, que graça, fica bem consigo, não gosta do nome porquê? Então não conhece o Joaquim? E a mim também não? Não podemos estar aqui a falar? Onde então? Hoje não, Clara, porquê? Oh, esta semana também não? Só nãos, Clara, quando um sim? Então quando, Clara? Domingo às 2 da tarde aqui? Tanto tempo, Clara? Ah, aqui não, junto àquela casa? Clara…

Uma velha negra abre-lhe a porta da sala. A Clara está lá, passa roupa a ferro. Fresca, cabelo molhado a escorrer, vestido às flores, botões costas abaixo, que pernas, sandália rasa, até os pés pareciam ter levado pedra-pomes!

Boa tarde, Clara, mãos nem sabia aonde. Chegou-se a ela, um cheiro a fresco, tinha acabado de tomar banho, via-se. Porque quer falar comigo? Estou comprometida, sabe, alferes? Ele também, aliás estavam todos!

Clara, não resisti, enfim, quero conhecê-la, faz mal, pergunta? Estremeceu quando o sentiu encostar-se. Que está a fazer, alferes? Não podemos ficar assim só um bocadinho, Clara? Claro que não, não sou de pedra, o desejo não deixa, é grande demais, arrepia-se ao contacto dos dedos, os lábios dele no seu pescoço, ah, não posso, alferes, aliás não devo, poder posso, mas não devo.

O ferro pousado, a Clara ofegante, de costas, as nádegas pressionadas, as mãos dele nem acreditavam, os mamilos a quererem fugir das mamas inchadas. Ah, Clara, a tua pele, o teu cheiro! O vestido a abrir-se, os dedos dele a descer, ela toda arrepiada a dizer não, não posso, podes, Clara, não te está a saber bem? Está, alferes, mas não posso mais, vai-te embora, por favor, alferes, não posso mais!

Deitados no chão, o fumo do cigarro, Clara a querer mais brincadeira, senta-se, coxas abertas, mamas empinadas, é bom assim, suspira que sente, mexe-se devagar, gozo na cara…

Durou dois meses este encontro, sempre à mesma hora na casa da velha. Um prazer, um ritual obrigatório também, antes de uma saída para o mato, e depois de um bom banho, que prémio à chegada!

Até um dia em que, em má hora, passou e a viu pendurar roupa no arame. Não pares, não olhes para mim, vai-te embora que estragas tudo, Gil! Vais-te arrepender! Não me toques, ele está cá.

Viram-se todos ao mesmo tempo, o Gil, o sócio e a irmã dela. Então é você quem anda por aqui e eu é que pago as despesas, reponta. Ok, amigo, fique com a Clara! Já que come, pague ao menos a despesa!

Uma pena, mas teve que ser. Deixou de a procurar. Muitos meses depois numa rua de Bissau, uma voz conhecida, Gil! Parou, olhou para trás. Clara! Sorriso triste. Nunca mais me procuraste, quis tanto falar contigo mais que uma vez, não quiseste saber dos meus recados…

Envergonhado, baixou os olhos. Estava grávida. Foi a última vez que viu a Clara.

Virgínio Briote

(Ex-Al Mil Comando, Brá, 1965/67)

Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo

Post nº 442


Guiné > Zona Leste > Mansambo > 1968: A construção de uma das oito casernas-abrigo, cada um das quais albergava duas secções


História da “feitoria” de Mansambo, com foral a partir de 21 de Abril de 1968 (Texto de Carlos Marques dos Santos, ex-furriel miliciano da CART 2339, 1968/69)

A ideia de “fortificar” as imediações da pequena tabanca de Mansambo (sob a chefia do Leonardo – um velho homem grande) terá sido iniciada ainda antes do General Spínola ter chegado à Guiné como Governador e Comandante Chefe.

De “pingalim”, de monóculo, de luvas, bem fardado e com uma postura de “cavalaria”, como mandavam as regras, era assim que aparecia, de surpresa no mato em visitas de informação ou operações, algumas já descritas noutras ocasiões aqui na tertúlia.

Em Fevereiro de 1968,depois de várias acções de controlo na zona, faz-se a primeira visita para saber da viabilidade de construir um “aquartelamento altamente fortificado” que sustivesse a força do IN (a partir das matas do Poidon e Burontoni) no célebre triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.

Devo notar que, por notícias, havia gente nossa em piores dificuldades. Justiça seja feita.

Guiné > Zona Leste > Mansambo > 1968 > O pessoal da CART 2339 aprendeu a viver como as toupeiras, o que não impedia de se divertir...


Em 21 de Abril de 1968 1 Gr Comb, neste caso o 4º da CART 2339, inicia a ocupação de Mansambo e a construção de casernas-abrigo e em sobreposição com 1 Gr Comb da Cart 1646.

Em Julho todo o pessoal operacional estava aí instalado, ainda com a Formação em Fá Mandinga.

Só em Novembro a Companhia se reuniu na totalidade.

Algumas notas: A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974.

Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês.

Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca.

Nota: Em 2 de Julho de 1968 o COCom-Chehefe visitou Fá, a 4 visitou Mansambo, tendo voltado a 20 de Setembro de 1968, depois da emboscada na fonte.

Depois desta nota introdutória, no sentido de percebermos o contexto que nos rodeava, seguiremos invocando a História da Companhia:

O projecto era do BENG 447, a mão de obra era o nosso pessoal, que, no terreno, construía um aquartelamento, com base nos materiais de construção que quase diariamente lhe era enviado em enormes colunas de reabastecimento.

Cada abrigo-caserna tinha capacidade para 2 secções. 15 dias depois de iniciada a obra o Cmdt da Companhia deslocou-se para Mansambo para supervisionar os trabalhos.


O Gr Comb da 1646 regressou ao Xitole e a partir daí a segurança era realizada pelo pessoal da Companhia que ainda estava sediado em Fá Mandinga.

Guiné > Zona Leste > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Uma sessão de hipnotismo com uma assistência numerosa e fascinada...

Cada Gr Comb ficou encarregado da constução de dois abrigos. A disposição dos abrigos (8) era em quadrado. Em simultâneo procedia-se à desmatação e capinagem das imediações.

Entretanto a Secretaria mudou-se para Bambadinca e só em Novembro se estabelece em Mansambo, com a adaptação de um abrigo e procede-se à construção de uma enfermaria, um depósito de géneros, uma cozinha e um poço que abasteceria os balneários e em geral o aquartelamento.

A iluminação exterior e interior, a gerador, foi inaugurada a 4 de Agosto de 1968.
Grande “ronco”: balas tracejantes, morteirada, etc., etc., etc.. Mais vistoso que fogo de artifício. Até aí eram as garrafas de cerveja (bazucas) com mechas que serviam de iluminação.


Guiné > Zona Leste > Mansambo > 1968 > Um das suites do hotel de Mansambo...

Os abrigos, construídos em blocos de cimento, executados no local, tinham porta e umas “seteiras”, eram recobertos na sua fachada com terra, cerca de um metro e meio, bidões de gasóleo, inteiros ou abertos em chapas planas.

Os telhados, eram executados, com terra, bocados de baga-baga, cibes, chapas de bidões e mais cibes. Uma verdadeira fortaleza (???).

Já houve quem questionasse o limite da sua segurança. Nós fomos atacados muitas vezes e, ou por falta de pontaria do IN ou pela qualidade da instalação, não tivemos, nesse aspecto razão de queixa.

Texto e fotografia:

© Carlos Marques dos Santos (2005)