27 outubro 2004

Blogantologia(s) - XX: O exercício ilegal da medicina

Olho do alto,

Do mais alto edifício da Lisboa fontista,

O marquês in su situ,

O dito marquês de Pombal,

Le plus fameux marquis du Portugal:

Estatuado,

Bem apessoado,

Em pose de Estado,

Mas sem insígnias de general:

Apeado,

Sem burro, mula ou cavalo

Para se poder passear

Nas avenidas novas, burguesas.



Consulto o guia turístico do pós-25 de Abril

E vejo que lhe falta, do polícia oitocentista,

O cassetete e o apito,

Mas ele está bem assim,

Acima do Rei,

Maçon e republicano,

Domando o leão,

Dominando a cidade,

Serena, sibilina,

Com o Terreiro do Paço

E o Rio Tejo, o mundo, ao fundo.

Comment ils sont toujours gais, les portugais.



Olho-o de alto,

Sem desprezo nem paixão,

Com o tal olhar sociológico,

Profundo,

Perscrutador,

Que me ensinou o meu professor

De métodos e técnicas

De investigação:

Saibam escutar Deus,

E ponham a falar o pecador.


Deus e a sua corte,

Mais os grandes deste mundo.



Mas só agora reparo

No meu pequeno problema

Do foro oftalmológico.

Não é uma questão de vida ou de morte,

Mas apenas de incapacidade:

Estou com falta de perspectiva,

Não tenho o súbito ângulo de visão,

Nem a suficiente lucidez,

Luminosa, altiva,

Para descer do pedestal

E caminhar, erecto e sozinho,

Pela Avenida, larga, da Liberdade.



Não, não sou pederasta nem pedófilo,

Sou o Intendente,

Do Largo do mesmo nome,

Pina Manique, um seu criado para o servir.

E eu, cá por mim,

Prezo-me de ser um gajo decente,

Não fumo, não bebo, não conspiro,

Sou um anónimo súbdito leal,

Respeitador da lei e da grei:

Je viens du Siècle du Son et Lumière,

Mas sou daqui natural,

Primata social,

De sangue quente,

Português, discreto,

Cidadão avant la lettre,

Jacobino, às vezes,

Maçónico,

Clandestino,

E hoje liberal dos sete costados,

Como o Espada, o Pacheco ou o Barreto;

Por azar, nascido no Estado Novo,

Educado em escola do Conde de Ferreira,

Que antes de conde era visconde,

Como antes tinha sido barão e cavaleiro,

E antes de tudo era o José Ferreira,

Mascido em Gondomar,

Médio camponês, maior roceiro e negreiro,

Filantropo, benemérito,

Apoiante da causa da Dona Maria,

E que eu saiba nunca foi setembrista

Ou capitalista manufactureiro;

Mas que deixou o remanescente da sua imensa fortuna

Para fazer a escolinha

Para o menino e a menina;

E por duplo azar o meu,

Sou ex-combatente da guerra colonial,

Nas bolanhas da Guiné,

Terra de azenegues e de negros;

E ainda por cima

Contribuinte ilíquido,

Cibernauta, blogador,

Com sintomas de burnout,

Ao virar da esquina do século vinte e um.

Desculpe, Senhor Intendente, Excelência,

Mas não reparei na velhinha

Com o cão pela trela,

Na passagem de peões.




Enfim, andei como tu,

Pobre marquês no ocaso dos dias,

Grande marquês o resto do ano,

Uma vida inteira

A exercer ilegalmente

O mister da existência,

O ofício de viver:

A enterrar os mortos

E a cuidar dos vivos,

A destruir o passado,

A construir o presente

E a desenhar o futuro.

Só não matei de morte matada,

Por objecção de consciência.



E afinal,

Alguém me passou um atestado

De robustez física

Para poder circular

Entre o núcleo duro

Da insanidade mental

Da mítica cidade de Ulisses:

Hoje faz parte da blogosfera,

A cidade gravada em cobre por Braúnio

Em Civitates Orbis Terrarum.

Não sei como deixei escapar

Esta exposição

No Centro Cultural de Belém,

Diz o Intendente Pina Manique,

Agora caído em desgraça.



Entre reclusos e negros,

Mouros cativos

E filósfosos esotéricos,

Judeus sefarditas

E cristãos velhos,

Marinheiros e mercadores,

Batedores, dançarinos e cantadores de fado,

Portadores do virús HIV,

Operários sinistrados

Das obras do convento de Mafra

E poetas alcoolizados

No Martinho da Arcádia,

Pederastas e prefeitos

Dos Reais Colégios,

Passei pela consulta do morbo gálico

No Hospital Real de Todos os Santos.

Estava semi-destruído,

Vinte anos depois da Grande Peste

(De que Deus nos livre!).



Afinal, o meu mal era português,

Disse-me o físico,

De serviço ao banco de urgência.

Era já velho, trinta anos,

A cara coberta de bexigas

Por causa da varíola

Ou de algum esquentamento mal curado

- E aos trinta anos, senhor,

Quem não é médico é louco
,

Ameaçou-me o maqueiro,

Mal barbeado,

Com ar de galicado

E chulo do Bairro Alto.

Dei-me, o físico, alguns unguentos e sedativos

E um estranho papel com uma receita:

'Senhor real boticário,

É completamente inútil

Este exercício ilegal da medicina,

O mal do doente é português

E quiçá irremediável e universal:

Do coração a sangrar não há sinais,

Dê-se conhecimento ao físico-mor

Para os devidos efeitos

E procedimentos habituais!.




Hoje a cidade está vazia

À hora de ponta

E já não se dispensam mais

Cuidados paliativos.

Facto trivial,

Uma criança é abandonada

Na Roda da Misericórdia,

E um turista acidental espreita

À porta, fechada, da cervejaria Trindade,

Enquanto El-Rei, nosso senhor,

Sangra de saúde, compulsivo,

E deixa o seu ministro aflito.

Nas paredes do hospital da cidade

Alguém escreveu um grafito

Jocoso, quiçá subversivo:

Meu Caro Marquês, em Lisboa...

Nem sangria má nem purga boa!
.

Blogantologia(s) - XX: O exercício ilegal da medicina

Olho do alto,
Do mais alto edifício da Lisboa fontista,
O marquês in su situ,
O dito marquês de Pombal,
Le plus fameux marquis du Portugal:
Estatuado,
Bem apessoado,
Em pose de Estado,
Mas sem insígnias de general:
Apeado,
Sem burro, mula ou cavalo
Para se poder passear
Nas avenidas novas, burguesas.

Consulto o guia turístico do pós-25 de Abril
E vejo que lhe falta, do polícia oitocentista,
O cassetete e o apito,
Mas ele está bem assim,
Acima do Rei,
Maçon e republicano,
Domando o leão,
Dominando a cidade,
Serena, sibilina,
Com o Terreiro do Paço
E o Rio Tejo, o mundo, ao fundo.
Comment ils sont toujours gais, les portugais.

Olho-o de alto,
Sem desprezo nem paixão,
Com o tal olhar sociológico,
Profundo,
Perscrutador,
Que me ensinou o meu professor
De métodos e técnicas
De investigação:
Saibam escutar Deus,
E ponham a falar o pecador.

Deus e a sua corte,
Mais os grandes deste mundo.

Mas só agora reparo
No meu pequeno problema
Do foro oftalmológico.
Não é uma questão de vida ou de morte,
Mas apenas de incapacidade:
Estou com falta de perspectiva,
Não tenho o súbito ângulo de visão,
Nem a suficiente lucidez,
Luminosa, altiva,
Para descer do pedestal
E caminhar, erecto e sozinho,
Pela Avenida, larga, da Liberdade.

Não, não sou pederasta nem pedófilo,
Sou o Intendente,
Do Largo do mesmo nome,
Pina Manique, um seu criado para o servir.
E eu, cá por mim,
Prezo-me de ser um gajo decente,
Não fumo, não bebo, não conspiro,
Sou um anónimo súbdito leal,
Respeitador da lei e da grei:
Je viens du Siècle du Son et Lumière,
Mas sou daqui natural,
Primata social,
De sangue quente,
Português, discreto,
Cidadão avant la lettre,
Jacobino, às vezes,
Maçónico,
Clandestino,
E hoje liberal dos sete costados,
Como o Espada, o Pacheco ou o Barreto;
Por azar, nascido no Estado Novo,
Educado em escola do Conde de Ferreira,
Que antes de conde era visconde,
Como antes tinha sido barão e cavaleiro,
E antes de tudo era o José Ferreira,
Mascido em Gondomar,
Médio camponês, maior roceiro e negreiro,
Filantropo, benemérito,
Apoiante da causa da Dona Maria,
E que eu saiba nunca foi setembrista
Ou capitalista manufactureiro;
Mas que deixou o remanescente da sua imensa fortuna
Para fazer a escolinha
Para o menino e a menina;
E por duplo azar o meu,
Sou ex-combatente da guerra colonial,
Nas bolanhas da Guiné,
Terra de azenegues e de negros;
E ainda por cima
Contribuinte ilíquido,
Cibernauta, blogador,
Com sintomas de burnout,
Ao virar da esquina do século vinte e um.
Desculpe, Senhor Intendente, Excelência,
Mas não reparei na velhinha
Com o cão pela trela,
Na passagem de peões.


Enfim, andei como tu,
Pobre marquês no ocaso dos dias,
Grande marquês o resto do ano,
Uma vida inteira
A exercer ilegalmente
O mister da existência,
O ofício de viver:
A enterrar os mortos
E a cuidar dos vivos,
A destruir o passado,
A construir o presente
E a desenhar o futuro.
Só não matei de morte matada,
Por objecção de consciência.

E afinal,
Alguém me passou um atestado
De robustez física
Para poder circular
Entre o núcleo duro
Da insanidade mental
Da mítica cidade de Ulisses:
Hoje faz parte da blogosfera,
A cidade gravada em cobre por Braúnio
Em Civitates Orbis Terrarum.
Não sei como deixei escapar
Esta exposição
No Centro Cultural de Belém,
Diz o Intendente Pina Manique,
Agora caído em desgraça.

Entre reclusos e negros,
Mouros cativos
E filósfosos esotéricos,
Judeus sefarditas
E cristãos velhos,
Marinheiros e mercadores,
Batedores, dançarinos e cantadores de fado,
Portadores do virús HIV,
Operários sinistrados
Das obras do convento de Mafra
E poetas alcoolizados
No Martinho da Arcádia,
Pederastas e prefeitos
Dos Reais Colégios,
Passei pela consulta do morbo gálico
No Hospital Real de Todos os Santos.
Estava semi-destruído,
Vinte anos depois da Grande Peste
(De que Deus nos livre!).

Afinal, o meu mal era português,
Disse-me o físico,
De serviço ao banco de urgência.
Era já velho, trinta anos,
A cara coberta de bexigas
Por causa da varíola
Ou de algum esquentamento mal curado
- E aos trinta anos, senhor,
Quem não é médico é louco
,
Ameaçou-me o maqueiro,
Mal barbeado,
Com ar de galicado
E chulo do Bairro Alto.
Dei-me, o físico, alguns unguentos e sedativos
E um estranho papel com uma receita:
'Senhor real boticário,
É completamente inútil
Este exercício ilegal da medicina,
O mal do doente é português
E quiçá irremediável e universal:
Do coração a sangrar não há sinais,
Dê-se conhecimento ao físico-mor
Para os devidos efeitos
E procedimentos habituais!.


Hoje a cidade está vazia
À hora de ponta
E já não se dispensam mais
Cuidados paliativos.
Facto trivial,
Uma criança é abandonada
Na Roda da Misericórdia,
E um turista acidental espreita
À porta, fechada, da cervejaria Trindade,
Enquanto El-Rei, nosso senhor,
Sangra de saúde, compulsivo,
E deixa o seu ministro aflito.
Nas paredes do hospital da cidade
Alguém escreveu um grafito
Jocoso, quiçá subversivo:
Meu Caro Marquês, em Lisboa...
Nem sangria má nem purga boa!
.

25 outubro 2004

BlogAngola II - Álbum de fotografias dos meus amigos

1. Não me venham acusar de falta de pudor, ao abrir à curiosidade da blogosfera o álbum de fotografias dos meus amigos. São alunos e professores do 1º Curso de Pós-Graduação em Administração de Serviços de Saúde, organizado conjuntamente pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (Portugal), a Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto e o Ministério da Saúde de Angola (MINSA), com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (Portugal).



2. O curso, que teve início em Setembro de 2003 e deverá terminar (a parte lectiva, com um total de 630 horas) no final de 2004, é destinado a directores de hospitais angolanos, centrais e provinciais (directores gerais e directores clínicos). O curso está organizado por blocos e módulos (3 x 7 = 21 x 30 horas). Cada módulo, de 30 horas, funciona de 2ª feira à sexta, das 8 horas às 14 horas. A parte lectiva é dada nas instalações do Instituto Superior de Enfermagem (ISE), que pertence à Universidade Agostinho Neto.



3. As fotografias agora disponibilizadas respeitam aos módulos I (Investigação em Serviços de Saúde) e II (Gestão de Recursos Humanos III), do Bloco III, que tiveram lugar entre 20 de Setembro e 1 de Outubro de 2004. As pessoas fotografadas autorizaram a divulgação da sua imagem e do seu nome neste álbum, num gesto de amizade para comigo que muito me sensibliza, mas que é recíproca.



Ao fim de um ano de os conhecer e trabalhar com eles (em quatro módulos semanais diferentes), só posso dizer que eles (na generalidade, médicos) são pessoas excepcionais e alunos dedicados, além de angolanos patriotas: amam a sua pátria e querem arrancar o seu povo da lista dos mais desfavorecidos do mundo face à saúde e aos cuidados de saúde... Por tudo isso, eu tenho a obrigação de divulgar as fotos dos nossos encontros.

BlogAngola II - Álbum de fotografias dos meus amigos

1. Não me venham acusar de falta de pudor, ao abrir à curiosidade da blogosfera o álbum de fotografias dos meus amigos. São alunos e professores do 1º Curso de Pós-Graduação em Administração de Serviços de Saúde, organizado conjuntamente pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (Portugal), a Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto e o Ministério da Saúde de Angola (MINSA), com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (Portugal).

2. O curso, que teve início em Setembro de 2003 e deverá terminar (a parte lectiva, com um total de 630 horas) no final de 2004, é destinado a directores de hospitais angolanos, centrais e provinciais (directores gerais e directores clínicos). O curso está organizado por blocos e módulos (3 x 7 = 21 x 30 horas). Cada módulo, de 30 horas, funciona de 2ª feira à sexta, das 8 horas às 14 horas. A parte lectiva é dada nas instalações do Instituto Superior de Enfermagem (ISE), que pertence à Universidade Agostinho Neto.

3. As fotografias agora disponibilizadas respeitam aos módulos I (Investigação em Serviços de Saúde) e II (Gestão de Recursos Humanos III), do Bloco III, que tiveram lugar entre 20 de Setembro e 1 de Outubro de 2004. As pessoas fotografadas autorizaram a divulgação da sua imagem e do seu nome neste álbum, num gesto de amizade para comigo que muito me sensibliza, mas que é recíproca.

Ao fim de um ano de os conhecer e trabalhar com eles (em quatro módulos semanais diferentes), só posso dizer que eles (na generalidade, médicos) são pessoas excepcionais e alunos dedicados, além de angolanos patriotas: amam a sua pátria e querem arrancar o seu povo da lista dos mais desfavorecidos do mundo face à saúde e aos cuidados de saúde... Por tudo isso, eu tenho a obrigação de divulgar as fotos dos nossos encontros.