15 outubro 2005

Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole, 2001: Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa.


© David J. Guimarães (2005) (ex-furriel mil. da CART 2716, Xitole,1970/72)



Iniciada em 8 de Março de 1969 com a duração de 11 dias, a Op Lança Afiada foi uma das grandes operações que se realizaram na época (1), ainda no início do consulado do brigadeiro António Spínola (1968-73), um mês depois da trágica retirada de Madina do Boé (2).

A Op Lança Afiada envolveu cerca de 1300 homens, entre militares, milícias e carregadores. Houve cerca de duas dúzias e meia de flagelações das NT por parte dos guerrilheiros, os quais no entanto se furtaram ao contacto directo. As populações sob controlo do IN passaram, com alguma segurança, para o lado do rio Corubal. Os fuzileiros não puderam ou quiseram participar nesta operação, que também não envolveu outras tropas especiais (comandos e paras). Foi, pois, uma operação só com tropa macaca, embora a nível de regimento, sendo comandada por um coronel (Hélio Felgas). Quase um terço dos efectivos eram carregadores !!!

Pensava-se que em Mina, junto ao Rio Corubal, estaria sedeado o Comando do Sector 2, da estrutura político-militar do PAIGC. Pensava-se também que havia um grande hospital, com médicos e enfermeiras... cubanos!

Do ponto de vista militar, a operação foi um bluff... Em contrapartida, houve inúmeras evacuações (n=110) dos nossos combatentes, devido a problemas de desidratação, desnutrição, esgotamento físico e stresse psicológico... É interessante a análise do autor do relatório sobre os sucessos e os insucessos desta megaoperação de...limpeza.

Damos hoje início à publicação de alguns excertos desse relatório. Tratando-se de uma fotocópia de um documento dactilografado e possivelmente policopiado a stencil, com data de 1970, há erros e omissões que eu procurei colmatar ou corrigir, sempre que possível. Também substituímos algumas abreviaturas para tornar o texto mais legível para os paisanos ou os que não fizeram tropa nem estiveram na Guiné.

L.G.

(i) Vd. post de 31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

(2) Vd. post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)



__________________


Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 48-54. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste documento em formato.pdf)

Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - I parte

1. Situação: Inimigo


1.1. Desde há anos que a região da margem direita do Rio Corubal até à linha Xime-Xitole, é considerada uma zona de refúgio e preparação do IN [inimigo]. A profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), tudo isto são características que convidam o IN a permanecer na Zona, em relativa tranquilidade.

O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT [Nossas Tropas] em operação conjunta de meios navais e helitransportados.

A deficiência destes meios contribuiu para o quase completo sossego em que o IN tem vivido na área, controlando uma população de balantas e beafadas que o alimenta e que se reputa numerosa. E determinou a realização da Op Lança Afiada com o emprego exclusivo de forças terrestres.


1.2. O reconhecimento aéreo e as poucas operações realizadas não dão uma ideia muito clara acerca do IN na região considerada. Admite-se no entanto que existam na região pelo menos 5 bigrupos e um grupo de artilharia.

As acções ofensivas do IN tem sido relativamente espaçadas e dirigidas contra o Xime, Mansambo e Xitole, além de emboscadas nas estradas Xime-Bambadinca e Mansambo-Xitole e de penetrações contra tabancas fiéis na direcção do [regulado do] Cossé e na área entre o Xitole e Saltinho.

Embora apresentando bom potencial de fogo (canhão s/r, mort 82 e 60, LGFog, etc.), o IN continua a mostrar uma execução deficiente. As reacções à actividade das NT não têm sido muito fortes. Mas os poucos trilhos de acesso estão normalmente armadilhados. O IN embosca por vezes as NT quando regressam a quartéis. Além disso tem tiro de Mort 82 preparados sobre os seus próprios acampamentos, executando-os quando as NT os ocupam. E as arrecadações de material e armamento encontram-se em geral afastados dos acampamentos.

De uma maneira geral podem considerar-se as seguintes áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


1.3

a) Área de Poindon:

Localização aproximada – (1500 1155 B2). RVIS efectuado em Novembro de 1968 revelou que toda a área se encontrava muito povoada tendo sido referenciadas mais de 15 casas de mato distribuídas por 2 núcleos. As bolanhas estavam cultivadas.

b) Área de Baio-Buruntoni:

Baio – Localização aproximada: (1500 1150 G7); deve ser uns dois a três km a Oeste. Chefe: Mário Mendes. Efectivo aproximado: 1 bigrupo dividido com Varela.

Burontoni – Localização aproximada: (1500 1150 G7) e (1455 1150 A 7). Efectivo aproximado: 100 homens: Armamento: MP, Mort 82 e 650, LGRFog.

c) Área de Gã Garnes (Ponta do Inglês):

Localização aproximada – (1500 11540 B5-5) com trilhos de acesso a Baio e à Ponta João da Silva. O itinerário a seguir quando se vem da Ponta do Inglês atravessa o Rio Buruntoni em (1500 1150 A2 -82). Efectivos e armamento: mais de 15 homens com Mort, LGFog, etc.

d)
Área de Ponta Luís Dias – Gã João:

Ponta Luís Dias – Localização: (1505 11?3 F3 ou G2 G0-44). O itinerário mais fácil parece ser pela margem do Rio Corubal mas na época seca pode ir-se partindo de Gã Garnes. Efectivos: Cerca de 25 (?) elementos, armados de MP, ML, Mort 82 e 60, LGFog., etc. Consta talvez (?) 1 Canhão s/r em Ponta Luís Dias, apontando para o Corubal.

Gã João - Localização: (1505 1150 H5 ou I6 ou 13-55).Acessos idênticos ao acampamento de Ponta Luís Dias. Pode ficar à direita da picada Ponta Luís Dias – Ponta do Inglês sobre um trilho que parte desta. Foi localizado um grupo de casa em 1505 1150 G9-2.

e) Área de Mangai-Tubacuta:

Mangai – Localização: (1505 1145 G8). O acesso é mais fácil pela margem do Corubal. Por terra o acesso mais fácil parece ser por Madina Tenhegi (1500 1150 E2). Efectivos: 1 Gr Artilharia, parte em Tubacuta.

Tubacuta – Localização: (1500 1145 B9 B6 ? ), entre a tabanca e a Casa Gouveia, ao pé da bolanha. O acesso é mais fácil pela margemdo Rio Corubal ou partir de Madina Tenhegi. Efectivos: mais de 100 homens com cubanos.

f) Área de Madina Tenhegi:

Não há referências sobre acampamentos IN.

g) Área de Fiofioli:

Localização: (1500 1145 E4 ou D5). Não são conhecidos os acessos à área. A mata do Fiofioli é muito [ densa ? ] e está praticamente cercada por bolanhas que o IN provavelmente baterá. Efectivos: talvez 1 bigrupo. Consta existir um hospital, com médicos cubanos.

h) Área de Cancodeas:

Cancodea Balanta – Localização: (1500 1145 E3). Efectivos: 50 homens armados.

Cancodea Beafada – Localização: (1500 1145 G2)

1) Área de Mina – Gã Júlio:

Mina – Localização: Em (1500 1145 h6 ou I6), na mata próxima da tabanca, dividida em dois núcleos, afastados cerca de 400 metros. Um núcleo é formado pelas instalações de pessoal e pelo posto de rádio. Parece ser aqui o comando do Sector 2 do IN. Consta haver uma enfermaria com cubanos. Há quem diga existir 200 elementos IN. Mas há quem diga serem poucos. A reacção à operação dos páras em 16 de Dezembro de 1968 foi nula. Em Novembro de 1968 foi indicada a existência de canhão s/r, 10 LGFog, 5 metralhadoras Degtyarev, 1 morteiro 60, etc.

Gã Júlio – Localização: (1500 1145 D4 ou E4). Não há outras indicações.

j) Área de Galo Corubal – Satecuta:

Galo Corubal – Localização (1455 1145 D4 ou E4), no fundo do palmar e a cerca de 300 m do Rio Corubal. O acesso tem sido feito pelo Norte do Rio Pulon desde a estrada Xitole-Mansambo, mas as NT têm-se perdido por vezes. O acesso, atrvés do Rio Pulon, próximo da foz, por Seco Braima, pode ser efito na época seca. Efectivos e armamento: Considerados poucos, mas com MP, ML, Mort LGRFog.

Satecuta – Localização (1455 1145 D2 ou E2 ou F2), a oeste de Seco Braima. Acesso idêntic o ao de Galo Corubal. Em meados de 67, apresentava grande actividade IN. O acampamento foi detsruído em Maio de 68, baixando a actividade IN. Efectivos: ignoram-se mas parecem dispor de MP, ML, Mort LGRFog.

l) Área de Galoiel:

Localização (1455 1150 F1) próximo de Galoiel. Ataque das NT em 28 de Novembro de 1968 repelido pelo IN. Novo ataque em 23 de Dezembro não tendo o IN oferecido quase resistência. Efectivos entre 20 a 30 elementos, armados com LGRFog, Mort 82, ML, etc.


1.4. Admite-se que, sendo a Op Lança Afiada, uma operação demorada, o IN tenha possibilidade de reforçar os seus bigrupos, exercendo um esforço sobre este ou aquele dos nossos destacamentos. Admite-se também que quer as populações civis sob controlo In quer o próprio IN atravessem de noite o Rio Corubal, furtando-se assim ao contacto com as NT.


2. Missão:

- Atacar e destruir ou capturar o IN em toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole;

-Nomadizar na região procurando trilhos que serão imediatamente explorados;

- Capturar a população civil;

- Destruir todos os meios de vida encontrados e que não possam ser oportunamente transportados.


Carregadores do PAIGC. Fonte: Regiões Libertadas da Guiné (Bissau). Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras. Agência de Notícias Xinhua. 1972.© Agência de Notícias Xinhua (1972).


3. Força executante

a. Comandante: Coronel Hélio Felgas.

b. Comandantes das sub-unidades:


Agrupamento táctico norte: Ten. Cor. Manuel M. P. Bastos: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga);

Agrupamento tático sul: Ten. Cor. Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho).

(…) Cada Dest levava cerca de 12 carregadores por Gr Comb (sendo este variável de companhia para companhia). Para enquadramento e protecção destes carregadores foram utilizados 3 Pelotões de Milícias distribuídos pelos vários Dest.

Total dos efectivos (1291) empregues:

a) Militares:36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças;
b) Milícias: 106;
c) Guias e carregadores 379 (…) .

(continua)

________

Abreviaturas

Canhão /sr = Canhão sem recuo
Dest = Destacamento
LGRFog = Lança-granadas-foguetes
ML = Metralhadoras ligeiras
Mort = Morteiro
MP = Metralhadoras pesadas

Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

Guiné-Bissau > Zona Leste > Xitole, 2001: Ponte Marechal Carmona , sobre o Rio Corubal, na estrada Bambadinca-Xitole-Aldeia Formosa.


© David J. Guimarães (2005) (ex-furriel mil. da CART 2716, Xitole,1970/72)



Iniciada em 8 de Março de 1969 com a duração de 11 dias, a Op Lança Afiada foi uma das grandes operações que se realizaram na época (1), ainda no início do consulado do brigadeiro António Spínola (1968-73), um mês depois da trágica retirada de Madina do Boé (2).

A Op Lança Afiada envolveu cerca de 1300 homens, entre militares, milícias e carregadores. Houve cerca de duas dúzias e meia de flagelações das NT por parte dos guerrilheiros, os quais no entanto se furtaram ao contacto directo. As populações sob controlo do IN passaram, com alguma segurança, para o lado do rio Corubal. Os fuzileiros não puderam ou quiseram participar nesta operação, que também não envolveu outras tropas especiais (comandos e paras). Foi, pois, uma operação só com tropa macaca, embora a nível de regimento, sendo comandada por um coronel (Hélio Felgas). Quase um terço dos efectivos eram carregadores !!!

Pensava-se que em Mina, junto ao Rio Corubal, estaria sedeado o Comando do Sector 2, da estrutura político-militar do PAIGC. Pensava-se também que havia um grande hospital, com médicos e enfermeiras... cubanos!

Do ponto de vista militar, a operação foi um bluff... Em contrapartida, houve inúmeras evacuações (n=110) dos nossos combatentes, devido a problemas de desidratação, desnutrição, esgotamento físico e stresse psicológico... É interessante a análise do autor do relatório sobre os sucessos e os insucessos desta megaoperação de...limpeza.

Damos hoje início à publicação de alguns excertos desse relatório. Tratando-se de uma fotocópia de um documento dactilografado e possivelmente policopiado a stencil, com data de 1970, há erros e omissões que eu procurei colmatar ou corrigir, sempre que possível. Também substituímos algumas abreviaturas para tornar o texto mais legível para os paisanos ou os que não fizeram tropa nem estiveram na Guiné.

L.G.

(i) Vd. post de 31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

(2) Vd. post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)



__________________


Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 48-54. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste documento em formato.pdf)

Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - I parte

1. Situação: Inimigo


1.1. Desde há anos que a região da margem direita do Rio Corubal até à linha Xime-Xitole, é considerada uma zona de refúgio e preparação do IN [inimigo]. A profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), tudo isto são características que convidam o IN a permanecer na Zona, em relativa tranquilidade.

O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT [Nossas Tropas] em operação conjunta de meios navais e helitransportados.

A deficiência destes meios contribuiu para o quase completo sossego em que o IN tem vivido na área, controlando uma população de balantas e beafadas que o alimenta e que se reputa numerosa. E determinou a realização da Op Lança Afiada com o emprego exclusivo de forças terrestres.


1.2. O reconhecimento aéreo e as poucas operações realizadas não dão uma ideia muito clara acerca do IN na região considerada. Admite-se no entanto que existam na região pelo menos 5 bigrupos e um grupo de artilharia.

As acções ofensivas do IN tem sido relativamente espaçadas e dirigidas contra o Xime, Mansambo e Xitole, além de emboscadas nas estradas Xime-Bambadinca e Mansambo-Xitole e de penetrações contra tabancas fiéis na direcção do [regulado do] Cossé e na área entre o Xitole e Saltinho.

Embora apresentando bom potencial de fogo (canhão s/r, mort 82 e 60, LGFog, etc.), o IN continua a mostrar uma execução deficiente. As reacções à actividade das NT não têm sido muito fortes. Mas os poucos trilhos de acesso estão normalmente armadilhados. O IN embosca por vezes as NT quando regressam a quartéis. Além disso tem tiro de Mort 82 preparados sobre os seus próprios acampamentos, executando-os quando as NT os ocupam. E as arrecadações de material e armamento encontram-se em geral afastados dos acampamentos.

De uma maneira geral podem considerar-se as seguintes áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


1.3

a) Área de Poindon:

Localização aproximada – (1500 1155 B2). RVIS efectuado em Novembro de 1968 revelou que toda a área se encontrava muito povoada tendo sido referenciadas mais de 15 casas de mato distribuídas por 2 núcleos. As bolanhas estavam cultivadas.

b) Área de Baio-Buruntoni:

Baio – Localização aproximada: (1500 1150 G7); deve ser uns dois a três km a Oeste. Chefe: Mário Mendes. Efectivo aproximado: 1 bigrupo dividido com Varela.

Burontoni – Localização aproximada: (1500 1150 G7) e (1455 1150 A 7). Efectivo aproximado: 100 homens: Armamento: MP, Mort 82 e 650, LGRFog.

c) Área de Gã Garnes (Ponta do Inglês):

Localização aproximada – (1500 11540 B5-5) com trilhos de acesso a Baio e à Ponta João da Silva. O itinerário a seguir quando se vem da Ponta do Inglês atravessa o Rio Buruntoni em (1500 1150 A2 -82). Efectivos e armamento: mais de 15 homens com Mort, LGFog, etc.

d)
Área de Ponta Luís Dias – Gã João:

Ponta Luís Dias – Localização: (1505 11?3 F3 ou G2 G0-44). O itinerário mais fácil parece ser pela margem do Rio Corubal mas na época seca pode ir-se partindo de Gã Garnes. Efectivos: Cerca de 25 (?) elementos, armados de MP, ML, Mort 82 e 60, LGFog., etc. Consta talvez (?) 1 Canhão s/r em Ponta Luís Dias, apontando para o Corubal.

Gã João - Localização: (1505 1150 H5 ou I6 ou 13-55).Acessos idênticos ao acampamento de Ponta Luís Dias. Pode ficar à direita da picada Ponta Luís Dias – Ponta do Inglês sobre um trilho que parte desta. Foi localizado um grupo de casa em 1505 1150 G9-2.

e) Área de Mangai-Tubacuta:

Mangai – Localização: (1505 1145 G8). O acesso é mais fácil pela margem do Corubal. Por terra o acesso mais fácil parece ser por Madina Tenhegi (1500 1150 E2). Efectivos: 1 Gr Artilharia, parte em Tubacuta.

Tubacuta – Localização: (1500 1145 B9 B6 ? ), entre a tabanca e a Casa Gouveia, ao pé da bolanha. O acesso é mais fácil pela margemdo Rio Corubal ou partir de Madina Tenhegi. Efectivos: mais de 100 homens com cubanos.

f) Área de Madina Tenhegi:

Não há referências sobre acampamentos IN.

g) Área de Fiofioli:

Localização: (1500 1145 E4 ou D5). Não são conhecidos os acessos à área. A mata do Fiofioli é muito [ densa ? ] e está praticamente cercada por bolanhas que o IN provavelmente baterá. Efectivos: talvez 1 bigrupo. Consta existir um hospital, com médicos cubanos.

h) Área de Cancodeas:

Cancodea Balanta – Localização: (1500 1145 E3). Efectivos: 50 homens armados.

Cancodea Beafada – Localização: (1500 1145 G2)

1) Área de Mina – Gã Júlio:

Mina – Localização: Em (1500 1145 h6 ou I6), na mata próxima da tabanca, dividida em dois núcleos, afastados cerca de 400 metros. Um núcleo é formado pelas instalações de pessoal e pelo posto de rádio. Parece ser aqui o comando do Sector 2 do IN. Consta haver uma enfermaria com cubanos. Há quem diga existir 200 elementos IN. Mas há quem diga serem poucos. A reacção à operação dos páras em 16 de Dezembro de 1968 foi nula. Em Novembro de 1968 foi indicada a existência de canhão s/r, 10 LGFog, 5 metralhadoras Degtyarev, 1 morteiro 60, etc.

Gã Júlio – Localização: (1500 1145 D4 ou E4). Não há outras indicações.

j) Área de Galo Corubal – Satecuta:

Galo Corubal – Localização (1455 1145 D4 ou E4), no fundo do palmar e a cerca de 300 m do Rio Corubal. O acesso tem sido feito pelo Norte do Rio Pulon desde a estrada Xitole-Mansambo, mas as NT têm-se perdido por vezes. O acesso, atrvés do Rio Pulon, próximo da foz, por Seco Braima, pode ser efito na época seca. Efectivos e armamento: Considerados poucos, mas com MP, ML, Mort LGRFog.

Satecuta – Localização (1455 1145 D2 ou E2 ou F2), a oeste de Seco Braima. Acesso idêntic o ao de Galo Corubal. Em meados de 67, apresentava grande actividade IN. O acampamento foi detsruído em Maio de 68, baixando a actividade IN. Efectivos: ignoram-se mas parecem dispor de MP, ML, Mort LGRFog.

l) Área de Galoiel:

Localização (1455 1150 F1) próximo de Galoiel. Ataque das NT em 28 de Novembro de 1968 repelido pelo IN. Novo ataque em 23 de Dezembro não tendo o IN oferecido quase resistência. Efectivos entre 20 a 30 elementos, armados com LGRFog, Mort 82, ML, etc.


1.4. Admite-se que, sendo a Op Lança Afiada, uma operação demorada, o IN tenha possibilidade de reforçar os seus bigrupos, exercendo um esforço sobre este ou aquele dos nossos destacamentos. Admite-se também que quer as populações civis sob controlo In quer o próprio IN atravessem de noite o Rio Corubal, furtando-se assim ao contacto com as NT.


2. Missão:

- Atacar e destruir ou capturar o IN em toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole;

-Nomadizar na região procurando trilhos que serão imediatamente explorados;

- Capturar a população civil;

- Destruir todos os meios de vida encontrados e que não possam ser oportunamente transportados.


Carregadores do PAIGC. Fonte: Regiões Libertadas da Guiné (Bissau). Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras. Agência de Notícias Xinhua. 1972.© Agência de Notícias Xinhua (1972).


3. Força executante

a. Comandante: Coronel Hélio Felgas.

b. Comandantes das sub-unidades:


Agrupamento táctico norte: Ten. Cor. Manuel M. P. Bastos: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga);

Agrupamento tático sul: Ten. Cor. Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho).

(…) Cada Dest levava cerca de 12 carregadores por Gr Comb (sendo este variável de companhia para companhia). Para enquadramento e protecção destes carregadores foram utilizados 3 Pelotões de Milícias distribuídos pelos vários Dest.

Total dos efectivos (1291) empregues:

a) Militares:36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças;
b) Milícias: 106;
c) Guias e carregadores 379 (…) .

(continua)

________

Abreviaturas

Canhão /sr = Canhão sem recuo
Dest = Destacamento
LGRFog = Lança-granadas-foguetes
ML = Metralhadoras ligeiras
Mort = Morteiro
MP = Metralhadoras pesadas

14 outubro 2005

Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau


O 2º Gr Comb da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), ainda em período de instrução da especialidade, em Contuboel (Junho de 1969) .

A este Gr Comb pertencia o Soldado de 2ª classe Iero Jau, que viria a morrer dois meses e tal depois, em 7 de Setembro de 1969, na Região do Xime, no decurso do assalto a um acampamento do IN (Op Pato Rufia). Não consigo localizar o Iero Jau nesta foto de grupo.

© António Levezinho (2005)


Texto de L.G.

Poema > Descansa em paz, Iero Jau


A guerra.
Essa coisa tão primordial que é a guerra.
Que estaria inscrita no teu ADN,
Segundo dizem os sociobiólogos.
A guerra é a continuação da evolução
Por outros meios,
Dirão os entomólogos,
Especialistas em insectos sociais,
Para quem a morte de um
Ou de um milhão
De formigas ou de seres humanos,
É-lhes totalmente indiferente.
Desde que triunfe o ADN,
Um projecto de ADN
Musculado.

Para mim, a guerra é
A aprendizagem da morte.
Aos vinte e dois anos.
É a inocência que se perde
Para sempre
Ao ver morrer pela primeira vez
Um homem, a teu lado.
É o impossível luto.
É a descoberta do mal absoluto.

Fight or flight.
Não precisei de fugir nem de lutar.
Recusei o egoísmo genético.
Recusei a lógica absurda
De matar ou morrer.
Recusei o cinismo.
Recusei a fria e calculista resignação
Com que se juntam e amortalham
Os cadáveres seguintes.
E se contam nas paredes da caserna
Os dias que faltam para a peluda.

Trinta e tal anos depois,
Venho dizer-te
As palavras que ninguém te disse
No teu grotesco enterro:
- Descansa em paz, Ieró Jau,
Meu herói!
Soldado atirador
Do 2º Grupo de Combate
Da CCAÇ 2590
Que virá mais tarde a chamar-se
CCAÇ 12.
Companhia de tropa-macaca,
A minha companhia,
Os meus camaradas,
O meu bando de primatas sociais,
Territoriais, predadores.
Fazíamos parte da nova força africana
De Herr Spínola, o prussiano,
Como eu lhe chamava,
Ao nosso Comandante-Chefe.
Não, não ligues,
São outros contos, outras estórias,
Outros ajustes de contas
Com as nossas doridas memórias.

Dscansa em paz,
Iéro Jau,
Debaixo do poilão secular
Na tua tabanca,
No chão fula,
Belíssimo poilão de uma triste tabanca fula,
Cercada de arame farpado,
Trincheiras e valas de abrigo.
Julgo que eras do regulado de Badora.
Ou seria Cossé,
Lá para os lados de Galomaro ? (1)

Desculpa-me ter esquecido
O nome da tua tabanca.
E a cara dos teus filhos
E o rosto das tuas mulheres,
Agora órfãos e viúvas,
Sozinhos neste mundo.
Os teus campos estão tristes e inférteis.
Já não dão o milho painço nem o fundo,
Nem a mancarra
Nem a noz de cola.
Os homens partiram para guerra.
Voltam agora numa caixão de pinho.
Restam os macabros jagudis,
Poisados no alto da tua morança,
Cheirando a morte,
Pressagiando a desgraça

Sete de Setembro de 1969.
Região do Xime.
Operação Pato Rufia (2).
Morreste em linha.
Aprumado como o teu poilão.
No assalto a um aquartelamento temporário do IN,
Próximo da Ponta do Inglês.

IN ? Que estranho termo ou expressão…
Uso-o por força do hábito,
Por comodidade,
Por lassidão,
Por economia de análise.

Curioso, nunca soube a tua idade.
Não tinhas bilhete de identidade
De cidadão português.
Eras um fula preto, um fula forro,
Não creio que fosses futa-fula.
Mas eu levei-te a enterrar na tua aldeia,
Mais os teus camaradas,
Que foram dizer-te ó último adeus.
Com honras militares, tiros de salva,
E a bandeira verde-rubra dos tugas
Por cima do teu caixão.
De pinho.
Do verde pinho de Portugal.
Nem isto te deixaram fazer
À maneira dos teus.

Portugal ? Ainda te lembras,
Os senhores que vieram do norte
E do lado mar.
Não, já não tens que saber de geografia.
Nem de história. Nem de geopolítica.
No sítio onde moras, debaixo do teu poilão.
Mas eu, mesmo ao fim destes anos todos,
Eu deveria saber o nome da tua aldeia,
No chão fula.
O teu nome, esse não esqueci,
Ieró Jau.
Esqueci foi o lugar onde nasceste,
Talvez Sinchã ou Sare qualquer coisa,
Mas faz mal.

O que interessa é que chorei por ti,
Confesso que chorei por ti,
Que morreste a meu lado,
E que levavas um prisioneiro,
Teu irmão,
Pela mão.
E que não eras meu irmão.
Nem grande nem pequeno.
Nem tinhas a mesma cor de pele.
Nem a mesma religião.
Nem a mesma língua.
Nem a mesma pátria.
Nem o mesmo continente.
Não comias carne de porco
Nem bebias água de Lisboa.
Eras apenas um guinéu,
Um nharro,
Soldado-atirador
De 2ª classe.
Ganhavas 600 pesos de pré.
Um saco de arroz por mês
Para alimentar a tua família.
Para mim, eras apenas um homem,
Da espécie Homo Sapiens Sapiens.
A única que chegou até aos nossos dias.
O que primeiro que eu vi morrer a meu lado.
Nunca mais chorei por ninguém.
Chorei por ti, Ieró Jau.
Chorei de raiva.

Nascemos meninos,
Mas fizeram-nos soldados.
Azar o meu e o teu,
Por termos nascido
No sítio errado,
No tempo errado.
Imagino-te djubi,
À volta da fogueira,
Na morança do marabu ou do cherno
Da tua tabanca,
Decorando o Corão.
Uma das cenas mais lindas
Que eu trouxe da tua terra,
E que eu guardo na minha memória,
São os djubis à volta da fogueira,
Soletrando tabuínhas em árabe.
Lembro-me de quereres aprender
As letras dos tugas
Para poderes ser soldado arvorado
E um dia chegares a cabo.

E de repente, o capim.
O capim alto.
O sangue.
O capim pisado e empapado de sangue.
Pobre Ieró,
Morto por um dilagrama dos nossos.
Alguém branqueou a tua morte.
Alguém salvou a honra da companhia.
Um dilagrama rebentou no ar,
Na tua cara.
Acidente de serviço
No auge da batalha,
Quando avançavas em linha,
No assalto ao acampamento
Do IN,
Levando pela corda
O teu turra, o teu guia, o teu prisioneiro,
Ainda mais jovem do que tu.
Malan Mané, mandinga (3),
Tão crente como tu,
Tão observador dos preceitos corânicos
Como tu, meu querido nharro.

E agora, Ieró,
Que foste poupado
À humilhação da derrota
E não viste o teu país
Sentar-se de pleno direito
À mesa do mundo...
Que farias tu com esta independência
Contra a qual lutaste
Sem querer
Sem saber
Sem poder ?

Onde estarão os teus filhos, e as tuas mulheres ?
E os teus netos ?
E os homens grandes da tua tabanca de Badora ?
E os líderes do teu povo
Que te obrigaram a combater ao lado dos tugas ?
Herr Spínola, o homem grande de Bissau,
Esse já morreu há uns anos atrás.
Não lês os jornais,
Não chegaste a aprender o alfabeto latino
E a juntar as letrinhas e ler,
Com a torre de Belém ao fundo:
- Esta é a minha pátria amada…
Pois é, o homem grande de Bissau morreu,
Não de morte matada, como a tua,
Mas de acordo com a lei natural das coisas.
Quanto ao teu régulo,
Devem-no tê-lo miseravelmente fuzilado
Na parada de Bambadinca,
O poderoso régulo de Badora,
Tenente de milícias,
Que havia trocado o cavalo branco
Da gesta heróica do Futa Djalon,
Por uma prosaica motorizada japonesa
De 50 centímetros cúbicos...
Dono de centenas cabeças de gado
E de uma harém de cinquenta mulheres,
Uma em cada aldeia de Badora…
Dizia-se que o puto Umaru
Era filho dele,
O Umaru e mais soldados da CCAÇ 12.

Hoje os heróis do passado sucumbem
Sob o peso das cruzes de guerra.
Ou pedem esmola nas ruas de Bissau,
Tal como os teus filhos e netos.
Ou morrem de desespero e insolação
Às portas do templo da deusa Europa,
Em Ceuta e em Melilla.
Que voltas o mundo deu, meu soldado,
Desde esse dia já distante
Em que a tecnologia da guerra
Ou a lotaria do ADN
Te ceifou a vida.
Porquê tu, meu herói,
Três meses depois de jurares bandeira
E te comprometeres, por tua honra,
A defenderes uma pátria que não era tua,
Até à última gota do teu sangue ?

E do Malan Mané não tenho notícias,
Se é isso que queres saber,
Mas duvido que ele tenha sobrevivido
Aos graves ferimentos do dilagrama dos tugas.
E agora deixa-me dizer-te, amigo,
À laia de despedida:
Não sei se um dia
Ainda terei coragem de voltar
À tua terra, ao teu chão.
Mas se porventura o fizer,
Gostaria de perguntar pela tua aldeia,
E de procurar-te
E de ter tempo para conversar contigo,
Só tu e eu,
Debaixo do teu poilão.

Luís Graça
_______________

(1) Vd. carta da Guiné (1961), dos serviços cartográficos do exército.

(2) Vd. post de 8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12

(3) Vd. post de 9 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga

Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau


O 2º Gr Comb da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), ainda em período de instrução da especialidade, em Contuboel (Junho de 1969) .

A este Gr Comb pertencia o Soldado de 2ª classe Iero Jau, que viria a morrer dois meses e tal depois, em 7 de Setembro de 1969, na Região do Xime, no decurso do assalto a um acampamento do IN (Op Pato Rufia). Não consigo localizar o Iero Jau nesta foto de grupo.

© António Levezinho (2005)


Texto de L.G.

Poema > Descansa em paz, Iero Jau


A guerra.
Essa coisa tão primordial que é a guerra.
Que estaria inscrita no teu ADN,
Segundo dizem os sociobiólogos.
A guerra é a continuação da evolução
Por outros meios,
Dirão os entomólogos,
Especialistas em insectos sociais,
Para quem a morte de um
Ou de um milhão
De formigas ou de seres humanos,
É-lhes totalmente indiferente.
Desde que triunfe o ADN,
Um projecto de ADN
Musculado.

Para mim, a guerra é
A aprendizagem da morte.
Aos vinte e dois anos.
É a inocência que se perde
Para sempre
Ao ver morrer pela primeira vez
Um homem, a teu lado.
É o impossível luto.
É a descoberta do mal absoluto.

Fight or flight.
Não precisei de fugir nem de lutar.
Recusei o egoísmo genético.
Recusei a lógica absurda
De matar ou morrer.
Recusei o cinismo.
Recusei a fria e calculista resignação
Com que se juntam e amortalham
Os cadáveres seguintes.
E se contam nas paredes da caserna
Os dias que faltam para a peluda.

Trinta e tal anos depois,
Venho dizer-te
As palavras que ninguém te disse
No teu grotesco enterro:
- Descansa em paz, Ieró Jau,
Meu herói!
Soldado atirador
Do 2º Grupo de Combate
Da CCAÇ 2590
Que virá mais tarde a chamar-se
CCAÇ 12.
Companhia de tropa-macaca,
A minha companhia,
Os meus camaradas,
O meu bando de primatas sociais,
Territoriais, predadores.
Fazíamos parte da nova força africana
De Herr Spínola, o prussiano,
Como eu lhe chamava,
Ao nosso Comandante-Chefe.
Não, não ligues,
São outros contos, outras estórias,
Outros ajustes de contas
Com as nossas doridas memórias.

Dscansa em paz,
Iéro Jau,
Debaixo do poilão secular
Na tua tabanca,
No chão fula,
Belíssimo poilão de uma triste tabanca fula,
Cercada de arame farpado,
Trincheiras e valas de abrigo.
Julgo que eras do regulado de Badora.
Ou seria Cossé,
Lá para os lados de Galomaro ? (1)

Desculpa-me ter esquecido
O nome da tua tabanca.
E a cara dos teus filhos
E o rosto das tuas mulheres,
Agora órfãos e viúvas,
Sozinhos neste mundo.
Os teus campos estão tristes e inférteis.
Já não dão o milho painço nem o fundo,
Nem a mancarra
Nem a noz de cola.
Os homens partiram para guerra.
Voltam agora numa caixão de pinho.
Restam os macabros jagudis,
Poisados no alto da tua morança,
Cheirando a morte,
Pressagiando a desgraça

Sete de Setembro de 1969.
Região do Xime.
Operação Pato Rufia (2).
Morreste em linha.
Aprumado como o teu poilão.
No assalto a um aquartelamento temporário do IN,
Próximo da Ponta do Inglês.

IN ? Que estranho termo ou expressão…
Uso-o por força do hábito,
Por comodidade,
Por lassidão,
Por economia de análise.

Curioso, nunca soube a tua idade.
Não tinhas bilhete de identidade
De cidadão português.
Eras um fula preto, um fula forro,
Não creio que fosses futa-fula.
Mas eu levei-te a enterrar na tua aldeia,
Mais os teus camaradas,
Que foram dizer-te ó último adeus.
Com honras militares, tiros de salva,
E a bandeira verde-rubra dos tugas
Por cima do teu caixão.
De pinho.
Do verde pinho de Portugal.
Nem isto te deixaram fazer
À maneira dos teus.

Portugal ? Ainda te lembras,
Os senhores que vieram do norte
E do lado mar.
Não, já não tens que saber de geografia.
Nem de história. Nem de geopolítica.
No sítio onde moras, debaixo do teu poilão.
Mas eu, mesmo ao fim destes anos todos,
Eu deveria saber o nome da tua aldeia,
No chão fula.
O teu nome, esse não esqueci,
Ieró Jau.
Esqueci foi o lugar onde nasceste,
Talvez Sinchã ou Sare qualquer coisa,
Mas faz mal.

O que interessa é que chorei por ti,
Confesso que chorei por ti,
Que morreste a meu lado,
E que levavas um prisioneiro,
Teu irmão,
Pela mão.
E que não eras meu irmão.
Nem grande nem pequeno.
Nem tinhas a mesma cor de pele.
Nem a mesma religião.
Nem a mesma língua.
Nem a mesma pátria.
Nem o mesmo continente.
Não comias carne de porco
Nem bebias água de Lisboa.
Eras apenas um guinéu,
Um nharro,
Soldado-atirador
De 2ª classe.
Ganhavas 600 pesos de pré.
Um saco de arroz por mês
Para alimentar a tua família.
Para mim, eras apenas um homem,
Da espécie Homo Sapiens Sapiens.
A única que chegou até aos nossos dias.
O que primeiro que eu vi morrer a meu lado.
Nunca mais chorei por ninguém.
Chorei por ti, Ieró Jau.
Chorei de raiva.

Nascemos meninos,
Mas fizeram-nos soldados.
Azar o meu e o teu,
Por termos nascido
No sítio errado,
No tempo errado.
Imagino-te djubi,
À volta da fogueira,
Na morança do marabu ou do cherno
Da tua tabanca,
Decorando o Corão.
Uma das cenas mais lindas
Que eu trouxe da tua terra,
E que eu guardo na minha memória,
São os djubis à volta da fogueira,
Soletrando tabuínhas em árabe.
Lembro-me de quereres aprender
As letras dos tugas
Para poderes ser soldado arvorado
E um dia chegares a cabo.

E de repente, o capim.
O capim alto.
O sangue.
O capim pisado e empapado de sangue.
Pobre Ieró,
Morto por um dilagrama dos nossos.
Alguém branqueou a tua morte.
Alguém salvou a honra da companhia.
Um dilagrama rebentou no ar,
Na tua cara.
Acidente de serviço
No auge da batalha,
Quando avançavas em linha,
No assalto ao acampamento
Do IN,
Levando pela corda
O teu turra, o teu guia, o teu prisioneiro,
Ainda mais jovem do que tu.
Malan Mané, mandinga (3),
Tão crente como tu,
Tão observador dos preceitos corânicos
Como tu, meu querido nharro.

E agora, Ieró,
Que foste poupado
À humilhação da derrota
E não viste o teu país
Sentar-se de pleno direito
À mesa do mundo...
Que farias tu com esta independência
Contra a qual lutaste
Sem querer
Sem saber
Sem poder ?

Onde estarão os teus filhos, e as tuas mulheres ?
E os teus netos ?
E os homens grandes da tua tabanca de Badora ?
E os líderes do teu povo
Que te obrigaram a combater ao lado dos tugas ?
Herr Spínola, o homem grande de Bissau,
Esse já morreu há uns anos atrás.
Não lês os jornais,
Não chegaste a aprender o alfabeto latino
E a juntar as letrinhas e ler,
Com a torre de Belém ao fundo:
- Esta é a minha pátria amada…
Pois é, o homem grande de Bissau morreu,
Não de morte matada, como a tua,
Mas de acordo com a lei natural das coisas.
Quanto ao teu régulo,
Devem-no tê-lo miseravelmente fuzilado
Na parada de Bambadinca,
O poderoso régulo de Badora,
Tenente de milícias,
Que havia trocado o cavalo branco
Da gesta heróica do Futa Djalon,
Por uma prosaica motorizada japonesa
De 50 centímetros cúbicos...
Dono de centenas cabeças de gado
E de uma harém de cinquenta mulheres,
Uma em cada aldeia de Badora…
Dizia-se que o puto Umaru
Era filho dele,
O Umaru e mais soldados da CCAÇ 12.

Hoje os heróis do passado sucumbem
Sob o peso das cruzes de guerra.
Ou pedem esmola nas ruas de Bissau,
Tal como os teus filhos e netos.
Ou morrem de desespero e insolação
Às portas do templo da deusa Europa,
Em Ceuta e em Melilla.
Que voltas o mundo deu, meu soldado,
Desde esse dia já distante
Em que a tecnologia da guerra
Ou a lotaria do ADN
Te ceifou a vida.
Porquê tu, meu herói,
Três meses depois de jurares bandeira
E te comprometeres, por tua honra,
A defenderes uma pátria que não era tua,
Até à última gota do teu sangue ?

E do Malan Mané não tenho notícias,
Se é isso que queres saber,
Mas duvido que ele tenha sobrevivido
Aos graves ferimentos do dilagrama dos tugas.
E agora deixa-me dizer-te, amigo,
À laia de despedida:
Não sei se um dia
Ainda terei coragem de voltar
À tua terra, ao teu chão.
Mas se porventura o fizer,
Gostaria de perguntar pela tua aldeia,
E de procurar-te
E de ter tempo para conversar contigo,
Só tu e eu,
Debaixo do teu poilão.

Luís Graça
_______________

(1) Vd. carta da Guiné (1961), dos serviços cartográficos do exército.

(2) Vd. post de 8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12

(3) Vd. post de 9 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga

Guiné 63/74 - CCXLI: Mininus di Nha Tera (poema de Nelson Medina, em kriol)

Texto de A. Marques Lopes, enviado em 2 de Agosto de 2005 (pede-se desculpa pelo atraso da inserção no blogue, mas o trânsito, no ciberespaço, esteve engarrafado...).

Como com todas as coisas da Guiné, também me interesso pelo crioulo lá falado. Tenho, por isso, alguma obras:


1. "O crioulo português da Guiné-Bissau", de Hildo Honório do Couto, professor da Universidade de Brasília, publicado pela Helmut Buske Verlag, de Hamburgo, mas está escrito em português.

Para adquirir este livro, contactei directamente o autor, via internet, pois é o único que me apareceu com alguns exemplares e vendeu-me um.

Dedicada "às crianças e aos adolescentes da Guiné-Bissau, que frequentemente descalços e mal-nutridos até se divertiam com as minhas constantes importunações com gravador e perguntas", é uma obra muito interessante de um estudioso universitário sobre a visão histórica, a situação linguística, a fonética, a morfologia, a sintaxe e a semântica do crioulo da Guiné.Bissau. Tem, no final, alguns textos na língua.

2. "Vokabulari kriol-portugîs (Esboço - Proposta de Vocabulário)", da autoria do padre Artus Biasutti, da Missão Católica de Bafatá, e publicado em 1987 pela Missão Católica de Bubaque.

É um belíssimo dicionário que já me tem sido muito útil. Tem, no final, sessenta ditus (provérbios), escolhidos entre centenas que o padre Luis Andreoletti recolheu de viva voz entre o povo da Guiné. Têm uma tradução literal e uma interpretação mais ou menos acertada.

Foi-me enviado pelo meu amigo António Nhaga, jornalista guineense da Agência Bissau Média e Publicações.








3. "O crioulo da Guiné.Bissau: Filosofia e Sabedoria", de Benjamin Pinto Bull, edição conjunta em 1989 do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, de Lisboa, e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, de Bissau.

Embora tenha sido impresso em Lisboa, foi também o António Nhaga que mo enviou. Diz ele no início: "Garandi k' jungutu ta ma oja lunju di ke mininu k' sikidu", isto é, um ancião de cócoras vê mais longe que uma criança de pé.

Tem muitos provérbios e histórias em crioulo, com tradução e explicação linguística sobre as formas usadas. Tem um pequeno dicionário no final.







4. "Lus numia na sukuru - Storia di igreza ivangeliku di Gine-Bisau 1940-1974", de Hazel Wallis, editado pela Igreja Evangélica de Bubaque em 1996. "A luz que ilumina no escuro" é a história da igreja evangélica na Guiné. Foi o Nhaga que mo enviou. Está escrito completamente em crioulo.

Exemplo dos esforços que as várias igrejas fazem para se inserirem naquele meio. Um exemplo de texto interessante:

"Igreza fora di Bisau na tempu di gera. Na tempu di gera, tarbaju paradu na manga di kau. Prediu di igreza kemadu na Inkida, Empada, Kancungu, Enseia, Lenden. Bai bias kansadu, ma mesmu asin igreza na kirsi. Na 1962 igreza na Katio kemadu na kampana di purtugis kontra "jintis di matu". Purtugis kemaba tudu kau ku "jintis di matu" pudiba sukundiba nel. Barbosa staba na Bisau; i ka pudi riba pá Katio. Utrora jinti pudiba bai di avion o barku di gera, ma sempri un misionariu ten ku kumpana Barbosa pá gubernu purtugis pudi fiai. Krentis kontinua ku kuitu na se propi kasa, pabia i ka bin sedu pusivel torna lantanda ki kasasinu. Na tudu área ku staba libertadu, krentis ku pajigadu e ka osa junta pá fasi kuitu. Ma krentis ku staba na tropas pudi ciga na kau ku utrus ka pudi visita. Lourenço Correia di Bisoran mandadu pá Katio. La i o j a ki grupu di krentis pajigadu ku medu. Son puku ku sobraseis o talves dozi. Jinti konverti. E misti torna lantanda ki igreza ku kemadu ma i ocadu mas bon pá e kontinua fasi kuitu na se kasas".

Caros amigos, pratiquem o crioulo...


5. "Sol na mansi", de Nelson Medina. Foi o Nhaga que me mandou também este "Amanhecer do sol". Edição de 2002, feita no âmbito do apoio da União Europeia ao Programa de Incentivos e Iniciativas Culturais para a Guiné-Bissau. Impresso em Bissau.

É um livro de poemas em crioulo, exemplo da literatura actual da Guiné-Bissau. Aqui vai um exemplo Vou tentar depois fazer a respectiva tradução para português:






MININUS Dl NHA TERA

Sol na kenta foroba
fuska-fuska na djimpiniba dja
mininus ku bariga pimpinhidu di reia
na miskinha
i mas un dia di formi
ku na dispidi

Kurpu intchadu pabia di kandjan
kurpu di sarna ku pe di djigan
mininus di nha tera
tristis pabia susegu ka ten
ma ku rostu finkadu na speransa di amanha

Mininus di nha tera
tene speransa forti
flur di amanha
aos sin kantchaklet

Nelson Medina


CRIANÇAS DA MINHA TERRA

O sol aqueceu as alfarrobas
mas a escuridão vai já espreitar
e as crianças com a barriga dorida de areia
vão queixar-se
e de mais um dia de fome
vão despedir-se

O corpo inchado pela lanterna
corpo de sarna com pé de matacanha
crianças da minha terra
tristes porque descanso não têm
mas com o rosto fincado na esperança de amanhã

Crianças da minha terra
esperem com firmeza
flor de amanhã
agora sem seiva

Nelson Medina (tr. de A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - CCXLI: Mininus di Nha Tera (poema de Nelson Medina, em kriol)

Texto de A. Marques Lopes, enviado em 2 de Agosto de 2005 (pede-se desculpa pelo atraso da inserção no blogue, mas o trânsito, no ciberespaço, esteve engarrafado...).

Como com todas as coisas da Guiné, também me interesso pelo crioulo lá falado. Tenho, por isso, alguma obras:


1. "O crioulo português da Guiné-Bissau", de Hildo Honório do Couto, professor da Universidade de Brasília, publicado pela Helmut Buske Verlag, de Hamburgo, mas está escrito em português.

Para adquirir este livro, contactei directamente o autor, via internet, pois é o único que me apareceu com alguns exemplares e vendeu-me um.

Dedicada "às crianças e aos adolescentes da Guiné-Bissau, que frequentemente descalços e mal-nutridos até se divertiam com as minhas constantes importunações com gravador e perguntas", é uma obra muito interessante de um estudioso universitário sobre a visão histórica, a situação linguística, a fonética, a morfologia, a sintaxe e a semântica do crioulo da Guiné.Bissau. Tem, no final, alguns textos na língua.

2. "Vokabulari kriol-portugîs (Esboço - Proposta de Vocabulário)", da autoria do padre Artus Biasutti, da Missão Católica de Bafatá, e publicado em 1987 pela Missão Católica de Bubaque.

É um belíssimo dicionário que já me tem sido muito útil. Tem, no final, sessenta ditus (provérbios), escolhidos entre centenas que o padre Luis Andreoletti recolheu de viva voz entre o povo da Guiné. Têm uma tradução literal e uma interpretação mais ou menos acertada.

Foi-me enviado pelo meu amigo António Nhaga, jornalista guineense da Agência Bissau Média e Publicações.








3. "O crioulo da Guiné.Bissau: Filosofia e Sabedoria", de Benjamin Pinto Bull, edição conjunta em 1989 do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, de Lisboa, e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, de Bissau.

Embora tenha sido impresso em Lisboa, foi também o António Nhaga que mo enviou. Diz ele no início: "Garandi k' jungutu ta ma oja lunju di ke mininu k' sikidu", isto é, um ancião de cócoras vê mais longe que uma criança de pé.

Tem muitos provérbios e histórias em crioulo, com tradução e explicação linguística sobre as formas usadas. Tem um pequeno dicionário no final.







4. "Lus numia na sukuru - Storia di igreza ivangeliku di Gine-Bisau 1940-1974", de Hazel Wallis, editado pela Igreja Evangélica de Bubaque em 1996. "A luz que ilumina no escuro" é a história da igreja evangélica na Guiné. Foi o Nhaga que mo enviou. Está escrito completamente em crioulo.

Exemplo dos esforços que as várias igrejas fazem para se inserirem naquele meio. Um exemplo de texto interessante:

"Igreza fora di Bisau na tempu di gera. Na tempu di gera, tarbaju paradu na manga di kau. Prediu di igreza kemadu na Inkida, Empada, Kancungu, Enseia, Lenden. Bai bias kansadu, ma mesmu asin igreza na kirsi. Na 1962 igreza na Katio kemadu na kampana di purtugis kontra "jintis di matu". Purtugis kemaba tudu kau ku "jintis di matu" pudiba sukundiba nel. Barbosa staba na Bisau; i ka pudi riba pá Katio. Utrora jinti pudiba bai di avion o barku di gera, ma sempri un misionariu ten ku kumpana Barbosa pá gubernu purtugis pudi fiai. Krentis kontinua ku kuitu na se propi kasa, pabia i ka bin sedu pusivel torna lantanda ki kasasinu. Na tudu área ku staba libertadu, krentis ku pajigadu e ka osa junta pá fasi kuitu. Ma krentis ku staba na tropas pudi ciga na kau ku utrus ka pudi visita. Lourenço Correia di Bisoran mandadu pá Katio. La i o j a ki grupu di krentis pajigadu ku medu. Son puku ku sobraseis o talves dozi. Jinti konverti. E misti torna lantanda ki igreza ku kemadu ma i ocadu mas bon pá e kontinua fasi kuitu na se kasas".

Caros amigos, pratiquem o crioulo...


5. "Sol na mansi", de Nelson Medina. Foi o Nhaga que me mandou também este "Amanhecer do sol". Edição de 2002, feita no âmbito do apoio da União Europeia ao Programa de Incentivos e Iniciativas Culturais para a Guiné-Bissau. Impresso em Bissau.

É um livro de poemas em crioulo, exemplo da literatura actual da Guiné-Bissau. Aqui vai um exemplo Vou tentar depois fazer a respectiva tradução para português:






MININUS Dl NHA TERA

Sol na kenta foroba
fuska-fuska na djimpiniba dja
mininus ku bariga pimpinhidu di reia
na miskinha
i mas un dia di formi
ku na dispidi

Kurpu intchadu pabia di kandjan
kurpu di sarna ku pe di djigan
mininus di nha tera
tristis pabia susegu ka ten
ma ku rostu finkadu na speransa di amanha

Mininus di nha tera
tene speransa forti
flur di amanha
aos sin kantchaklet

Nelson Medina


CRIANÇAS DA MINHA TERRA

O sol aqueceu as alfarrobas
mas a escuridão vai já espreitar
e as crianças com a barriga dorida de areia
vão queixar-se
e de mais um dia de fome
vão despedir-se

O corpo inchado pela lanterna
corpo de sarna com pé de matacanha
crianças da minha terra
tristes porque descanso não têm
mas com o rosto fincado na esperança de amanhã

Crianças da minha terra
esperem com firmeza
flor de amanhã
agora sem seiva

Nelson Medina (tr. de A. Marques Lopes)

13 outubro 2005

Guiné 63/74 - CCXL: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)

Guiné > Olossato > CCAV 2712 (1970/72) > Um patrulhamento "à maneira" © Paulo Salgado (2005)


Texto do Paulo Salgado (i) que vive em Bissau, (ii) e que descobriu que é vizinho do Jorge Neto no Bairro da Cooperação, (iii) e que estranha o silêncio do Humberto Reis (eu acho que ele está é no bem-bom duma estância de turismo em Cabo Verde), (iv) e que por fim submete à aprovação da tertúlia a admissão da Paula Salgado, sua filha, mais guineia que muito guinéu...

Eu cá, por mim, terei muita honra em apadrinhar a nova tertuliana, a nossa doutoranda Paula, mas aqui quem mais ordena é o colectivo dos tertulianos: no nosso tempo as mulheres não entravam nas casernas, mas isso foi no século passado... Bom, não quero influenciar o resultado da consulta tertuliana. Limito-me a dar a minha opinião. E já agora, cá para mim não entrava só uma camariga, entravam duas, a filha e a mãe, neste caso a Maria da Conceição, a mulher do Paulo... Mais: respeito o silêncio (ou o pudor) do Paulo que tem uma cópia da história da companhia dele mas que não quer escarrapachá-la aqui no blogue, assim, sem mais nem menos, as folhas todas abertas... Respoeito e concordo, desde que o bombolom do Paulo vá trazendo notícias e estórias da Guiné-Bissau de ontem e de hoje. Hoje publica-se, a seguir, "mais uma parte do Capítulo I". Até à próxima Paulo e Maria, gente de cepa rija, que não desanima facilmente com o macaréu da desgraça... LG


____________

Camaradas e Amigos (aqui incluo a minha filha Paula Salgado – a camariga que vive em Oxford e que adora ouvir as histórias e as estórias do velhote - camariga que só o será com a licença de vossas mercês, pois ela fez aqui o 11.º ano e papia kriolo diritu i tene amigus manga deli).

Ele é a sina de conduzir os periquitos (designação que se dava às companhias que chegavam da metróple à Guiné – e os velhinhos até cantavam: Periquito vai pró mato, a velhice vai pra Bissau; bem se compreende o desaforo: os novos que gramassem!). E vai-se a Quinhamel, a Uaque, ao Saltinho, conhece-se o rio no cais do Pidjiguiti, são os colegas que chegam do Porto para colaborar no Projecto.

Ele é o corre-corre no campus hospitalar à procura não sei de que solução para tantos problemas, tantos que as gentes já passam indiferentes ao sofrimento, tenha ele a feição e a forma e a dimensão que tiverem: a cólera, a malária, a elevada taxa de mortalidade infantil e maternal… E coisas mais simples como o gerador que avariou e … não há luz nem água para enfermarias, nem PC que registe, nem a fresquidão de ventoínhas e de ares condicionados onde os há, e lá se vão, estragados, os parcos reagentes do laboratório de análises clínicas (35 horas sem luz é muita hora!), e as intervenções marcadas que ficaram no papel (até foi necessário transportar de longe água para desinfecção e dar ao doentes da cólera). Isto só visto, camarigos!

No Olossato, os frigoríficos a petróleo ou a electricidade do geradorzinho aguentavam lindamente… Alguns camaradas até tinham ventoínhas que colocavam no cimo da cabeceira, seguras na parede, para refresco de suores quentes - adivinham-se quais - ou frios, estes devidos a saída iminente para o mato, ali para Manacá, ou Amina Dala, ou Iracunda, esta tabanca bem perto do Morès, ver foto de saída bem cedinho e dizei lá se não era à maneira correcta!!!...

Ah!, aquelas ventoinhas pequeninas que nos batiam no corpo sedento de amor, e que, rodopiando, serviam para afastar os insistentes mosquitos que teimosamente zumbiam aos nossos ouvidos – porra, a mim não me deixavam nem sequer fechar os olhos. Aquele geradorzinho até dava para alumiar os campos até 100 metros, e encandeavam as tropas quando regressavam de sortidas nocturnas.

Acho que estas coisas todos vivemos…! Até se conta a estória de um capitão, de que não digo o nome, que se lembrou de apagar os holofotes em momento de ataque e, pasme-se, quando o IN estava a tentar entrar no aquartelamento, foi uma razia nos guerrilheiros ao acenderem-se as luzes. Se tal foi verdade, como ouvi, foi uma emboscada nocturna a preceito...

Mas a sério: quem não se lembra de uma patrulhamento, bem feito? – segue foto



Então não é que o Jorge Neto [nosso tertuliano, autor do blogue Africanidades] vive aqui paredes meias no Bairro da Cooperação, no segundo piso. E esta, enh?!

Para a visita à GB [Guiné-Bissau], para aqueles que quiserem e puderem, vamos começar a trabalhar.

Nota bem: Eu devo confessar-vos uma coisa – tenho a história da companhia [CCAV 2712, comandada pelo capitão Mário Tomé, entre 1970 e 1972]. Parece-me pouco correcto que a traga a terreiro. Mas tentarei traduzi-la, sem romancear, mas recontando-a à minha maneira.

Que me desculpem os historiadores, que me perdoem os puros… mas há coisas que eu não acho oportuno contar, por escrito.

A todos os Camaradas e Amigos muitas mantenhas e com a promessa de que podeis contar comigo porque eu tenho, também, a segurança à retaguarda – ou não é, Humberto?

Bissau, 13 de Outubro de 2005

Paulo Salgado

Guiné 63/74 - CCXL: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)

Guiné > Olossato > CCAV 2712 (1970/72) > Um patrulhamento "à maneira" © Paulo Salgado (2005)


Texto do Paulo Salgado (i) que vive em Bissau, (ii) e que descobriu que é vizinho do Jorge Neto no Bairro da Cooperação, (iii) e que estranha o silêncio do Humberto Reis (eu acho que ele está é no bem-bom duma estância de turismo em Cabo Verde), (iv) e que por fim submete à aprovação da tertúlia a admissão da Paula Salgado, sua filha, mais guineia que muito guinéu...

Eu cá, por mim, terei muita honra em apadrinhar a nova tertuliana, a nossa doutoranda Paula, mas aqui quem mais ordena é o colectivo dos tertulianos: no nosso tempo as mulheres não entravam nas casernas, mas isso foi no século passado... Bom, não quero influenciar o resultado da consulta tertuliana. Limito-me a dar a minha opinião. E já agora, cá para mim não entrava só uma camariga, entravam duas, a filha e a mãe, neste caso a Maria da Conceição, a mulher do Paulo... Mais: respeito o silêncio (ou o pudor) do Paulo que tem uma cópia da história da companhia dele mas que não quer escarrapachá-la aqui no blogue, assim, sem mais nem menos, as folhas todas abertas... Respoeito e concordo, desde que o bombolom do Paulo vá trazendo notícias e estórias da Guiné-Bissau de ontem e de hoje. Hoje publica-se, a seguir, "mais uma parte do Capítulo I". Até à próxima Paulo e Maria, gente de cepa rija, que não desanima facilmente com o macaréu da desgraça... LG


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Camaradas e Amigos (aqui incluo a minha filha Paula Salgado – a camariga que vive em Oxford e que adora ouvir as histórias e as estórias do velhote - camariga que só o será com a licença de vossas mercês, pois ela fez aqui o 11.º ano e papia kriolo diritu i tene amigus manga deli).

Ele é a sina de conduzir os periquitos (designação que se dava às companhias que chegavam da metróple à Guiné – e os velhinhos até cantavam: Periquito vai pró mato, a velhice vai pra Bissau; bem se compreende o desaforo: os novos que gramassem!). E vai-se a Quinhamel, a Uaque, ao Saltinho, conhece-se o rio no cais do Pidjiguiti, são os colegas que chegam do Porto para colaborar no Projecto.

Ele é o corre-corre no campus hospitalar à procura não sei de que solução para tantos problemas, tantos que as gentes já passam indiferentes ao sofrimento, tenha ele a feição e a forma e a dimensão que tiverem: a cólera, a malária, a elevada taxa de mortalidade infantil e maternal… E coisas mais simples como o gerador que avariou e … não há luz nem água para enfermarias, nem PC que registe, nem a fresquidão de ventoínhas e de ares condicionados onde os há, e lá se vão, estragados, os parcos reagentes do laboratório de análises clínicas (35 horas sem luz é muita hora!), e as intervenções marcadas que ficaram no papel (até foi necessário transportar de longe água para desinfecção e dar ao doentes da cólera). Isto só visto, camarigos!

No Olossato, os frigoríficos a petróleo ou a electricidade do geradorzinho aguentavam lindamente… Alguns camaradas até tinham ventoínhas que colocavam no cimo da cabeceira, seguras na parede, para refresco de suores quentes - adivinham-se quais - ou frios, estes devidos a saída iminente para o mato, ali para Manacá, ou Amina Dala, ou Iracunda, esta tabanca bem perto do Morès, ver foto de saída bem cedinho e dizei lá se não era à maneira correcta!!!...

Ah!, aquelas ventoinhas pequeninas que nos batiam no corpo sedento de amor, e que, rodopiando, serviam para afastar os insistentes mosquitos que teimosamente zumbiam aos nossos ouvidos – porra, a mim não me deixavam nem sequer fechar os olhos. Aquele geradorzinho até dava para alumiar os campos até 100 metros, e encandeavam as tropas quando regressavam de sortidas nocturnas.

Acho que estas coisas todos vivemos…! Até se conta a estória de um capitão, de que não digo o nome, que se lembrou de apagar os holofotes em momento de ataque e, pasme-se, quando o IN estava a tentar entrar no aquartelamento, foi uma razia nos guerrilheiros ao acenderem-se as luzes. Se tal foi verdade, como ouvi, foi uma emboscada nocturna a preceito...

Mas a sério: quem não se lembra de uma patrulhamento, bem feito? – segue foto



Então não é que o Jorge Neto [nosso tertuliano, autor do blogue Africanidades] vive aqui paredes meias no Bairro da Cooperação, no segundo piso. E esta, enh?!

Para a visita à GB [Guiné-Bissau], para aqueles que quiserem e puderem, vamos começar a trabalhar.

Nota bem: Eu devo confessar-vos uma coisa – tenho a história da companhia [CCAV 2712, comandada pelo capitão Mário Tomé, entre 1970 e 1972]. Parece-me pouco correcto que a traga a terreiro. Mas tentarei traduzi-la, sem romancear, mas recontando-a à minha maneira.

Que me desculpem os historiadores, que me perdoem os puros… mas há coisas que eu não acho oportuno contar, por escrito.

A todos os Camaradas e Amigos muitas mantenhas e com a promessa de que podeis contar comigo porque eu tenho, também, a segurança à retaguarda – ou não é, Humberto?

Bissau, 13 de Outubro de 2005

Paulo Salgado

Guiné 63/74 - CCXXXIX: CART 1525, Os Falcões (Bissorã, 1966/67)

"Passou muita água sob a ponte para a Outra Banda e os peixes que o Carlos Fortunato lá pescou eram, pelo menos, os tetranetos dos que eu lá pesquei" (Rogério Freire, 2005).



1. Acabo de receber notícias de mais camaradas que estiveram na Guiné, e mais precisamente em Bissorã... Estes é que são mesmo velhinhos (1966/67), camaradas!... Aqui fica mensagem:


"Dei com o seu site por acaso e nunca me tinha passado pela cabeça que pudesse haver tanta informação disponível sobre a nossa Guiné e sobre Bissorã.

Já anteriormente tinha encontrado o site dos Leões Negros [CCAÇ 13, Bissorã e outros sítios da Região do Cacheu, 1969/71] que muito apreciei.

É com muito prazer que o informo de mais um site de ex-camaradas ligados à Guiné e a Bissorã: Os Falcões - a Companhia de Artilharia 1525 que esteve em Bissorã em 1966 e 1967, um par de anos antes de si...

Pois é, passou muita água sob a ponte para a Outra Banda e os peixes que o Carlos Fortunato lá pescou eram, pelo menos, os tetranetos dos que eu lá pesquei.

Convido-o a visitar a nossa página: Os Falcões - Companhia de Artilharia 1525, Bissorã (1966/67)... Informo-o de que foi com muito prazer que incluimos o seu link no nosso site. Não soube bem como caracterizar o site , por isso se tiver a oportunidade de me dar uma opinião ficar-lhe-ei agradecido.

Vamos ter a nossa reunião anual no próximo dia 12 de Novembro, na Mealhada, e nela irei fazer referência à vossa página e incentivar o nosso pessoal a visitar-vos.

Se puder ser útil de alguma forma, é só dizer.

Um abraço

Rogério Freire

2. Comentário de L.G.:

Camarada Rogério e camarigos (=camaradas & amigso de tertúlia):

Mas que bela surpresa! Ainda não tinha apanhado o vosso sítio... Os meus parabéns por manteres a companhia... operacional! Recordar é viver, e tu estás ajudar os teus camaradas a viver, mais e melhor...

Devo dizer que fiquei impressionado com o curriclum vitae dos Falcões: nada menos do que 10 (dez) cruzes de guerra!... E manga de ronco, pessoal, lá para os lados do Morés (mítico, no nosso tempo, 1969/71), Iracunda, Cambajo, Jugudul, Iarom, Bará, Quéré, Biambe, Conjogude, Uenquen, Tiligi, Rua...

Os Falcões eram mesmo uns verdadeiros... predadores. Vejam só o material capturado por eles naquele tempo (o que para uma companhia de artilharia é obra!):

52 armas (incluindo metralhadores, ligeiras e pesadas);

39 granadas de morteiro;

33 granadas de canhão s/r;

14 granadas de LGF

10 minas (a/c e a/p)

15 granada de mão,

7000 munições, mais documentos, medicamentos, etc.

Só não sei quantas baixas tiveram: não consigo abrir o respectivo link...

Um correcção: (i) Rogério, este blogue já não é do Luís Graça, é da nossa caserna, uma caserna tão grande e tão bonita onde cabem todos os que fizeram a guerra da Guiné, de 1963 a 1974, independentemente da bandeira que defendiam e da arma que empunhavam! E essa é a única razão por que nos tratamos por tu e por camaradas, do coronel ao soldado, mesmo que a maior parte de nós nunca se tenha encontrado (ou conhecido pessoalmente), nem ontem nem hoje...

Um convite: (ii) Rogério, tu és bem-vimdo a esta tertúlia. Peço-te que faças a ponte com os restantes camaradas Falcões e com a malta de 1966/67. Vamos também pôr os Falcões na nossa lista de endereços. Creio que não temos ninguém de 1966... Comparado contigo e os restantes falcões, somos uns periquitos... Eu, Luís Graça, sou de 1969/71, pertenci à CCAÇ 12 (uma unidade de intervenção africana) e actuei na zona leste. Não conheço Bissorã. O Carlos, dos "leões negros", esse é que esteve lá. Somos da mesma fornada, viajámos no mesmo barco, o N/M Niassa.. Ele também é membro desta tertúlia, recebendo por isso os e-mails que mandamos uns aos outros... Vai mandando notícias: se quiseres, manda uma foto tua, do tempo da Guiné e outra de agora... Talvez para o ano possamos ir à Guiné... Já começamos a estabelecer contactos com malta que está lá (Paulo Salgado, Jorge Neto)...

Guiné 63/74 - CCXXXIX: CART 1525, Os Falcões (Bissorã, 1966/67)

"Passou muita água sob a ponte para a Outra Banda e os peixes que o Carlos Fortunato lá pescou eram, pelo menos, os tetranetos dos que eu lá pesquei" (Rogério Freire, 2005).



1. Acabo de receber notícias de mais camaradas que estiveram na Guiné, e mais precisamente em Bissorã... Estes é que são mesmo velhinhos (1966/67), camaradas!... Aqui fica mensagem:


"Dei com o seu site por acaso e nunca me tinha passado pela cabeça que pudesse haver tanta informação disponível sobre a nossa Guiné e sobre Bissorã.

Já anteriormente tinha encontrado o site dos Leões Negros [CCAÇ 13, Bissorã e outros sítios da Região do Cacheu, 1969/71] que muito apreciei.

É com muito prazer que o informo de mais um site de ex-camaradas ligados à Guiné e a Bissorã: Os Falcões - a Companhia de Artilharia 1525 que esteve em Bissorã em 1966 e 1967, um par de anos antes de si...

Pois é, passou muita água sob a ponte para a Outra Banda e os peixes que o Carlos Fortunato lá pescou eram, pelo menos, os tetranetos dos que eu lá pesquei.

Convido-o a visitar a nossa página: Os Falcões - Companhia de Artilharia 1525, Bissorã (1966/67)... Informo-o de que foi com muito prazer que incluimos o seu link no nosso site. Não soube bem como caracterizar o site , por isso se tiver a oportunidade de me dar uma opinião ficar-lhe-ei agradecido.

Vamos ter a nossa reunião anual no próximo dia 12 de Novembro, na Mealhada, e nela irei fazer referência à vossa página e incentivar o nosso pessoal a visitar-vos.

Se puder ser útil de alguma forma, é só dizer.

Um abraço

Rogério Freire

2. Comentário de L.G.:

Camarada Rogério e camarigos (=camaradas & amigso de tertúlia):

Mas que bela surpresa! Ainda não tinha apanhado o vosso sítio... Os meus parabéns por manteres a companhia... operacional! Recordar é viver, e tu estás ajudar os teus camaradas a viver, mais e melhor...

Devo dizer que fiquei impressionado com o curriclum vitae dos Falcões: nada menos do que 10 (dez) cruzes de guerra!... E manga de ronco, pessoal, lá para os lados do Morés (mítico, no nosso tempo, 1969/71), Iracunda, Cambajo, Jugudul, Iarom, Bará, Quéré, Biambe, Conjogude, Uenquen, Tiligi, Rua...

Os Falcões eram mesmo uns verdadeiros... predadores. Vejam só o material capturado por eles naquele tempo (o que para uma companhia de artilharia é obra!):

52 armas (incluindo metralhadores, ligeiras e pesadas);

39 granadas de morteiro;

33 granadas de canhão s/r;

14 granadas de LGF

10 minas (a/c e a/p)

15 granada de mão,

7000 munições, mais documentos, medicamentos, etc.

Só não sei quantas baixas tiveram: não consigo abrir o respectivo link...

Um correcção: (i) Rogério, este blogue já não é do Luís Graça, é da nossa caserna, uma caserna tão grande e tão bonita onde cabem todos os que fizeram a guerra da Guiné, de 1963 a 1974, independentemente da bandeira que defendiam e da arma que empunhavam! E essa é a única razão por que nos tratamos por tu e por camaradas, do coronel ao soldado, mesmo que a maior parte de nós nunca se tenha encontrado (ou conhecido pessoalmente), nem ontem nem hoje...

Um convite: (ii) Rogério, tu és bem-vimdo a esta tertúlia. Peço-te que faças a ponte com os restantes camaradas Falcões e com a malta de 1966/67. Vamos também pôr os Falcões na nossa lista de endereços. Creio que não temos ninguém de 1966... Comparado contigo e os restantes falcões, somos uns periquitos... Eu, Luís Graça, sou de 1969/71, pertenci à CCAÇ 12 (uma unidade de intervenção africana) e actuei na zona leste. Não conheço Bissorã. O Carlos, dos "leões negros", esse é que esteve lá. Somos da mesma fornada, viajámos no mesmo barco, o N/M Niassa.. Ele também é membro desta tertúlia, recebendo por isso os e-mails que mandamos uns aos outros... Vai mandando notícias: se quiseres, manda uma foto tua, do tempo da Guiné e outra de agora... Talvez para o ano possamos ir à Guiné... Já começamos a estabelecer contactos com malta que está lá (Paulo Salgado, Jorge Neto)...

11 outubro 2005

Guiné 63/74 - CCXXXVIII: As estranhas noites de Sare Gana

Mulher africana. Pano tradicional de Cabo Verde.

Foto: © Luís Graça (2005)


Excertos do Diário de um tuga. 20 de Agosto de 1969:

Os dias em Sare Ganà [ no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá] ainda vão sendo suportáveis, à aparte o calor, as moscas e o estado de sítio... As noites, essas, é que são longas e penosas. O que me custa mais é não poder ler. Os meus soldados fulas estão de serviço, reforçando o sistema de autodefesa (1). Por causa de um possível ataque da guerrilha (2), é proibido fazer lume ou foguear na tabanca. Aqui come-se cedo e deita-se cedo. Ficam os vampiros dos mosquitos. Por sorte, não apreciam lá muito o meu sangue. Deve-lhes saber a uísque.

Resta-me a companhia silenciosa e furtiva da Fátima, uma das mulheres do comandante da milícia: logo ao segundo ou terceiro dia, introduziu-se-me, lesta como uma gazela na palhota onde durmo, junto ao espaldão do morteiro. Tapou-me a boca com a mão, esboçou um sorriso cúmplice, puxou o pano de chita até à cintura, virou-se delicadamente de costas e ofereceu-me o seu esguio corpo negro, ressumando húmidos odores da floresta!... De pé, ligeiramente curvada para a frente, enigmática como uma máscara, lasciva como a serpente bíblica, submissa como uma fula!

Não é bonita, o rosto deve-lhe ter sido marcado pela varíola, quando mais nova... Mas é sensual e ainda jovem. Tenho dificuldade em perceber a sua atitude e em advinhar-lhe a idade. Terá menos de trinta. Trocámos apenas olhares no primeiro dia, na linguagem mais universal dos seres humanos.... E, tal como tinha chegado, partia depois, furtivamente, pela calada da noite, sem dizer uma única palavra em português ou crioulo: a única, de resto, que até agora lhe ouvi, foi uma estranha corruptela do meu apelido.

O affaire (que palavra tão deslocada aqui no cú do mundo) foi celebrado com uma singela troca de roncos: dei-lhe a minha toalha de banho turca e fiquei-lhe com a sua pulseira de missangas vermelhas e brancas como recordação das estranhas noites de Sare Ganà.

Deveríamos ser, ali, em Sare Ganá, os dois seres mais deslocados e solitários do mundo... Nunca mais a vi, nem cheguei a saber a sua verdadeira estória.

Luís Graça
_________

(1) Vd. post o meu post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu

(2) Vd. post de A. Marques Lopes, de 28 de Maio de 1969 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968)

Guiné 63/74 - CCXXXVIII: As estranhas noites de Sare Gana

Mulher africana. Pano tradicional de Cabo Verde.

Foto: © Luís Graça (2005)


Excertos do Diário de um tuga. 20 de Agosto de 1969:

Os dias em Sare Ganà [ no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá] ainda vão sendo suportáveis, à aparte o calor, as moscas e o estado de sítio... As noites, essas, é que são longas e penosas. O que me custa mais é não poder ler. Os meus soldados fulas estão de serviço, reforçando o sistema de autodefesa (1). Por causa de um possível ataque da guerrilha (2), é proibido fazer lume ou foguear na tabanca. Aqui come-se cedo e deita-se cedo. Ficam os vampiros dos mosquitos. Por sorte, não apreciam lá muito o meu sangue. Deve-lhes saber a uísque.

Resta-me a companhia silenciosa e furtiva da Fátima, uma das mulheres do comandante da milícia: logo ao segundo ou terceiro dia, introduziu-se-me, lesta como uma gazela na palhota onde durmo, junto ao espaldão do morteiro. Tapou-me a boca com a mão, esboçou um sorriso cúmplice, puxou o pano de chita até à cintura, virou-se delicadamente de costas e ofereceu-me o seu esguio corpo negro, ressumando húmidos odores da floresta!... De pé, ligeiramente curvada para a frente, enigmática como uma máscara, lasciva como a serpente bíblica, submissa como uma fula!

Não é bonita, o rosto deve-lhe ter sido marcado pela varíola, quando mais nova... Mas é sensual e ainda jovem. Tenho dificuldade em perceber a sua atitude e em advinhar-lhe a idade. Terá menos de trinta. Trocámos apenas olhares no primeiro dia, na linguagem mais universal dos seres humanos.... E, tal como tinha chegado, partia depois, furtivamente, pela calada da noite, sem dizer uma única palavra em português ou crioulo: a única, de resto, que até agora lhe ouvi, foi uma estranha corruptela do meu apelido.

O affaire (que palavra tão deslocada aqui no cú do mundo) foi celebrado com uma singela troca de roncos: dei-lhe a minha toalha de banho turca e fiquei-lhe com a sua pulseira de missangas vermelhas e brancas como recordação das estranhas noites de Sare Ganà.

Deveríamos ser, ali, em Sare Ganá, os dois seres mais deslocados e solitários do mundo... Nunca mais a vi, nem cheguei a saber a sua verdadeira estória.

Luís Graça
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(1) Vd. post o meu post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu

(2) Vd. post de A. Marques Lopes, de 28 de Maio de 1969 > Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968)

Guiné 63/74 - CCXXXVII: CCAÇ 2366, Jolmete (1968/70)

Guiné-Bissau > O Rio Cacheu, margem sul. Em frente, Farim. 1996.

© Humberto Reis(2005)


1. O Vasco Andrade (também conhecido no tempo da tropa por "cabo maluco", a expressão é dele próprio) contactou a nossa tertúlia, a mim e ao João Tunes, mandando-nos a seguinte mensagem:

"Camaradas, preciso de encontrar um grande amigo meu que esteve na Guiné, em Jolmete (1) nos anos de 68, 69 e 70, chamado António Manuel Feio, pertencente à Companhia [de Caçadores] 2366, os 'Periquitos atrevidos'... Digam-me também se conhecem algum algum site em que eu possa pesquisar o contacto dele e de outros camaradas. Muito agradecido"

Vasco Andrade


2. Resposta da tertúlia:

(i) No ponto de encontro da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas há uma referência à CCAÇ 2366 – BCAÇ 2845 (Guiné) > "Convívio na Mealhada. Contacto - Albino Silva: 96 329 78 04".

(ii) No livro de visitas do sítio dos Kimbas (Companhia de Cavalaria 3378, Olossato, Brá, Safim e João Landim, 1971/73 ) foi encontrada uma mensagem do Alfredo Gaspar, com data de 2 de Outubro de 2002:

"Fui furriel miliciano na CCAÇ 2366 - Periquitos Atrevidos. Estive na Guiné entre 1968/1970. Em Jolmete. Um grande abraço. Hoje vou inscrever-me na Associação".

Infelizmente o Gaspar não deixou nenhum endereço de e-mail, endereço postal ou nº de telefone. Nem disse em que associação se ia inscrever: presumo que seja a Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, com sede em Braga.

__________

(1) Jolmete fica a nordeste de Teixeira Pinto / Canchungo, acima do Pelundo, junto ao Rio Cacheu, antes de Farim. Vejam a nossa carta da Guiné, velhinha, já com 40 anos... Eu nunca aprendi tanta geografia da Guiné, como agora. L.G.

Guiné 63/74 - CCXXXVII: CCAÇ 2366, Jolmete (1968/70)

Guiné-Bissau > O Rio Cacheu, margem sul. Em frente, Farim. 1996.

© Humberto Reis(2005)


1. O Vasco Andrade (também conhecido no tempo da tropa por "cabo maluco", a expressão é dele próprio) contactou a nossa tertúlia, a mim e ao João Tunes, mandando-nos a seguinte mensagem:

"Camaradas, preciso de encontrar um grande amigo meu que esteve na Guiné, em Jolmete (1) nos anos de 68, 69 e 70, chamado António Manuel Feio, pertencente à Companhia [de Caçadores] 2366, os 'Periquitos atrevidos'... Digam-me também se conhecem algum algum site em que eu possa pesquisar o contacto dele e de outros camaradas. Muito agradecido"

Vasco Andrade


2. Resposta da tertúlia:

(i) No ponto de encontro da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas há uma referência à CCAÇ 2366 – BCAÇ 2845 (Guiné) > "Convívio na Mealhada. Contacto - Albino Silva: 96 329 78 04".

(ii) No livro de visitas do sítio dos Kimbas (Companhia de Cavalaria 3378, Olossato, Brá, Safim e João Landim, 1971/73 ) foi encontrada uma mensagem do Alfredo Gaspar, com data de 2 de Outubro de 2002:

"Fui furriel miliciano na CCAÇ 2366 - Periquitos Atrevidos. Estive na Guiné entre 1968/1970. Em Jolmete. Um grande abraço. Hoje vou inscrever-me na Associação".

Infelizmente o Gaspar não deixou nenhum endereço de e-mail, endereço postal ou nº de telefone. Nem disse em que associação se ia inscrever: presumo que seja a Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, com sede em Braga.

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(1) Jolmete fica a nordeste de Teixeira Pinto / Canchungo, acima do Pelundo, junto ao Rio Cacheu, antes de Farim. Vejam a nossa carta da Guiné, velhinha, já com 40 anos... Eu nunca aprendi tanta geografia da Guiné, como agora. L.G.

10 outubro 2005

Guiné 63/74: CCXXXVI: A mesquita de Barro

Mesquita de Barro. Construída pela CCAÇ 3 (1968) © A. Marques Lopes (2005)



Texto de A. Marques Lopes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3, Barro, 1968).



É evidente que este blogue tomou uma projecção importante para a história da guerra, sobretudo na Guiné. No entanto, não exageremos. Fazendo uma pesquisa através do Google, como sugere o Luís Graça, cheguei à seguinte conclusão:

(i) o milhar dos 1.010 referêncais sobre Geba é a respeito do rio Geba, as restantes à tabanca de Geba;

(ii) das 10.050 sobre Barro só meia dúzia se referem à tabanca de Barro; as restantes são "colher de barro", "chão de barro", "panela de barro"... e alguns da Nova "Guiné".

Não é uma crítica, é só para colocar as coisas no nível devido. Mas foi-me muito útil essa pesquisa:

(iii) apanhei coisas que não sabia sobre Geba;

(iv) descobri que, em Barro, em Novembro de 2001, foi criada a rádio Tchéte Binhin, com 5 jornalistas e 4 técnicos, e cujo director é César Cumuca, e que está sedeada no edifício da Casa dos Médicos do Centro de Saúde de Barro; fiquei contente porque alguma coisa se fez desde 1998, altura em que lá estive: não havia nem rádio nem Centro de Saúde; falta muito, claro; a rádio só tem um raio de cobertura de 300 metros, é para a tabanca.

(v) Aproveito aqui para corrigir uma coisa e pedir desculpas ao Fernando Chapouto (já lhe tinha falado nisto mas ele nunca me disse nada) e ao Belmiro Vaqueiro: a fotografia que, em tempos mandei não era da construção da capela de Geba mas, sim, da mesquita de Barro. Mando uma fotografia dessa mesquita, essa, sim, construída pela CCAÇ 3. Confusões do tempo... e misturas de lembranças.

(vi) Também vi que o Fernando Chapouto tem dispersas várias fotografias de Camamudo, Banjara, Cantacunda e Geba. Apelo que as mande para o nosso blogue.