25 junho 2005

Guiné 69/71 - LXXXI: Cartazes de propaganda dirigidos aos "homens do mato"

© A. Marques Lopes



1. O Marques Lopes mandou-nos, sob a forma de imagens em format.jpg, uma colecção de sete cartazes, a cores.

Eram os nossos conhecidos cartazes de propaganda que deixávamos no mato, nas clareiras, nos trilhos, nas bolanhas, nas regiões fora do nosso controlo, na esperança de que os guerrileiros do PAIGC, as suas milícias e a sua população se entregassem em massa às nossas autoridades, administrativas e militares...

Nunca cheguei a observar os efeitos práticos e objectivos deste tipo de propaganda. Os "homens do mato" que conheci foram os que fizemos prisioneiros; a população do mato (mulheres, velhos e crianças) que recuperámos foi a que arrancámos, à força, das zonas controladas pela guerrilha.

Achei, no entanto, esse material muito interessante,se bem que revele alguma ingenuidade e uma estética de duvidosa eficácia. E pedi-lhe, ao Marques Lopes, para ver se descobria a origem e o ano ("Quem os produzia, quando, para usar onde"...).

O Marques Lopes respondeu-me que "esses folhetos que enviei tínhamo-los quer em Geba quer em Barro, portanto em 1967 e 1968, para espalhar pelas matas. Nenhum deles tem indicação de autor ou de origem, mas é certo que apareciam em pacotes vindos do Comando Chefe de Bissau". Uma coisa é certa: eram cartazes destinados especificamente ao teatro de operações da Guiné.

O que eu acho interessante é que ele tenha tido a preocupação de os guardar. Julgo que também me passaram pelas mãos alguns desses cartazes, mas não fiquei com nenhum. Na altura o que eu queria mesmo era esquecer a Guiné... para sempre. Esses materiais são hoje valiosos pelo seu interesse iconográfico e historiográfico. Não os encontro, por exemplo, no sítio do Centro de Documentação 25 de Abril nem em qualquer outra parte da Net.

Essas imagens e outras fotos (que eventualmente não venham publicadas, neste blogue nem na página Luís Graça e Camaradas > Subsídios para a História da Guerra colonial > Guiné (1963/74) passam a figurar no meu álbum do Portal Care2.com: Guerra Colonial > Guine-Bissau (1963/74) / Colonial War > Guiena-Bissau (1983/74). Este portal tem a vantagem de permitir a inserção de um número teoricamente ilimitado de fotos.

As imagens originalmente enviadas pelo A. Marques Lopes eram muito pesadas (2 a 3 MB cada uma). O seu tamanho teve que ser reduzido. É natural que percam qualidade.

A colecção (no fundo, é uma sequência de banda desenhada) começa com uma imagem do mapa da Guiné ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") (Cartaz nº 1).

© A. Marques Lopes


A numeração é da minha única responsabilidade: tem a ver a lógica da sua sequência para efeitos de leitura. É claro que o Cartaz nº 1 ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") também podia vir no fim.

O segundo cartaz mostra um grupo de guerrilheiros, no mato, feridos e/ou desmoralizados (vd. i,magem no toppo deste post). Os combatentes do PAIGC nunca são tratados como tal, mas simplesmente como "homens do mato" (leia-se: bandidos, indivíduos que estão fora da lei e da ordem). Aliás, no nosso tempo, "ir no mato" era, no falar das gentes da Guiné, juntar-se à guerrilha, fugir das zonas sob administração portuguesa. Portugal, de resto, nunca reconheceu o PAIGC como inimigo, nem a luta contra o terrorismo como uma situação de guerra, face à Convenção de Genebra.

O título do cartaz é:

- No mato, há doença, fome e morte...

A legenda, por sua vez, diz o seguinte:

- O Chefe do Grupo do mato julga que vai morrer. Foi gravemente ferido.

No Cartaz nº 3 vemos o mesmo grupo de "homens do mato" a entregar-se às autoridades militares portuguesas da zona. Depois do Chefe do mato ter ido falar com o "homem grande da tabanca" (que veste à maneira fula, o que está longe de ser inocente, já que os fulas eram os nossos grandes aliados)...Legenda:

- O Homem Grande diz à tropa que estes homens foram enganados, estão arrependidos e fartos da guerra.

No Cartaz nº 4 vemos os "homens do mato, arrependidos" serem bem tratados pelas autoridades portuguesas: (i) são tratados pelos enfermeiros da tropa, (ii) bebem cerveja com soldados africanos...

No Cartaz nº 5 vemos uma tabanca, sob a bandeira portugesa (e, parece-me, ao canto superior direito, descortinar uma inverosímil antena de televisão!). Legenda: "a gente do mato que estava enganada e não vivia na tabanca há muito tempo" abraça a família e os amigos...

© A. Marques Lopes


Por fim, a tropa e os civis ajudam aqueles que se apresentam a reconstruir a sua tabanca (clara referência aos famosos "reordenamentos" ou "aldeias estratégicas" que, no tempo do Spínola, tiveram um grande incremento)(Cartaz nº 6).

O último cartaz (nº 7) tem uma lógica implacável: "Apresenta-te à tropa, levanta os braços"... Mostra dois "homens do mato", de braços levantados, segurando a sua espingarda semi-automática (Simonov ?) por cima da cabeça...

2. Veja-se o que diz o Centro de Documentação 25 de Abril sobre a propaganda, usada durante a guerra colonial, por um lado e outro:

"A acção psicológica destina-se a influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos. Na guerra subversiva é utilizada para obter o apoio da população, desmoralizar e captar o inimigo e fortalecer o moral das próprias forças, assumindo três aspectos diferentes, embora intimamente relacionados: acção psicológica, acção social, acção de presença.

"Quer as forças portuguesas, quer os movimentos de libertação, usaram intensamente a acção psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para a conquista dos seus objectivos, dentro da ideia que as palavras são os canhões do séc. XX e que, como se ensinava aos futuros chefes da guerrilha na escola de estado-maior da China, na guerra revolucionária deve atacar-se com 70 por cento de propaganda e 30 por cento de esforço militar.

"A acção psicológica exercida sobre a população, o inimigo e as próprias forças foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação, de acordo com as finalidades de cada uma destas áreas: a primeira, pretendendo impor à opinião pública certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversa; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitam de encontrar ambiente favorável.

"Quanto às populações, procurou-se criar esse ambiente propício com a acção social, que visava a elevação do seu nível de vida, para as cativar, conquistando-lhes os corações e originando condições mais receptivas à acção psicológica. Esta acção foi desenvolvida sob a forma de assistência sanitária, religiosa, educativa e económica.

"Relativamente ao adversário, a acção psicológica das forças portuguesas era isolar os guerrilheiros das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito quer na acção, quer na dos seus chefes. Para o efeito utilizaram-se panfletos e cartazes lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso e nas povoações, emissões de rádio, propaganda sonora directamente a partir de meios aéreos, apelando à sua rendição e entrega às forças militares ou administrativas, garantindo-lhes e explicando-lhes que a participação na guerrilha constituía um logro".

Nota de correcção:

Posteriormente à inserção deste post, recebi em 26 de Junho de 2005 a seguinte mensagem do Marques Lopes: "Peço-te que faças uma correcção a propósito dos cartazes que enviei. Quem tinha esses cartazes em seu poder era o meu amigo alferes Reis, da CART1690, que mos cedeu. Embora eu os conhecesse, como disse, quer em Geba quer em Barro, não tinha nenhum destes em meu poder. Tenho outro, não igual, mas ando ainda à procura dele... deve estar no meio de outros papéis. Quando o encontrar enviá-lo-ei".

Aqui fica a correcção: o seu a seu dono. A autoria das imagens é do Marques Lopes, já que foi ele quem teve o trabalho de as digitalizar e enviar para a nossa tertúlia.

Guiné 69/71 - LXXXI: Cartazes de propaganda dirigidos aos "homens do mato"

© A. Marques Lopes



1. O Marques Lopes mandou-nos, sob a forma de imagens em format.jpg, uma colecção de sete cartazes, a cores.

Eram os nossos conhecidos cartazes de propaganda que deixávamos no mato, nas clareiras, nos trilhos, nas bolanhas, nas regiões fora do nosso controlo, na esperança de que os guerrileiros do PAIGC, as suas milícias e a sua população se entregassem em massa às nossas autoridades, administrativas e militares...

Nunca cheguei a observar os efeitos práticos e objectivos deste tipo de propaganda. Os "homens do mato" que conheci foram os que fizemos prisioneiros; a população do mato (mulheres, velhos e crianças) que recuperámos foi a que arrancámos, à força, das zonas controladas pela guerrilha.

Achei, no entanto, esse material muito interessante,se bem que revele alguma ingenuidade e uma estética de duvidosa eficácia. E pedi-lhe, ao Marques Lopes, para ver se descobria a origem e o ano ("Quem os produzia, quando, para usar onde"...).

O Marques Lopes respondeu-me que "esses folhetos que enviei tínhamo-los quer em Geba quer em Barro, portanto em 1967 e 1968, para espalhar pelas matas. Nenhum deles tem indicação de autor ou de origem, mas é certo que apareciam em pacotes vindos do Comando Chefe de Bissau". Uma coisa é certa: eram cartazes destinados especificamente ao teatro de operações da Guiné.

O que eu acho interessante é que ele tenha tido a preocupação de os guardar. Julgo que também me passaram pelas mãos alguns desses cartazes, mas não fiquei com nenhum. Na altura o que eu queria mesmo era esquecer a Guiné... para sempre. Esses materiais são hoje valiosos pelo seu interesse iconográfico e historiográfico. Não os encontro, por exemplo, no sítio do Centro de Documentação 25 de Abril nem em qualquer outra parte da Net.

Essas imagens e outras fotos (que eventualmente não venham publicadas, neste blogue nem na página Luís Graça e Camaradas > Subsídios para a História da Guerra colonial > Guiné (1963/74) passam a figurar no meu álbum do Portal Care2.com: Guerra Colonial > Guine-Bissau (1963/74) / Colonial War > Guiena-Bissau (1983/74). Este portal tem a vantagem de permitir a inserção de um número teoricamente ilimitado de fotos.

As imagens originalmente enviadas pelo A. Marques Lopes eram muito pesadas (2 a 3 MB cada uma). O seu tamanho teve que ser reduzido. É natural que percam qualidade.

A colecção (no fundo, é uma sequência de banda desenhada) começa com uma imagem do mapa da Guiné ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") (Cartaz nº 1).

© A. Marques Lopes


A numeração é da minha única responsabilidade: tem a ver a lógica da sua sequência para efeitos de leitura. É claro que o Cartaz nº 1 ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") também podia vir no fim.

O segundo cartaz mostra um grupo de guerrilheiros, no mato, feridos e/ou desmoralizados (vd. i,magem no toppo deste post). Os combatentes do PAIGC nunca são tratados como tal, mas simplesmente como "homens do mato" (leia-se: bandidos, indivíduos que estão fora da lei e da ordem). Aliás, no nosso tempo, "ir no mato" era, no falar das gentes da Guiné, juntar-se à guerrilha, fugir das zonas sob administração portuguesa. Portugal, de resto, nunca reconheceu o PAIGC como inimigo, nem a luta contra o terrorismo como uma situação de guerra, face à Convenção de Genebra.

O título do cartaz é:

- No mato, há doença, fome e morte...

A legenda, por sua vez, diz o seguinte:

- O Chefe do Grupo do mato julga que vai morrer. Foi gravemente ferido.

No Cartaz nº 3 vemos o mesmo grupo de "homens do mato" a entregar-se às autoridades militares portuguesas da zona. Depois do Chefe do mato ter ido falar com o "homem grande da tabanca" (que veste à maneira fula, o que está longe de ser inocente, já que os fulas eram os nossos grandes aliados)...Legenda:

- O Homem Grande diz à tropa que estes homens foram enganados, estão arrependidos e fartos da guerra.

No Cartaz nº 4 vemos os "homens do mato, arrependidos" serem bem tratados pelas autoridades portuguesas: (i) são tratados pelos enfermeiros da tropa, (ii) bebem cerveja com soldados africanos...

No Cartaz nº 5 vemos uma tabanca, sob a bandeira portugesa (e, parece-me, ao canto superior direito, descortinar uma inverosímil antena de televisão!). Legenda: "a gente do mato que estava enganada e não vivia na tabanca há muito tempo" abraça a família e os amigos...

© A. Marques Lopes


Por fim, a tropa e os civis ajudam aqueles que se apresentam a reconstruir a sua tabanca (clara referência aos famosos "reordenamentos" ou "aldeias estratégicas" que, no tempo do Spínola, tiveram um grande incremento)(Cartaz nº 6).

O último cartaz (nº 7) tem uma lógica implacável: "Apresenta-te à tropa, levanta os braços"... Mostra dois "homens do mato", de braços levantados, segurando a sua espingarda semi-automática (Simonov ?) por cima da cabeça...

2. Veja-se o que diz o Centro de Documentação 25 de Abril sobre a propaganda, usada durante a guerra colonial, por um lado e outro:

"A acção psicológica destina-se a influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos. Na guerra subversiva é utilizada para obter o apoio da população, desmoralizar e captar o inimigo e fortalecer o moral das próprias forças, assumindo três aspectos diferentes, embora intimamente relacionados: acção psicológica, acção social, acção de presença.

"Quer as forças portuguesas, quer os movimentos de libertação, usaram intensamente a acção psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para a conquista dos seus objectivos, dentro da ideia que as palavras são os canhões do séc. XX e que, como se ensinava aos futuros chefes da guerrilha na escola de estado-maior da China, na guerra revolucionária deve atacar-se com 70 por cento de propaganda e 30 por cento de esforço militar.

"A acção psicológica exercida sobre a população, o inimigo e as próprias forças foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação, de acordo com as finalidades de cada uma destas áreas: a primeira, pretendendo impor à opinião pública certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversa; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitam de encontrar ambiente favorável.

"Quanto às populações, procurou-se criar esse ambiente propício com a acção social, que visava a elevação do seu nível de vida, para as cativar, conquistando-lhes os corações e originando condições mais receptivas à acção psicológica. Esta acção foi desenvolvida sob a forma de assistência sanitária, religiosa, educativa e económica.

"Relativamente ao adversário, a acção psicológica das forças portuguesas era isolar os guerrilheiros das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito quer na acção, quer na dos seus chefes. Para o efeito utilizaram-se panfletos e cartazes lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso e nas povoações, emissões de rádio, propaganda sonora directamente a partir de meios aéreos, apelando à sua rendição e entrega às forças militares ou administrativas, garantindo-lhes e explicando-lhes que a participação na guerrilha constituía um logro".

Nota de correcção:

Posteriormente à inserção deste post, recebi em 26 de Junho de 2005 a seguinte mensagem do Marques Lopes: "Peço-te que faças uma correcção a propósito dos cartazes que enviei. Quem tinha esses cartazes em seu poder era o meu amigo alferes Reis, da CART1690, que mos cedeu. Embora eu os conhecesse, como disse, quer em Geba quer em Barro, não tinha nenhum destes em meu poder. Tenho outro, não igual, mas ando ainda à procura dele... deve estar no meio de outros papéis. Quando o encontrar enviá-lo-ei".

Aqui fica a correcção: o seu a seu dono. A autoria das imagens é do Marques Lopes, já que foi ele quem teve o trabalho de as digitalizar e enviar para a nossa tertúlia.

24 junho 2005

Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida




Excertos do Diário de um Tuga. L.G.

Campo Militar de Santa Margarida. 24 de Maio de 1969.

Soldado contra a minha própria guerra, parafraseando o Manuel Alegre, a escassos horas de embarcar no Niassa, revejo-me mal no filme de despedida da nossa companhia (menos de meia-companhia, aliás), enquadrada nas restantes forças expedicionárias destinadas ao CTI da Guiné, perfiladas no átrio da capela – ah!, sempre juntos,Deus e a Pátria, a cruz e a espada, ! – do Campo Militar de Santa Margarida.

Cerimónia de opereta que meteu missa campal, benção e entrega de guiões e a que não faltou a fanfarra do Regimento de Abrantes e o discurso de despedida do comandante, que a pompa e as circunstâncias exigiam.

De dentes cerrados e a morte na alma, escutei a lenga-lenga patrioteira do coronel, comandante do CMSM:

“Oficiais, sargentos e praças! Ides em breve partir para a nossa querida província ultramarina da Guiné aonde vos chama o sagrado dever de todo o soldado português – a defesa da Pátria!

“Das dificuldades da vossa missão ninguém tem dúvidas, mas a Nação tem boas razões para confiar em vós. Para além da instrução, intensa e prolongada, a que vós, militares, fostes submetidos desde o primeiro dia nas fileiras do Exército, existem no vosso sangue jovem todas aquelas virtudes ancestrais, recebidas dos vossos pais e avós, que tornaram grandes e inolvidáveis os momentos mais dolorosos e difíceis por que a Pátria passou nos oito séculos da sua existência!...

“A vossa geração, bravos soldados de Portugal, escreve hoje em terras de África páginas das mais gloriosas da nossa gloriosa História! (…)

“O voto que vos deixo, a todos vós, oficiais, sargentos e praças, é que em terras da portuguesíssima Guiné, saibais continuar a gesta lusíada e merecer a confiança que a Nação em vós deposita. E que na alegria do regresso possais gritar bem alto àqueles que no cais vos aguardam: Missão cumprida!”

- Simplesmente pornográfico! Os cabrões podiam mandar-nos para o matadouro e poupar-nos, ao menos, a esta diarreia mental! – comentei eu, entre dentes, recusando, enojado, mas com alguma elegância, o aperto de mão da seráfica e assexuada representante do Movimento Nacional Feminino que, no final, distribuía medalhas de Fátima, tabaco, aerogramas e sorrisos de vaca leiteira.

Esta música eu já a sabia de cor e salteado das Caldas e de Tavira. Recordo-me de um dos meus comandantes de companhia que também tinha muito blá-blá:
- Rapazes, vocês são a fina flor da Nação, o espelho da Pátria! – dizia-nos ele muitas vezes na formatura. E depois tratava-nos abaixo de cão ou autorizava o cão de fila do seu alferes a humilhar-nos e a pôr-nos a rebolar na merda, no campo da feira de Tavira, debaixo da janela da sua amada...

Gabava-se de ser um dos heróis de Nambuangongo e de ter tantos louvores como porradas, razão por que ainda não tinha passado de tenente. Para alguns de nós, e a crer no jornal da caserna, ele não passava de um reles e triste assassino que no Norte de Angola, em 1961/62, andava sempre com cabeças frescas de preto espetadas no capô do jipe.

Post-scriptum -

1. À distância de 36 anos, não quero ferir susceptibilidades nem muitos menos menosprezar os sentimentos patrióticos, actuais ou passados, dos meus ex-camaradas de Guiné, de todos, em geral, e de cada um, em particular. Também não confundo o Exército do Portugal democrático de hoje com o Exército do Portugal colonial-fascista de 1969 (não gosto da adjectivação, mas era assim que os gajos do MRPP e outros comunas nos tratavam: afinal, o Exército Portugês eramos nós...).

Se fui (re)buscar os meus papéis dessa época, foi sobretudo para documentar ou ilustrar o estado de espírito de alguns de nós, que estavam longe de serem representativos dos jovens da sua geração. Mal ou bem, eu considerava-me, na época, um soldado contra a minha guerra... Todavia, não fui refractário nem desertor...

Por outro lado, todos sabemos como os filhos da elite político-militar da época arranjavam maneira de não ir parar a Geba, ao Xime, ao Xitole, a Barro ou a Guileje... Em muitos casos até da tropa se livraram. Na pior das hipóteses fizeram a guerra do ar condicionado (em Bissau, em Luanda, em Lourenço Marques)...


2. Foi no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM) que conheci os meus futuros camaradas e amigos da CCAÇ 12 (caso do Humberto Reis e do António Levezinho, que fazem parte da nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné; já agora o boneco da capa da História da CCAÇ 12, que publico em cima, é da autoria do Tony Levezinho; é uma pequena homenagem que lhe faço, esperando poder abraçá-lo em breve, lá para os lados da ponta de Sagres onde ele agora vive).

O CMSM, situado no concelho de Constança, era já, nessa época, uma verdadeira cidade, com milhares de hectares, e centenas de infra-estruturas... Nunca mais lá voltei.

Hoje ao visitar o seu sítio na Internet, vejo com agrado que o CMSM tem preocupações ambientais e tem inclusive uma certificação ambiental. Os meus parabéns ao Exército Português. Aqui fica um destaque sobre este assunto:

"O Sistema de Gestão Ambiental do Campo Militar de Santa Margarida é a partir de agora, Certificado pela Associação Portuguesa de Certificação (APCER), como instituição Certificada segundo as Normas NP EN ISO 14001:1999.

"Esta certificação é sinónimo de uma preocupação louvável no sentido da preservação dos 6.400 hectares do CMSM, onde se inclui uma magnífica mancha florestal e onde se abrigam importantes espécies da fauna cinegética que têm convivido pacificamente com as actividades inerentes ao campo, desde a sua fundação, há precisamente 52 anos.

"O sistema de gestão do ambiente que o CMSM publicamente assume, permite-lhe estabelecer uma política adequada à sua própria realidade, adoptando soluções que visam a redução de custos e de riscos inerentes ao seu funcionamento, evidenciando à sociedade uma melhor imagem da instituição militar, bem como constituindo uma referência de exemplo e incentivo para as restantes unidades do Exército.
6/23/2004".

Fonte: Portal do Exército Português > Campo Militar de Santa Margarida (CMSM)

Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida




Excertos do Diário de um Tuga. L.G.

Campo Militar de Santa Margarida. 24 de Maio de 1969.

Soldado contra a minha própria guerra, parafraseando o Manuel Alegre, a escassos horas de embarcar no Niassa, revejo-me mal no filme de despedida da nossa companhia (menos de meia-companhia, aliás), enquadrada nas restantes forças expedicionárias destinadas ao CTI da Guiné, perfiladas no átrio da capela – ah!, sempre juntos,Deus e a Pátria, a cruz e a espada, ! – do Campo Militar de Santa Margarida.

Cerimónia de opereta que meteu missa campal, benção e entrega de guiões e a que não faltou a fanfarra do Regimento de Abrantes e o discurso de despedida do comandante, que a pompa e as circunstâncias exigiam.

De dentes cerrados e a morte na alma, escutei a lenga-lenga patrioteira do coronel, comandante do CMSM:

“Oficiais, sargentos e praças! Ides em breve partir para a nossa querida província ultramarina da Guiné aonde vos chama o sagrado dever de todo o soldado português – a defesa da Pátria!

“Das dificuldades da vossa missão ninguém tem dúvidas, mas a Nação tem boas razões para confiar em vós. Para além da instrução, intensa e prolongada, a que vós, militares, fostes submetidos desde o primeiro dia nas fileiras do Exército, existem no vosso sangue jovem todas aquelas virtudes ancestrais, recebidas dos vossos pais e avós, que tornaram grandes e inolvidáveis os momentos mais dolorosos e difíceis por que a Pátria passou nos oito séculos da sua existência!...

“A vossa geração, bravos soldados de Portugal, escreve hoje em terras de África páginas das mais gloriosas da nossa gloriosa História! (…)

“O voto que vos deixo, a todos vós, oficiais, sargentos e praças, é que em terras da portuguesíssima Guiné, saibais continuar a gesta lusíada e merecer a confiança que a Nação em vós deposita. E que na alegria do regresso possais gritar bem alto àqueles que no cais vos aguardam: Missão cumprida!”

- Simplesmente pornográfico! Os cabrões podiam mandar-nos para o matadouro e poupar-nos, ao menos, a esta diarreia mental! – comentei eu, entre dentes, recusando, enojado, mas com alguma elegância, o aperto de mão da seráfica e assexuada representante do Movimento Nacional Feminino que, no final, distribuía medalhas de Fátima, tabaco, aerogramas e sorrisos de vaca leiteira.

Esta música eu já a sabia de cor e salteado das Caldas e de Tavira. Recordo-me de um dos meus comandantes de companhia que também tinha muito blá-blá:
- Rapazes, vocês são a fina flor da Nação, o espelho da Pátria! – dizia-nos ele muitas vezes na formatura. E depois tratava-nos abaixo de cão ou autorizava o cão de fila do seu alferes a humilhar-nos e a pôr-nos a rebolar na merda, no campo da feira de Tavira, debaixo da janela da sua amada...

Gabava-se de ser um dos heróis de Nambuangongo e de ter tantos louvores como porradas, razão por que ainda não tinha passado de tenente. Para alguns de nós, e a crer no jornal da caserna, ele não passava de um reles e triste assassino que no Norte de Angola, em 1961/62, andava sempre com cabeças frescas de preto espetadas no capô do jipe.

Post-scriptum -

1. À distância de 36 anos, não quero ferir susceptibilidades nem muitos menos menosprezar os sentimentos patrióticos, actuais ou passados, dos meus ex-camaradas de Guiné, de todos, em geral, e de cada um, em particular. Também não confundo o Exército do Portugal democrático de hoje com o Exército do Portugal colonial-fascista de 1969 (não gosto da adjectivação, mas era assim que os gajos do MRPP e outros comunas nos tratavam: afinal, o Exército Portugês eramos nós...).

Se fui (re)buscar os meus papéis dessa época, foi sobretudo para documentar ou ilustrar o estado de espírito de alguns de nós, que estavam longe de serem representativos dos jovens da sua geração. Mal ou bem, eu considerava-me, na época, um soldado contra a minha guerra... Todavia, não fui refractário nem desertor...

Por outro lado, todos sabemos como os filhos da elite político-militar da época arranjavam maneira de não ir parar a Geba, ao Xime, ao Xitole, a Barro ou a Guileje... Em muitos casos até da tropa se livraram. Na pior das hipóteses fizeram a guerra do ar condicionado (em Bissau, em Luanda, em Lourenço Marques)...


2. Foi no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM) que conheci os meus futuros camaradas e amigos da CCAÇ 12 (caso do Humberto Reis e do António Levezinho, que fazem parte da nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné; já agora o boneco da capa da História da CCAÇ 12, que publico em cima, é da autoria do Tony Levezinho; é uma pequena homenagem que lhe faço, esperando poder abraçá-lo em breve, lá para os lados da ponta de Sagres onde ele agora vive).

O CMSM, situado no concelho de Constança, era já, nessa época, uma verdadeira cidade, com milhares de hectares, e centenas de infra-estruturas... Nunca mais lá voltei.

Hoje ao visitar o seu sítio na Internet, vejo com agrado que o CMSM tem preocupações ambientais e tem inclusive uma certificação ambiental. Os meus parabéns ao Exército Português. Aqui fica um destaque sobre este assunto:

"O Sistema de Gestão Ambiental do Campo Militar de Santa Margarida é a partir de agora, Certificado pela Associação Portuguesa de Certificação (APCER), como instituição Certificada segundo as Normas NP EN ISO 14001:1999.

"Esta certificação é sinónimo de uma preocupação louvável no sentido da preservação dos 6.400 hectares do CMSM, onde se inclui uma magnífica mancha florestal e onde se abrigam importantes espécies da fauna cinegética que têm convivido pacificamente com as actividades inerentes ao campo, desde a sua fundação, há precisamente 52 anos.

"O sistema de gestão do ambiente que o CMSM publicamente assume, permite-lhe estabelecer uma política adequada à sua própria realidade, adoptando soluções que visam a redução de custos e de riscos inerentes ao seu funcionamento, evidenciando à sociedade uma melhor imagem da instituição militar, bem como constituindo uma referência de exemplo e incentivo para as restantes unidades do Exército.
6/23/2004".

Fonte: Portal do Exército Português > Campo Militar de Santa Margarida (CMSM)

Guiné 69/71 - LXXIX: Nome di bó ? Terça, simplesmente Terça! (Em Sano, no Senegal)

Os Jagudis, grupo de combate da CCAÇ 3 (Barro, 1968), comandado pelo Alferes Miliciano Lopes. Uma pausa no mato.

© A. Marques Lopes








Texto do Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CCAÇ 3, Barro, 1968):

Esta menina estava às costas da mãe quando, em 20 de Agosto de 1968, eu e o meu grupo de combate [os jagudis] investimos contra a tabanca de Sano, já no Senegal.

No meio do tiroteio, provocado pela resistência de alguns elementos do PAIGC que lá se encontravam, a mãe dela abriu o pano com que segurava a filha para melhor poder fugir. E conseguiu fugir... mas deixou a filha a chorar no chão.

Trouxemos a criança para Barro. Tinha um ano e meio, talvez dois anos, não sei. Foi bem tratada, vestida e calçada.
- Nome di bó? - Muita insistência e dificuldade em conseguir-lhe uma palavra.
- Que nome dar-lhe, então?
- Hoje é terça-feira, disse alguém, pode chamar-se Terça-feira - E ficou Terça, para facilitar.

Pois a miúda Terça ficou alguns dias em Barro mas foi na primeira Dornier para Bissau para ser entregue a uma qualquer instituição religiosa.

O Cacuto [Seidi, chefe da tabanca de Barro, e suspeito de ter ligações ao PAIGC] não gostou da ideia, pois era uma bajuda que lhe iria dar proventos quando a casasse...

Lá andará hoje, por Bissau, uma já mulher feita, mãe de filhos, certamente, de nome Terça. O nome não foi totalmente descabido. De facto, em 1998, quando estive na Guiné, o jovem guia que me acompanhava chamava-se Cinq. Só falava francês e crioulo.
- Porquê Cinq? - perguntei-lhe eu.
Estudara no Senegal, daí falar francês, nascera no dia 5 de Maio (5) e os pais deram-lhe o nome de Cinq.

Guiné 69/71 - LXXIX: Nome di bó ? Terça, simplesmente Terça! (Em Sano, no Senegal)

Os Jagudis, grupo de combate da CCAÇ 3 (Barro, 1968), comandado pelo Alferes Miliciano Lopes. Uma pausa no mato.

© A. Marques Lopes








Texto do Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CCAÇ 3, Barro, 1968):

Esta menina estava às costas da mãe quando, em 20 de Agosto de 1968, eu e o meu grupo de combate [os jagudis] investimos contra a tabanca de Sano, já no Senegal.

No meio do tiroteio, provocado pela resistência de alguns elementos do PAIGC que lá se encontravam, a mãe dela abriu o pano com que segurava a filha para melhor poder fugir. E conseguiu fugir... mas deixou a filha a chorar no chão.

Trouxemos a criança para Barro. Tinha um ano e meio, talvez dois anos, não sei. Foi bem tratada, vestida e calçada.
- Nome di bó? - Muita insistência e dificuldade em conseguir-lhe uma palavra.
- Que nome dar-lhe, então?
- Hoje é terça-feira, disse alguém, pode chamar-se Terça-feira - E ficou Terça, para facilitar.

Pois a miúda Terça ficou alguns dias em Barro mas foi na primeira Dornier para Bissau para ser entregue a uma qualquer instituição religiosa.

O Cacuto [Seidi, chefe da tabanca de Barro, e suspeito de ter ligações ao PAIGC] não gostou da ideia, pois era uma bajuda que lhe iria dar proventos quando a casasse...

Lá andará hoje, por Bissau, uma já mulher feita, mãe de filhos, certamente, de nome Terça. O nome não foi totalmente descabido. De facto, em 1998, quando estive na Guiné, o jovem guia que me acompanhava chamava-se Cinq. Só falava francês e crioulo.
- Porquê Cinq? - perguntei-lhe eu.
Estudara no Senegal, daí falar francês, nascera no dia 5 de Maio (5) e os pais deram-lhe o nome de Cinq.

Guiné 69/71 - LXXVIII: Ex-guerrilheiros do PAIGC, procuram-se

Mandei para o Portal Guine-Bissau.com, para o respectivo livro de visitas, a seguinte mensagem:
________________

Luís Graça, Lisboa, Portugal

18/06/2005

"Represento um grupo de ex-combatentes portugueses que fizeram a guerra colonial na Guiné, entre 1967 e 1974, que são amigos do povo da Guiné, e que estiveram nos mais diversos sítios: Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Saltinho, Enxalé, Missirá, Geba, Cantacunda, Banjara, Bafatá, Contuboel, Barro, Bigene, Guidage, etc.

"Gostaríamos de poder encontrar ex-combatentes do PAIGC que tenham estado nessas zonas e nessa época. Temos publicado depoimentos, estórias, documentos, fotos, etc., em:

Luís Graça > Blogue-fora-nada

Luís Graça & Camaradas > Subsídios para história da guerra colonial > Guiné (1963/74)

Amigos e camaradas, contactem connosco!

Luís Graça (ex-furriel miliciano Henriques da CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

Marques Lopes (ex-alferes miliciano Lopes, da CART 1690, Geba, 1967; e da CCAÇ 3, Barro, 1968; hoje, coronel, DFA, na situação de reforma)
___________________

Guiné 69/71 - LXXVIII: Ex-guerrilheiros do PAIGC, procuram-se

Mandei para o Portal Guine-Bissau.com, para o respectivo livro de visitas, a seguinte mensagem:
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Luís Graça, Lisboa, Portugal

18/06/2005

"Represento um grupo de ex-combatentes portugueses que fizeram a guerra colonial na Guiné, entre 1967 e 1974, que são amigos do povo da Guiné, e que estiveram nos mais diversos sítios: Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Saltinho, Enxalé, Missirá, Geba, Cantacunda, Banjara, Bafatá, Contuboel, Barro, Bigene, Guidage, etc.

"Gostaríamos de poder encontrar ex-combatentes do PAIGC que tenham estado nessas zonas e nessa época. Temos publicado depoimentos, estórias, documentos, fotos, etc., em:

Luís Graça > Blogue-fora-nada

Luís Graça & Camaradas > Subsídios para história da guerra colonial > Guiné (1963/74)

Amigos e camaradas, contactem connosco!

Luís Graça (ex-furriel miliciano Henriques da CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

Marques Lopes (ex-alferes miliciano Lopes, da CART 1690, Geba, 1967; e da CCAÇ 3, Barro, 1968; hoje, coronel, DFA, na situação de reforma)
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Guiné 69/71 - LXXVII: O que (não) diziam os nossos aerogramas (1)

1. Extractos do que se dizia nos aerogramas. Só algumas coisas, claro, de alguns que consegui recuperar. Abraço. Marques Lopes

Geba. 3.5.67

" (...) Por cá tenho andado. Tenho andado muito pelo mato. Tem de ser assim, já estive quase um dia inteiro emboscado no mato. A vida aqui é muito dura, pior que tudo é que um indivíduo pode dar em chalado. Agora é que eu vejo como é fácil dar em maluco. Por um lado, o clima já não ajuda muito, por outro há muitos problemas e muitas situações difíceis que nos fazem perder a cabeça. Há dais emq ue quase se anda à porrada (...)".

2. Resposta ao Marques Lopes:

Ora aí está um material que tem sido pouco ou nada explorado… Eu não tenho nem um dos meus… Escrevia pouco, não tinha madrinhas de guerra… E receava estar a ser vigiado pela PIDE/DGS… Escrevi cartas só para o meu diário… Cartas a amigos que nunca cheguei a pôr no correio… Patético!

Em contrapartida tinha acesso, mais tarde, uma colecção de cartas e aerogramas, recebidos pela minha mulher, como madrinha de guerra; e outra, dos recebidos e enviados por um cunhado meu... Há alguns documentos interessantes.

Talvez valesse a pena pedirmos à nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné para recuperar e divulgar alguns dos aerogramas, recebidos ou enviados, com notícias, apontamentos, estados de alma, etc., que traduzissem de certo modo a época, as alegrias e as tristezas dos combatentes, as preocupações da população na rectaguarda, a milhares de quilómetros de distância...

Já escrevi sobre este assunto, em post de 23 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra.

A maioria dos soldados correspondia-se, em média, com uma meia dúzia de madrinhas de guerra, para além dos seus familiares e amigos. Em treze anos de guerra, cerca de um milhão soldados terá escrito perto mais de 500 milhões de cartas e aerogramas erecebido outro tanto.

Lemrbo que, no nosso tempo, o aerograma também era conhecido por corta-capim, já que o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang. Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal").

Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981).

Luís Graça.

3. Resposta do Marques Lopes:

Esses que vos enviei são alguns que consegui recuperar, tinha-os enviado à minha irmã.

Também não enviei muitos, porque não tinha nada mais que contar a não ser aquela desgraçada vida do nosso dia-a-dia de guerreiros. Enviei mais a uma madrinha de guerra, que acabou por ser minha mulher, mais tarde. Só que, quando nos divorciámos há vinta anos, ela deitou tudo ao lixo. Com muita pena minha, porque é verdade que muita da minha vivência na guerra foi expressa nesses aerogramas, muitos dos meus sentimentos e medos foram neles retratados, muitos desejos de fim para aquilo tudo eu pus naqueles papéis.

De acordo que os nossos tertuliantes vasculhem esse material, documentos importantes para o retrato da nossa vida naquele período.

A Diana Andringa mostrou-se interessada em conhecer o blogue. Já lhe dei as indicações para o fazer.

4. Comentário de L.G.:

Meu caro António: A vida não foi fácil para nós, que fomos apanhados na rede… como um cão (é uma imagem, obsessiva, do meu diário). É uma geração, a nossa, marcada a ferro e fogo, na carne e na alma. Por isso é bom podermos escrever e falar… em voz alta. Já ninguém nos entende, a não ser nós próprios…

Nos aerogramas não dizíamos nada, ou quase nada. Ficava muita coisa por dizer... Ou então escrevíamaos nas entrelinhas... Quando eu escrevia (basicamente è família, aos meus pais, às minhas irmãs…), fazia-o com irregularidade. Nunca lhes transmiti sentimentos negativos. Nunca lhes disse a verdade. E as fotos, que seguiam em anexo, procuravam sobretudo ser tranquilizantes: Estou vivo, estou bem, graças a Deus... Não se preocupem comigo!

Mas, tirando as nossas famílias, quem mais se preocupava connosco ? A guerra era bem lá longe, mesmo para os filhos da puta dos tugas (grndes colonos, grandes comerciantes, administradores, políticos, generais…) que gozavam as delícias do sistema em Bissau, em Luanda, em Lourenço Marques… Um dia destes temos que revisitar (e reler) esses aerogramas. A minha colecção (umas centenas) está no sótão (...).

PS – A Dina será bem vinda à nossa tertúlia…

5. Ao convite e o desafio para recuperar os nossos velhos aerogramas aqui ficam, endereçados a todo o pessoal da tertúlia de ex-combatentes da Guiné.

Guiné 69/71 - LXXVII: O que (não) diziam os nossos aerogramas (1)

1. Extractos do que se dizia nos aerogramas. Só algumas coisas, claro, de alguns que consegui recuperar. Abraço. Marques Lopes

Geba. 3.5.67

" (...) Por cá tenho andado. Tenho andado muito pelo mato. Tem de ser assim, já estive quase um dia inteiro emboscado no mato. A vida aqui é muito dura, pior que tudo é que um indivíduo pode dar em chalado. Agora é que eu vejo como é fácil dar em maluco. Por um lado, o clima já não ajuda muito, por outro há muitos problemas e muitas situações difíceis que nos fazem perder a cabeça. Há dais emq ue quase se anda à porrada (...)".

2. Resposta ao Marques Lopes:

Ora aí está um material que tem sido pouco ou nada explorado… Eu não tenho nem um dos meus… Escrevia pouco, não tinha madrinhas de guerra… E receava estar a ser vigiado pela PIDE/DGS… Escrevi cartas só para o meu diário… Cartas a amigos que nunca cheguei a pôr no correio… Patético!

Em contrapartida tinha acesso, mais tarde, uma colecção de cartas e aerogramas, recebidos pela minha mulher, como madrinha de guerra; e outra, dos recebidos e enviados por um cunhado meu... Há alguns documentos interessantes.

Talvez valesse a pena pedirmos à nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné para recuperar e divulgar alguns dos aerogramas, recebidos ou enviados, com notícias, apontamentos, estados de alma, etc., que traduzissem de certo modo a época, as alegrias e as tristezas dos combatentes, as preocupações da população na rectaguarda, a milhares de quilómetros de distância...

Já escrevi sobre este assunto, em post de 23 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra.

A maioria dos soldados correspondia-se, em média, com uma meia dúzia de madrinhas de guerra, para além dos seus familiares e amigos. Em treze anos de guerra, cerca de um milhão soldados terá escrito perto mais de 500 milhões de cartas e aerogramas erecebido outro tanto.

Lemrbo que, no nosso tempo, o aerograma também era conhecido por corta-capim, já que o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang. Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal").

Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981).

Luís Graça.

3. Resposta do Marques Lopes:

Esses que vos enviei são alguns que consegui recuperar, tinha-os enviado à minha irmã.

Também não enviei muitos, porque não tinha nada mais que contar a não ser aquela desgraçada vida do nosso dia-a-dia de guerreiros. Enviei mais a uma madrinha de guerra, que acabou por ser minha mulher, mais tarde. Só que, quando nos divorciámos há vinta anos, ela deitou tudo ao lixo. Com muita pena minha, porque é verdade que muita da minha vivência na guerra foi expressa nesses aerogramas, muitos dos meus sentimentos e medos foram neles retratados, muitos desejos de fim para aquilo tudo eu pus naqueles papéis.

De acordo que os nossos tertuliantes vasculhem esse material, documentos importantes para o retrato da nossa vida naquele período.

A Diana Andringa mostrou-se interessada em conhecer o blogue. Já lhe dei as indicações para o fazer.

4. Comentário de L.G.:

Meu caro António: A vida não foi fácil para nós, que fomos apanhados na rede… como um cão (é uma imagem, obsessiva, do meu diário). É uma geração, a nossa, marcada a ferro e fogo, na carne e na alma. Por isso é bom podermos escrever e falar… em voz alta. Já ninguém nos entende, a não ser nós próprios…

Nos aerogramas não dizíamos nada, ou quase nada. Ficava muita coisa por dizer... Ou então escrevíamaos nas entrelinhas... Quando eu escrevia (basicamente è família, aos meus pais, às minhas irmãs…), fazia-o com irregularidade. Nunca lhes transmiti sentimentos negativos. Nunca lhes disse a verdade. E as fotos, que seguiam em anexo, procuravam sobretudo ser tranquilizantes: Estou vivo, estou bem, graças a Deus... Não se preocupem comigo!

Mas, tirando as nossas famílias, quem mais se preocupava connosco ? A guerra era bem lá longe, mesmo para os filhos da puta dos tugas (grndes colonos, grandes comerciantes, administradores, políticos, generais…) que gozavam as delícias do sistema em Bissau, em Luanda, em Lourenço Marques… Um dia destes temos que revisitar (e reler) esses aerogramas. A minha colecção (umas centenas) está no sótão (...).

PS – A Dina será bem vinda à nossa tertúlia…

5. Ao convite e o desafio para recuperar os nossos velhos aerogramas aqui ficam, endereçados a todo o pessoal da tertúlia de ex-combatentes da Guiné.

23 junho 2005

Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau

[Um sargento e vários furriéis milicianos da CCAÇ 12, à mesa de jantar, a bordo do Niassa. © Luís Graça ]

Excertos do Diário de um tuga. Luis Graça (ex-furriel miliciano Henriques CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).
A bordo do Niassa. 28 de Maio de 1969

Eis-nos nos tristes trópicos (1). Atravessámos hoje o Trópico de Câncer, com peixes voadores e alguns tubarões a acompanhar-nos. Lembrei-me do meu pai, que esteve em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente (2), como 1º cabo, em plena II Guerra Mundial. E das histórias de tubarões que me contava. Das suas fotos amareladas de barcos e de tubarões.

Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:
- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.

De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística (3) escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros.

Dentro de um dia desembarcamos nesse Continente que antevejo verde como a esperança e que reinicia agora o seu movimento de translação na História…

Dentro de um dia desembarcaremos na Guiné da qual espantosamente não sei nada a não ser aquilo que me impingiram nos bancos da escola:

“Descoberta pelo navegador português Nuno Tristão, que viria a ser morto pelos indígenas ao tentar desembarcar numa das ilhas do arquipélago dos Bijagós, a Guiné tem cerca de 2/5 da superfície de Portugal Continental.

“O clima é tropical húmido, e o território muito plano e baixo, com vastas regiões alagadiças e pantanosas, o que torna difícil a adaptação do europeu. Quanto à vegetação, predomina a floresta tropical e a savana arbustiva. A população – um pouco mais de meio milhão de almas – divide-se por uma grande variedade de grupos da raça negra, sendo os mais importantes os balantas, animistas, e os fulas, islamizados.

“As principais exportações são o amendoim, o coconote, as madeiras exóticas e o óleo de palma. A capital e a residência do Governador é Bisssau”.

Desde que deixámos as Canárias, não suporto este calor pegajoso, esta angústia difusa que destilo através dos poros da pele. Tenho sintomas de febre e já não sei onde acaba a realidade e começa o delírio. Ontem à noite, dei comigo, sozinho, face ás estrelas e à imensidão da noite confundida com o mar, vomitando no convés e perguntando-me quem eu era, onde estava, para onde me levavam…

De facto tudo tinha sido tão brutal: (i) a ordem de mobilização recebida em Castelo Branco; (ii) a ressaca dos primeiros copos na noite do tremor de terra; (iii) a apresentação em Santa Margarida, a Escola Preparatória de Quadros e a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional com os rocambolescos assaltos nocturnos aos bivaques do inimigo para sacar tudo o que fosse bebível e comestível; (iv) os breves dias, tristes, de licença antes do embarque; (v) a viagem directa, nocturna, quase clandestina, em comboio especial até ao cais de embarque, no porto de Lisboa; (vi) os capacetes brancos dos polícias militares, os nossos familiares e amigos de rosto tenso, alguns de gravata preta; (vii) as gaivotas estranhamente pousadas nos mastros; (viii) os guindastes, o Tejo, a ponte que eu vi elevar-se das águas nos primeiros anos de 60; (ix) o Cristo-Rei, de braços abertos como um espanta-pardais numa tela de Dali; (x) o apito breve mas pungente do navio, breve como um tiro, pungente como o sentimento indefinível de quem em Lisboa parte e de quem em Lisboa fica; (xi) o marinheiro que solta as amarras, um vulto, uma mão, um lenço…

E, já no mar alto, ao largo dos Açores, eu próprio tive a sensação de ter atravessado o pórtico do tempo e entrado num barco-fantasma, sobrevivente da odisseia dos antigos nautas, à deriva nos medonhos mares de que nos falavam as velhas histórias trágico-marítimas…

Que fazia eu, que fazíamos nós, centenas e centenas de homens acondicionados como gado em porões nauseabundos, ali naquele barco da carreira colonial, vogando fora do tempo e do espaço, como se Gil Eanes nunca tivesse dobrado o temido Cabo Bojador, desfeito as lendas do Mar Tenebroso e assim aberto o caminho marítimo para o longínquo sul, para o fim do mundo e para os eldorados que havia por achar?!...

- Duplamente embarcado, meu velho. É isso! – disse para mim próprio, ao avistar-se ao longe a luz trémula do farol da Ilha dos Pássaros, à entrada do Porto de Bissau, e ao ouvir-se pela primeira vez uma tempestade tropical que, no meio do alvoroço provocado pelo grito Terra à Vista!, alguém confundira com o tão temido ribombar dos canhões.

- Embarcados na grande aventura colonial, para representarmos o terceiro (e último) acto dum grande tragicomédia, com um falso passaporte que não tem o visto da História! Mas um dia teremos vergonha das mentiras que ouvimos (e deixámos) dizer em nosso nome!...

[ Em homenagem ao meu velhote que aqui vemos, expedicionário, em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, em Julho de 1942, com 21 anos... É o primeiro do lado direito, e pousa para a foto com um tubaraão que acabara de ser apanhado: "Rra novo mas já era bastante grande", escreveu ele nas costas da foto. © Luís Graça ]


_________

(1) Título de um livro, do antropólogo francês Lévi-Strauss, que fazia parte da pequena biblioteca que levei comigo para a Guiné, convencido que iria ter algum tempo para ler.

(2) Vd. post de 26 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Antologia (11): Cabo Verde (1941/1943)

(3) Reservada aos sargentos. Na 1ª classe iam os oficiais. O resto era mercadoria, gado humano…

Bissau. 29 de Maio de 1969

Desembarcamos numa cidadezinha térrea, de casas de adobe, rachas de cibe e chapas de zinco, com quintais cheios de mangueiras, e onde em dois ou três quarteirões, feitos a régua e esquadro, se concentram a administração e o comércio.

Nas ruas, sujas das primeiras enxurradas de Maio, djubis vendem mancarra (começo a aprender as minhas primeiras palavras de creoulo). Gilas, de balandrau branco, óculos de sol e transistor a tiracolo, mercadejam bugigangas de contrabando (1). Os sons, os sabores e as cores de África baralham-me os sentidos e as emoções.

A esta hora da manhã, já as esplanadas estão cheias de tropa à civil, beberricando cerveja, enquanto no mastro da fortaleza oitocentista da Amura flutua uma descolorida bandeira verde-rubra. Indiferente aos velhos canhões de bronze, uma mulher passa com o filho às costas e um balaio à cabeça.

Canoas talhadas em grossos troncos de poilão partem do mítico cais do Pijiguiti (2), sulcando as águas lamacentas da Ria, em busca de mafé. Ronceiros aviões levantam voo de Bissalanca e, no meio da praça do Império, em cima de um Unimog, de pé e de braços abertos, alguém de nós, exclama:
- Camaradas, cinco séculos de história vos contemplam!

Post- scriptum - Três dias depois iriam dar-nos uma G-3, novinha em folha, e uma ração de combate, para de seguida nos porem no fundo duma LDG, a caminho do Leste, Rio Geba acima, escoltados por uma secção de fuzileiros navais que, à medida que o rio estreitava, batiam com fogo de morteirete a cerrada vegetação das margens (o tarrafe) até às proximidades do Xime… “Como um cão apanhado na rede”, resmungava eu sentado na capota de uma Berliet, no fundo da LDG Bombarda…
_______

(1) Balaio=cesto grande; cibe=palmeira; djubis= miúdos; gilas= vendedores ambulantes; mafé= peixe; mancarra=amendoim.

(2) Para o PAIGC, o massacre dos marinheiros e trabalhadores portuários do Cais do Pijiguiti, a 3 de Agosto de 1959, é uma data histórica.

Cronologia do 1º semestre de 1969 (Janeiro-Junho):

(i) Recorde-se que, em 2 de Maio de 1968, é nomeado António de Spínola para os cargos de governador-geral e comandante-chefe da Guiné. Tomada de posse a 20 de Maio desse ano.

(ii) Recorde-se ainda que em 23 de Setembro desse mesmo ano, Marcelo Caetano toma posse como Presidente do Conselho de Ministros: o seu governo inicía funções em 17 de Novembro.

(iii) E , por fim, cite-se a conclusão de Spínola, em documento oficial, sobre a situação da Guiné, segundo a qual se vivia uma "triste realidade", na Guiné, tanto sob o ponto de vista militar como sócio-económico (Outubro de 1968).

Janeiro

1 - (i) Marcelo Caetano dá início às "Conversas em família", na RTP. (ii) Um grupo de católicos, em vigília na igreja de S. Domingos, condena a política africana do governo, e divulga um documento manifestando o seu empenho na obtenção de uma solução pacifica para a questão colonial.

18. Início da Conferência de Cartum. Constituição do Comité de Mobilziação e Apoio aos Povos das Colónias Portuguesas.

Fevereiro

(i) Durante Fevereiro e Março realizam-se grandes operações na Guiné, procuranbdo o IN nos seus próprios santuários (por ex., Op Lança Fiada, na Zona leste; Op Vulcano, na região de Quitafine/Cassebache).

(ii) Em Bigene,a s NT fazem grandes apreensões de armamento.

(iii) Em contrapartida, Guilege sofre, em Fevereiro, um grande ataque, com grande precisão, por parte do PAIGC.

(iv) Ainda em Fevereiro, Leopold Senghor, o presidente do Senegal, apresenta um plano para a independência da Guiné no quadro de uma comunidade luso-africana.

3 - Eduardo Mondlane, fundador da FRELIMO, é assassinado, em Dar-es-Salam, Tanzânia, através de uma carta armadilhada. Samaora Machel será depois eleito como um dos três elementos da equipa (triunvirato) que passa a dirigir a FRELIMO.

8 - AS NT evacuam Madina do Boé, no sector sul, junto aor Rio Corubal e à fronteira com a Guiné-Conacri. Na travessia do Rio Corubal, há um grave incidente com a jangada que fazia o transporte de homens e equipamentos, provocando a morte de 47 militares. O aquartelamento é ocupado no dia seguinte pelo PAIGC.

9 - Forte ataque do PAIGC ao quartel de Cambaju, durante cerca de duas horas, com entrada no perímetro defensivo e várias mortes e feridos do lado das NT.

26 - O IN, sob o comando de Mário de Sousa Delgado e Mamadu Indjai, ataca duas lanchas no rio Buba.

Março

(i) Reactivação da guerrilha no chão fula (Mansoa, Bula)

6 - Início da Op Vulcano, no Sul da Guiné, na região de Quitafine/Cassebache. Grande resistência do IN à acção ofensiva dos paraquedistas contra as suas posições de artilharia.

7 - Escalada na guerra: o IN utiliza, no Sector Sul, uma metralhadora pesada antiaérea quádrupla 14.5 e seis simples de 12.7, atingindo dois Fiats G-91 e um DO-27.

8-19 - Op Lança Afiada > 1300 homens "varrem" a região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal. Entrada das NT na mítica mata do Fiofioli.

Abril

(i) Operações da NT na região de Bula, com vários contactos com o IN.

8- Marcelo Caetano, o novo primero-ministro dá início inicia a sua visita à Guiné.

17 - O presidente da Associação Académica de Coimbra é impedido de falar, em cerimónia de inauguração de um novo edifício, com a presença do Chefe do Estado. Ocorrem então graves incidentes entre os estudantes e as autoridades. Início da grave crise académica de 1969.

21 - Marcelo Caetano regressa da sua visita oficial à Guiné, Angola e Moçambique. Em Lourenço Marques deixa a porta aberta à ideia de uma progressiva autonomia dos territórios ultramarinos.

Maio

(i) Utilização de mina aquática, por parte do PAIGC, no Rio Cobade, no sector sul.

14 - Reúne-se em Aveiro, até dia 16, o II Congresso Republicano, organizado pela oposição democrática.
31 - Ataque em força ao aquartelamento de Bambadinca. Pânico entre as nossas tropas. O comando do Batalhão, ali sedeado, é destituído por Spínola.

Junho

(i) Intensificação da guerrilha na região do Gabu (Piche / Zona de fronteira com o Senegal), obrigando a deslocações da população.

(ii) Resolução da Comissão de Descolonização da ONU, condenando a guerra colonial, levada a cabo poir Portugal, como crime contra a humaniddae e ameaça à paz e segurança.

21 - Kaúlza de Arriaga nomeado o comandante do Exército em Moçambique, na sequência da ocorrência do maior acidente da guerra colonial em África: 101 militares perdem a vida devido ao afundamento de uma batelão na travessia do Zambeze.

Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau

[Um sargento e vários furriéis milicianos da CCAÇ 12, à mesa de jantar, a bordo do Niassa. © Luís Graça ]

Excertos do Diário de um tuga. Luis Graça (ex-furriel miliciano Henriques CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).
A bordo do Niassa. 28 de Maio de 1969

Eis-nos nos tristes trópicos (1). Atravessámos hoje o Trópico de Câncer, com peixes voadores e alguns tubarões a acompanhar-nos. Lembrei-me do meu pai, que esteve em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente (2), como 1º cabo, em plena II Guerra Mundial. E das histórias de tubarões que me contava. Das suas fotos amareladas de barcos e de tubarões.

Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:
- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.

De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística (3) escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros.

Dentro de um dia desembarcamos nesse Continente que antevejo verde como a esperança e que reinicia agora o seu movimento de translação na História…

Dentro de um dia desembarcaremos na Guiné da qual espantosamente não sei nada a não ser aquilo que me impingiram nos bancos da escola:

“Descoberta pelo navegador português Nuno Tristão, que viria a ser morto pelos indígenas ao tentar desembarcar numa das ilhas do arquipélago dos Bijagós, a Guiné tem cerca de 2/5 da superfície de Portugal Continental.

“O clima é tropical húmido, e o território muito plano e baixo, com vastas regiões alagadiças e pantanosas, o que torna difícil a adaptação do europeu. Quanto à vegetação, predomina a floresta tropical e a savana arbustiva. A população – um pouco mais de meio milhão de almas – divide-se por uma grande variedade de grupos da raça negra, sendo os mais importantes os balantas, animistas, e os fulas, islamizados.

“As principais exportações são o amendoim, o coconote, as madeiras exóticas e o óleo de palma. A capital e a residência do Governador é Bisssau”.

Desde que deixámos as Canárias, não suporto este calor pegajoso, esta angústia difusa que destilo através dos poros da pele. Tenho sintomas de febre e já não sei onde acaba a realidade e começa o delírio. Ontem à noite, dei comigo, sozinho, face ás estrelas e à imensidão da noite confundida com o mar, vomitando no convés e perguntando-me quem eu era, onde estava, para onde me levavam…

De facto tudo tinha sido tão brutal: (i) a ordem de mobilização recebida em Castelo Branco; (ii) a ressaca dos primeiros copos na noite do tremor de terra; (iii) a apresentação em Santa Margarida, a Escola Preparatória de Quadros e a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional com os rocambolescos assaltos nocturnos aos bivaques do inimigo para sacar tudo o que fosse bebível e comestível; (iv) os breves dias, tristes, de licença antes do embarque; (v) a viagem directa, nocturna, quase clandestina, em comboio especial até ao cais de embarque, no porto de Lisboa; (vi) os capacetes brancos dos polícias militares, os nossos familiares e amigos de rosto tenso, alguns de gravata preta; (vii) as gaivotas estranhamente pousadas nos mastros; (viii) os guindastes, o Tejo, a ponte que eu vi elevar-se das águas nos primeiros anos de 60; (ix) o Cristo-Rei, de braços abertos como um espanta-pardais numa tela de Dali; (x) o apito breve mas pungente do navio, breve como um tiro, pungente como o sentimento indefinível de quem em Lisboa parte e de quem em Lisboa fica; (xi) o marinheiro que solta as amarras, um vulto, uma mão, um lenço…

E, já no mar alto, ao largo dos Açores, eu próprio tive a sensação de ter atravessado o pórtico do tempo e entrado num barco-fantasma, sobrevivente da odisseia dos antigos nautas, à deriva nos medonhos mares de que nos falavam as velhas histórias trágico-marítimas…

Que fazia eu, que fazíamos nós, centenas e centenas de homens acondicionados como gado em porões nauseabundos, ali naquele barco da carreira colonial, vogando fora do tempo e do espaço, como se Gil Eanes nunca tivesse dobrado o temido Cabo Bojador, desfeito as lendas do Mar Tenebroso e assim aberto o caminho marítimo para o longínquo sul, para o fim do mundo e para os eldorados que havia por achar?!...

- Duplamente embarcado, meu velho. É isso! – disse para mim próprio, ao avistar-se ao longe a luz trémula do farol da Ilha dos Pássaros, à entrada do Porto de Bissau, e ao ouvir-se pela primeira vez uma tempestade tropical que, no meio do alvoroço provocado pelo grito Terra à Vista!, alguém confundira com o tão temido ribombar dos canhões.

- Embarcados na grande aventura colonial, para representarmos o terceiro (e último) acto dum grande tragicomédia, com um falso passaporte que não tem o visto da História! Mas um dia teremos vergonha das mentiras que ouvimos (e deixámos) dizer em nosso nome!...

[ Em homenagem ao meu velhote que aqui vemos, expedicionário, em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, em Julho de 1942, com 21 anos... É o primeiro do lado direito, e pousa para a foto com um tubaraão que acabara de ser apanhado: "Rra novo mas já era bastante grande", escreveu ele nas costas da foto. © Luís Graça ]


_________

(1) Título de um livro, do antropólogo francês Lévi-Strauss, que fazia parte da pequena biblioteca que levei comigo para a Guiné, convencido que iria ter algum tempo para ler.

(2) Vd. post de 26 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Antologia (11): Cabo Verde (1941/1943)

(3) Reservada aos sargentos. Na 1ª classe iam os oficiais. O resto era mercadoria, gado humano…

Bissau. 29 de Maio de 1969

Desembarcamos numa cidadezinha térrea, de casas de adobe, rachas de cibe e chapas de zinco, com quintais cheios de mangueiras, e onde em dois ou três quarteirões, feitos a régua e esquadro, se concentram a administração e o comércio.

Nas ruas, sujas das primeiras enxurradas de Maio, djubis vendem mancarra (começo a aprender as minhas primeiras palavras de creoulo). Gilas, de balandrau branco, óculos de sol e transistor a tiracolo, mercadejam bugigangas de contrabando (1). Os sons, os sabores e as cores de África baralham-me os sentidos e as emoções.

A esta hora da manhã, já as esplanadas estão cheias de tropa à civil, beberricando cerveja, enquanto no mastro da fortaleza oitocentista da Amura flutua uma descolorida bandeira verde-rubra. Indiferente aos velhos canhões de bronze, uma mulher passa com o filho às costas e um balaio à cabeça.

Canoas talhadas em grossos troncos de poilão partem do mítico cais do Pijiguiti (2), sulcando as águas lamacentas da Ria, em busca de mafé. Ronceiros aviões levantam voo de Bissalanca e, no meio da praça do Império, em cima de um Unimog, de pé e de braços abertos, alguém de nós, exclama:
- Camaradas, cinco séculos de história vos contemplam!

Post- scriptum - Três dias depois iriam dar-nos uma G-3, novinha em folha, e uma ração de combate, para de seguida nos porem no fundo duma LDG, a caminho do Leste, Rio Geba acima, escoltados por uma secção de fuzileiros navais que, à medida que o rio estreitava, batiam com fogo de morteirete a cerrada vegetação das margens (o tarrafe) até às proximidades do Xime… “Como um cão apanhado na rede”, resmungava eu sentado na capota de uma Berliet, no fundo da LDG Bombarda…
_______

(1) Balaio=cesto grande; cibe=palmeira; djubis= miúdos; gilas= vendedores ambulantes; mafé= peixe; mancarra=amendoim.

(2) Para o PAIGC, o massacre dos marinheiros e trabalhadores portuários do Cais do Pijiguiti, a 3 de Agosto de 1959, é uma data histórica.

Cronologia do 1º semestre de 1969 (Janeiro-Junho):

(i) Recorde-se que, em 2 de Maio de 1968, é nomeado António de Spínola para os cargos de governador-geral e comandante-chefe da Guiné. Tomada de posse a 20 de Maio desse ano.

(ii) Recorde-se ainda que em 23 de Setembro desse mesmo ano, Marcelo Caetano toma posse como Presidente do Conselho de Ministros: o seu governo inicía funções em 17 de Novembro.

(iii) E , por fim, cite-se a conclusão de Spínola, em documento oficial, sobre a situação da Guiné, segundo a qual se vivia uma "triste realidade", na Guiné, tanto sob o ponto de vista militar como sócio-económico (Outubro de 1968).

Janeiro

1 - (i) Marcelo Caetano dá início às "Conversas em família", na RTP. (ii) Um grupo de católicos, em vigília na igreja de S. Domingos, condena a política africana do governo, e divulga um documento manifestando o seu empenho na obtenção de uma solução pacifica para a questão colonial.

18. Início da Conferência de Cartum. Constituição do Comité de Mobilziação e Apoio aos Povos das Colónias Portuguesas.

Fevereiro

(i) Durante Fevereiro e Março realizam-se grandes operações na Guiné, procuranbdo o IN nos seus próprios santuários (por ex., Op Lança Fiada, na Zona leste; Op Vulcano, na região de Quitafine/Cassebache).

(ii) Em Bigene,a s NT fazem grandes apreensões de armamento.

(iii) Em contrapartida, Guilege sofre, em Fevereiro, um grande ataque, com grande precisão, por parte do PAIGC.

(iv) Ainda em Fevereiro, Leopold Senghor, o presidente do Senegal, apresenta um plano para a independência da Guiné no quadro de uma comunidade luso-africana.

3 - Eduardo Mondlane, fundador da FRELIMO, é assassinado, em Dar-es-Salam, Tanzânia, através de uma carta armadilhada. Samaora Machel será depois eleito como um dos três elementos da equipa (triunvirato) que passa a dirigir a FRELIMO.

8 - AS NT evacuam Madina do Boé, no sector sul, junto aor Rio Corubal e à fronteira com a Guiné-Conacri. Na travessia do Rio Corubal, há um grave incidente com a jangada que fazia o transporte de homens e equipamentos, provocando a morte de 47 militares. O aquartelamento é ocupado no dia seguinte pelo PAIGC.

9 - Forte ataque do PAIGC ao quartel de Cambaju, durante cerca de duas horas, com entrada no perímetro defensivo e várias mortes e feridos do lado das NT.

26 - O IN, sob o comando de Mário de Sousa Delgado e Mamadu Indjai, ataca duas lanchas no rio Buba.

Março

(i) Reactivação da guerrilha no chão fula (Mansoa, Bula)

6 - Início da Op Vulcano, no Sul da Guiné, na região de Quitafine/Cassebache. Grande resistência do IN à acção ofensiva dos paraquedistas contra as suas posições de artilharia.

7 - Escalada na guerra: o IN utiliza, no Sector Sul, uma metralhadora pesada antiaérea quádrupla 14.5 e seis simples de 12.7, atingindo dois Fiats G-91 e um DO-27.

8-19 - Op Lança Afiada > 1300 homens "varrem" a região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal. Entrada das NT na mítica mata do Fiofioli.

Abril

(i) Operações da NT na região de Bula, com vários contactos com o IN.

8- Marcelo Caetano, o novo primero-ministro dá início inicia a sua visita à Guiné.

17 - O presidente da Associação Académica de Coimbra é impedido de falar, em cerimónia de inauguração de um novo edifício, com a presença do Chefe do Estado. Ocorrem então graves incidentes entre os estudantes e as autoridades. Início da grave crise académica de 1969.

21 - Marcelo Caetano regressa da sua visita oficial à Guiné, Angola e Moçambique. Em Lourenço Marques deixa a porta aberta à ideia de uma progressiva autonomia dos territórios ultramarinos.

Maio

(i) Utilização de mina aquática, por parte do PAIGC, no Rio Cobade, no sector sul.

14 - Reúne-se em Aveiro, até dia 16, o II Congresso Republicano, organizado pela oposição democrática.
31 - Ataque em força ao aquartelamento de Bambadinca. Pânico entre as nossas tropas. O comando do Batalhão, ali sedeado, é destituído por Spínola.

Junho

(i) Intensificação da guerrilha na região do Gabu (Piche / Zona de fronteira com o Senegal), obrigando a deslocações da população.

(ii) Resolução da Comissão de Descolonização da ONU, condenando a guerra colonial, levada a cabo poir Portugal, como crime contra a humaniddae e ameaça à paz e segurança.

21 - Kaúlza de Arriaga nomeado o comandante do Exército em Moçambique, na sequência da ocorrência do maior acidente da guerra colonial em África: 101 militares perdem a vida devido ao afundamento de uma batelão na travessia do Zambeze.

Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas

Texto de David J. Guimarães, ex- furriel miliciano, de minas e armadilhas, da CART 2716, (Xitole, 1970/72):

Quando ocupámos o Xitole, em substituição da CART [2413 ] que lá se encontrava [1968/70], procedemos de imediato ao armadilhamento da zona limítrofe do quartel. Foram colocadas muitas minas anti-pessoais, de fabrico português, com espoletas de pressão, reforçadas com mais cargas explosivas ou não, conforme a maior ou menor importância do local. O objectivo era impedir a aproximação e a infiltração do IN, criando um zona de segurança à volta do quartel...

Também era frequente serem pendurados, no arame farpado, objectos diversos desde latas de coca-cola até garrafas de cerveja, que ao menor movimento tocariam umas nas outras, dando sinal pelo som de que o arame estava a ser mexido... Isto era importante especialmente de noite...

Este processo de alarme e prevenção efectivamente só ajudou a, de início, apanhar-se alguns sustos, pois que não funcionava na prática, como devia de ser. Enfim era a fé de cada um… Um sistema de segurança altamente falível, pois que todos os dias tínhamos barulhinhos esquisitos, o que era natural....

Quanto às minas e armadilhas, essas, sabíamos que estavam muito bem colocadas e, essas sim, davam uma certa segurança... Apesar de tudo eventualmente fazíamos armadilhamentos temporários, a mais longa distância, usando para isso a granada armadilha instantânea que qualquer combatente da Guiné conhecia.

Todas as granadas eram formadas por cápsula fulminante, 3 cm de cordão lento e um detonador que fazia explodir a carga base... Todos nós nos lembramos da mina defensiva, de composição B, e do seu uso, bem como das ofensivas, cilíndricas, de carga de trotil (TNT).

A que estou a referir era exactamente cilíndrica, como a ofensiva, só que enquanto as outras tinham a cor verde azeitona, esta era vermelha e mais de metade era envolta com espiral de metal. A maior diferença, e por isso se chamava instantânea, era não ter os três cm de cordão lento. O percutor, accionado, logo fazia explodir o detonador e a carga base. Esta mina era altamente mortífera devido ao seu poder de fragmentação, provocado pelas espiras em aço.

Bem, mas isto não é uma aula soibre minas e armadilhas. Serve apenas para contar uma estória, do início também da nossa comissão.... Uma estória de guerra ou uma contrariedade.

Um camarada nosso, o Quaresma, lá foi para o mato com um pelotão para colocar uma dessas granadas instantâneas num trilho. Tudo feito como devia ser, a mina colocada estrategicamente na base de uma árvore de copa frondosa e arame de tropeçar a atravessar o trilho. Era a assim que mandavam as regras aprendidas, teoricamente, em Tancos...

Bem, pelas 4 da manhã (e na Guiné, a essa hora, ouvia-se tudo), há um grande rebentamento para aqueles lados da armadilha... Não há dúvida, a guerra fez-nos ser tipo animais:
- Alto, alguém caiu, alto, alto!!!... - Já todos nos mordíamos para ir ver o sucedido.

Pela manhã, bem cedo, aí vai o pelotão de reconhecimento. Aproximação cautelosa ao local, sangue no chão...
- Boa, que isto funcionou! –

Mais sangue ali e acolá e eis que surge a vítima.... Um grande macaco, já morto... E não tinha camuflado!...
-Ora, foda-se!

A guerra tinha disto...

Em tempo: ironia do destino, o nosso camarada Quaresma acabou por morrer pela acção de uma granada dessas, a instantânea.. Explicarei mais tarde como foi.

David J. Guimarães


Notas de L.G.:

Sobre minas (usadas na guerra colonial, por um lado e outro), vd. os seguintes sítios:

Centro de Documentação 25 de Abril > Guerra Colonial > Armamento > Minas

Campanha Internacional para Banimento das Minas Antipessoais

Campanha Internacional para Banimento das Minas Antipessoais > Tipos de minas

Land Mine (LM) Reports > Portugal > 2000 e 2001 (em português).

Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas

Texto de David J. Guimarães, ex- furriel miliciano, de minas e armadilhas, da CART 2716, (Xitole, 1970/72):

Quando ocupámos o Xitole, em substituição da CART [2413 ] que lá se encontrava [1968/70], procedemos de imediato ao armadilhamento da zona limítrofe do quartel. Foram colocadas muitas minas anti-pessoais, de fabrico português, com espoletas de pressão, reforçadas com mais cargas explosivas ou não, conforme a maior ou menor importância do local. O objectivo era impedir a aproximação e a infiltração do IN, criando um zona de segurança à volta do quartel...

Também era frequente serem pendurados, no arame farpado, objectos diversos desde latas de coca-cola até garrafas de cerveja, que ao menor movimento tocariam umas nas outras, dando sinal pelo som de que o arame estava a ser mexido... Isto era importante especialmente de noite...

Este processo de alarme e prevenção efectivamente só ajudou a, de início, apanhar-se alguns sustos, pois que não funcionava na prática, como devia de ser. Enfim era a fé de cada um… Um sistema de segurança altamente falível, pois que todos os dias tínhamos barulhinhos esquisitos, o que era natural....

Quanto às minas e armadilhas, essas, sabíamos que estavam muito bem colocadas e, essas sim, davam uma certa segurança... Apesar de tudo eventualmente fazíamos armadilhamentos temporários, a mais longa distância, usando para isso a granada armadilha instantânea que qualquer combatente da Guiné conhecia.

Todas as granadas eram formadas por cápsula fulminante, 3 cm de cordão lento e um detonador que fazia explodir a carga base... Todos nós nos lembramos da mina defensiva, de composição B, e do seu uso, bem como das ofensivas, cilíndricas, de carga de trotil (TNT).

A que estou a referir era exactamente cilíndrica, como a ofensiva, só que enquanto as outras tinham a cor verde azeitona, esta era vermelha e mais de metade era envolta com espiral de metal. A maior diferença, e por isso se chamava instantânea, era não ter os três cm de cordão lento. O percutor, accionado, logo fazia explodir o detonador e a carga base. Esta mina era altamente mortífera devido ao seu poder de fragmentação, provocado pelas espiras em aço.

Bem, mas isto não é uma aula soibre minas e armadilhas. Serve apenas para contar uma estória, do início também da nossa comissão.... Uma estória de guerra ou uma contrariedade.

Um camarada nosso, o Quaresma, lá foi para o mato com um pelotão para colocar uma dessas granadas instantâneas num trilho. Tudo feito como devia ser, a mina colocada estrategicamente na base de uma árvore de copa frondosa e arame de tropeçar a atravessar o trilho. Era a assim que mandavam as regras aprendidas, teoricamente, em Tancos...

Bem, pelas 4 da manhã (e na Guiné, a essa hora, ouvia-se tudo), há um grande rebentamento para aqueles lados da armadilha... Não há dúvida, a guerra fez-nos ser tipo animais:
- Alto, alguém caiu, alto, alto!!!... - Já todos nos mordíamos para ir ver o sucedido.

Pela manhã, bem cedo, aí vai o pelotão de reconhecimento. Aproximação cautelosa ao local, sangue no chão...
- Boa, que isto funcionou! –

Mais sangue ali e acolá e eis que surge a vítima.... Um grande macaco, já morto... E não tinha camuflado!...
-Ora, foda-se!

A guerra tinha disto...

Em tempo: ironia do destino, o nosso camarada Quaresma acabou por morrer pela acção de uma granada dessas, a instantânea.. Explicarei mais tarde como foi.

David J. Guimarães


Notas de L.G.:

Sobre minas (usadas na guerra colonial, por um lado e outro), vd. os seguintes sítios:

Centro de Documentação 25 de Abril > Guerra Colonial > Armamento > Minas

Campanha Internacional para Banimento das Minas Antipessoais

Campanha Internacional para Banimento das Minas Antipessoais > Tipos de minas

Land Mine (LM) Reports > Portugal > 2000 e 2001 (em português).

Guiné 69/71 - LXXIV: A nossa mobilização para o CTI da Guiné (CCAÇ 12)

Extractos de: História da CCAÇ 12 (1969/71). Bambadinca: Companhia de Caçadores nº12. 1971. Capítulo I. 1-2.

Eis como era a máquina burocrática e totalitária que nos arrancou, meninos e moços, das nossas terras e nos levou para as bolanhas e matas da selvagem Guiné... Muitos dos combatentes da "guerra do ultramar" passaram por este percurso, aqui descrito ou advinhado, e nomeadamente os que foram parar ao CTI (Comando Territorial Independente) da Guiné: Campo Militar de Santa Margarida, viagem nocturna, de comboio, pela linha da Beira Baixa até ao Cais da Rocha de Conde de Óbidos, embarque no Niassa, adeus pai, adeus mãe, adeus amigos e companheiros, adeus minha terra que vou para longe, Tejo meu, Madeira, mar encapelado dos Açores e das Canárias, vómitos e saudades, África, Guiné, o insuportável calor de Bissau, LDG Rio Geba acima, Xime, Bambadinca, Bafatá, Contuboel...

Vale a pena conservar os tiques da linguagem castrense da época... Algumas siglas já não as sei descodificar... Era ainda o país de Suas Excelências. E do respeitinho. O país do Deus, Pátria e Família. Das missas campais e das paradas militares. Do patriotismo serôdio e decadente... Por muito estranho que pareça, era o nosso país, a nossa pátria, de há trinta e tal anos atrás...

Em 3 de Agosto de 1968, o velho abutre tinha caído da sua cadeira. Em 27 de Setembro o seu antigo delfim vem substituí-lo na Presidência do Conselho de Ministros. Em 1969 há ainda quem acredite, ao ler-se o Expresso, na "primavera marcelista"... Em Bambadinca, eu recebia o Comércio do Funchal... e creio que era o único da minha companhia, a par do capitão, que estava inscrito no recenseamento eleitoral, tendo votado nas fraudulentas eleições para a Assembleia Nacional em 26 de Outubro de 1969... Ou melhor: não sei se votei, se votei em branco ou se rasguei o boletim de voto... Creio que o candidato pelo círculo da Guiné era o Pinto Bull, acusado na época de ser um colaboraccionista... Morreu já em 2005, de certo modo injustiçado. Na época, acusei-o, apressadamente, de ser um Tchombé. L.G.


Mobilização para o CTI da Guiné

Pela nota-circular nº 00864/PM-Pº 18/2590 da Secção de Administração e Mobilização de Pessoal da 1ª Repartição do Estado-Maior do Exército, de 14 de Fevereiro de 1969, era dada ordem para se proceder a mobilização da Companhia de Caçadores 2590, destinada a reforço do Comando Territorial Independente (CTI) da Guiné, e tendo como Unidade Mobilizadora o RI [Regimento de Infantaria] 15.

A mesma nota determinava que os quadros da CCAÇ 2590 seriam do origem metropolitana, sendo o restante pessoal fornecido pelo recrutamento da PU [Província Ultramarina](89 praças, das quais 11 cabos).

A apresentação do pessoal mobilizado pela Metrópole fez-se no Campo Militar de Santa Margarida, de 3 a 8 de Março de 1969. Tirada a Escola Preparatória de Quadros e a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, os quadros da Companhia entravam de licença da NNAPU, de 31 de Março a 9 de Abril, ficando prontas para embarque a partir de 11.

A cerimónia de despedida realizou-se no átrio da Capela do CIM, com missa campal, bênção o e entrega dos guiões. 0 Exmº Comandante do RI 15 proferiu a alocução de despedida às tropas expedicionárias.

Tendo embarcado no Niassa a 24 de Maio, juntamente com outras Companhias independentes como a 2591 e 2592 (futuras CCAÇ 13 e 14), chegamos ao CTI da Guiné em 29, pelas 21 h, tendo desembarcado no dia seguinte de manhã.

A 31, no Depósito de Adidos, Sua Excia. o Comandante-Chefe das Forças Armadas, Brigadeiro Antonio de Spínola, passa revista às tropas em parada e dirige-lhes palavras de boas-vindas.

Colocados em Contuboel (Sector L2, Zona Leste) a fim de darmos a segunda fase de instrução ao nosso pessoal africano, embarcamos em LDG [Lancha de Desembarque Grande] para o Xime, a 2 de Junho, tendo seguido depois em coluna auto até ao local destinado.

Os quadros da CART 2479 (CART 11) já tinham dado, entretanto, a instrução básica àsas nossas pracas africanas, de 12 de Março a 24 de Maio, em Contuboel. A cerimónia do Juramento de Bandeira realizou-se em Bissau, a 26 de Abril, na presença de Sua Excia. o Comandante-Chefe.

A instrução da especialidade teve início imediatamente a seguir à nossa chegada a Contuboel. Ao longo de um mês e meio, em plena época das chuvas, os nossos graduados aprenderam a conhecer os elementos dos seus futuros grupos de combate.

Integrada na "nova força africana", a CCAÇ 12 receberia a visita, durante a semana de tiro, de Sua Excia. o Brigadeiro António de Spínola que se inteirou pessoalmente do nível de instrução ministrada as nos­sas praças africanas.

Os exercícios finais da especialidade efectuaram-se de 6 a 12 de Julho, a 10 km ao norte de Contuboel.

A 18 de Julho, finda a instrução, a CCAÇ 12 é dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1, Zona Leste).



N/M Niassa

Niassa > Navio misto (carga e passageiros), de 1 hélice, construído em 1955, na Bélgica, rgistado no Porto de Lisboa, e abatido em 1979; comprimento: mais de 151 metros; arqueação bruta: c. 10.742 toneladas; potência: 6.800 cavalos ; velocidade normal: 16,2 nós; alojamentos para 22 em primeira classe, 300 em classe turistica, no total de 322 passageiros; nº de tripulantes: 132; armador; Companhia Nacional de Navegação - Lisboa.

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2004)


Notas do autor (L.G.) desta história (não autorizada...) da CCAÇ 12:

1. Transporte marítimo de tropas para o Ultrmar:

"Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.

"Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíje.

"O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove. Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios" (Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril).


2. A presença de Spínola, ainda periquito e brigadeiro, na cerimónia de juramento da bandeira dos soldados da PU (província ultramarina) da Guiné não deixa de ser significativa do seu empenho pessoal no projecto de africanização ou, melhor, guineização da guerra. A CAÇ 12 é uma das primeiras unidades da "nova força africana". Spínola visitar-nos-ia várias vezes, incluindo na nossa semana de campo, em Contuboel. Tal gesto tinha um especial significado para as nossas praças africanas e para alguns de nós, quadros metropolitanos.

Confesso que nunca simpatizei com a personagem. Digo-o, sem com isso querer escamotear ou ignorar o seu papel nas mudanças operadas em Portugal com o 25 de Abril de 1974, nem muito menos ofender os seus admiradores. Para todos os efeitos, é uma figura de referência nacional, e como tal a sua memória deve ser respeitada. Competirá aos historiadores definir o seu papel da nossa história.

3. Na época em que demos a instrução de especialidade às nossas tropas africanas (de Junho a meados de Julho de 1969), Contuboel era, ainda era, um oásis de paz. Lá ainda se podia brincar às guerras num raio de alguns quilómetros, no meio de uma vegatação luxuriante. Lembro-me de haver lá uma serração de um tuga, o que indiciava abundância de madeiras exóticas.

Ao longo dessas curtas e rápidas semanas aprendemos a conviver com os nossos soldados fulas (e alguns futa-fulas, dois mandingas e um mancanhe, num total de cerca de 100 homens). A maior parte não falava o português, o que dá uma ideia do grau ou do esforço penetração da nossa cultura, no leste da Guiné, depois de "cinco séculos de missão civilizadora"...).

4. Nestas condições, a instrução de especialidade, como se deve imaginar, não foi nada famosa. Estávamos a milhares de quilómetros do nosso ponto de partida, o Campo Militar de Santa Margarida, onde, ainda me recordo, também brincámos às guerras, e fizemos os nosso roncos (no essencial, assalto aos acampamentos do IN a fingir, e pilhagem de tudo o que era bebível e comestível).

5. Em plena época das chuvas, ainda em fase de adaptação ao terrível clima da Guiné, hostil a qualquer tuga, em farda nº 3 , espingarda automática G3 ao ombro e cartuchos de salva nos bolsos (à cautela, não fosse o diabo tecê-las, os graduados, tugas, levavam alguns carregadores com bala real...)... Estão a imginar esta guerra-de-faz-se-conta ?

Era ainda a dolce vita da Guiné (como o autor escrevia no seu diário de um tuga), aqui e ali perturbada peals estórias que a velhice nos contava, a nós periquitos, de Madina do Boé e de Guilege, "lá longe no sul"...

A companhia de tugas aquartelada em Contuboel havia participado na dramática operação de retirada do campo fortificado de Madina do Boé, que custara a vida a mais de meia centenas de militares portugueses, em finais de 1968; e também na grande Op Lança Afiada, que durante uma semana, em março de 1969, varrera todo o triângulo Bambadinca-Xime-Xitole até ao Rio Corubal (efectivos das NT: 1300 homens...). Outra estória para contar...

6. A 18 de Julho de 1969 , a futura CCAÇ 12 (que, por enquanto, ainda era a CCAÇ 2590) é dada como operacional. Atendendo à origem étnico-geográfica dos seus nharros, por sugestão do Com-Chefe, ficamos radicados em chão fula, às ordens do Batalhão de Caçadores 2852 (1968/70), com sede em Bambadinca, esse mesmo, o batalhão do valoroso Ó-Pipas-Não-Tenhas-Medo! ... Outra estória para contar, com tempo e vagar.

7. A 21 de Julho, menos de dois meses depois da nossa chegada à Guiné, quando ainda nem sequer tinham sido distribuídos os camuflados à nossa tropa africana, temos a nossa primeira "saída para o mato" (sic) , seguida do nosso "baptismo de fogo"...

De facto, em Madina Xaquili, temos o nosso primeiro ferido grave, evaiuado para Bissau; e a 28, mais dois feridos graves, numa ataque nocturno àquela aldeia fula que será definitivamente abandonada pela sua popolução e, mais tarde (em Outubro), pelas NT.

Para três dos nossos soldados africanos, a guerra havia acabado, mal começara: ficarão definitivamente inoperacionais e/ou incapacitados, não sem que um deles tenha de passar, primeiro, por outro inferno, o do Hospital Militar da Estrela, em Lisboa...

Pergunto-me, com amargura, o que será feito de vocês, valemets soldados ? Tu, Sori Jau (3º Gr Combate, evacuado para o HM 241); tu, Braima Bá (inoperacional) e tu, Udi Baldé (evacuado para Lisboa e retornado a casa com 35% de incapacidade física), ambos do 2º Gr Comb ?

Madina Xaquili é uma estória para contar noutro dia. Mas já agora saibam onde fica(va): perto de Dulombi, no sub-sector de Galomaro que, se não me engano, foi depois transformado em Sector L5 da Zona Leste. Contuboel fazia parte do sector L2.