09 junho 2005

Guiné 63/74 - LIII: Notícias da CART 2339 ('Os Viriatos', Fá e Mansambo, 1968/69)

1. Telefonou-me o António dos Santos Almeida, natural de Lisboa e residente na região do Ribatejo (Samora Correia, se não me engano), a dizer que se sentia muito feliz por encontrar malta do tempo dele, da Guiné.

Esteve na Zona Leste, no Sector L1, em Fá Mandinga e depois em Mansambo, de Janeiro de 1968 a Dezembro de 1969 (Pediu-me para corrigir esta informação que vem na página referente a Mansambo, o que vou fazer em breve).

A sua companhia, de artilharia, a CART 2339, era também conhecida como "Os Viriatos". Hoje ele é advogado, trabalhou no sector dos seguros, está na situação de pré-reforma e gostaria de encontrar companheiros de viagem para voltar à Guiné. Deu-me o seu número de telemóvel (962601138) e o seu endereço de e-mail: asarute1@sapo.pt.

Recordou-me que um dos seus camaradas (ele disse-me o nome, mas não consegui fixar) foi apanhado, à unha, pelo PAIGC na famosa e perigosa fonte que abastecia de água o aquartelamento de Mansambo.


O pessoal da CART 2339 não se tem encontrado. Ou pelo menos o Almeida não tem tido notícias dessa malta. Prometi-lhe incluí-lo na nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné, de modo em ficar em rede e em contacto connosco...

2. O Almeida era, na altura, soldado de artilharia. Tinha habilitações literárias superiores à 4ª classe mas chumbou no curso de milicianos (sargentos ou oficiais, não sei ao certo).

Recorda-se de também haver em Bambadinca um médico que estava na mesma situação, como soldado raso, e com quem ele convivia, quando lá ia à sede de batalhão (BCAÇ 2852).

Lembra-se de ir beber, de vez em quando, um copo, acompanhado da boa mancarra, na esplanada do bar de um dos dois comerciantes brancos que havia em Bambadinca, com vista para o rio. Esse mesmo que era suspeito, no nosso tempo, de estar feito com os turras. Eu e malta da CCAÇ 12 íamos lá sempre que o homem arranjava uns camarões tigres, do Rio Geba, pescados em zona de risco... Fazia-nos pagá-los a preço de ouro (50 pesos o quilo, se a memória me não falha; o equivalente ao que te pedia uma "bajuda de mama firme" para "partir catota" contigo...).

Além disso, o Almeida deu aulas à população de Fá Mandinga. Recorde-se da estação agronómica onde trabalhou o Amílcar Cabral. O seu capitão, o da CART 2339, porém, nunca lhe facilitou muito a vida - a ele, Almeida -, mesmo sabendo que ele podia ser melhor aproveitado, graças às suas habilitações literárias.

Esse capitão era o tal, pequenino de estatura, que eu dia vi dar um enxerto de porrada a um gajo de transmissões, no regresso ao quartel, depois de uma operação na região... O Almeida disse-me o nome. Não o vou aqui mencionar, por razões óbvias. Não estamos aqui para julgar ninguém, e muitos os comportamentos no tempo de guerra.

Mas o ex-capitão da CART 2339, será bem vindo à nossa tertúlia, se um dia destes nos descobrir e tiver vontade de nos rever e partir mantenha. Se não me engano, ele era miliciano, como nós. Ou não ?

Aqui fica, no essencial, a conversa que tivemos ao telefone, eu e o Almeida. Ele decobriu-nos através do Castro (não sei se do Sousa, se do Manuel, ambos são Castro de apelido, trabalham nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e pertencem ao nosso grupo, à nossa tertúlia).

Guiné 63/74 - LIII: Notícias da CART 2339 ('Os Viriatos', Fá e Mansambo, 1968/69)

1. Telefonou-me o António dos Santos Almeida, natural de Lisboa e residente na região do Ribatejo (Samora Correia, se não me engano), a dizer que se sentia muito feliz por encontrar malta do tempo dele, da Guiné.

Esteve na Zona Leste, no Sector L1, em Fá Mandinga e depois em Mansambo, de Janeiro de 1968 a Dezembro de 1969 (Pediu-me para corrigir esta informação que vem na página referente a Mansambo, o que vou fazer em breve).

A sua companhia, de artilharia, a CART 2339, era também conhecida como "Os Viriatos". Hoje ele é advogado, trabalhou no sector dos seguros, está na situação de pré-reforma e gostaria de encontrar companheiros de viagem para voltar à Guiné. Deu-me o seu número de telemóvel (962601138) e o seu endereço de e-mail: asarute1@sapo.pt.

Recordou-me que um dos seus camaradas (ele disse-me o nome, mas não consegui fixar) foi apanhado, à unha, pelo PAIGC na famosa e perigosa fonte que abastecia de água o aquartelamento de Mansambo.


O pessoal da CART 2339 não se tem encontrado. Ou pelo menos o Almeida não tem tido notícias dessa malta. Prometi-lhe incluí-lo na nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné, de modo em ficar em rede e em contacto connosco...

2. O Almeida era, na altura, soldado de artilharia. Tinha habilitações literárias superiores à 4ª classe mas chumbou no curso de milicianos (sargentos ou oficiais, não sei ao certo).

Recorda-se de também haver em Bambadinca um médico que estava na mesma situação, como soldado raso, e com quem ele convivia, quando lá ia à sede de batalhão (BCAÇ 2852).

Lembra-se de ir beber, de vez em quando, um copo, acompanhado da boa mancarra, na esplanada do bar de um dos dois comerciantes brancos que havia em Bambadinca, com vista para o rio. Esse mesmo que era suspeito, no nosso tempo, de estar feito com os turras. Eu e malta da CCAÇ 12 íamos lá sempre que o homem arranjava uns camarões tigres, do Rio Geba, pescados em zona de risco... Fazia-nos pagá-los a preço de ouro (50 pesos o quilo, se a memória me não falha; o equivalente ao que te pedia uma "bajuda de mama firme" para "partir catota" contigo...).

Além disso, o Almeida deu aulas à população de Fá Mandinga. Recorde-se da estação agronómica onde trabalhou o Amílcar Cabral. O seu capitão, o da CART 2339, porém, nunca lhe facilitou muito a vida - a ele, Almeida -, mesmo sabendo que ele podia ser melhor aproveitado, graças às suas habilitações literárias.

Esse capitão era o tal, pequenino de estatura, que eu dia vi dar um enxerto de porrada a um gajo de transmissões, no regresso ao quartel, depois de uma operação na região... O Almeida disse-me o nome. Não o vou aqui mencionar, por razões óbvias. Não estamos aqui para julgar ninguém, e muitos os comportamentos no tempo de guerra.

Mas o ex-capitão da CART 2339, será bem vindo à nossa tertúlia, se um dia destes nos descobrir e tiver vontade de nos rever e partir mantenha. Se não me engano, ele era miliciano, como nós. Ou não ?

Aqui fica, no essencial, a conversa que tivemos ao telefone, eu e o Almeida. Ele decobriu-nos através do Castro (não sei se do Sousa, se do Manuel, ambos são Castro de apelido, trabalham nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e pertencem ao nosso grupo, à nossa tertúlia).

08 junho 2005

Guiné 63/74 - LII: Antologia (2): A fábula do jagudi e do falcão

1. É uma fábula guineense que merece ser objecto de leitura, de reflexão e de divulgação. É uma jóia da sabedoria humana, com uma mensagem universal, que cala fundo. Como todas as estórias de animais, encerra uma lição, neste caso uma grande lição (filosófica, política e ética) em relação ao exercício do poder, aos detentores do poder, aos que são arrogantes e aos que não têm pejo em oprimir, desprezar ou marginalizar os mais fracos, os mais pequenos, os socialmente menos qualificados...

O jagudi (abutre) não é ágil, elegante, superior, altivo, nobre, aristocrático e guerreiro como o falcão, mas nem por isso deixa de ter o seu lugar na criação e de desempenhar o seu papel na natureza. É certo que ele é pouco ou nada considerado tanto pelos humanos como pelos outros animais. É feio, é repelente, é necrófago...

Que o diga, aliás, o provérbio crioulo-guineense: (i) Kal dia ku sancu fala jugude manteña si ka pa rispitu di kacur; ou, noutra variante, (ii) Kal dia ku sancu fala Sakala manteña si i ka na disgustu di kacur (= o macaco só conhece ou cumprimenta o abutre no velório do cachorro).

Mas também há um outro provérbio que, de certo modo, vem em defesa do jagudi: (iii)Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju (= o abutre não foi à circuncisão, não passou pelo ritual do fanado, mas consegue ver as coisas, ou seja, não é parvo de todo...).

Em suma, uma estória que vem a propósito da História (com H grande) dos nossos dois países, Portugal e a sua ex-colónia da Guiné que, hoje, trinta anos depois da independência, ainda está longe de ter encontrado os caminhos seguros da paz, da construção da unidade nacional, da liberdade, da democracia e do desenvolvimento sustentado. Que a elite dirigente da Guiné-Bissau saiba, com humildade, ouvir, aprender e aplicar a grande sabedoria do seu povo e do seu pai-fundador, Amílcar Cabral...E que os resultados das eleições presidenciais do próximo dia 19 de Junho sejam um sinal de esperança para todos, para o povo guinéu e para os seus amigos, como nós.


2. A fábula do Jagudi e do Falcão

À sombra duma árvore, um alto poilão secular, descansa tranquilo um jagudi (abutre). No mesmo ramo em que ele se empoleira, caiado de branco devido aos dejectos de tantos outros jagudis que por ali passaram, veio pousar um altivo falcão.

Depois de trocarem um breve e seco cumprimento, o falcão, sempre palrador, fanfarrão e irrequieto, começou a insultar o jagudi, chamando-o de desprezível, de cobarde, de preguiçoso, de oportunista e de muitos outros termos insultuosos e pejorativos que lhe vieram à cabeça, à sua cabeça, tonta e leviana. Acusou-o, repetidamente, de ser a mais miserável e feia das criaturas de Deus.

O jagudi ouviu tudo, sem nunca ter tido o mais pequenino gesto de impaciência, protesto ou de indignacão. Nisto, passa entre os dois, a grande velocidade, uma linda ave, de penas multicores.

Logo o falcão se lançou em perseguição da pobre vítima. Mas fê-lo de maneira tão desenfreada que por azar foi bater, em cheio, com o peito, de encontro a um tronco robusto de uma árvore da floresta que se lhe atravessara no caminho. Louco, cheio de dor, lançando pios lancinantes, caiu ao chão, mortalmente ferido, sobre o tapete de folhas secas que cobria o trilho da mata.

Nesse preciso momento, o abutre levanta voo, com o seu ar pesado e pachorrento, e toma o seu lugar, imperturbável, à cabeceira do moribundo. O falcão, no estertor da agonia, ainda teve tempo de descortinar, horrorizado, a silhueta tenebrosa e agoirenta do jagudi, o seu bico afiado como aço e o seu pescoço descarnado.. E, trémulo, perguntou-lhe:
— Que vens aqui fazer, jagudi?
Ao que o abutre respondeu, impávido e sereno:
— Aguardo o teu fim, meu amigo.

Fonte: Adapt. de Nóbrega, Álvaro (2003) - A luta pelo poder na Guiné-Bissau. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS). Universidade Técnica de Lisboa (UTL). 2003.23.

Guiné 63/74 - LII: Antologia (2): A fábula do jagudi e do falcão

1. É uma fábula guineense que merece ser objecto de leitura, de reflexão e de divulgação. É uma jóia da sabedoria humana, com uma mensagem universal, que cala fundo. Como todas as estórias de animais, encerra uma lição, neste caso uma grande lição (filosófica, política e ética) em relação ao exercício do poder, aos detentores do poder, aos que são arrogantes e aos que não têm pejo em oprimir, desprezar ou marginalizar os mais fracos, os mais pequenos, os socialmente menos qualificados...

O jagudi (abutre) não é ágil, elegante, superior, altivo, nobre, aristocrático e guerreiro como o falcão, mas nem por isso deixa de ter o seu lugar na criação e de desempenhar o seu papel na natureza. É certo que ele é pouco ou nada considerado tanto pelos humanos como pelos outros animais. É feio, é repelente, é necrófago...

Que o diga, aliás, o provérbio crioulo-guineense: (i) Kal dia ku sancu fala jugude manteña si ka pa rispitu di kacur; ou, noutra variante, (ii) Kal dia ku sancu fala Sakala manteña si i ka na disgustu di kacur (= o macaco só conhece ou cumprimenta o abutre no velório do cachorro).

Mas também há um outro provérbio que, de certo modo, vem em defesa do jagudi: (iii)Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju (= o abutre não foi à circuncisão, não passou pelo ritual do fanado, mas consegue ver as coisas, ou seja, não é parvo de todo...).

Em suma, uma estória que vem a propósito da História (com H grande) dos nossos dois países, Portugal e a sua ex-colónia da Guiné que, hoje, trinta anos depois da independência, ainda está longe de ter encontrado os caminhos seguros da paz, da construção da unidade nacional, da liberdade, da democracia e do desenvolvimento sustentado. Que a elite dirigente da Guiné-Bissau saiba, com humildade, ouvir, aprender e aplicar a grande sabedoria do seu povo e do seu pai-fundador, Amílcar Cabral...E que os resultados das eleições presidenciais do próximo dia 19 de Junho sejam um sinal de esperança para todos, para o povo guinéu e para os seus amigos, como nós.


2. A fábula do Jagudi e do Falcão

À sombra duma árvore, um alto poilão secular, descansa tranquilo um jagudi (abutre). No mesmo ramo em que ele se empoleira, caiado de branco devido aos dejectos de tantos outros jagudis que por ali passaram, veio pousar um altivo falcão.

Depois de trocarem um breve e seco cumprimento, o falcão, sempre palrador, fanfarrão e irrequieto, começou a insultar o jagudi, chamando-o de desprezível, de cobarde, de preguiçoso, de oportunista e de muitos outros termos insultuosos e pejorativos que lhe vieram à cabeça, à sua cabeça, tonta e leviana. Acusou-o, repetidamente, de ser a mais miserável e feia das criaturas de Deus.

O jagudi ouviu tudo, sem nunca ter tido o mais pequenino gesto de impaciência, protesto ou de indignacão. Nisto, passa entre os dois, a grande velocidade, uma linda ave, de penas multicores.

Logo o falcão se lançou em perseguição da pobre vítima. Mas fê-lo de maneira tão desenfreada que por azar foi bater, em cheio, com o peito, de encontro a um tronco robusto de uma árvore da floresta que se lhe atravessara no caminho. Louco, cheio de dor, lançando pios lancinantes, caiu ao chão, mortalmente ferido, sobre o tapete de folhas secas que cobria o trilho da mata.

Nesse preciso momento, o abutre levanta voo, com o seu ar pesado e pachorrento, e toma o seu lugar, imperturbável, à cabeceira do moribundo. O falcão, no estertor da agonia, ainda teve tempo de descortinar, horrorizado, a silhueta tenebrosa e agoirenta do jagudi, o seu bico afiado como aço e o seu pescoço descarnado.. E, trémulo, perguntou-lhe:
— Que vens aqui fazer, jagudi?
Ao que o abutre respondeu, impávido e sereno:
— Aguardo o teu fim, meu amigo.

Fonte: Adapt. de Nóbrega, Álvaro (2003) - A luta pelo poder na Guiné-Bissau. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS). Universidade Técnica de Lisboa (UTL). 2003.23.

Guiné 69/71 - LI: Mesa-redonda: Afinal, a guerra não estava (quase) ganha ?


7 de Junho de 2005

1. Amigos e camaradas:

Quando leio os relatos do A. Marques Lopes que andou meses a fio, com os seus bravos de Geba, para conquistar Sinchã Jobel, em meados de 1967, e venho a descobrir que, dois anos depois, eu andei candidamente por aquelas paragens (Sare Gana, aldeia em autodefesa do subsector de Geba…), chego à conclusão, que tínhamos andado para trás como o caranguejo… Sinchã Jobel e a mata do Óio eram um mito no meu tempo, sendo impensável lá voltarmos, a penantes, como no tempo do Lopes… É engraçado podermos comparar e justapor as situações em épocas diferentes…

No meu tempo, com a CCAÇ 12 tentámos ir, numa grande operação, a nível de batalhão, a Madina/Belel, que ficava mais a oeste, a norte do Cuor... O chefe da orquestra foi um tal alferes miliciano que tinha muito ascendente sobre o comando de Bambadinca, e que chegou a ter a cabeça a prémio por parte do PAIGC… A operação foi uma das mais dramáticas que fizemos no meu tempo… Mas no relatório os gajos gabaram-se, como sempre, de obter muitos roncos… Hei-de contar-vos essa estória…

Luís Graça


8 de Junho de 2005

2. Caro Luís Graça, restantes membros da Tertúlia da Campanha Africana.

Quando li o titulo que deste a este texto e que eu propositadamente deixei ficar, pensei que as guerras perdem-se ou ganham-se em função do objectivo que nós definimos, para aquilo que para nós é ganhar ou perder. Poderia fazer aqui uma série de alocuções, referindo que, para mim, a guerra estava ganha a partir do momento em que durante um certo espaço de tempo fui capaz de me relacionar com extraordinária facilidade, na convivência directa e exclusiva com os Africanos de Fá Mandinga e com todos os comandos negros que lá faziam a sua recruta.

Podia dizer-te que, para este país e para os Senhores da Guerra, ela estava perdida, a partir do momento e de muitos outros momentos como aquele descrito no texto que tinha como título Duas Orelhas Como Troféu [texto de Afonso Sousa, enviado apenas ao grupo, não publicado no blogue]. Para exemplificar doutra maneira vou falar doutras experiências que, não sendo passadas em solo africano, dizem respeito ao tempo de campanha colonial.

Durante muitos anos lutei pela defesa dos direitos dos Veteranos de Guerra. De cidadão anónimo, até primeiro delegado da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG), foi um caminho difícil e lento, mas altamente enriquecedor. Experiências de vários tipos, sucediam-se a outras experiências. No entanto e quanto mais me aproximava e interagia com os Órgãos Sociais responsáveis pela Associação, mais me apercebia que erros e hábitos do passado ainda estavam dentro da cabeça destes responsáveis. Isto não seria tão preocupante se estas pessoas não estivessem a defender pessoas que deram o seu melhor pelo país que éramos, por isso tornei-me um contestatário sério do sistema instituído.

Devido ao meu inconformismo, sou convidado a fazer uma lista que outros opositores como eu resolveram organizar, com o fim expresso de melhorar a organização da Associação, com a subsequente ideia que talvez se conseguisse fazer mais por todos aqueles que fazem parte do enorme património histórico da guerra colonial, ou seja: pretendíamos fazer mais por todos os soldados deste país.

Ao fim de uma série de acções e lutas eleitorais, acabamos por assumir os destinos da APVG, ocupando eu, na hierarquia, o lugar de Vice-Presidente, lugar sempre difícil de ocupar porque, embora as instituições se orientem pelo princípio do voto, a verdade é que, como todos sabem, a partir de certa altura interesses, acordos e outras coisas mais desvirtuam este princípio, o que demonstra alguns erros da democracia.

Dizia eu que ser Vice-Presidente é um lugar muito complicado numa lista de executivos, porque das duas uma, ou o Vice baixa a cabeça como aquele animalzinho muito simpático e tudo corre bem, ou acabamos por ser agredidos física e moralmente. Mas esta é outra história que não fica a dever nada às muitas que todos passámos na Guiné e que eu não vou contar, pelo menos por agora.

Passados que foram alguns tempos, assumi o lugar de Director do Jornal “O Veterano de Guerra", ao qual pretendi imprimir uma concepção interventiva diferente. A ideia, sempre a mesma ideia, era que as páginas da revista ou do jornal deveriam conter, ou contar, as histórias de todos os Associados, fossem eles Soldados ou Generais, e não servirem apenas os interesses de meia dúzia.

Naturalmente que o poder tem muita força; naturalmente que os interesses instituídos têm muita força; naturalmente que em democracia também se compram votos (os oficiais também se vendem) e eu acabei por ser exonerado do cargo depois de ter editado três jornais de 42.000 exemplares cada.

Embora o projecto que desenhei e as alterações metodológicas que queria introduzir neste, me exigissem muito mais tempo para a concretização dos meus objectivos, acredito ter melhorado muito a linha orientadora do jornal. Pela primeira vez, todos os Associados, sem discriminação, começaram a ter voz. O preço a pagar foi grande, porque não tive ao meu lado gente suficientemente interessada na mudança; no entanto, sinto-me satisfeito pelo facto de ter acordado alguns companheiros que, por simplicidade, boa fé, ou desconhecimento, continuam a acreditar em tudo e em todos.

Fiz este pequeno relato para que todos aqueles que fazem parte deste grupo [Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Coloniual > Guiné], percebam que a guerra não acabou no dia da independência dos países africanos. Ela continua viva dentro de nós, motivadora de milhares e milhares de questões.

Perder ou ganhar? Uns pensam que eu perdi, porque os opositores eram muito fortes e eu não consegui derrubar a muralha de hábitos e outras coisas muito mais graves instituídas. Eu penso que ganhei, porque fui capaz de abalar a estrutura e fiz perceber a muitas delegações e delegados deste país que as pessoas que gerem as suas justas perspectivas de direitos não são eficazes, isentas e sérias nos propósitos assumidos no passado. A inépcia de cada um e a modorra a que a maior parte de cada um de nós está habituado, já não sou eu que tenho que alterar.

Uns pensam que perdi porque vim embora, eu penso que ganhei, porque esteja onde estiver, serei fiel aos princípios que desde 1997 defendo. Por isso, meu caro Luís, na minha modesta opinião, a guerra estava perdida ou ganha, conforme a barricada esteja colocada a norte ou a sul. Para terminar apenas quero dizer-vos que o Luís Graça e este grupo são um dos múltiplos exemplos de como a guerra, vista doutro ângulo, está ganha.

Um abraço a todos, mas deixem-me dar um abraço especial ao meu amigo Castro e ao A. Marques Lopes (Banjara) que nunca mais vi depois do dia das eleições em Braga.

Luís Carvalhido


3. É um ponto de vista muito curioso - parabéns pelo que pensa e faz e sobretudo pela convicção com que o executa.

Creio que estamos a fazer não uma análise de guerra, mas a contar uma guerra pelos seus actores principais, nós todos, os soldados de então. E vivemos de recordações, umas boas, poucas, e outras muitas más, como é evidente. Outra coisa nos une e isso tenho a certeza: a solidariedade de quem perdeu a juventude e se tornou adulto de repente. Hoje, independentemente daquilo que somos ou fazemos, algo afinal nos une - será o amor fraternal - deixe passar o termo, acaba por ser isso mesmo

Um abraço, David Guimarães.


4. Meu Caro David J. Guimarães:


São palavras destas que fazem que os mais pequenos do pelotão aguentem a agonia da picada.Um abraço

Luís Carvalhido

5. Amigo Luís Carvalhido:

Eu vi logo que devia ter havido qualquer coisa... pois deixaste de "aparecer" (nos nossos contactos). No início, depois das eleições, ainda trocámos aquelas mensagens de quebra-gelos. Mas, depois, palpitou-me que algo correria menos bem.
Mas, meu amigo, como dizes, a guerra não acabou. E a luta continua!!!
Abraços.
A. Marques Lopes



6. Uma simples e primeira nota: nas entrelinhas deste texto muito se vislumbra. A abrangência é de um lato mas muito nítido horizonte.

Que lucidez de raciocínio e fluência de expressão !... Parabéns "grande" Luis Carvalhido.

Afonso Sousa


7. Muito obrigado, Luís, pelo facto de me incluir no seu Blogue. Penso que finalmente estamos a dar início a um processo que, do meu ponto de vista, vai transformar ideias e conceitos que, ao longo das ultimas três décadas, foram incutidos nos Portugueses. Os livros, o cinema e visões de alguns que não estavam cá (lá) na altura, porque tinham fugido e ainda por culpa de outros que viviam da matança, fizeram o comum dos mortais pensar que fomos os causadores do conflito, por inerência, culpados. Finalmente ao sermos confrontados com a ideia que a Pátria e o Hino não são servidos, a não ser pelo dinheiro que os profissionais da guerra exigem, eu tenho a certeza que as páginas desta história ainda vão ter outra cor.

Um abraço.
Luís Carvalhido

Guiné 69/71 - LI: Mesa-redonda: Afinal, a guerra não estava (quase) ganha ?


7 de Junho de 2005

1. Amigos e camaradas:

Quando leio os relatos do A. Marques Lopes que andou meses a fio, com os seus bravos de Geba, para conquistar Sinchã Jobel, em meados de 1967, e venho a descobrir que, dois anos depois, eu andei candidamente por aquelas paragens (Sare Gana, aldeia em autodefesa do subsector de Geba…), chego à conclusão, que tínhamos andado para trás como o caranguejo… Sinchã Jobel e a mata do Óio eram um mito no meu tempo, sendo impensável lá voltarmos, a penantes, como no tempo do Lopes… É engraçado podermos comparar e justapor as situações em épocas diferentes…

No meu tempo, com a CCAÇ 12 tentámos ir, numa grande operação, a nível de batalhão, a Madina/Belel, que ficava mais a oeste, a norte do Cuor... O chefe da orquestra foi um tal alferes miliciano que tinha muito ascendente sobre o comando de Bambadinca, e que chegou a ter a cabeça a prémio por parte do PAIGC… A operação foi uma das mais dramáticas que fizemos no meu tempo… Mas no relatório os gajos gabaram-se, como sempre, de obter muitos roncos… Hei-de contar-vos essa estória…

Luís Graça


8 de Junho de 2005

2. Caro Luís Graça, restantes membros da Tertúlia da Campanha Africana.

Quando li o titulo que deste a este texto e que eu propositadamente deixei ficar, pensei que as guerras perdem-se ou ganham-se em função do objectivo que nós definimos, para aquilo que para nós é ganhar ou perder. Poderia fazer aqui uma série de alocuções, referindo que, para mim, a guerra estava ganha a partir do momento em que durante um certo espaço de tempo fui capaz de me relacionar com extraordinária facilidade, na convivência directa e exclusiva com os Africanos de Fá Mandinga e com todos os comandos negros que lá faziam a sua recruta.

Podia dizer-te que, para este país e para os Senhores da Guerra, ela estava perdida, a partir do momento e de muitos outros momentos como aquele descrito no texto que tinha como título Duas Orelhas Como Troféu [texto de Afonso Sousa, enviado apenas ao grupo, não publicado no blogue]. Para exemplificar doutra maneira vou falar doutras experiências que, não sendo passadas em solo africano, dizem respeito ao tempo de campanha colonial.

Durante muitos anos lutei pela defesa dos direitos dos Veteranos de Guerra. De cidadão anónimo, até primeiro delegado da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG), foi um caminho difícil e lento, mas altamente enriquecedor. Experiências de vários tipos, sucediam-se a outras experiências. No entanto e quanto mais me aproximava e interagia com os Órgãos Sociais responsáveis pela Associação, mais me apercebia que erros e hábitos do passado ainda estavam dentro da cabeça destes responsáveis. Isto não seria tão preocupante se estas pessoas não estivessem a defender pessoas que deram o seu melhor pelo país que éramos, por isso tornei-me um contestatário sério do sistema instituído.

Devido ao meu inconformismo, sou convidado a fazer uma lista que outros opositores como eu resolveram organizar, com o fim expresso de melhorar a organização da Associação, com a subsequente ideia que talvez se conseguisse fazer mais por todos aqueles que fazem parte do enorme património histórico da guerra colonial, ou seja: pretendíamos fazer mais por todos os soldados deste país.

Ao fim de uma série de acções e lutas eleitorais, acabamos por assumir os destinos da APVG, ocupando eu, na hierarquia, o lugar de Vice-Presidente, lugar sempre difícil de ocupar porque, embora as instituições se orientem pelo princípio do voto, a verdade é que, como todos sabem, a partir de certa altura interesses, acordos e outras coisas mais desvirtuam este princípio, o que demonstra alguns erros da democracia.

Dizia eu que ser Vice-Presidente é um lugar muito complicado numa lista de executivos, porque das duas uma, ou o Vice baixa a cabeça como aquele animalzinho muito simpático e tudo corre bem, ou acabamos por ser agredidos física e moralmente. Mas esta é outra história que não fica a dever nada às muitas que todos passámos na Guiné e que eu não vou contar, pelo menos por agora.

Passados que foram alguns tempos, assumi o lugar de Director do Jornal “O Veterano de Guerra", ao qual pretendi imprimir uma concepção interventiva diferente. A ideia, sempre a mesma ideia, era que as páginas da revista ou do jornal deveriam conter, ou contar, as histórias de todos os Associados, fossem eles Soldados ou Generais, e não servirem apenas os interesses de meia dúzia.

Naturalmente que o poder tem muita força; naturalmente que os interesses instituídos têm muita força; naturalmente que em democracia também se compram votos (os oficiais também se vendem) e eu acabei por ser exonerado do cargo depois de ter editado três jornais de 42.000 exemplares cada.

Embora o projecto que desenhei e as alterações metodológicas que queria introduzir neste, me exigissem muito mais tempo para a concretização dos meus objectivos, acredito ter melhorado muito a linha orientadora do jornal. Pela primeira vez, todos os Associados, sem discriminação, começaram a ter voz. O preço a pagar foi grande, porque não tive ao meu lado gente suficientemente interessada na mudança; no entanto, sinto-me satisfeito pelo facto de ter acordado alguns companheiros que, por simplicidade, boa fé, ou desconhecimento, continuam a acreditar em tudo e em todos.

Fiz este pequeno relato para que todos aqueles que fazem parte deste grupo [Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Coloniual > Guiné], percebam que a guerra não acabou no dia da independência dos países africanos. Ela continua viva dentro de nós, motivadora de milhares e milhares de questões.

Perder ou ganhar? Uns pensam que eu perdi, porque os opositores eram muito fortes e eu não consegui derrubar a muralha de hábitos e outras coisas muito mais graves instituídas. Eu penso que ganhei, porque fui capaz de abalar a estrutura e fiz perceber a muitas delegações e delegados deste país que as pessoas que gerem as suas justas perspectivas de direitos não são eficazes, isentas e sérias nos propósitos assumidos no passado. A inépcia de cada um e a modorra a que a maior parte de cada um de nós está habituado, já não sou eu que tenho que alterar.

Uns pensam que perdi porque vim embora, eu penso que ganhei, porque esteja onde estiver, serei fiel aos princípios que desde 1997 defendo. Por isso, meu caro Luís, na minha modesta opinião, a guerra estava perdida ou ganha, conforme a barricada esteja colocada a norte ou a sul. Para terminar apenas quero dizer-vos que o Luís Graça e este grupo são um dos múltiplos exemplos de como a guerra, vista doutro ângulo, está ganha.

Um abraço a todos, mas deixem-me dar um abraço especial ao meu amigo Castro e ao A. Marques Lopes (Banjara) que nunca mais vi depois do dia das eleições em Braga.

Luís Carvalhido


3. É um ponto de vista muito curioso - parabéns pelo que pensa e faz e sobretudo pela convicção com que o executa.

Creio que estamos a fazer não uma análise de guerra, mas a contar uma guerra pelos seus actores principais, nós todos, os soldados de então. E vivemos de recordações, umas boas, poucas, e outras muitas más, como é evidente. Outra coisa nos une e isso tenho a certeza: a solidariedade de quem perdeu a juventude e se tornou adulto de repente. Hoje, independentemente daquilo que somos ou fazemos, algo afinal nos une - será o amor fraternal - deixe passar o termo, acaba por ser isso mesmo

Um abraço, David Guimarães.


4. Meu Caro David J. Guimarães:


São palavras destas que fazem que os mais pequenos do pelotão aguentem a agonia da picada.Um abraço

Luís Carvalhido

5. Amigo Luís Carvalhido:

Eu vi logo que devia ter havido qualquer coisa... pois deixaste de "aparecer" (nos nossos contactos). No início, depois das eleições, ainda trocámos aquelas mensagens de quebra-gelos. Mas, depois, palpitou-me que algo correria menos bem.
Mas, meu amigo, como dizes, a guerra não acabou. E a luta continua!!!
Abraços.
A. Marques Lopes



6. Uma simples e primeira nota: nas entrelinhas deste texto muito se vislumbra. A abrangência é de um lato mas muito nítido horizonte.

Que lucidez de raciocínio e fluência de expressão !... Parabéns "grande" Luis Carvalhido.

Afonso Sousa


7. Muito obrigado, Luís, pelo facto de me incluir no seu Blogue. Penso que finalmente estamos a dar início a um processo que, do meu ponto de vista, vai transformar ideias e conceitos que, ao longo das ultimas três décadas, foram incutidos nos Portugueses. Os livros, o cinema e visões de alguns que não estavam cá (lá) na altura, porque tinham fugido e ainda por culpa de outros que viviam da matança, fizeram o comum dos mortais pensar que fomos os causadores do conflito, por inerência, culpados. Finalmente ao sermos confrontados com a ideia que a Pátria e o Hino não são servidos, a não ser pelo dinheiro que os profissionais da guerra exigem, eu tenho a certeza que as páginas desta história ainda vão ter outra cor.

Um abraço.
Luís Carvalhido

07 junho 2005

Guiné 69/71 - L: Mancarra, a semente do diabo...

Excertos do diário de um tuga. L.G.

8 de Março de 1970

Sansancuta.

É interessante notar que na mitologia fula a mancarra (amendoím) esteja associada ao Diabo em pessoa (Iblissa). O cherno Umaru que dirige uma pequena escola nesta tabanca e que se prepara , como bom muçulmano devoto (tijanianké), para fazer no próximo ano a sua peregrinação a Meca (Iado Hadjo, em fula) e assim juntar ao seu nome o título venerando de al-hadj, contou-me , por intermédio do Suleimane (o meu braço direito, guarda-costa, intérprete, cozinheiro, secretário – é um dos nossos poucos soldados que sabe ler e escrever português, daí ser soldado arvorado e em breve 1º cabo), contou- me ele a seguinte estória:

- Um dia Iblissa (o Diabo) quis desafiar a autoridade divina de Mohamadu (o Profeta Maomé). Tinha chovido muito e o Profeta dissera que então nasceriam todas as sementes que fossem lançadas à terra. O Diabo, em vez de uma semente de milho ou de arroz, deitou leite numa cova que ele próprio tinha feito no chão. Mohamadu, intrigado e inquieto com a provocação de Iblissa, foi falar com Alá, que lhe mandou guardar uma semente. E ao fim desse tempo, não é que do leite nasceu mesmo a mancarra ?

Recordo que Amílcar Cabral, na Estação Agronómica de Fá-Mandinga, fez estudos sobre vários tipos de semente de amendoím. E já então ele denunciava o perigo que representava, para o desenvolvimento da agricultura na Guiné, a monocultura desta oleaginosa, um típico produto do imposto pelo colonialismo aos guinéus.

Guiné 69/71 - L: Mancarra, a semente do diabo...

Excertos do diário de um tuga. L.G.

8 de Março de 1970

Sansancuta.

É interessante notar que na mitologia fula a mancarra (amendoím) esteja associada ao Diabo em pessoa (Iblissa). O cherno Umaru que dirige uma pequena escola nesta tabanca e que se prepara , como bom muçulmano devoto (tijanianké), para fazer no próximo ano a sua peregrinação a Meca (Iado Hadjo, em fula) e assim juntar ao seu nome o título venerando de al-hadj, contou-me , por intermédio do Suleimane (o meu braço direito, guarda-costa, intérprete, cozinheiro, secretário – é um dos nossos poucos soldados que sabe ler e escrever português, daí ser soldado arvorado e em breve 1º cabo), contou- me ele a seguinte estória:

- Um dia Iblissa (o Diabo) quis desafiar a autoridade divina de Mohamadu (o Profeta Maomé). Tinha chovido muito e o Profeta dissera que então nasceriam todas as sementes que fossem lançadas à terra. O Diabo, em vez de uma semente de milho ou de arroz, deitou leite numa cova que ele próprio tinha feito no chão. Mohamadu, intrigado e inquieto com a provocação de Iblissa, foi falar com Alá, que lhe mandou guardar uma semente. E ao fim desse tempo, não é que do leite nasceu mesmo a mancarra ?

Recordo que Amílcar Cabral, na Estação Agronómica de Fá-Mandinga, fez estudos sobre vários tipos de semente de amendoím. E já então ele denunciava o perigo que representava, para o desenvolvimento da agricultura na Guiné, a monocultura desta oleaginosa, um típico produto do imposto pelo colonialismo aos guinéus.

Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II

Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1968) e actualmente coronel (DFA) na situação de reforma:

Na Op Inquietar II conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "junto à base de patrulhas pelas 14H20, um grupo IN que seguia em coluna por um, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um Soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT. Pelas 14H45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do R Canjambari e regressou sem contacto".

Não foi assim. O que sucedeu foi o seguinte: o IN encostou-nos ao Rio Camjambari, não podendo nós cambá-lo, porque era muito fundo, nem podendo dali sair porque estávamos cercados. O comandante da peração disse-me:
-Ó Lopes, a minha companhia já está aqui instalada, por isso, você, que tem um grupo autónomo, vá ver se consegue furar o cerco. E lá fui, não só uma mas duas vezes, sem sucesso. Na segunda vez, fiquei sob fogo cruzado do PAIGC e da companhia do comandante, tendo um soldado meu levado um tiro nas costas, dado pelos dos nossos.

Quando o comandante me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida.

«6. Op Inquietar II. 4 a 7 de Julho de 1967"

"Situação particular:

Há notícias que o IN tem un acampamento em Canjambari, além de outros espalhados pela mata do Óio. Tem-se revelado durante operações realizadas e implantado engenhos explosivos nos itinerários.

"Missão:

Executar uma acção em força sobre o acampanento IN de Canjambari em coordenação com forças do AGRP 1976.

"Força executante:

Dest A - CCAÇ 1685; 1 Gr Comb CART 1690; 1 Secção CMIL 3

Desat B - CART 1689: 1PEL.(-) /CMIL 3

Dest C - 1 PEL EREC 1578.

"Desenrolara da acção:

04JUL67

Concentração das forças em Banjara pelas 17H00.

05JUL67

Pelas 00H00 iniciaram o movimento em direcção a Samba Culo (050.0p.) seguindo o itinerário Banjara-Gendo-Tambicó-Samba Culo. Pelas 07H00 atingiram Gendo. Um pouco à frente desta antiga tabanca, pelas 08H00 foi detectado um grupo IN o qual tentaram cercar e capturar, só não o conseguindo por alguns elementos da Milícia na testa da coluna, que não entenderam a manobra, terem aberto fogo, pondo-os em fuga.

Entretanto foram avistadas 2 casas de mato (010 OP), que foram destruídas bem como diversos utensílios domésticos. Retomado a progressão e cerca das 11HOO foi detectado um núcleo de 10 casas de mato (050 OP), incluindo uma escola com vinte carteiras, tendo sido totalmente destruídas pelo fogo. Retomado a progressão e ainda perto deste último acampamento, as NT emboscaram um grupo IN não estimado, do qual foi capturado um elemento portador de uma faca de mato.

Reiniciado a progressão, Tambicó (Base de patrulhas) foi atingida às 14H00. Junto a base de patrulhas pelas 14H20, um grupo IN que seguia em coluna por um, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um Soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT.

Pelas 14H45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do R Canjambari e regressou sem contacto. Pelas 15H20 um grupo IN estimado em 30 a 40 elementos atacou a base de patrulhas com mort 60, LGF, PM e Armas Automáticas, durante 15 minutos sem consequências.

Os T6 que nessa altura sobrevoavam a base de patrulhas para protegerem o heli na evacuação do ferido, fizeram umas rajadas sobre o grupo IN. Nessa altura foi evacuado em HELI para o HM 241 o soldado ferido na acção IN anterior.

Pelas 17H00 saiu um outro grupo de combate para fazer o reconhecimento do itinerário Tambico - Samba Culos. Percorridas apenas algumas dezenas de metros, foi emboscado por um grupo IN de cerca de 60 elementos armados de mort 60, LGF, PM e Armas Automáticas, tendo ferido 2 soldados, evacuados mais tarde para o HM 241, por heli.

Juntamente com a emboscada o IN flagelou a base de patrulhas com 2 granadas de mort 60. Perante a reacção das NT o IN furtou-se ao contacto com baixas prováveis.

06JUL67

Cerca das 11H20, orientado pelo PCV iniciou-se a progressão em direcção ao acampamento de Samba Culo (050.OP.), tendo atingido pelas 15H20. O IN, que estava instalado do lado Sul do acampamento e que tinha reagido fortemente impedindo o Dest B de entrar no acampamento, reagiu à manobra de envolvimento e assalto ao acampamento com Mort 60 e PM, tendo ferido dois soldados, evacuados posteriormente para o HM 241 por heli.

O IN, apercebendo-se do cerco que se preparava, furtou-se ao contacto tendo as NT assaltado e destruído o acampamento composto por 30 casas de mato, sendo algumas cobertas a zinco. Foram destruídos também alguns utensílios domésticos.

Já no regresso o guia conduziu as NT a uma arrecadação de material, que o Dest B conquistou tendo capturado todo o armamento lá existente. Capturado o material foi destruída a arrecadação ouvindo-se então fortes rebentamentos de cartuchos e granadas que se prolongaram por 50 minutos.

Retomado a progressão de regresso para Banjara as NT por alturas de Farim 8H8-44, accionaram uma armadilha tendo ficado ferido um elemento do Dest B.

07JUL67

As NT atingiram Banjara pelas 05H00 após o que regressaram a quartéis. A operação terminou às l6H530.

"Resultados obtidos:

-Foi capturado armamento IN;
-Foram mortos, feridos e feitos prisioneiros elementos IN;
-Foi destruído diverso material e utensílios donéstico;
-Foram destruídos cerca de 10.000 munições e diverso material explosivo algum do qual se supõe encontrar-se enterrado, dado a violência das detonações".

Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II

Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1968) e actualmente coronel (DFA) na situação de reforma:

Na Op Inquietar II conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "junto à base de patrulhas pelas 14H20, um grupo IN que seguia em coluna por um, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um Soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT. Pelas 14H45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do R Canjambari e regressou sem contacto".

Não foi assim. O que sucedeu foi o seguinte: o IN encostou-nos ao Rio Camjambari, não podendo nós cambá-lo, porque era muito fundo, nem podendo dali sair porque estávamos cercados. O comandante da peração disse-me:
-Ó Lopes, a minha companhia já está aqui instalada, por isso, você, que tem um grupo autónomo, vá ver se consegue furar o cerco. E lá fui, não só uma mas duas vezes, sem sucesso. Na segunda vez, fiquei sob fogo cruzado do PAIGC e da companhia do comandante, tendo um soldado meu levado um tiro nas costas, dado pelos dos nossos.

Quando o comandante me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida.

«6. Op Inquietar II. 4 a 7 de Julho de 1967"

"Situação particular:

Há notícias que o IN tem un acampamento em Canjambari, além de outros espalhados pela mata do Óio. Tem-se revelado durante operações realizadas e implantado engenhos explosivos nos itinerários.

"Missão:

Executar uma acção em força sobre o acampanento IN de Canjambari em coordenação com forças do AGRP 1976.

"Força executante:

Dest A - CCAÇ 1685; 1 Gr Comb CART 1690; 1 Secção CMIL 3

Desat B - CART 1689: 1PEL.(-) /CMIL 3

Dest C - 1 PEL EREC 1578.

"Desenrolara da acção:

04JUL67

Concentração das forças em Banjara pelas 17H00.

05JUL67

Pelas 00H00 iniciaram o movimento em direcção a Samba Culo (050.0p.) seguindo o itinerário Banjara-Gendo-Tambicó-Samba Culo. Pelas 07H00 atingiram Gendo. Um pouco à frente desta antiga tabanca, pelas 08H00 foi detectado um grupo IN o qual tentaram cercar e capturar, só não o conseguindo por alguns elementos da Milícia na testa da coluna, que não entenderam a manobra, terem aberto fogo, pondo-os em fuga.

Entretanto foram avistadas 2 casas de mato (010 OP), que foram destruídas bem como diversos utensílios domésticos. Retomado a progressão e cerca das 11HOO foi detectado um núcleo de 10 casas de mato (050 OP), incluindo uma escola com vinte carteiras, tendo sido totalmente destruídas pelo fogo. Retomado a progressão e ainda perto deste último acampamento, as NT emboscaram um grupo IN não estimado, do qual foi capturado um elemento portador de uma faca de mato.

Reiniciado a progressão, Tambicó (Base de patrulhas) foi atingida às 14H00. Junto a base de patrulhas pelas 14H20, um grupo IN que seguia em coluna por um, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um Soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT.

Pelas 14H45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do R Canjambari e regressou sem contacto. Pelas 15H20 um grupo IN estimado em 30 a 40 elementos atacou a base de patrulhas com mort 60, LGF, PM e Armas Automáticas, durante 15 minutos sem consequências.

Os T6 que nessa altura sobrevoavam a base de patrulhas para protegerem o heli na evacuação do ferido, fizeram umas rajadas sobre o grupo IN. Nessa altura foi evacuado em HELI para o HM 241 o soldado ferido na acção IN anterior.

Pelas 17H00 saiu um outro grupo de combate para fazer o reconhecimento do itinerário Tambico - Samba Culos. Percorridas apenas algumas dezenas de metros, foi emboscado por um grupo IN de cerca de 60 elementos armados de mort 60, LGF, PM e Armas Automáticas, tendo ferido 2 soldados, evacuados mais tarde para o HM 241, por heli.

Juntamente com a emboscada o IN flagelou a base de patrulhas com 2 granadas de mort 60. Perante a reacção das NT o IN furtou-se ao contacto com baixas prováveis.

06JUL67

Cerca das 11H20, orientado pelo PCV iniciou-se a progressão em direcção ao acampamento de Samba Culo (050.OP.), tendo atingido pelas 15H20. O IN, que estava instalado do lado Sul do acampamento e que tinha reagido fortemente impedindo o Dest B de entrar no acampamento, reagiu à manobra de envolvimento e assalto ao acampamento com Mort 60 e PM, tendo ferido dois soldados, evacuados posteriormente para o HM 241 por heli.

O IN, apercebendo-se do cerco que se preparava, furtou-se ao contacto tendo as NT assaltado e destruído o acampamento composto por 30 casas de mato, sendo algumas cobertas a zinco. Foram destruídos também alguns utensílios domésticos.

Já no regresso o guia conduziu as NT a uma arrecadação de material, que o Dest B conquistou tendo capturado todo o armamento lá existente. Capturado o material foi destruída a arrecadação ouvindo-se então fortes rebentamentos de cartuchos e granadas que se prolongaram por 50 minutos.

Retomado a progressão de regresso para Banjara as NT por alturas de Farim 8H8-44, accionaram uma armadilha tendo ficado ferido um elemento do Dest B.

07JUL67

As NT atingiram Banjara pelas 05H00 após o que regressaram a quartéis. A operação terminou às l6H530.

"Resultados obtidos:

-Foi capturado armamento IN;
-Foram mortos, feridos e feitos prisioneiros elementos IN;
-Foi destruído diverso material e utensílios donéstico;
-Foram destruídos cerca de 10.000 munições e diverso material explosivo algum do qual se supõe encontrar-se enterrado, dado a violência das detonações".

Guiné 69/71 - XLVIII: Samba Culo I

Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1968), actualmente coronel (DFA) na situação de reforma:

Samba Culo era outra base conhecida do PAIGC na zona da CART 1690. Não vem nos mapas existentes agora, talvez porque não haja lá população. Além dessa base, havia várias casas de mato nessa região, elementos de apoio importantes para dormida e descanso dos guerrilheiros.

Sobre a Operação Inquietar I: foi um fracasso, pois não conseguiu o objectivo, que era a destruição da base, tendo sido destruídas, no entanto, várias casas de mato; a história do ferido mencionado é que se tratou de um soldado da CCAÇ 1689, que levou um tiro no bolso onde tinha uma granada de fumos, provocando o rebentamento desta; tentando apagar o fogo que se ateou nas calças do camuflado com as mãos, ficou com estas totalmente queimadas (os ossos dos dedos ficaram à vista). Com a única coisa que eu tinha - manteiga das rações - tentei minorar-lhe o sofrimento. Gritava pela mãezinha e dizia:
- O meu alferes é tão bom!... Enfim, só visto. Sei que ficou bom, embora com cicatrizes, e vive no Porto.

Sucedeu-me aqui uma coisa que eu nunca pensei que fosse possível: na noite de 10 para 11 de Junho de 1967 consegui dormir debaixo da chuva torrencial de um tornado, numa clareira completamente a descoberto. O cansaço já era muito. A retirada está exemplificada na fotografia que também envio em anexo: é pessoal do meu grupo de combate, que teve de se apoiar uns aos outros, tal era o cansaço, e porque o PAIGC vinha atrás de nós...

4. Op Inquietar I. 9 a 15 de Junho de 1967.

“Situação particular:

"Há notícias de que o IN tem um acampamento em Canjambari, além de outros espalhados pela mata do Óio. O IN tem-se revelado durante operações realizadas e implantado engenhos explosivos nos itinerários.

"Missão:

Executar uma acção em força sobre o acampamento IN de Canjambari em coordenação com as forças do Agrupamento 1976.

"Força executante:

Dest A - CCAÇ 1685 ; 1 Gr Comb CART 1690; 1 PEL MIL/CMIL 3

Dest B - CCAÇ 1689; 1 Sec. (+) CMIL3

Dest C - CCAÇ 1501 - (1 Gr Comb); CCAÇ 1499 (1 Gr Comb); 2 Secções CMIL 2; 1 Secção CMIL 4

"Desenrolar da acção:

9JUN67

Os destacamentos A e B deslocaram-se em meios auto de Fá para Banjara. À alta da viaturas militares para os transportar houve necessidade de recorrer a requisição de viaturas civis, utilizadas apenas no troço Fá - Sare Banda. A concentração das forças em Banjara foi morosa, pois teve que se fazer por escalões. Iniciada pelas 07H00 terminou pelas l6H00.

10JUN67

Pelas 02H00 os destacamentos A e B iniciaram juntos o movimento para Casa Nova que atingiram pelas 06H00. Pelas 06H50 as NT abriram fogo sobre 2 elementos desarmados tendo abatido l e ferido outro num braço, quando tentavama fuga. Interrogado este revelou a existência de una tabanca nas proximidades, localizado depois em Banjara 2A4. Pelas 13H50 atacaram este objectivo que o IN abandonou precipitadamente. As NT destruíram 10 casas de mato, depois de terem passado revista e capturado uma longa, roupas e utensílios domésticos.

Pelas 12H30 as NT atingiram Gendo, utilizando o prisioneiro como guia, onde pararam para comer. Em exploração das declarações prestadas pelo guia os Cmdts dos Dest A e B que estavam juntos decidiram seguir a corta nato para Samba Culo, durante a noite, se até iniciarem a progressão não fossem detectadas. Pelas 13H00 ouviram um tiro isolado do lado NW, que lhes pareceu de reconhecimento. Pelas 14H40 um Gr IN estimado em 15 a 20 elementos flagelou durante cerca de 20 minutos com armas automáticas, PM, LGF, e Mort 60, a po sição onde as NT se encontravam, mas sem consequências.

O Comandante do Dest B deidiu então, como medida de decepção desviar-se ara Banjara 5A5 e daqui progrediu durante a noite em direcção a Samba Culo.

Pelas 17H30 as NT já se encontravam em andamento quando ouviram o rebentamento de duas granadas de mort. 60 no local onde estacionaram. Cerca das 18H00 as NT avistaram 2 elementos dos que seguiam em direcção às NT. Ao detectá-los, internaram-se no mato. Momentos depois ouviu-se o lançamento de 1 granada de Mort., tendo as NT avançado imediatamente sobre a posição onde se supunha estar instalada a arma.

Assaltado o acampamento foram capturadas 2 longas, destruídos numerosos artigos e utensílios domésticos, roupas, alimentos, catanas, bicicletas e destruídas 50 casas de mato, acampamento de Cambaju, situado em Banjara 3CL.

O Cmdt Dest B decidiu então atravessar a bolanha do R Cambaju, para passar a noite em Banjara 3EL e progredir depois sobre Samba Culo.

11JUN67

Pelas 05H00, debaixo de chuva torrencial as NT progrediram ao longo do R Cambaju, seguindo o Dest B à frente. Pelas 08H00 o Dest B capturou l elemento IN, que explorado levou as NT a destruir outro acampamento. Cerca das 12H00 o PCV entrou em contacto com o Dest B, que lhe solicitou que sobrevoasas o Dest C que necessitava da sua presença e voltasse depois. Em vão
o PCV tentou contactar de novo com o Dest A e B. No resto da manhã e durante a tarde de 11JUN, pelo que não foi possível reabastecê-los como estava previsto, apesar de todos os esforços de ligação do PCV, dos T-6 e HELI.

Finalmente pelas 17H50 conseguiu o PCV contactar com o Dest B, que pedia a evacuação de um ido, evacuado momentos depois por um heli no seu regresso a Bissau. Depois de feito o reabastecimento do Dest C verificou-se que os Dest A e B se encontravam por região do ponto 38 (Banjara 2D4) e dado o estado precário do pessoal, pediu autorização para retirar o que
lhes foi negado.

12JUN67

Pelas 08H00, como o PCV não aparecesse e os Dest A e B não tivessem sido reabastecidos os Cmdt dos Destacamentos decidiram progredir para SW, tendo atingido Banjara pelas 09H00 altura em que surgiu o PCV e lhes comunicou que de Bafatá saíra uma coluna com os reabastecimentos e com as instruções a cumprir durante o dia 12 e na noite de 12/13JUN. O Dest A recebeu ordem de montar emboscadas sobre o itinerário Banjara-Mantida e o Dest B re-
cebeu ordem de montar emboscada por região de Bantajã, mas que não resultaram.

13JUN67

Iniciado o regresso, os Dest A e B chegaram a Fá pelas 12H50.»

Guiné 69/71 - XLVIII: Samba Culo I

Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1968), actualmente coronel (DFA) na situação de reforma:

Samba Culo era outra base conhecida do PAIGC na zona da CART 1690. Não vem nos mapas existentes agora, talvez porque não haja lá população. Além dessa base, havia várias casas de mato nessa região, elementos de apoio importantes para dormida e descanso dos guerrilheiros.

Sobre a Operação Inquietar I: foi um fracasso, pois não conseguiu o objectivo, que era a destruição da base, tendo sido destruídas, no entanto, várias casas de mato; a história do ferido mencionado é que se tratou de um soldado da CCAÇ 1689, que levou um tiro no bolso onde tinha uma granada de fumos, provocando o rebentamento desta; tentando apagar o fogo que se ateou nas calças do camuflado com as mãos, ficou com estas totalmente queimadas (os ossos dos dedos ficaram à vista). Com a única coisa que eu tinha - manteiga das rações - tentei minorar-lhe o sofrimento. Gritava pela mãezinha e dizia:
- O meu alferes é tão bom!... Enfim, só visto. Sei que ficou bom, embora com cicatrizes, e vive no Porto.

Sucedeu-me aqui uma coisa que eu nunca pensei que fosse possível: na noite de 10 para 11 de Junho de 1967 consegui dormir debaixo da chuva torrencial de um tornado, numa clareira completamente a descoberto. O cansaço já era muito. A retirada está exemplificada na fotografia que também envio em anexo: é pessoal do meu grupo de combate, que teve de se apoiar uns aos outros, tal era o cansaço, e porque o PAIGC vinha atrás de nós...

4. Op Inquietar I. 9 a 15 de Junho de 1967.

“Situação particular:

"Há notícias de que o IN tem um acampamento em Canjambari, além de outros espalhados pela mata do Óio. O IN tem-se revelado durante operações realizadas e implantado engenhos explosivos nos itinerários.

"Missão:

Executar uma acção em força sobre o acampamento IN de Canjambari em coordenação com as forças do Agrupamento 1976.

"Força executante:

Dest A - CCAÇ 1685 ; 1 Gr Comb CART 1690; 1 PEL MIL/CMIL 3

Dest B - CCAÇ 1689; 1 Sec. (+) CMIL3

Dest C - CCAÇ 1501 - (1 Gr Comb); CCAÇ 1499 (1 Gr Comb); 2 Secções CMIL 2; 1 Secção CMIL 4

"Desenrolar da acção:

9JUN67

Os destacamentos A e B deslocaram-se em meios auto de Fá para Banjara. À alta da viaturas militares para os transportar houve necessidade de recorrer a requisição de viaturas civis, utilizadas apenas no troço Fá - Sare Banda. A concentração das forças em Banjara foi morosa, pois teve que se fazer por escalões. Iniciada pelas 07H00 terminou pelas l6H00.

10JUN67

Pelas 02H00 os destacamentos A e B iniciaram juntos o movimento para Casa Nova que atingiram pelas 06H00. Pelas 06H50 as NT abriram fogo sobre 2 elementos desarmados tendo abatido l e ferido outro num braço, quando tentavama fuga. Interrogado este revelou a existência de una tabanca nas proximidades, localizado depois em Banjara 2A4. Pelas 13H50 atacaram este objectivo que o IN abandonou precipitadamente. As NT destruíram 10 casas de mato, depois de terem passado revista e capturado uma longa, roupas e utensílios domésticos.

Pelas 12H30 as NT atingiram Gendo, utilizando o prisioneiro como guia, onde pararam para comer. Em exploração das declarações prestadas pelo guia os Cmdts dos Dest A e B que estavam juntos decidiram seguir a corta nato para Samba Culo, durante a noite, se até iniciarem a progressão não fossem detectadas. Pelas 13H00 ouviram um tiro isolado do lado NW, que lhes pareceu de reconhecimento. Pelas 14H40 um Gr IN estimado em 15 a 20 elementos flagelou durante cerca de 20 minutos com armas automáticas, PM, LGF, e Mort 60, a po sição onde as NT se encontravam, mas sem consequências.

O Comandante do Dest B deidiu então, como medida de decepção desviar-se ara Banjara 5A5 e daqui progrediu durante a noite em direcção a Samba Culo.

Pelas 17H30 as NT já se encontravam em andamento quando ouviram o rebentamento de duas granadas de mort. 60 no local onde estacionaram. Cerca das 18H00 as NT avistaram 2 elementos dos que seguiam em direcção às NT. Ao detectá-los, internaram-se no mato. Momentos depois ouviu-se o lançamento de 1 granada de Mort., tendo as NT avançado imediatamente sobre a posição onde se supunha estar instalada a arma.

Assaltado o acampamento foram capturadas 2 longas, destruídos numerosos artigos e utensílios domésticos, roupas, alimentos, catanas, bicicletas e destruídas 50 casas de mato, acampamento de Cambaju, situado em Banjara 3CL.

O Cmdt Dest B decidiu então atravessar a bolanha do R Cambaju, para passar a noite em Banjara 3EL e progredir depois sobre Samba Culo.

11JUN67

Pelas 05H00, debaixo de chuva torrencial as NT progrediram ao longo do R Cambaju, seguindo o Dest B à frente. Pelas 08H00 o Dest B capturou l elemento IN, que explorado levou as NT a destruir outro acampamento. Cerca das 12H00 o PCV entrou em contacto com o Dest B, que lhe solicitou que sobrevoasas o Dest C que necessitava da sua presença e voltasse depois. Em vão
o PCV tentou contactar de novo com o Dest A e B. No resto da manhã e durante a tarde de 11JUN, pelo que não foi possível reabastecê-los como estava previsto, apesar de todos os esforços de ligação do PCV, dos T-6 e HELI.

Finalmente pelas 17H50 conseguiu o PCV contactar com o Dest B, que pedia a evacuação de um ido, evacuado momentos depois por um heli no seu regresso a Bissau. Depois de feito o reabastecimento do Dest C verificou-se que os Dest A e B se encontravam por região do ponto 38 (Banjara 2D4) e dado o estado precário do pessoal, pediu autorização para retirar o que
lhes foi negado.

12JUN67

Pelas 08H00, como o PCV não aparecesse e os Dest A e B não tivessem sido reabastecidos os Cmdt dos Destacamentos decidiram progredir para SW, tendo atingido Banjara pelas 09H00 altura em que surgiu o PCV e lhes comunicou que de Bafatá saíra uma coluna com os reabastecimentos e com as instruções a cumprir durante o dia 12 e na noite de 12/13JUN. O Dest A recebeu ordem de montar emboscadas sobre o itinerário Banjara-Mantida e o Dest B re-
cebeu ordem de montar emboscada por região de Bantajã, mas que não resultaram.

13JUN67

Iniciado o regresso, os Dest A e B chegaram a Fá pelas 12H50.»

06 junho 2005

Guiné 69/71 - XLVII: O Alferes Lopes, com os balantas (CCAÇ 3, Barro, Cacheu)

Texto de A. Marques Lopes, alferes miliciano na CART 1690 (Geba, Zona Leste), onde foi ferido (1967), e depois na CCAÇ 3 (Barro, Cacheu, 1968), hoje coronel (DFA) na reforma e dirigente da Associação 25 de Abril (delegação Norte):

Barro fica a cerca de 3 kms da fronteira com o Senegal. Na altura em que lá estive, com a CCAÇ 3, o comandante era o capitão Carlos Abreu (depois do 25 de Abril foi adjunto do General Spínola). Conheci os pais dele, que tinham um restaurante na Calçada do Combro, em Lisboa. Antes dele esteve o capitão Ferreira, actualmente um quadro do PSD em Torres Vedras (como o é também o meu ex-camarada de armas da CART 1690, e amigo, o ex-alferes Moreira, actualmente em Torres Vedras, e o advogado que levou à minha reintegração no Exército).

Esclareço que todos os que conheci na guerra, e sobreviveram, têm cada um a sua ideologia política. Mas a amizade, cimentada em situações difíceis, sobrepõe-se às ideologias e somos todos muito amigos e o que faz com que nos encontremos com frequência. Discutimos sobre o agora e não estamos de acordo em muita coisa, mas abraçamo-nos e cimentamos a amizade com o que passámos em conjunto, no passado.

A missão da CCAÇ 3 em Barro (em Binta, não sei) era evitar a passagem dos guerrilheiros do PAIGC e das populações por ele controladas do Senegal para a mata do Óio. A missão deles era, sobretudo, fazer abastecimentos em géneros e em material bélico para os combatentes daquela zona. A nossa era evitar que isso sucedesse. Essas infiltrações vinham, nomeadamente, das tabancas Sano, Sonako e Samine, situadas no Senegal.

Além das emboscadas que montávamos, muitas armadilhas foram colocadas naquela zona para obviar a isso (quando ouvíamos bum!, íamos a correr pois devia ser uma vaca que caíu na armadilha). Às vezes, penso que duas vezes no meu caso (em Sambuiá e Senquerem), participávamos em operações do COP 3 de Bigene, comandado pelo tenente-coronel, na altura, Correia de Campos (não, não é o actual ministro da saúde), que foi um herói de Guidage em 1973, muito maltratado depois do 25 de Abril, em minha opinião.

Um dia, creio que em Junho de 1968, o General Spínola foi a Barro e perguntou:

- Vocês já foram ao Senegal? - Eu, e os outros, que não sabíamos o que ele queria, dissemos que não (já tínhamos ido várias vezes a Sano, Sonako e Samine para roubar vacas e queimar casas). E ele disse:

- Então, têm de pensar em ir lá -. E lá fomos mais à vontade. O roubar vacas era uma preocupação, pois era a nossa subsistência. Muito raramente, havia um abastecimento feito pelos fuzileiros através do rio Cacheu. Às vezes, vinha uma Dornier trazer o correio e os chamados frescos. A maior parte das vezes comíamos arroz e rações de combate, ou, então, uma dobrada hidratada que saltava da panela assim que aquecia. Só tínhamos carne quando havia vacas.

Na altura, o General Spínola deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles). Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:
- Quero os balantas, disse eu. - E o meu grupo de combate foi quase todo de balantas (tinha um cabo fula, o Mamadu, e três furriéis brancos, além de mim). Ouviam a rádio do PAIGC mas demo-nos sempre bem. Porque eu sempre fiz por isso. Por exemplo: um dia, fui com um que estava doente através da mata até Bigene, porque em Barro não havia médico; emprestei dinheiro a todos, mas todos me pagaram quando me vim embora...

Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal Alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.
- Mata! - foi a reacção.
- Não, disse eu - Mas foi complicado.

Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:
- Alfero, deixa estar, vem jagudi [abutre] e come ele...
- Não!

Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:
-Alfero, a gente pega.

Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira pára-quedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.

Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.

Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas.


A. Marques Lopes

Guiné 69/71 - XLVII: O Alferes Lopes, com os balantas (CCAÇ 3, Barro, Cacheu)

Texto de A. Marques Lopes, alferes miliciano na CART 1690 (Geba, Zona Leste), onde foi ferido (1967), e depois na CCAÇ 3 (Barro, Cacheu, 1968), hoje coronel (DFA) na reforma e dirigente da Associação 25 de Abril (delegação Norte):

Barro fica a cerca de 3 kms da fronteira com o Senegal. Na altura em que lá estive, com a CCAÇ 3, o comandante era o capitão Carlos Abreu (depois do 25 de Abril foi adjunto do General Spínola). Conheci os pais dele, que tinham um restaurante na Calçada do Combro, em Lisboa. Antes dele esteve o capitão Ferreira, actualmente um quadro do PSD em Torres Vedras (como o é também o meu ex-camarada de armas da CART 1690, e amigo, o ex-alferes Moreira, actualmente em Torres Vedras, e o advogado que levou à minha reintegração no Exército).

Esclareço que todos os que conheci na guerra, e sobreviveram, têm cada um a sua ideologia política. Mas a amizade, cimentada em situações difíceis, sobrepõe-se às ideologias e somos todos muito amigos e o que faz com que nos encontremos com frequência. Discutimos sobre o agora e não estamos de acordo em muita coisa, mas abraçamo-nos e cimentamos a amizade com o que passámos em conjunto, no passado.

A missão da CCAÇ 3 em Barro (em Binta, não sei) era evitar a passagem dos guerrilheiros do PAIGC e das populações por ele controladas do Senegal para a mata do Óio. A missão deles era, sobretudo, fazer abastecimentos em géneros e em material bélico para os combatentes daquela zona. A nossa era evitar que isso sucedesse. Essas infiltrações vinham, nomeadamente, das tabancas Sano, Sonako e Samine, situadas no Senegal.

Além das emboscadas que montávamos, muitas armadilhas foram colocadas naquela zona para obviar a isso (quando ouvíamos bum!, íamos a correr pois devia ser uma vaca que caíu na armadilha). Às vezes, penso que duas vezes no meu caso (em Sambuiá e Senquerem), participávamos em operações do COP 3 de Bigene, comandado pelo tenente-coronel, na altura, Correia de Campos (não, não é o actual ministro da saúde), que foi um herói de Guidage em 1973, muito maltratado depois do 25 de Abril, em minha opinião.

Um dia, creio que em Junho de 1968, o General Spínola foi a Barro e perguntou:

- Vocês já foram ao Senegal? - Eu, e os outros, que não sabíamos o que ele queria, dissemos que não (já tínhamos ido várias vezes a Sano, Sonako e Samine para roubar vacas e queimar casas). E ele disse:

- Então, têm de pensar em ir lá -. E lá fomos mais à vontade. O roubar vacas era uma preocupação, pois era a nossa subsistência. Muito raramente, havia um abastecimento feito pelos fuzileiros através do rio Cacheu. Às vezes, vinha uma Dornier trazer o correio e os chamados frescos. A maior parte das vezes comíamos arroz e rações de combate, ou, então, uma dobrada hidratada que saltava da panela assim que aquecia. Só tínhamos carne quando havia vacas.

Na altura, o General Spínola deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles). Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:
- Quero os balantas, disse eu. - E o meu grupo de combate foi quase todo de balantas (tinha um cabo fula, o Mamadu, e três furriéis brancos, além de mim). Ouviam a rádio do PAIGC mas demo-nos sempre bem. Porque eu sempre fiz por isso. Por exemplo: um dia, fui com um que estava doente através da mata até Bigene, porque em Barro não havia médico; emprestei dinheiro a todos, mas todos me pagaram quando me vim embora...

Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal Alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.
- Mata! - foi a reacção.
- Não, disse eu - Mas foi complicado.

Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:
- Alfero, deixa estar, vem jagudi [abutre] e come ele...
- Não!

Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:
-Alfero, a gente pega.

Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira pára-quedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.

Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.

Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas.


A. Marques Lopes

05 junho 2005

Guiné 69/71 - XLVI: Em memória dos bravos de Geba...

Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967)...

A CART 1690 esteve na Guiné de Abril de 1967 a Março de 1969. O que vos contei desta companhia adquiri-o através dos dados da "História da Unidade", de alguma pesquisa pessoal e de alguns elementos em meu poder. Mas não terminou este meu trabalho e pode ser que, no futuro, outros elementos que, então, venha a possuir, cheguem ao vosso conhecimento.

Procurei não individualizar críticas, mas, sim, dar exemplos do que se passou e do que aqueles homens passaram e sofreram, tal como outros da nossa geração passaram e sofreram, eu sei. Houve mais operações e acções (como podem depreender pelo "resumo da actividade operacional"), mas aquelas de que vos dei conhecimento foram as mais exemplares desse sacrifício (como dele são exemplo as baixas sofridas, mesmo nos escalões mais elevados).

Sempre que possível, fiz-me acompanhar de um atirador-fotógrafo, que atirou algumas fotografias sempre que pôde. E pôde poucas vezes, é claro, como podem calcular. Algumas das fotografias não corresponderão, provavelmente, às operações relatadas, porque já não as consigo situar, mas servem de ilustração do que era normal em todas elas [vd. também Banjara e Cantacunda].

Era uma zona muito propícia a azares, como têm visto. Também me calhou a mim (não era mais que os outros, claro, apesar de ter estado 24 horas no campo do inimigo... "teve de ser assim", como disse o Comandante Gazela). Um dia, quando ia no caminho de Geba para Banjara, fui ferido (e sortudo, mais uma vez), assim como o soldado Lamine Turé, do meu grupo de combate ; na mesma altura morreu o comandante da CART 1690, que quis ir comigo nessa viagem, o capitão Manuel C.C. Guimarães (tinha 29 anos, era filho de um sargento-ajudante e sobrinho da Beatriz Costa), e morreu o soldado Domingos Gomes, também do meu grupo de combate.

Levei o corpo do capitão, porque me pareceu que estava ainda vivo, e o Lamine, directamente para Bafatá... porque em Geba não havia médico, vejam lá! Não levei o do Domingos Gomes, porque ficou aos bocados, não deu tempo nem tive condições para os recuperar. De Bafatá fui evacuado para o HM241 [em Bissau], primeiro, e para o Hospital Militar Principal,[em Lisboa], passada uma semana.

Lá se foi, pois, o régulo de Geba... (gostei desta, amigo Luís Graça!). Não há relatório desta situação, obviamente, uma vez que não ficou quem o pudesse fazer.

Falar-vos-ei, depois, da CCAÇ 3 [Barro, 1968], onde fui colocado depois da minha estadia no HMP, embora dela não tenha senão a minha lembrança e as fotografias que um outro atirador-fotógrafo teve oportunidade de atirar.

Estive quase uma semana no Arquivo Histórico Militar, em Santa Apolónia, mas nada consegui de documentos sobre ela. Era uma companhia de naturais da Guiné e é possível que, com a independência, muita coisa se perdesse (ou fosse destruída). Mas ainda não explorei o Arquivo Geral do Exército, nem para a CCAÇ 3 nem para a CART 1690, e pode ser que, quando o fizer, consiga mais alguma coisa, quer de uma quer de outra.

Só consigo falar destas experiências convosco e com os que estiveram comigo, porque sei que as compreendem, pois as tiveram como eu tive. Não com a família, não com os amigos que por elas não passaram. Sinto que para estes é um peso ou algo irreal, alguns pensam, até, que estou a pintar. Não, para estes custa-me falar disto, tenho procurado não o fazer. É com tristeza que sinto em alguns um certo desinteresse.

No entanto, e por isso, talvez, sinto também que deve ser feito um esforço para fazer ver a todos o que foi a guerra colonial para mais de um milhão de jovens que por ela passaram, naqueles que deveriam ter sido os melhores anos das suas vidas, mas onde, ao invés, 8.290 morreram; onde, ao invés, milhares ficaram feridos, 30.000 destes com deficiências físicas; e onde, ao invés, 140.000 ficaram afectados psiquicamente (dados do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra). E os pais, e os filhos, e as mulheres deles, que também foram afectados.

Esta juventude perdida estupidamente devia merecer mais atenção e consideração. Felizmente, por alturas das comemorações da revolução dos cravos, a Associação 25 de Abril costuma ser convidada por algumas escolas e fala sobre estas coisas. Por exemplo: no passado dia 30 de Maio, estivemos com os alunos da Escola Secundária do Padrão da Légua, em Matosinhos, num debate sobre a guerra colonial.

Com muita estima e consideração.
A. Marques Lopes

Anexo- Resumo da Actividade Operacional da CART 1690

Operações (com nome de código) ...................49
Operações (com nome de código) com PCV (*)........12
Patrulhamentos..................................1561
Emboscadas........................................36
Outras acções....................................442
Total de acções realizadas......................2100

(*) Posto de Comando Volante

Guiné 69/71 - XLVI: Em memória dos bravos de Geba...

Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967)...

A CART 1690 esteve na Guiné de Abril de 1967 a Março de 1969. O que vos contei desta companhia adquiri-o através dos dados da "História da Unidade", de alguma pesquisa pessoal e de alguns elementos em meu poder. Mas não terminou este meu trabalho e pode ser que, no futuro, outros elementos que, então, venha a possuir, cheguem ao vosso conhecimento.

Procurei não individualizar críticas, mas, sim, dar exemplos do que se passou e do que aqueles homens passaram e sofreram, tal como outros da nossa geração passaram e sofreram, eu sei. Houve mais operações e acções (como podem depreender pelo "resumo da actividade operacional"), mas aquelas de que vos dei conhecimento foram as mais exemplares desse sacrifício (como dele são exemplo as baixas sofridas, mesmo nos escalões mais elevados).

Sempre que possível, fiz-me acompanhar de um atirador-fotógrafo, que atirou algumas fotografias sempre que pôde. E pôde poucas vezes, é claro, como podem calcular. Algumas das fotografias não corresponderão, provavelmente, às operações relatadas, porque já não as consigo situar, mas servem de ilustração do que era normal em todas elas [vd. também Banjara e Cantacunda].

Era uma zona muito propícia a azares, como têm visto. Também me calhou a mim (não era mais que os outros, claro, apesar de ter estado 24 horas no campo do inimigo... "teve de ser assim", como disse o Comandante Gazela). Um dia, quando ia no caminho de Geba para Banjara, fui ferido (e sortudo, mais uma vez), assim como o soldado Lamine Turé, do meu grupo de combate ; na mesma altura morreu o comandante da CART 1690, que quis ir comigo nessa viagem, o capitão Manuel C.C. Guimarães (tinha 29 anos, era filho de um sargento-ajudante e sobrinho da Beatriz Costa), e morreu o soldado Domingos Gomes, também do meu grupo de combate.

Levei o corpo do capitão, porque me pareceu que estava ainda vivo, e o Lamine, directamente para Bafatá... porque em Geba não havia médico, vejam lá! Não levei o do Domingos Gomes, porque ficou aos bocados, não deu tempo nem tive condições para os recuperar. De Bafatá fui evacuado para o HM241 [em Bissau], primeiro, e para o Hospital Militar Principal,[em Lisboa], passada uma semana.

Lá se foi, pois, o régulo de Geba... (gostei desta, amigo Luís Graça!). Não há relatório desta situação, obviamente, uma vez que não ficou quem o pudesse fazer.

Falar-vos-ei, depois, da CCAÇ 3 [Barro, 1968], onde fui colocado depois da minha estadia no HMP, embora dela não tenha senão a minha lembrança e as fotografias que um outro atirador-fotógrafo teve oportunidade de atirar.

Estive quase uma semana no Arquivo Histórico Militar, em Santa Apolónia, mas nada consegui de documentos sobre ela. Era uma companhia de naturais da Guiné e é possível que, com a independência, muita coisa se perdesse (ou fosse destruída). Mas ainda não explorei o Arquivo Geral do Exército, nem para a CCAÇ 3 nem para a CART 1690, e pode ser que, quando o fizer, consiga mais alguma coisa, quer de uma quer de outra.

Só consigo falar destas experiências convosco e com os que estiveram comigo, porque sei que as compreendem, pois as tiveram como eu tive. Não com a família, não com os amigos que por elas não passaram. Sinto que para estes é um peso ou algo irreal, alguns pensam, até, que estou a pintar. Não, para estes custa-me falar disto, tenho procurado não o fazer. É com tristeza que sinto em alguns um certo desinteresse.

No entanto, e por isso, talvez, sinto também que deve ser feito um esforço para fazer ver a todos o que foi a guerra colonial para mais de um milhão de jovens que por ela passaram, naqueles que deveriam ter sido os melhores anos das suas vidas, mas onde, ao invés, 8.290 morreram; onde, ao invés, milhares ficaram feridos, 30.000 destes com deficiências físicas; e onde, ao invés, 140.000 ficaram afectados psiquicamente (dados do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra). E os pais, e os filhos, e as mulheres deles, que também foram afectados.

Esta juventude perdida estupidamente devia merecer mais atenção e consideração. Felizmente, por alturas das comemorações da revolução dos cravos, a Associação 25 de Abril costuma ser convidada por algumas escolas e fala sobre estas coisas. Por exemplo: no passado dia 30 de Maio, estivemos com os alunos da Escola Secundária do Padrão da Légua, em Matosinhos, num debate sobre a guerra colonial.

Com muita estima e consideração.
A. Marques Lopes

Anexo- Resumo da Actividade Operacional da CART 1690

Operações (com nome de código) ...................49
Operações (com nome de código) com PCV (*)........12
Patrulhamentos..................................1561
Emboscadas........................................36
Outras acções....................................442
Total de acções realizadas......................2100

(*) Posto de Comando Volante

Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII

Texto de A. Marques Lopes:


O Alferes Fernandes, referido no relatório que se segue, foi, mais tarde, substituído pelo Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, o Aznavour, por ser parecido com o Charles Aznavour, que morreu também, em 8 de Setembro de 1968 num ataque a Sare Banda (ver relatório).

O soldado Fragata (Manuel Fragata Francisco), um alentejano de Alpiarça, do meu grupo de combate, ficou nesta operação. Mas a história toda foi-me contada pelo Comandante Gazela [do PAIGC ]: ficou furado por vários estilhaços de uma roquetada e foi levado, em maca, pelos guerrilheiros desde a mata do Óio até a um hospital de Ziguinchor, na Casamansa, Senegal. Foi obra, hão-de concordar, e não foi fácil, como calculam. Aí, em Ziguinchor, foi tratado pelo portugês Dr. Pádua, um médico desertor, e que me confirmou isto quando, há alguns anos, o encontrei em Lisboa.

Depois desse tratamento foi repatriado pela Cruz Vermelha Internacional e foi para o Anexo do HMP, na Rua Artilharia Um, em Lisboa. Disse o Comandante Gazela que, com a simplicidade própria daqueles nossos soldados, o Fragata, ao apanhar o avião de regresso, disse: "Obrigado. Graças ao nosso partido – referia-se ao PAIGC -, "posso voltar para casa".

Infelizmente, o Fragata, passado pouco tempo após a saída do Anexo, morreu num desastre de motorizada na sua terra.

Depois desta operação, aquela zona foi considerada ZLIFA (Zona Livre de Intervenção da Força Aérea), isto é, só os T6 e os Fiat é que passaram a voar para lá para despejarem toneladas de bombas e napalm sobre a floresta que rodeava a clareira de Sinchã Jobel. Sem grande efeito prático, pois as bombas rebentavam no cimo das copas das árvores, deixando praticamente intactas as partes no solo. E a guerra continuou...

Em 1998, o Comandante Gazela confidenciou-me que, naquele dia 24 de Junho de 1967, eles não se aperceberam que eu tinha ficado na bolanha. Só o souberam dois dias depois, quando o Suleiman Baldé, chefe dos milícias de Sare Madina, lhes disse que me tinha emprestado uma bicicleta.

Este Suleiman Baldé, embora nas milícias, era do PAIGC e acabou por ser morto mais tarde pelas NT. Quando consegui sair de Sinchã Jobel, no dia 25, cheguei a essa tabanca de Sare Madina e foi, de facto, o Suleiman Baldé que me emprestou uma bicicleta. E foi de bicicleta que cheguei à sede da companhia, em Geba.

Fui chamado, depois, ao Comando do Agrupamento. Primeira preocupação dele: se eu tinha trazido a G3... e, não sei se a sério se a brincar, “há um problema, é que você passou 24 horas no campo do inimigo”… Não fiz boa cara, com certeza, pois o Comandante do Agrupamento teve de sorrir e disse-me: "Você, agora, tem aí história para contar num livro”. Não sei quando ele aparecerá, mas estou a trabalhar para isso.

Uma reflexão: na Guiné, e estas operações são prova disso, quem fez a maior parte da guerra dura e prolongada não foram as tropas especiais (sem pôr em causa o seu valor), mas sim o sacrificado Zé Soldado, isolado no mato, sem farras em Bissau, pau para toda a colher e, as mais das vezes, sacrificada carne para canhão.


“22. Op Invisível. 16 de Dezembro de 1967

“Situação particular:

Em face das acções realizadas sabe-se que o IN actua no regulado de Mansomine onde possui a base de Sinchã Jobel.

“Missão:

Executar uma batida nesta região tentando desalojar o IN.

“Força executante:


Dest A – CART 1742, a 2 Gr Comb.

DEst B - CART 1690 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL 110 / C MIL 3


“Desenrolar da acção:

"Em 18 de Dezembro de 1967, às 22H00, as forças intervenientes saíram auto transportadas de Geba em direcção a Sare Gana, progredindo em seguida apeadamente em direcção a Ganhagina, que atingiram em 19 , às 04H00. Não se pôde efectuar a cambança da bolanha nessa altura, em virtude do guia não conhecer o caminho, para atingir a bolanha pelo que as forças intervenientes se instalaram, montando a devida segurança.

“Pelas 06H00 as forças intervenientes iniciaram novamente a progressão à bolanha, que atingiram pelas 07H50 hora a que se iniciou a cambança da mesma. Nesta altura foram avistados elementos IN em cima de árvores, pelo que se tomaram as devidas medidas de segurança para a travessia da mesma. A cambança terminou às 08H50, iniciando-se em seguida a progressão à base de patrulhas. Cerca das 11H50 fez-se um alto, devido novamente ao guia se ter perdido e precisar de se orientar. Foi destacada1 Secção reforçada para fazer a protecção ao guia, enquanto a restante força interveniente montava segurança no local de estacionamento.

“Às 12H45 iniciou-se novamente a progressão à base de patrulhas que foi atin- gida às 15H52. Nesta altura ouviram-se vozes de elementos IN, o que levou as forças intervenientes a supor que o IN se encontrava instalado naquele local. Devido a este facto a missão foi alterada e estabeleceu-se que o Dest B faria o assalto ao objectivo enquanto o Dest A faria a detenção do IN. Para o assalto ao acampamento IN o Dest B nomeou 1 Gr Comb, enquanto o 2º. Gr Comb faria a protecção ao 1.º e serviria de reserva.

“Estabeleceu-se também o ponto de reunião das forças intervenientes. Quando o 1º GR Comb progredia em direcção do acampamento IN, foi emboscado e surpreendido por um súbito desencadear de intenso e nutrido fogo IN. Tentou anular-se o mesmo reagindo as NT fortemente. Como o 1° Gr Comb fosse o que nessa altura se encontrasse mais submetido ao fogo IN, veio o2º Gr Comb em auxilio do primeiro, mas o mesmo foi atacado pela rectaguarda e, portanto, não pode proteger a retirada do primeiro.

“Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes. Verifiquei que nessa altura já o Dest B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º. Cabo Sousa da CART 1742 (que estava a fazer fogo com a ML MG-42), soldado metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos.

“Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda, e quando o puxava pêlos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos. Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante comprido (a cobrir as orelhas), facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar. Quando retirava em direcção ao ponto de reunião, encontrei uma secção da CART 1742, e 4 soldados da minha Companhia que me informaram ser impossível entrar em contacto com a CART 1742, enviei 5 soldados desta última Companhia afim de averiguar tal impossibilidade, enquanto se montava a segurança com os restantes elementos. Logo após esses 5 Soldados regressarem, fui informado que a CART 1742 já retirara. Devido a tal e uma vez que o IN já nos estava a envolver, iniciei a retirada em direcção à bolanha.

“Durante a retirada fomos constantemente perseguidos pelo IN que disparava incessantemente rajadas de armas automáticas ligeiras e metralhadora pesada, além de encontrarmos diversos elementos IN já instalados ao longo do caminho que conduzia à bolanha e que fez com que este grupo tivesse que atravessar a bolanha num local diferente do que inicialmente estava previsto, e que batiam o caminho por onde nos deslocávamos.

“Quando atravessámos a bolanha o IN bateu a mesma com granadas de morteiro 82 (algumas das granadas estavam equipadas com espoleta de tempos), rajadas de armas pesadas, ligeiras e roquetadas, tendo o mesmo entrado na bolanha em nossa perseguição, e ainda após concluída a travessia depararam-se-nos alguns elementos IN instalados deste lado da bolanha. Conseguimos, no entanto, fazer a travessia da mesma e iniciarmos a progressão em direcção a Sare Ganá, que atingimos às 21H00.

Chegados a Sare Ganá, verifiquei que a CART 1742 já aí se encontrava e que faltavam 16 elementos da minha Companhia e 1 elemento da CART 1742. [estes militares foram recuperados no dia 21 de Dezembro de 1967, durante a Op Invisível II, realizada com esse objectivo] .

“Resultados obtidos:


Baixas sofridas pelo IN: Mortos confirmados 14; numerosas baixas prováveis.»