26 outubro 2003

Portugal sacro-profano - VIII: Os pedopapagaios

Portuga, trapalhão mas sabichão





O alijar a carga ao mar, o invectivar os deuses que mandam a borrasca ou o praguejar contra o patrão do barco que se livrou desta porque ficou em terra... isso, é muito nosso. vem do nosso lado de marinheiros-das-setes-partidas que acreditam no destino. Má sorte, má fortuna!... E os erros meus ? Essa parte omite-se....



Não somos anglo-saxónicos, não somos germânicos, não somos nórdicos, somos latinos, somos mediterrânicos, somos portugas. Podemos invejá-los, aos outros. Há povos invejosos. Os portugueses estão a ficá-lo: invejam os vizinhos e os vizinhos dos vizinhos, o seu sucesso, os seus índices de desenvolvimento... Por boas e más razões. Um dia foram grandes por um dia.... Como (triste) consolo direi que não seremos únicos no pecado da inveja.



A Alemanha e em geral os países de cultura protestante, luterana ou calvinista, exercem, sempre exerceram, um certo fascínio nalgumas das nossas elites que lutam, desde o Séc. das Luzes, contra o lastro escolástico, sebenteiro, fidalgote, retórico, gongórico, da nossa cultura aborígena: os tipos seriam, por oposição a nós, metódicos, organizados, racionais, frios, competentes, empenhados, disciplinados, trabalhólicos, compulsivos em relação à eficiência, à eficácia e à qualidade... Velhos estereótipos, claro!



Quando vamos a Alemanha, tudo parece girar sobre rodas, por isso os gajos são (ou têm sido) a locomotiva da economia da Europa. Será assim ? Outros perguntam: Por que razão o Zé Portuga não há-de ter também essas qualidades que são próprias dos vencedores sem perder os traços únicos que fazem dele isso mesmo, o Zé Portuga ?



Não sei qual é a poção mágica (à parte a "pool" genética e as mil e uma combinações como a economia, a cultura, a história, a ecologia, a psicologia dos líderes, a sociologia das elites, etc.) a misturar no caldeirão, mas devo acrescentar que a educação, só por si, não chega...



Precisamos de uma nova alquimia. E quando falo em educação refiro-me às actividades de ensino e formação p.d. (propriamente ditas): a escola (no sentido lato) continua a ser, em larga media, uma redoma de vidro (ao menos que fosse um torre de marfim, sempre seria algo de mais robusto), uma actividade-meio, e não uma actividade-fim que serve para alimentar o sistema...



Talvez o nosso erro esteja justamente aí: ensinamos para as pessoas, não ensinamos com e através das pessoas e sobretudo não aprendemos com elas. E isso só será possível que conseguirmos pôr, definitivamente, em cima da mesa a questão da participação organizacional (na escola, na empresa, na administração, nos sindicatos, nas associações)...



Nós, espécie híbrida de pedagogos-papagaios, pedopapagaios, adoramos ensinar, formar, blá-blá... Todo o português tem um pouco essa costela e essas penas de pavão ou de pedopapagaio, de lobo do mar contador de histórias, viajado, sabendo de tudo um pouco. Trapalhão mas sabichão, eis o portuga.



E no entanto somos maus a aprender a aprender... com os simples, os mais desastrados, os irresponsáveis, os loucos, os marginais, os desviantes, as vítimas, os doentes, os fracos, os perdedores... Já nos pusemos do outro lado da barricada ? Já nos sentámos no lugar do morto ? Já tentámos compreender por que é que os operários e as operárias deste país têm, às vezes, atitudes e comportamentos que são claramente de risco, do género está-se-mesmo-a-ver-que-vai-dar-merda...



Uma pouco mais de humildade, de imaginação, de saber ver e ouvir os outros, de saber pôr a falar os outros, não nos ficará mal, a nós, pedopapagaios. Ás vezes receio que a educação e a formação neste país sirvam apenas para justificar a nossa existência de pedopapagaios, sem que com isto eu esteja a querer minimizar a classe dos pedagogos (de que faço parte) nem, muito menos, a denegrir a corporação dos inocentes, pobres e alegres papagaios em vias de extinção.



Talvez o nosso erro esteja justamente aí: ensinamos para as pessoas, não ensinamos com e através das pessoas e sobretudo não aprendemos com elas. E isso só será possível se conseguirmos pôr, definitivamente, em cima da mesa a questão das vantagens da participação organizacional (na escola, na empresa, na administração, nos sindicatos, nas associações)...



Essas vantagens são de longe superiores aos seus custos. Sem participação não há educação que nos valhe. A razão é simples: a educação é uma co-actividade.

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