22 janeiro 2004

Estórias com mural ao fundo - XIX: A lebre da promoção da saúde

Esta cena passa-se em pleno Alentejo, agora transformado em gigantesco parque zoológico e região turística de eleição ao alcance de qualquer voo charter doméstico na Eurolândia. Mês do ano: Maio florido.



Há uma lebre que vai a correr, endiabrada, afugentando porcos pretos, cegonhas, cobras e lagartos, quando passa por uma avestruz que está a enrolar um charro à sombra de uma azinheira. Vira-se para a infeliz e diz:



- Avestruz, minha boa amiga, não vês que o charro dá cabo dos teus pulmões ?! Um dia destes ainda vais morrer de cancro. Vem antes correr comigo para ficares em boa forma física e promoveres a tua saúde.



A avestruz não hesitou um segundo e seguiu atrás da lebre, sempre a abrir até ao próximo montado de sobro.



Junto a uma ribeira que corria, já exangue para o Guadiana, estava um triste, pobre e solitário elefante a snifar umas linhas de coca. A lebre, investida da nobre missão de promover a saúde da bicharada alentejana, não se intimidou com o porte do paquiderme e exortou-o:

- Amigo elefante, pára de snifar coca e vem correr connosco! Pela tua e pela nossa saúde!



Deitando fora o espelho, a palhinha e o pó, o elefante juntou-se ao grupo dos lídimos representantes do Movimento Saúde 2004:O Alentejo Não Pára.



Continua o grupo em grande correrria, agora a caminho de Barrancos, quando metem travões a fundo e param frente ao Rei da Selva que, pasmem vocês!, estava a injectar-se em plena charneca, atrás de umas giestas floridas. A lebre teve um gesto de compaixão para com o pobre leão toxicodependente e disse-lhe:



- Leão, meu rei e meu camarada, não te injectes mais, e ainda por cima com agulhas infectadas. Olha que apanhas a Sida e esticas o pernil sem ver a Barragem do Alqueva atingir a cota máxima e irrigar os nossos campos de golfe... Vem antes correr comigo, com a avestruz e com o elefante. Vais ver que ganhas outra disposição e outra maneira de ver o mundo.



O leão, que acabava de passar uma semana de ressaca, não esteve com meias medidas e, zás!, deu uma sapatada à pobre lebre, arrancando-lhe a cabeça de um só golpe. Os outros animais, chocados, revoltam-se contra a brutalidade do leão:

- Meu filho da puta, por que é fizeste isso à pobre lebre ? Ela só te queria ajudar!



O leão continuou a meter para a veia, enquanto lhes respondia com maus modos:

- Essa chavala era maluca! Obrigava-me sempre a fazer o percurso Odemira-Barrancos todas as vezes que tomava Ecstasy!



Moral da história: Nem sempre as motivações dos promotores de saúde são as mais altruístas, óbvias e transparentes. Conselho ao Prof. Fernando Pádua e aos demais ilustres promotores da saúde em Portugal: por favor, não usem lebres nas corridas do Maio, Mês do Coração!



PS - Obrigado à minha amiga AIG por me ter mandado uma das fábulas de La Fontaine onde me fui inspirar para mais esta estória com mural ao fundo.

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