23 dezembro 2004

Blogantologia(s) - XXII: Saldo(s) para o ano de 2005

A todos os homens e mulheres (i) que cabem na minha lista de e-mails ou (ii) que a transbordam ou (iii) que circulam, a desoras e sem rumo, na blogosfera, (iv) quer façam ou não o favor de serem meus amigos: deixem-me desejar-vos o melhor da vida para o Novo Ano que, dizem, aí vem!!!



L.G.





Car@s amig@s planetári@s:



1. Eis-nos chegad@s

Ao fim do ano de dois mil e quatro,

E digo fim

Porque é já inverno

E faz frio

E porque acabei de arrancar

A última folha amarelada do calendário.

E digo fim para não praguejar

E para não ir parar com os quatro costados

Ao inferno.



Dizemos fim do ano

Por mera convenção ou conveniência.

Ou se calhar,

Por tristeza ou desfastio,

Cansaço, saturação, impaciência.

Depressão, dirá muita boa gente.

Ou só por que nos deu na real veneta;

Em suma, dizemos fim

Sem qualquer razão aparente.



Na prática não chegámos ao fim,

Não chegámos a parte nenhuma,

A pé, de carro, de barco ou de dromedário,

À boleia, a nado ou até de parapente,

Que o chegar é sempre a um algum sítio,

Lugar, porto, ilha, montanha de bruma,

País, continente, planeta,

Ou pico do Evereste.

E chegar ao fim

É sempre sinónimo de festa.



Não arribámos a nenhum porto

Ou outro ponto imaginário

Do globo terrestre;

Não fomos pioneiros,

Não descobrimos a misteriosa citânia

Da nossa proto-história lusitana

Nem sequer a porta do risonho futuro

Que há-de vir;

É tudo treta,

Não fomos os primeiros

Nem sequer os últimos

A cortar a meta;

Não fomos notícia,

Nem mesmo em Alcácer Quibir;

Não estávamos entre os anónimos mineiros

Soterrados na China e na Ucrânia;

Não houve festa, nem luto, nem bomba atómica,

Não houve alvoroço, nem foguetes,

Nem estátua equestre,

Nem sequer a banda trágico-cómica

Dos bombeiros voluntários

Do Emir Kusturica.

À nossa espera

Ou no nosso enterro.



Vendo bem,

Não fizemos nada de heróico,

Não salvámos a humanidade,

Não fizemos a guerra,

Não lutámos contra os canhões,

Não assinámos a paz,

Nem sequer levámos a carta a Garcia.

Enfim, não ganhámos nenhum prémio,

Nem sequer o Nobel, nem a lotaria,

Muito menos o Euromilhões;

Em resumo, dizem-nos que,

No ano da graça do senhor

De dois e mil e quatro,

Tu e eu, nós todos,

Nada temos de concreto

Para celebrar.



Mas chegados ao fim do ano,

É costume fazer-se o balanço,

Se não da viagem,

Pelo menos do deve-e-haver

Das nossas vidas,

Da carga preciosa que transportamos connosco,

Que é a vida e o dever de a viver.

Que é o fogo da vida

E a obrigação de o alimentarmos,

O pequeno milagre

Ou o simples facto

De estarmos vivos,

De ainda estarmos vivos

E de estarmos juntos.





2. Façamos, pois, o balanço,

Meus amigos,

O deve-e-haver deste ano

De dois mil e quatro,

Que se calhar foi um annus horribilis

Como os anteriores,

Para a maior parte dos homens e mulheres,

Noss@s vizinh@s planetári@s.

Que a vinte e três de dezembro,

O horóscopo da humanidade

Não está em condições de prever

Terramotos, catástrofes, pestes, tsunamis,

O cortejo dos horrores

Que costumam acompanhar os cavaleiros do Apocalipse.



Façamos o balanço das nossas vidas

Como pessoas, como grupos,

Como instituições, como países.

Siga-se, nesta matéria, a tradição,

Que a tradição ainda manda,

E com isso não vai grande mal ao mundo

(Se querem saber a minha opinião).





3. Como sempre, houve coisas boas

E coisas más

Ao longo do ano que agora finda.

Releguemos as más para os historiadores.

Ou para o nosso confessor, psiquiatra ou confidente.

Ou para o diário secreto de Narciso.

Em boa verdade, as coisas más vão ao fundo,

Não flutuam como os corpos,

São, por definição, para esquecer.

- Dorme, que foi um sonho mau!,

Diziam-te em criança.

Criança sem juízo,

Sem dente do siso.



Abramos, pois, os nossos corações

Para falar ou dar testemunho

Das coisas boas que nos aconteceram.

Que a hora é de desafivelar as máscaras

Dos actores que também somos.

Maus, canastrões,

Mas que importa, se o palco é tudo!



Falemos dos acontecimentos

De que fomos protagonistas.

Pequenos, sem dúvida,

À nossa escala, à escala humana,

Mas importantes,

Para nós, a nossa família, os nossos amigos,

As empresas ou organizações onde trabalhamos,

As pessoas que confiaram em nós,

Que apostaram e acreditaram em nós.



Falemos das situações de que fomos

Actores de verdade, actores de facto.

Independentemente do nosso papel,

E do tamanho do nosso papel.

Ou do número de graus de liberdade

A que temos direito

Ou que fazem parte do nosso contrato.

Que o importante foi ser actor

E não mero figurante.



Falemos dos projectos

De que fomos gestores

Ou simples trabalhadores

De equipa.

Falemos dos conhecimentos novos

Que tivemos o privilégio

De produzir, obter ou divulgar

Através do nosso trabalho, estudo ou formação.

Dos livros que lemos ou escrevemos

Ou que comprámos para ler mais tarde,

”Quando formos velhinh@s

E tivermos todo o tempo do mundo”

(Oh, doce ilusão!).



Não nos esqueçamos de evocar

As pessoas fantásticas que conhecemos.

Mas também os filmes de última hora

Que perdemos no trânsito da vida.

Ou as estórias que não ouvimos ou não lemos,

Por falta de paciência ou de audiência

Ou de simples lugar de estacionamento

No hall congestionado do planeta azul.



Falemos das oportunidades que tivemos

De fazer coisas novas,

Inovadoras, ou simplesmente úteis,

Para nós, para os outros, para o nosso país.

E que não desperdiçámos.

Ajudando o mundo a tornar-se

Mais amigável

Ou, pelo menos, mais habitável.



Falemos das pequenas coisas boas

Que nos aconteceram,

Não por mero acaso,

Mas porque as merecemos,

(Sem falsa modéstia!),

Porque lutámos por elas,

Porque outros nos ajudaram a conseguí-las

Porque juntos conseguimo-las.



Falemos ainda do nosso crescimento interior:

Se estamos mais sábios, mais atentos,

Mais conscientes da água que corre nos nossos rios

Ou do HIV/SIDA que nos está matando,

É porque crescemos por dentro.



Mas sejamos capazes também de falar

Das brincadeiras ou partidas

(Não das sacanices!)

Que fizemos uns aos outros.

Que o brincar não é proibido,

Ou não deveria sê-lo,

Que o brincar devia mesmo ser obrigatório

Na escolinha da vida

E nos locais de trabalho

Onde, já crescidos, a ganhamos.



Falemos dos e-mails que trocámos

E que encheram as nossas caixas de correio.

Das anedotas que contámos.

Até das de mau gosto,

Xenófobas, racistas e sexistas.



Falemos do pão, do queijo e do vinho

Que partilhámos com alguém,

Ao fim da tarde,

Não importa onde,

No Alentejo, em Angola, ou no Minho,

Em qualquer parte onde

Temos im amigo, um parceiro, um compincha.

Que o companheiro (do latim cum + pane) é

Justamente aquele que compartilha connosco

O pão e o vinho à mesma mesa.



Sim, falemos das emoções

Que pusemos em cima da mesa.

Ou da ausência delas.

Da paz que conseguimos, em certas ocasiões,

Estabelecer connosco e com os outros.

Sim, falemos da paz:

Nada como um minuto de paz

Ao fim do dia, no fim do ano.

Um minuto, uma hora,

Mesmo se o fim do ano é uma treta

Do calendário gregoriano.



Falemos, por isso, e já agora

D@s velh@s amig@s que voltámos a encontrar.

Em vaigem,

Num terminal de aeroporto,

Numa esquina de rua congestionada,

Num bar triste de uma cidade

Em que estávamos de passagem.



Falemos d@s nov@s amig@s que fizemos.

Sem esquecer @s querid@s amig@s

Que perdemos, assim sem mais nada,

Por razões de vida ou de morte,

Ou de que perdemos simplesmente o norte,

O telefone, o fax, o endereço, o e-mail, a morada.



4. É a pensar em vocês tod@s

Com quem trabalhei, interagi, vivi, falei,

Discuti, barafustei,

E, se calhar, até magoei e decepcionei,

Durante o ano de dois mil e quatro,

É a pensar em tod@s vós,

Que eu peço ao Pai Natal

(Que eu ainda acredito nele,

Seja isso idiota ou infantil,

Muito pouco ou nada racional!)

Para pôr no vosso sapatinho

Esta singela mensagem:

“Que a nossa amizade seja…

O saldo contabilístico, positivo,

Que transita para o ano de dois mil e cinco”.



Estou-vos obrigado,

A todos vós,

Pela parte de mérito que vos coube

Nas pequenas coisas boas

Que me aconteceram, nos aconteceram,

Em dois mil e quatro.

Resta-me pedir-vos, sensibilizado:

"A mim, desculpem-me lá qualquer coisinha!"...



L.G.



Lisboa, 23 de Dezembro de 2004

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