17 fevereiro 2006

Guiné 63/74 - DXLXIX: os periquitos e a prostituta de Bolama (Leopoldo Amado)

Guiné > Bolama > 1972 > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74). Bolama era, em muitos casos, o primeiro poiso dos periquitos. Era aqui que se fazia o treino operacional das companhias, antes de partirem para as zonas quentes. Bolama, tal como Bafatá e Bissau, era uma boa zona para as trabalhadoras do sexo, como diria o nosso Jorge Cabral. Na foto, o Manuel Ferrera, soldado condutor auto da CART 3494, a mesma companhia a que pertenciam os nossos tertulianos António J. Serradas Pereira (Alf mil art), Carvalhido da Ponte (Fur mil enfermeiro) e Sousa de Castro (1º cabo trms) (LG)


© Manuel Ferreira (2005)


Texto de Leopoldo Amado, historiador guineense, doutorando em história contemporânea pela Universidade de Lisboa com uma tese sobre guerra colonial ' versus' guerra de libertação (o caso da Guiné, 1963/74), e membro da nossa tertúlia:

Camaradas e amigos,

É longa já a lista de obras de literatura colonial publicados, assim como estudos que recaíram sobre as mesmas. Esse tipo de literatura que aos poucos está a conquistar o seu espaço em Portugal, está repleta de narrativas que explanam o amor, o sexo, a homossexualidade, o romance, a masturbação, as relações ocasionais ou fortuitas, etc.

É, digamos assim, uma dimensão humana que resultou do natural encontro civilizacional de homens e mulheres de culturas e quadrantes diferentes, é certo, mas que descobriram no relacionamento entre ambos e no amor (ou no sexo) a dimensão universal dessa humanidade que, afinal, constitui o denominador comum entre homens e mulheres de qualquer latitude.

Tive a oportunidade de ler imensas e grandiosas obras de literatura colonial e, no âmbito da minha tese [de doutoramento], dediquei um pequeno mas expressivo capítulo à literatura colonial que directa ou indirectamente se reporta à Guiné. Não vos conto quão lindo foi para mim a constatação de que o amor ou o amor, para (não) falar em sexualidade, figura nessas magistrais obras como o elo vital do próprio ciclo da guerra, aliás, razão pela qual a sua evocação afigura-se-nos, nalguns casos, despida de preconceitos, de falsas honrarias e/ou de pruridos que, amiúde, estas questões suscitam, o que não significa que repudiemos, convenhamo-nos, o direito à privacidade ou ao segredo que assiste individualmente, a cada um, e colectivamente, em caso de necessidade ética por todos tido como essencial.

Estas e outras questões afins, justamente porque apresentam-se-nos como mais uma dimensão da guerra, em nada me escandalizaria se, ao nível da Tertúlia, os visse abordados, literária ou cruamente, com ou sem pseudónimos, conforme a opção por parte daqueles que, por livre iniciativa, resolverem partilhar a sua experiência ou a de outros que, por qualquer via, tiveram conhecimento.

Nesse sentido, escreverei a seu tempo a estória de Carnaval em Grogue, uma prostituta nativa que, em Bolama, improvisava uma cama com papelões que estendia ao chão, colocando do lado oposto dos mesmos os periquitos em fila indiana que, um após outro, pelo menos anulavam distâncias físicas com sonantes gemidos mórbidos, tudo isto na presença dos ainda não aviados, cuja ansiedade,aliás, era todo visível nos olhos esbugalhados que ostententavam.

Contarei ainda – suponho mesmo que em parte já o estou a fazer – de como a brincadeira acabou mal e também a forma como os miúdos de Bolama, ainda catraios, se deleitavam com idas organizadas à piscina municipal, a fim de silenciosamente escolherem o melhor ângulo de visão que lhes permitisse espreitar e assistir da melhor forma ao festim...

Leopoldo Amado

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