11 fevereiro 2006

Guiné 63/74 - DXXII: Os ajustes de contas do PAIGC: o caso do Candé de Quebo (Zé Teixeira)

Guiné-Bissau > Quebo > Novembro de 2000 > Fotografia de grupo de ex-combatentes portugueses e de militares do Exército da República da Guiné-Bissau.

© Albano M. Costa (2005)


Texto do José Teixeira:

Ao ler a história do Seni Candé, veio-me à memória outro Candé. Este com uma história bem mais triste.

Possivelmente alguns dos tertulianos conheceram-no em Quebo (Nova Lamego). Trata-se do Candé, Chefe do Pelotão de Comandos Africanos aí sediados (1).

A sua coragem e tenacidade livraram-me algumas vezes de apuros, nomeadamente na coluna de transporte dos obuses 14 mm de Buba para Quebo, pela picada de Cumbijã, e posteriormente noutra coluna pela mesma picada em que esteve a minha Companhia envolvida,estrada essa que foi fechada ao trânsito de militares a partir dessa altura.

Candé era um homem que face ao perigo arrancava com o seus homens, de peito aberto, ao encontro do IN, pondo-o em fuga.

"Os senhores do poder", no pós 25 de Abril, não souberam ou não quiseram assumir as responsabilidades que este País tinha assumido para com aquela gente.

Este homem e tantos outros consideravam-se filhos de Portugal, assim se afirmavam e acreditavam. Lutaram por esta Pátria, convictos que estavam do lado certo. Foram traídos e abandonados.

O Candé foi preso e levado para a sua terra natal, segundo me contou o Mudé Embalo de Chamarra (2), cuja história já conhecem. Aí foi convocado um Conselho do Povo e de seguida foi feito um julgamento sumário dos "traidores à Pátria".


Guiné > Aldeia Formosa (Quebo) > 1968 > o 1º Cabo Enfermeiro Teixeira junto a um obus 14 (ou 140 mm). © José Teixeira (2005)

Para mobilizar a população foi desenvolvida uma campanha de informação junto das Tabancas, dizendo que iam ser visitados pelo Homem grande de Bissau (Luís Cabral), o que era falso: apenas pretendiam juntar a população para lhe demonstrarem quem mandava e como mandava.

Sem defesa possível, e com o ambiente bem instrumentalizado pela juventude do PAIGC, o Candé foi condenado à morte, através de um prego espetado na cabeça.
Morte lenta e dolorosa. Horrível.

Envergonhem-se os governantes da Guiné, saídos vitoriosos da Guerra pela sua emancipação, por não saberem, não quererem ou, mais grave ainda, darem cobertura a possivelmente milhares de situações como esta do Candé. Não souberam compreender, perdoar e aceitar os irmãos, filhos do mesmo chão, irmãos na mesma fé, que em resultado de uma educação, desinformação e/ou aliciamento, se colocaram do outro lado, convictos que era esse o caminho certo, quantas vezes em situação de irmãos contra irmãos, filhos contra pais, maridos contra mulher e vice versa.

Camaradas e amigos tertulianos: os crimes cometidos em nome do meus País, por tantos de nós, também eles instrumentalizados pelos senhores do poder de então, de que era dever sagrado de lutar pela Pátria multirracial, continuou depois, por omissão de quem tinha o dever sagrado de defender estes filhos da mesma Pátria, tal como lhes tinha sido ensinado.

Zé Teixeira

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Notas de L.G.

(1) Possívelmente o Teixeira quer-se a referir a um Pelotão de Caçadores Nativos ou a um Pelotão de Milícias. Vd. post de 1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXI: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (2): Buba/Aldeia Formosa, Julho de 1968

Posteriormente, ele mandou-me uma mensagem a confirmar "que era mesmo um grupo de combate de Comandos Africanos".

(2) Vd pots de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXIII: Estórias do Zé Teixeira (1): Dôtor, Bô ka lembra di mim ?

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