"Medicina eu fiz até o segundo ano; estudei três anos, repeti o segundo ano e repetiria infinitamente o segundo ano. Eu tenho tantas profissões porque não quero ter nenhuma. É uma estratégia de não ser coisa nenhuma. Porque a partir do momento que eu me entendo a mim mesmo como sendo biólogo ou sendo escritor ou sendo jornalista ou sendo outra coisa qualquer, eu acho que fecho algumas janelas para o mundo e passo a ter uma relação que depois se encaminha sempre por aí, e eu não quero. Acho que é um empobrecimento.
" (...) eu tinha uma grande paixão. Era escrever. Desde menino que eu tenho essa ideia que uma parte da minha alma só se revela na escrita. Então, eu tinha uma certa idéia de que poderia ser psiquiatra. Esse era o meu desejo.
"Ia para a medicina para ser psiquiatra, mas depois apercebi-me de que a imagem que eu tinha de psiquiatria era muito romantizada. E aquilo que eu depois fui visitar era um mundo horrível, um mundo de prisão, e houve um grande desencantamento com isso. Segundo, eu era já membro da Frelimo, já era militante da causa da independência e isso para mim era muito mais empolgante.
Mia Couto (2002). In: Mia Couto e o exercício da humildade por Marilene Felinto (Folha de S. Paulo, 21 de Julho de 2002).
Comentário:
1. O que é um homem ? O que vale um homem ? Provavelmente nada fora do seu grupo de pertença, de referência e de identidade... O que é um homem sem pátria, sem língua, sem memória, sem circunstância ? Ou até sem bandeira ?
2. Curiosa esta paixão & repulsa dos escritores pela psiquiatria... A descida aos infernos da condição humana. Mia Couto quis ser médico psiquiatra, António Lobo Antunes exerce(u) a psiquiatria... Dois grandes escritores da língua portuguesa de quem eu particularmente gosto. Têm ambos, em comum, a paixão da escrita e a exploração dos labirintos da alma.
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