16 junho 2004

Blogantologia(s) - XIII: Para ti

Para ti, A., em jeito de poemacção, de poemafeição, de poemamor, de poemagradecimento, de poemapoio ou tão só de poemassombração. Como quiseres, que em poesia não há relações lineares de causa-efeito.





Quanto é bom voltar a ver-te voar





gaivota deusa alada

cortas fundo o branco

da manhã

e até ao cabo mais ocidental

do meu corpo

quero-te e espero-te

a viajar

no último comboio da madrugada



até ao fim até ao sul

paro escuto e olho

os semáforos do nevoeiro no país verde-rubro

mas já a maré enche de azul

as praças da cidade

e tu amor sem arribar



porto seguro e encantatório

ilha secreta gruta radar

com uma palmeira à janela

e uma bandeira em cada promontório

dizem que és filha da liberdade

do rio e da foz do vulcão e da lava

e em dias de neblina também és oásis

aldeia palafita e ponto final

entre as arribas e a praia-mar



não olhei para o calendário

nas paredes da falésia

nem fixei o dia o mês o ano ou a era

mas hoje o teu voo é preclaro sinal

de primavera



ponho um cêdê do fado novo

paro escuto perscruto

o telefone os búzios a guitarra

mas tu amante sibila cartomante

sem aportar



frias são as estrias do poema

e hirto o sax-grito

do último navio na noite

mas a letra do fado me diz

que tu gaivota deusa alada

estás p’ra chegar.



quanto é bom voltar a ver-te

voar.



28.3.1985

16.6.2004



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