20 junho 2004

Blogantologia(s) - XIV: Paimogo da minha infância I

Não preciso de ser geólogo

Para te amar,

Ó Praia de Paimogo

Da minha infância.



Nem de ser paleontólogo

Para seguir as peugadas

Da tua errância

De dinossauro

do Jurássico Superior.



Nem muito menos biólogo ou sociólogo

Para te conhecer aí onde

Se alimenta o recolector-caçador

E o polvo, o povo, se esconde

Nas marés vivas de lua cheia.



Procurei abrigo na tua enseada,

Domei as ondas e o vento,

Esculpi a esfinge que guarda

A porta do teu templo,

Andei na pesca ao candeio,

Contrabandeei, fui almocreve,

Maçarico, marinheiro, calafate,

Pescador de lagosta, camarada,

Embarcadiço, capitão do norte,

Poeta, pirata e frade,

Fenício, celta, romano e moçárabe,

Português do mundo em cada esquina.



Armei navios, enriqueci, trafiquei,

Naufraguei em ilhas longínquas, polinésias,

Adubei as minha terras com o teu limo,

Fiz o meu ninho de ave de rapina

No alto das tuas falésias,

Lavrei o mar, semeei a morte,

E os meus mortos enterrei

Nas tuas areias.



Vigiei o mar, o céu e a terra

Do alto setecentista do teu forte;

Tive visões, vi monstros e sereias,

Fugi das garras dos temíveis terópodes,

Extingui vulcões, sofri horrores,

Conheci a paz e a guerra,

Estive cativo do mouro,

Fui devorado por gasterópodes,

Choquei os teus ovos de dinossauro,

Andei à deriva dos continentes,

Mas a verdade é que,

Cobiçada por muitas gentes,

Nunca nenhuma armada invencível te venceu,

Ó Praia de Paimogo da minha infância.

Se te perdeste, foi só por amores!



Quando eu era criança,

Quando eu tive a sorte de ser criança,

As sardinhas voltavam sempre

Em frágeis cardumes de prata e luar

À praia onde haviam nascido.



Quando eu era menino e moço,

Havia uma princesa moura, encantada,

Numa das tuas grutas submarinas;

O corpo coberto de lapas e algas agar-agar,

Era fonte de água pura, doce e quente,

Donde bebiam os ofegantes cavalos alados

Com as suas enormes narinas.

E o vento, nas velas dos barcos e dos moinhos,

Falava-me da tragédia antiga, mas ainda viva,

Da filha do teu capitão

Que se havia matado do alto da arriba,

Dizem que por amor e solidão.



No antigo reino mouro

e depois franco da Lourinhã,

Também os búzios me diziam

Que à noite as luzinhas,

Ao sul das Ilhas Berlengas,

Eram as alminhas

Dos que morriam

Sem sepultura cristã.



Hoje não acredito mais nessas lendas:

Afinal essas luzes são apenas as das traineiras,

Ao largo do Mar da Cerca,

Atrás dos cardumes de sardinhas.







Fonte: © Atelier Hannover 2000(1999-2000)





Post scriptum



Em 1993, foi descoberto em Paimogo aquilo que viria a ser considerado o maior ninho de ovos de dinossauro do mundo, e mais específicamente de dinossauros terópodes (carnívoros bípedes).



Segundo ojovem paleontólogo e doutorando Octávio Mateus, a jazida de Paimogo tem cerca de 120 ovos. "Existem ovos ou cascas de ovos mais antigos, mas o ninho de Paimogo é a mais antiga estrutura de nidificação. É o único com embriões na Europa e possui os mais antigos ossos com embriões do mundo (150 milhões de anos)". Além disso, misturados com os ovos de dinossauro, "descobriram-se três ovos de crocodilo, os mais antigos do mundo. Essa ocorrência permite-nos pensar numa relação de comensalismo entre dinossauros e crocodilos durante o Jurássico".







1º Prémio do II Concurso Internacional de Ilustração de Dinossauros: Eustreptospondylus (pormenor) - Autor: Vladimir Bondar (Ucrânia)



© Vladimir Bondar e GEAL-Museu da Lourinhã (2002).



Divulgue o Museu da Lourinhã e sobretudo visite-o: é a melhor exposição permanente do País na área da paleontologia dos dinossauros.



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