25 novembro 2004

Blogarias - III: Rua da Conceição

português sem título nobiliárquico

sem pedigree

marca d'água

árvore geneológica

e agora explorado oprimido

quer dizer periférico

dependente

depois de perder o império colonial

o último



advinha fácil para um marinheiro sem bote nem mar

mas os novos senhores da praça do comércio

ainda gostam do travo a sal

maresia canela azebre patine sangue

que a grande aventura dos avoengos lhes deixou

na boca

e no fígado já sem fel



pelo menos estas imagens e cheiros são flores de estilo

metáforas

que ainda salpicam os seus discursos

gongoricamente socializantes

tuga chamavam-te os negros da guiné

em crioulo

como quem te chama filho da puta



hoje demandas outras paragens

vais por terra porque

já não tens porto nem caravelas

seis milhas marítimas são um lago

para as crianças brincarem

e já não há rei nem roque

para chamares aqui d’el-rei

mas não estás só

nem órfão

a europa dizem-te

está contigo



de qualquer modo

não perdeste

o gosto pelas anedotas trágico-marítimas

e agora falas no tigre de são bento

que era de papel

e tinha um amigo em belém

rodeado de quarenta piratas de perna de pau

que tinham trocado a cruz e a espada

pelo garfo e faca do gambrinus



português enfim

de seu nome

filho de gente pouco ilustre mas suave

cuja origem se perde na noite dos tempos



bip

bipolar

bifurcação

bicéfalo

bis bis

bisar bisca bilhete bissexto

banco

banco português

banco intercontinental português

pluricontinental pluracial

capital plural

rua da conceição número cem

baixa pombalina

entre o ouro e a prata

e sua majestade augusta o capital

15 de fevereiro de 1977



recordações

que o ex-império tece

mas onde é que

acaba o passado e

começa o futuro ponto de interrogação

fim de citação

um poeta sem mensagem

que podia ter sido fernando

o menino de sua mãe

ou ricardo coração de leão



lisboa, 15 de feveiro de 1977

ao fundo, o som triste de um cacilheiro

Sem comentários: