17 dezembro 2004

Blognecos - V: Grafiteiros, pichadores e satânicos, 1; Siza Vieira, 0

1. O Marco de Canaveses (também) é conhecido por possuir uma das obras mais emblemáticas da nossa arquitectura moderna, a “Igreja do Siza” (sic). É já hoje um ex-libris daquela simpática cidade duriense, e um dos seus pontos de atracção turística…

Há quem não goste. Por exemplo, o senhor Dom Duarte Nuno de Bragança não gosta. Está no seu real (e absoluto) direito de não gostar. Eu gosto, estou no meu direito relativo e republicano de gostar. O padre da freguesia (de Fornos) gosta. E a maior parte dos seus paroquianos também gostam. E muita gente, doutros pontos do país e do estrangeiro, também gostam. Ou, pelo menos, vão lá de propósito para ver o "caixote", o "armazém", o "quartel". Quarenta mil, no espaço de dois anos e meio, desde a sua abertura ao público. Leio no Diário de Notícias, de 11 de Dezembro de 1998. O jornal chama-lhes "os devotos de Siza Vieira". Um terço dos novos peregrinos são estrangeiros. Mesmo incompleto, em obra realizada (falta o centro paroquial, agora em construção), este projecto do Siza veio dar uma projecção internacional à terra que até agora só era conhecida por ser o berço de duas celebridades, a Carmen Miranda e o Eng. Belmiro de Azevedo.

Convenhamos que o risco é polémico, ousado, quiçá provocante. É uma arquitectura depurada, ascética, feita de luz e de silêncio. Tal como os templos gregos ou egípcios. Ou os primitivos conventos. Um templo deve ser feito de luz e de silêncio. Um sítio onde coabita o divino e o humano, o transcendente e o imanente, o sagrado e o profano. Num templo deve caber o finito e o infinito, o homem e o seu Deus.

2. Felizmente que neste país há liberdade estética. Há liberddae para se gostar e para não se gostar do Siza Vieira. Felizmente que neste país não há uma estética oficial. Já ninguém pinta à moda (naturalista) do Carlos Reis nem já se desenham casas ao estilo (ruralista) do Raul Lino. Mas estes padrões continuam a modelar o sentido estético do Portugal sacro-profano. A educação estética deixa muito a desejar. Não há nenhum portuga que não seja meio-arquitecto, meio-engenheiro, meio-pato bravo e meio-trolha da construção civil. Não admira por isso a estupefacção das pessoas, crentes e não crentes, arquitectos, engenheiros, patos bravos, trolhas da construção civil, críticos de arte, eleitos e eleitores, quando são confrontadas com propostas de arquitectura como a Igreja óu a Pala do Siza. Com o tempo, o Siza torna-se consensual. É já consensual. Aqui funciona a teoria da difusão da inovação. Claro qu haverá sempre os tais 16% dos irreudtíveis conservadores, o heróico punhado de gente que nunca gostará do Siza, não por razões estéticas mas por outras razões que são anedóticas ou circunstanciais: o homem fuma, o homem é morcão, o homem é ateu, o gajo é de esquerda...

3. Infelizmente, no Marco de Canaveses, também há (ou passam por…) lá grafiteiros que não mostram qualquer respeito nem pela arte nem pela religião, por Deus e pelo homem. Vejam as fotos do meu álbum sobre o Portugal Sacro-Profano .

Serão grafiteiros ou pichadores ? Se calhar nem uma coisa nem outra. Grafiteiros e pichadores são tribos que até têm, ao que me dizem, a sua ética e deontologia profissionais: sabem, em princípio, distinguir um templo, antigo, medieval, barroco, oitocentista, moderno ou pós-moderno, de um simples armazém ou muro para demolição... Grafiteiro ou pichador que se preze, sabe respeitar o património edificado, pese embora a sua pulsão pela 'personalização' do espaço urbano.

Estes artistas da pesada pertencem a uma nova seita, os "satânicos"... Nunca tinha ouvido falar deles, embora a cruz suástica me não seja estranha. A verdade é a que a gente também não pode estar a par de todas as notícias, boas ou más, incluindo as que nos chegam do Marco de Canaveses.

As fotos foram tiradas em 3 de Setembro de 2004. Espero no Natal, quando lá voltar, já não encontrar os "satânicos", ou pelo menos as feias impressões digitais que eles deixaram na parede interior do pátio da Igreja do Siza. Igreja que já não é só do Siza, nem do padre Nuno Higino, nem da sua freguesia de Fornos, nem da cidade e concelho do Marco de Canaveses,nem do Portugal Sacro-Profano, mas também de todos nós, a comunidade mundial dos crentes e não-crentes. Uma comunidade ecuménica onde se pratica a inclusão mas onde é difícil lidar com o fenómeno "satânico"...

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