17 outubro 2004

Portugas que merecem os nossos assobios - V: O presidente da Câmara Municipal de Pombal

1. Esta história é triste e não honra o poder autárquico, não honra a democracia portuguesa. Sabemos que o poder, todo o poder, corrompe; e que, se não houver liberdade de opinião e de expressão, o poder pode tornar-se discriccionário, arbitrário, até mesmo despótico e totalitário... E então acontecem casos como este, agora denunciado pela própria vítima, o cidadão Orlando Cardoso, que criou e alimentou um blogue, ao que parece incómodo para muita gente, lá na sua terra, em Pombal.

Esta história, triste e exemplar ao mesmo tempo, circula por e-mail entre os cibernautas. Não ouvi as duas partes, como mandam as regras mais elementares da investigação da verdade e da justiça. Mas eu aqui não sou jornalista, muito menos juiz. Para prevenir a falsa notícia e a falsa identidade, limitei-me a apurar que a história foi previamente confirmada pelo próprio e que o e-mail é autêntico. De qualquer modo, em caso de dúvida, eu tenho por princípio dar razão à vítima, ao cidadão indefeso, ao réu.

2. Para o Orlando Cardoso, cidadão, e bloguista, que eu não conheço pessoalmente, vão as minhas palmas e a minha solidariedade; para o seu censor e o seu carrasco, o presidente da Câmara Municipal de Pombal, que eu também não conheço, vão os meus assobios. Aqui fica o relato, aqui fica, no mínimo, a suspeita das ligações perigosas entre os políticos e as empresas, as autarquias e os empregadores, e sobretudo uma lição sobre como é difícil exercer o poder autárquico em democracia... Não é para todos: só pode ser para os melhores, só deveria ser para os melhores...

Eu sei que isto é a "petite histoire" mas a história com H grande da nossa democracia pós-25 de Abril também vai ser feita com estes casos da pequena história. Que infelizmente não são pontuais: o peso do caciquismo local ainda é muito forte por essas terras do Portugal mais profundo (e do menos profundo)...

3. Três recomendações à cibernavegação na blogosfera lusófona: (i) Façam vocês, cibernautas, os juízos de valor que entenderem no grande espaço de liberdade que (ainda) é a Net; (ii) tenham cuidado com o que escrevem nos blogues; (iii) o bloguista também se dve reger por príncipios éticos na produção e divulgação dos seus "posts"; e sobretudo (iv) não amem em demasia a vossa terra que ela pode tornar-se a vossa madrasta, qual Jocasta dotada de "vagina dentata"...

O pobre Marquês de Pombal, se fosse vivo, ou se pudesse voltar à terra, depois de ter caído em desgraça, teria seguramente muito que ensinar aos nossos autarcas, e sobretudo ao nosso homem de Pombal...

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Exmo. Sr. ou Sra.:

Vem isto a propósito do caso Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.

Nasci e tenho vivido num pequeno concelho (Pombal) do Litoral-Centro (Distrito de Leiria). Não milito em nenhum grupo partidário. Sou um simples cidadão nascido seis anos antes do 25 de Abril de 1974.

E como cidadão, ingénuo a pensar que haveria liberdade de expressão e de opinião, criei em Julho passado um "blog" na Internet que pretendia ser um espaço de reflexão e de debate de ideias, com críticas construtivas, sobre o que está a acontecer na minha Terra. Nomeadamente sobre a actividade da respectiva Câmara Municipal e outras instituições. Esse "blog" num espaço de dois meses registou mais de 6.700 visitas, tendo sido comentado em grande número por outros cidadãos/munícipes.

A respectiva autarquia, presidida pelo social-democrata Eng. Narciso Mota, nunca usou o princípio do contraditório. Apesar de reconhecer que alguns dos temas abordados tinham a sua veracidade, alterou alguns procedimentos, dando razão ao que por lá se escrevia.

Reconhecendo que o "blog" era incómodo para o Poder (leia-se, Câmara Municipal), o senhor presidente entendeu que a melhor forma de usar o "contraditório" era acabar com o mesmo. Vai daí, entrou em contacto com a direcção/administração da empresa onde eu trabalhava e denunciou a sua existência, fazendo ver que o "blog" era "gerido" em horas de expediente.

A direcção da empresa de imediato, e justificando que aquela situação lesava a relação institucional com a Câmara Municipal, até porque necessitava desta para legalizar algumas situações pendentes, despediu-me.

Isto, não argumentando com falta de profissionalismo ou de produtividade. Mas sim, porque o senhor presidente da Câmara assim os contactou para o efeito. Esclareci a situação e comprometi-me a eliminar de imediato o "blog", o que foi feito e aceite. Precisamente um mês depois, e pelo meio alguns encontros realizados entre o presidente da Câmara e a direcção/administração da empresa, fui novamente confrontado com o despedimento. E perante duas opções: instauração de processo disciplinar ou demissão voluntária, optei pela segunda.

Ou seja, a intervenção do senhor presidente da Câmara Municipal de Pombal neste processo é um facto. Tanto o é que um dos seus vereadores afirmou perante algumas pessoas "já acabámos com o blog".

Esta situação é notoriamente idêntica à que aconteceu com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Na sua proporção, obviamente. Mas, com um senão... o meu futuro. Estou desempregado, com duas crianças de 20 meses para criar, casa e carro para pagar. E esposa também desempregada.

E tanto mais que, ainda há dias, ouvi da boca de um eventual empregador: "reconheço que és a pessoa indicada para o meu projecto, mas quando o senhor presidente da Câmara soubesse, caía o Carmo e a Trindade. E eu não quero ter problemas com esse senhor".

É triste que 30 anos depois de uma revolução, ainda haja quem de uma forma nojenta e vergonhosa censure as vozes discordantes para que estas não expressem livremente as suas opiniões.

Com os melhores cumprimentos

Atentamente

Orlando Manuel S. Cardoso

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Rua Paul Harris, nº 13 - 1º Esq
3100-502 Pombal
Telef.: 236213594 - 936354363
E-mail: orlando.cardoso@zmail.pt

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