1. Era costume, no tempo dos romanos, desejar-se bons augúrios aos novos governantes. Augúrio (do latim, auguriu) significava a arte de advinhação e interpretação do futuro mediante o canto e o voo dos pássaros. Em termos mais genéricos, significa, hoje, nas línguas latinas, sinal, indício ou presságio de coisa futura. Não sou augure nem conheço, pessoalmente, nenhum. Nem menos o Velho do Restelo. E ainda bem por que, como lá diz o provérbio, se um augure visse outro augure, não deixaria de rir.
Nem por isso deixo de desejar os bons augúrios ao novo governo, em geral, e ao novo ministro da saúde, em particular. Não rezo por eles por que não sou religioso. Mas gostaria que fizessem boas obras e boas acções. Que deixassem obra feita. Por mor de todos nós, como se diz em terras de Entre Douro e Minho. Por mor de nós e dos hão-de vir atrás de nós.
Por mor do meu país e da coisa pública.
Por mor da boa governação da coisa pública.
Por mor da saúde de todos nós.
Por mor do nosso futuro.
Por mor da nossa memória futura.
Por mor dos vindouros e dos perdedores.
Por mor dos historiadores que escreverão a história
Em nome dos vencedores.
Por mor dos que vierem depois de eu fechar a porta.
Por mor dos guardiões da Torre do Tombo.
Por mor de quem de direito.
Por mor dos pagantes.
E dos não-pagantes.
Por mor dos actores e dos espectadores.
Por mor dos marginais-secantes.
Por mor do mercado e da bolsa de Lisboa
E da casa forte do Banco de Portugal.
Por mor do meu querido Portugal S.A.
Que não quer dizer Portugal Sociedade Anal.
Por mor dos loucos e dos menos loucos.
Por mor dos poetas que têm um pouco de gestores.
E dos gestores que têm um pouco de médicos.
Mas também dos médicos que têm um pouco de loucos.
Por mor dos economistas que gostariam de governar o mundo.
Este mundo e não o outro.
Sem esquecer os políticos que gostariam de mandar
Nos economistas, nos gestores, nos médicos e nos doentes.
Por mor daqueles dos políticos que falam em nome do povo.
E daqueles que gostariam de mandar no povo.
Por mor do povo de esquerda, de centro e de direita.
(Abaixo a unicidade nacional!).
Por mor dos da lista de espera que desesperam de esperar.
Por mor dos que vão morrer esta noite
Nos Hospitais S.A. e nos Hospitais S.P.A.
Por mor dos que foram hoje ao serviço de atendimento permanente
Do meu centro de saúde
E que deram com a porta na cara.
Por mor dos cirurgiões que afiam a faca
À espera dos da lista de espera.
Por mor dos doentes agudos.
E dos doentes crónicos.
E dos hipocondríacos.
E dos doentes da saúde.
Por mor da saúde doente e das doenças saudáveis.
Por mor da saúde emprezarializada.
Por mor das vítimas da guerra, dos terramotos, dos tsunamis,
Da fome, da peste e do bispo da nossa terra, de que Deus nos livre!
Por mor dos simples, dos utentes, dos pacientes, dos clientes,
Dos beneficiários, dos misericordiosos e das crianças.
Por mor das catorze obras de misericórida, sete espirituais e sete corporais.
Por mor dos meus (con)cidadãos, os remediados e os ricos.
Por mor dos pobres, dos tristes, dos descrentes, dos desempregados,
Dos velhos, dos sós, dos esquecidos e dos desconsolados
Da minha rua, do meu bairro, da minha cidade, do meu país.
Sem esquecer os apátridas e os que perderam a identidade.
Por mor daqueles de quem um dia se disse que eram os bem-aventurados
porque deles seriam o reino dos céus, amen.
Por mor do meu fornecedor da revista cais
no semáforo da esquina da rua da alegria com a avenida da liberdade.
Por mor da minha médica de família que conta os dias
que lhe faltam para a reforma.
Por mor do médico do gabinete ao lado
que se enganou no curso que queria tirar
e que está a atender os gajos da propaganda médica.
Por mor do boticário do meu bairro.
Por mor do meu barbeiro-sangrador.
Por mor de mim e de ti, meu amor.
Por mor do meu psicanalista, do meu psicoterapeuta,
do meu confessor e do meu curandeiro.
Por mor do meu médico do trabalho
E do meu técnico de higiene e segurança do trabalho.
Por mor do ergonomista que está a desenhar
o meu sistema técnico e organizacional de trabalho.
Por mor dos habitantes da minha casa inteligente do futuro.
Por da minha cartomante preferida.
Por mor dos mais distraídos.
Dos votantes.
Das debutantes.
Dos amantes.
Por mor do meu patrão
Para que Deus lhe conserve a saúde e a riqueza.
E lhe aumente o empreendedorismo e a capacidade de inovação.
Por mor dos meus dinossauros de estimação.
Por mor dos médicos da noite.
Dos médicos na noite.
Da minha querida Médis.
Por mor dos mercadores de sonho
Que trazem com eles a peste onírica e bubónica.
Por mor do meu rico seguro contra todos os riscos.
Por mor do Estado, que se quer menos Estado e melhor Estado.
Por mor dos contínuos, porteiros e seguranças do Estado.
Mais os cobradores de impostos.
E os pagadores de promessas.
E os guarda-costas das figuras de Estado.
Por mor do Estado de todos nós, sem pompa nem circunstância.
Por mor da nossa jovem democracia.
Por mor dos gestores e administradores dos serviços de saúde.
Por mor dos que passam as noites e os dias a pensar
Na reforma do serviço nacional de saúde.
Por mor dos reformadores de sistemas.
De todos os reformadores.
E das vítimas das reformas.
Dos reformados e aposentados.
Por mor da nossa frágil saúde.
E dos vírus que hão-de vir.
E do mal gálico.
E do mal italiano.
E do mal espanhol.
E do mal americano.
E do mal chinês.
E do mal português.
E do Ribeiro Sanches
Que curava os males de amor
Na Rússia Imperial.
O amor em carne viva.
Por mor das doenças emergentes e re-emergentes
Que nos querem matar.
Por mor das galinhas
Eda gripe dos comedores de galinhas.
Por mor dos codificadores de grupos de dignósticos homogéneos de doença.
Por mor dos marcadores biológicos do Homo Sapiens Sapiens.
E sobretudo dos grandes arquitectos do genoma humano.
Por mor do meu antepassado troglodita
Que era recolector-caçador
E que quando almoçava nunca sabia onde e o quê iria jantar.
Por mor do meu Professor de economia
Que me lembra que não há almoços grátis.
Nem entradas grátis
No céu, no purgatório ou no inferno.
Por mor dos actuais e futuros ministros da saúde.
Por mor dos ministros do futuro.
Por mor da utopia do futuro sem ministros.
E até dos ministros sem futuro.
Por mor dos servidores do povo,
Para que nunca esqueçam que ministro vem do latim minus, pequeno.
Para que os deuses iluminem os nossos governantes
E os pescadores que andam perdidos no mar alto.
E os pecadores dos sete pecados mortais.
Por mor dos nossos governantes e dos seus governados.
Para que o canto e o voo dos pássaros lhes sejam favoráveis.
Por mor do Zé Portuga.
Do Zé Manel.
Do Zé, simplesmente.
E para que, eu, Blogador, me confesse
E nunca perca de vista
O essencial.
Por mor da minha terra, Portugal.
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