28 julho 2005

Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1)

© Jorge Santos Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Esta, por acaso, foi emitida em Lisboa em 17 de Dezembro de 1971, já a rapaziada da CCAÇ 12 (eu, o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Fernandes...) tinha regressado a casa. A nota ostenta a efígie do Nuno Tristão, o primeiros dos nossos camaradas a morrer na Guiné, "país de azenegues e de negros", no já longínquo ano de 1446, "varado por azagaias envenenadas" (sic), como se pode ler algures no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra (se nunca lá foram, aproveitem para ir com os netos um fim-de-semana destes).

Hoje, dia 28 de Julho de 2005, à hora do almoço, lembrei-me, à laia de aperitivo para o gozo da licença de férias (como diria o nosso primeiro), de lançar um pequeno, ingénuo e, espero, divertido desafio à nossa tertúlia . Por favor, não o vejam como uma provocação. No fundo, é uma simples proposta para em conjunto fazermos uns exercícios de memória, antes que venha aí o Alzheimer ou nos dê uma macacoa bem pior.

Quem quiser pode dar uns pesos para este bate-papo (que está em aberto até ao final da próxima semana, antes de eu ir de férias…). Eu, o Marques e o Reis já demos para o peditório. Agora que apareça malta mais desavergonhada que estes três cotas... Refiro-me aos periquitos e aos djubis...


1. Amigos e camaradas:

Há dias o Jorge Santos mandou-nos uma nota de cem escudos da Guiné (cem pesos). Ou melhor: uma nota digitalizada, uma imagem em formato jpeg. Puxem pela memória e digam lá, para a gente poder explicar isso aos filhos e netos, bem como à cara metadade, o que se podia comprar/pagar com uma notinha destas, no vosso/nosso tempo…

Eu tenho ideia que era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula, recatada e virtuosa… Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano… Além do pré (6oo pesos/mês), os meus soldados africanos (que eram praças de 2ª classe!) recebiam mais, creio eu, cerca de 25 pesos por dia pelo facto de serem desarranchados. Nunca joguei à lerpa, mas o Humberto pode dizer quanto ganhava ou quanto perdia numa noite de insónias e de rodadas de uísque…

Ainda em matéria de comes & bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do tuga que era turra (ou, pelo menos, suspeito de vender e comprar vacas aos turras), em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional como eu ou o Humberto) na Transmontana em Bafatá já não me lembro quanto custava (talvez vinte a vinte e cinco? ).

Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20 pesos (uma travessa)… E por aí fora.

Amigos e camaradas: actualizem ou rectifiquem a lista. Não sei se depois de 1973, a inflação também chegou à Guiné… O Sousa de Castro é que nos pode dizer… De qualquer modo, o que comíamos e bebíamos era praticamente tudo importado...

O grande ventre de Bissau era alimentado por uma economia de guerra que deu dinheiro a ganhar a muita gente... Manga de patacão, pessoal! ... Desde as rachas de cibe e o cimento para os reordenamentos (a construção de aldeias estratégicas, como a de Nhabijões, deve ter ajudado a dourar a reforma de muita gentinha mais patriótica do que eu) até aos transportes (civis) em comboios militares, sem esquecer os efeitos (mais nefastos do que benéficos) que a guerra teve na pobre economia natural dos guinéus.

Um deles foi a sua própria militarização. Nos últimos anos da guerra, tudo girava à volta (e vivia) da guerra. A guerra tornou-se, ao mesmo tempo, o ópio e a grande sanguessuga dos guinéus (e dos próprios tugas). E a prova disso, trinta e tal anos depois, é a bidonvilização, a lumpenproletarização da população que engrossou Bissau.

Luís Graça

2. Resposta rápida, artilhada, telegráfica, à ranger , do Humberto Reis:

Das chamadas meninas & vinho verde não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci:

- Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias);

- Uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos;

- Idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50

- Idem, de 15 anos, Monkhs, Old Parr: 103,50;


- Um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos;

- Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.

3. Comentário, sábio e sensato, do nosso mui experiente operacional e grande conhecedor da Guiné, do antes e do depois, A. Marques Lopes:

Interessante também esta reflexão (fez parte da nossa vida). No entanto, eu, pessoalmente, muito pouco posso dizer. Lembro-me que pagava 5 pesos quer à minha lavadeira de Geba quer à de Barro; além da lavagem também trabalhavam com as mãos (eram fulas, pois).

Quanto a tainadas e saber o preço delas, é um bocado difícil pois nunca tive tempo para muitas... Só sei que, quando em Bissau à espera de embarque, paguei 5 pesos aos miúdos que andavam perto do Bento (a 5ª Rep...) a vender sacos de camarão.

Quando em Geba fui uma vez a Bafatá e, talvez, à Transmontana, não sei bem (só sei que o dono, já entradote, tinha uma mulher loura mais nova e também comestível). Um dia, eu e o capitão (o tal que morreu na estrada para Banjara) decidimos ir os dois até Nova Lamego de jeep (maluqueiras!) onde comemos qualquer coisa não sei aonde e não me lembro o que paguei.

Quando em Bissau, no Pilão, frequentei várias vezes a Fátima, que não era caboverdiana mas sim fula, e dava-lhe 50 pesos de cada vez. Uma rapariga esperta: uma noite, a Fátima propôs-me que eu trouxesse uma grade de cervejas do QG para ela vender aos visitantes (era giro ouvi-la gritar da cama está ocupado!, quando os páras ou os fusos batiam à porta dela), dava-me metade da venda (não entrei nisso, claro). Também frequentei a casa que um branco tinha perto do campo do UDIB, e onde tinha as filhas à disposição, mas aí só paguei as cervejas.

Quanto às bebidas da tropa não me lembro rigorosamente nada dos preços. Mas bebi de tudo, garanto-vos, e em grande quantidade (latas de rum com coca-cola, de cerveja com coca-cola, whisky, gin, cerveja, 1920...). Só procurei beber muito pouca água, e nunca apanhei nenhuma doença, por isso, com certeza. Quando chegava das operações, eu e os furriéis esticavamo-nos ao comprido e o soldado faxina já sabia que tinha de trazer uma grade de cervejas para nos saciar...

Como vêem, quanto a este custo de vida sei muito pouco.

Marques Lopes

PS - Não me lembrei dessa dos maços de tabaco porque nunca fumei no mato. Nem ninguém dos que saíam comigo podia fumar. Regra de segurança para as muitas noites passadas fora. E creio que foi muito útil.

4. Aqui uns trocos do Luís Carvalhido (acabam de chegar, às 9.45, do dia 29 de Julho de 2005). Aproveito para lhe desejar boas férias no nordeste brasileiro. E que os bons ventos (e a chuvinha que tanta falta nos faz) o tragam de volta, de boa saúde, a ele e ao resto do pelotão...


Bom dia, companheiros!

Que lembranças! Aquilo que se comprava com meia dúzia de pesos!... Onde eu investia muito era iske e na coca cola. Nas outras coisas, não precisava muito, porque sempre fui um rapaz com muita sorte. Não fiquem com inveja; já pelo contrário, nunca me saiu nada ao jogo.

Luís, dei esta morada a um companheiro de armas que está nos States e que tem histórias e fotos do Saltinho. Dentro em breve teremos aqui outros olhares.

Quanto a mim dentro de dias vou para o nordeste brasileiro. Depois conto como é que foi, porque aqueles que lá vão ficam amarrados. Eu só vou olhar porque comigo vai a comandante da guarnição e ela não é de brincadeiras.
Um abraço para todos.

Luis Carvalhido


5. O Sousa de Castro, português do Alto Minho, aumentou a parada, e deixa-nos aqui, não uns trocos mas uma nota de cinquenta (das verdinhas). Bravo!


Olá amigos!

Quero dizer-vos que no meu tempo (1972/74) não era muito diferente: os preços que se praticavam eram mais ou menos os mesmos....


Cópia de nota de 5o escudos (pesos) da Guiné. Frente. Imagem gentilmente enviada à nossa tertúliua pelo Castro.

© Sousa de Castro (2005)



Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.

A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974.

Recordo que, com um peso, comprava quatro ou cinco bananas. Os uísques novos como o Johnnie Walker (cavalo branco) e outros custavam, em 1972/74, cinquenta pesos; o Dimple 100 pesos; o Old Parr 150 pesos; e havia o Monks, a 250 pesos.


Cópia de nota de 5o escudos (pesos) da Guiné. Verso. Imagem gentilmente oferecida à nossa tertúlia de ex-combatentes da guerra colonial (com destaque para a Guiné) pelo nosso amigo Castro.

© Sousa de Castro (2005)



Julgo serem estes os preços daquela altura, alguém que me corrija. Por lavar a roupa, como cabo pagava 60 pesos e recordo que paguei 1 peso para me consolar a apalpar as mamas a uma mulher grande (isto é, casada) (Ainda hoje recordo aquelas mamas firmes e volumosas! ...).

Anexei uma nota de cinquenta pesos, frente e verso para recordação.

Sousa de Castro

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