09 dezembro 2003

Portugal sacro-profano - XI: Monsanto ou a floresta do lobo mau

Fui ontem, feriado, fazer o meu jogging no Parque Florestal de Monsanto. Já o faço há mais de 15 anos, com maior ou menor regularidade. Sozinho ou às vezes com a família.

Monsanto é um espaço fabuloso de cerca de mil hectares (1/8 da área da cidade de Lisboa), que muitos lisboetas desconhecem ou não usufruem devidamente. E que outros maltratam, cercando-o de cimento armado e alcatrão. Ou cobiçam, na mira da especulação imobiliária. Destaco, muito em especial, os seus 300 km de caminhos pedestres, para além da riqueza da sua flora e fauna.

É certo que a manhã estava chuvosa, pouco convidativa para as actividades ao ar livre. Em mais de hora e meia, encontrei apenas um pequeno grupo de seis pessoas fazendo jogging, além de alguns cicloturistas solitários e um coelho espavorido.

Há uma estranha relação dos portugas, rurais ou citadinos, com a floresta: ela sempre nos inspirou um misto contraditadório de encantamento, respeito e medo. O medo é ancestral e, no caso das pessoas da minha geração, poderá estar associada à experiência da guerra colonial ou às vivências de África. Haverá mais de um milhão de portugueses que, ao olharem para uma árvore de uma floresta, são capazes de imaginar, por detrás dela, um RPG-7 (o mais famoso lança-granadas do mundo) ou uma kalashnikov (a mais famosa espingarda automática de todos os tempos). Ao caminhares, solitário, por Monsanto, são outros nomes, exóticos, que te vêm à cabeça, por uns instantes, em rápido flashback: as matas do Morés, do Xime ou do Corubal, o Mato Cão, a Ponta do Inglês...

No caso de Monsanto, isso é agravado por estereótipos profundamente arreigados no imaginário do lisboeta. Estereótipos associados ao crime, à prostituição e à marginalidade. Ontem e hoje. Antes de ser reflorestada a serra de Monsanto era habitada por um estranho povo, parte do lumpen-proletariado de Lisboa, com famílias inteiras vivendo como animais em furnas que o Duarte Pacheco teve que mandar obstruir!!! Essas marcas ainda são visíveis na paisagem...

Leio algures nos sítios que selecionei para os leitores deste blogue, que cerca de dois milhões de pessoas visitam anualmente este espaço, incluindo os diversos parques recreativos. Eu acho que é pouco, que é ainda pouco. E sobretudo são em número irrisório os que fazem jogging em Monsanto. Eu acho que os lisboetas e os saloios da periferia de Lisboa ainda continuam de costas voltadas para Monsanto. Sobretudo continuam muito sedentários. E, mais ainda, muito dependentes do automóvel.

Sem dúvida que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) terá que se esforçar mais para mudar esta atitude negativa dos lisboetas e demais portugas que residem nos concelhos limítrofes, como o meu, relativamente à fruição do seu "pulmão verde". De qualquer modo, deixem-me dar os meus parabéns à CML que está a executar um programa de limpeza e reflorestação para pôr Monsanto "novinho em folha"... É de aplaudir também o corte do trânsito automóvel aos fins-de-semana, no verão, a par da melhoria da segurança, da acessibilidade e da sinalização.

Aqui ficam, entretanto, alguns sítios com informações interessantes sobre o Monsanto, o mal amado, ou a floresta do lobo mau.

Câmara Municipal de Lisboa – Espaços Verdes

A segurança no Parque Florestal de Monsanto

Parque Ecológico de Monsanto

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