1. O jornal "Público" de ontem, 13 de Fevereiro de 2005, dedicou três páginas, na secção "Destaque", ao problema dos "Riscos Profissionais"(pp. 2 a 4). O trabalho, excelente, é de dois jovens jornalistas da redacção do Porto, a Mariana Oliveira e Rafael Matos.
Noutra ocasião, terei oportunidade de comentar, com mais detalhe, esta peça jornalística. Por agora, queria só destacar uma frase do Rafael Matos, a propósito do aumento de 22%, em sete anos (1997-2004), do número de pensionistas de doenças profissionais. Diz ele algures (p. 4), que "já em 1994, na altura do lançamento do Livro Verde dos Serviços de Prevenção das Empresas (...) os custos totais (directos e indirectos) [dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais] eram estimados em 600 milhões de contos". Julgo que o jornalista se queria referir ao Livro Branco (lançado em 1999)e não ao Livro Verde (que também não é de 1994 mas de 1997).
2. Nunca soube como é que a Comissão do Livro Branco, editado pelo ex-IDICT, chegou a esta estimativa. Ou qual a sua fonte. Não vou aqui discutir se a estimativa está correcta ou não. Mas há cautelas téorico-metodológicas que andam, por vezes, arredadadas das preocupações dos sábios que fazem parte destas comissões dos livros verdes e dos livros brancos, mesmo quando a missão é patriótica e o trabalho gratuito.
Parece-me haver alguma ligeireza, em Portugal, quando as pessoas puxam por números para apoiar ou reforçar um ponto de vista. Salvo melhor opinião, isso aconteceu com Livro Branco dos Serviços de Prevenção das Empresas (publicado em 1999). É aí que vem a famosa estimativa dos 600 milhões de contos anuais, dez vezes mais do que os custos directos com a reparação, a cargo das companhias de seguros (para os acidentes de trabalho) e da Segurança Social (para as doenças profissionais) (Livro Branco, IDICT, 1999, p.33).
Em devido tempo e noutro lugar defendi que seria útil, interessante e até pedagógico que se mostrasse, por a mais b, quanto é o montante dos custos (directos e indirectos) dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais em Portugal. Esse trabalho de casa não foi feito. Por outro lado, e em assunto tão sério, a referida Comissão também revelou alguma ligeireza ao deixar passar a monumental gralha que torna inelegível, absurdo e inevitavelmente hilariante o quadro estatístico apresentado na página 29 do Livro Branco: Citando o Instituto de Seguros de Portugal, a Comissão do Livro Verde diz, preto no branco, que o custo dos acidentes de trabalho, em milhões de contos, foi de 40.700 em 1990, 49.500 em 1991, 56.600 em 1992, 57.500 em 1993, 66.400 em 1994 e de 59.400 em 1995... Felizmente que os encargos (directos) com a reparação dos acidentes não custam o dobro do nosso PIB!... Mas a arreliadora falta de uma vírgula nos números apresentados na quarta linha é isso que sugere: o número correcto é 40,7 milhões em 1990 (40 milhões e 700 mil contos) e assim sucessivamente.
Para qualquer estudante de economia ou de sociologia, familiarizado com as contas nacionais, o lapso é de imediato detectável (Será ?)...Mas não para o pobre do leitor comum que troca facilmente milhões por biliões...
3.É uma arreliadora gralha que manchou um pouco o trabalho (de resto, excelente) da Comissão do Livro Branco, e que já vinha da versão original publicada on-line na página do IDICT na Internet. Errar é humano e falar com números nem sempre é fácil. Mas o que é um facto é que a gralha ficou para a posteridade, em letra de forma.
Dir-me-ão que tudo isto não passa de petite histoire, tal como a famosa gaffe do Eng. António Guterres a respeito do nosso PIB. Concordo plenamente. Mas aconteceu e só é eventualmente explicável, neste como noutros casos, pela falta de tempo, pela falta de verba para pagar a revisão técnico ou científica dos documentos ou outras desculpas de mau pagador...
O problema é que os livros (verdes ou brancos) também servem de arma de arremesso. Para a História é de recordar que a comissão (ou o seu presidente) teve a percepção da oportunidade (política) em divulgar on line o documento, just in time e à revelia da sua tutela, o Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais. O presidente da Comissão do Livro Branco tinha acabado de ser demitido do cargo de presidente do IDICT, por alegada perda de confiança política. Recorde-se que o seu superior hierárquico, o Secretário de Estado, tinha acabado de autorizar, por deferimento tácito, a credenciação da UCS-Unidade de Cuidados de Saúde, SA (ligada à TAP - Air Portugal), como empresa idónea para a prestação de serviços de saúde e segurança do trabalho. O pedido de credenciação da UCS encontrava-se no IDICT desde 1995, com mais umas quatro ou cinco centenas de outros.
Entretanto, o documento (Livro Branco dos Serviços de Prevenção das Empresas) saiu mais tarde, em Outubro de 1999, em letra de forma, em edição do IDICT. Faz hoje parte da série Estudos, já não incomoda ninguém mas, hélàs!, pode continuar a enganar muita boa gente. A versão em papel vem enriquecida com a indispensável errata. Curiosamente a gralha da página 29 escapou, mais uma vez, à lupa do anónimo revisor de texto. Gralhas que a pressa (?) tece...
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