20 maio 2005

Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho

1. Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A.

Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.

O mês de Agosto de 1969 foi de actividade operacional intensa no regulado do Corubal, onde o IN se tinha instalado, dispondo de uma cadeia de acampamentos temporários que lhe dava ligação às suas bases mais recuadas, junto ao Rio Corubal, a oeste portanto da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Nesse mês, as tabancas em autodefesa de Afiá, Candamã e Camará, e as NT (CCAÇ 12 e CART 2339) tinham sido atacadas ou flageladas. Por exemplo, a 15 de Agosto, Camará tinha sido duramente atacada por um grupo IN, com armas automáticas, morteiro 82 e metralhadora pesada 12.7,, sofrendo a população (fula) três mortos e nove feridos.

A actividade operacional no mês de Agosto culminaria com a Op Nada Consta, em que intervieram forças paraquedistas, que fizeram um heli-assalto a um acampamento IN previamente identificado, na região de Camará, enquanto as restantes forças das NT (CCAÇ 12, PEL CAÇ 53 e CART 2339) faziam manobras de emboscada, cerco e eventual perseguição, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse.

Tratou-se de uma operação conjunta do Sector L1 (Bambadinca) e do COP 7 (Zona Leste, Bafatá). Na primeira vaga de assalto, os paras fizeram um prisioneiro, armado de RGP-2, de seu nome Malan Mané. Através dele soube-se que no local havia 80 homens, comandados por Mamadu Indjai, dispersos em pequenos grupos pela mata. Nessa operação, o IN sofreu ainda dois mortos e vários feridos graves, entre os quais o seu comandante (soube-se mais tarde), vítima de emboscada pelas forças da CART 2339, montada no itinerário Mansambo-Xitole.

O IN retirou na direcção de Biro.Os paras foram a este acampamento no dia seguinte, capturando mais material.

2. A 30 de Agosto, os 1º, 3º e 4º Gr Comb da CCAÇ 12 fizeram um patrulhamento ofensivo na região do Rio Biesse, passando por Demba Ioba, Sambel Bere e Sinchã Mamadi, até à estrada de Mansambo. Ao longo trajecto, e utilizando o prisioneiro como guia, percorreram nada mais do que seis acampamentos do IN, recém-abandonados, ao longo de um trilho principal que conduzia à região de Biro.

No primeiro acampamento, encontrou-se o cadáver de um chefe IN, identificado pelo guia e prisioneiro, e que teria morrido em consequência de ferimentos recebidos em combate, durante a Op Nada Consta, a 18 de Agosto. Em escassos dias, em menos de duas semanas, as formigas carnívoras e os abutres tinham-no reduzido a um esqueleto desconjuntado. Vestia uma espécie de dólmen impermeável, ainda em bom estado, assim como as botas. Num outro acampamento a seguir, foi encontrado um maço de cartas escritas em árabe (Mamadu Indjai era mandinga e muçulmano), com a planta do aquartelamento de Mansambo, as posições da artilharia, a localização dos abrigos-casernas e dos espaldões de morteiro.

3. Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 3O Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, XItole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo informação do Humberto Reis, que dispõe dos 73 mapas cartográficos da Guiné-Bissau à escala de 1/50000):

"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA [Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].

"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas]que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.

"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando aéreo] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".


4. A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:

(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.

A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento.

A actividade operacional da CCAÇ 12, durante o mês de Outubro de 1969, caracterizar-se, de resto, pela ausência de contacto directo com o IN que não deixou, no entanto de manifestar-se, apesar de particularmente afectado pela destruição de três acampamentos importantes - Camará e Biro (Op Nada Consta, a 18 e 19 Agosto); e Poindon (Op Pato Rufia, 27 de Setembro) -, captura de material, baixas humanas e evacuação do comandante do Sector 2 (Mamadu Indjai, um dos míticos comandantes da guerrilha do PAIGC que já em 26 de Fevereiro de 1969 se destacara pelo ataque a duas lanchas da marinha no Rio Buba).

No referido mês de Outubro de 1969, o IN flagelou num só dia o destacamento de milícias de Taibatá (pelas 9.30 h.), o Xime (às 14h.) e Mansambo (16h.), estes útimos duas unidades da NT em quadrícula (CART 2520 e 2339, respectivamente).

A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12. A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias).

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região.

(Sobre a situção posterior nesta região, veja-se o depoimento de um operações especial, o Eusébio, que esteve no Saltinho, entre finais de 1971 e Março de 1974).

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