16 dezembro 2005

Guiné 63/74 - CCCLXXIV: Aquelas noites frias de Dezembro (1) (L. Graça; H. Reis)

1. Texto do Luís Graça:

Agradeço ao Zé Neto, que é capitão e eu não sou, a preocupação com o rigor em relação ao calibre das armas. Eu era de armas pesadas de infantaria, pelo que não percebia nada de artilharia... E o pouco que sabia, confesso que esqueci... Para mais, deram-me uma G-3, quando fomos para a guerra... A minha tropa-macaca não tinha canhão sem recuo nem morteiro 80 (81, 82 ?)... Merda, esqueci o calibre do nosso morteiro!... Ficam os tertulianos a saber que em artilharia quando se diz que o obus é de 14, estamos a falar em cm: 14 centímetros, que é já um calibre de respeito!... Em infantaria devia-se usar o mesmo padrão mas não: não se diz morteiro 6 (o que se diz é morteiro 60 mm). Enfim, cada arma tem os seus tiques (... e os seus traques).

Quero também com isto dizer que temos de manter o moral das tropas elevado, mesmo que a linguagem continue a ser de caserna, ordinária... Boa disposição, camaradas, apesar do frio, das intempéries, da seca, do aquecimento global, da crise, da nossa baixa autoestima colectiva, enfim, de mais um ano que não deixa puto de saudades, etc. Sejamos nós, ao menos, os velhos tugas, a manter acesa e viva esta nossa arte de (sobre)viver. Há um milénio: é obra!

A propósito, recordo que nunca rapei tanto frio na Guiné como no final do ano: à noite as temperaturas chegavam aos 15 graus e nem o uísque aqueciam os nossos pobres corações... Quem se lembra destes tempos fodidos, das emboscadas à noite no perímetro de segurança dos aquartelamentos, destacamentos, tabancas ?!... Para não falar, das noites no mato, em operações... Quem quer falar disto, para além do Briote, do Dias, do Parreira, do Lopes e de outros grandes operacionais que temos na tertúlia ? Eu fico para as faltas... De qualquer modo, camaradas, eu acho que todos nós já merecemos... o céu! Um abraço do Luís Graça.

2. Comentário do Humberto Reis:

Eu lembro-me bem, tu também te deves lembrar, tal como todos os que foram operacionais.

A desgraçada da CCAÇ 12, naqueles sectores L1 e L5 (do Enxalé, na margem Norte do rio Geba, até Galomaro e ao Saltinho), era pau para toda a obra.Tinha, em permanência, um pelotão no destacamento da Ponte (estrada Bambadinca-Xime) e tinha que TODAS AS NOITES colocar um outro pelotão nos arredores de Bambadinca a fazer a segurança ao aquartelamento para que "dentro do arame farpado" se pudesse dormir mais descansado.

De manhã, após uma bela noite a alimentar os mosquitos e depois dos Senhores da Guerra já terem feito o seu soninho mais tranquilo, quando o pelotão regressasse estava sujeito a sair para mais uma operação.

Aquando da abertura do novo itinerário Bambadinca-Xime (quando viemos embora em Março de 71, ainda não estava totalmente asfaltado) era exactamente o pelotão que tinha estado toda a noite emboscado que tinha de ir, com mais outro, fazer a segurança ao pessoal civil (era a empresa TECNIL) que estava a trabalhar nesse empreendimento. Só da parte da tarde estes dois pelotões eram substituídos por pelotões do Xime e regressavam então a Bambadinca.

Houve uma altura em que o comando do Batalhão sediado em Bambadinca (tinha a CCS com um Pel Rec, um Pel Sap, um Pel Morteiros, um Pel Daimler, um Pel Intendência e um Destacamento de Engenharia) ainda queria que o pessoal operacional da CCAÇ 12 fizesse serviços dentro do aquartelamento (oficial de dia, sargento de dia, cabo de dia, reforços, etc.).

Claro que eles pagavam HORAS EXTRAORDINÁRIAS, davam SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO (em vales da Ticket Restaurante), um mês de férias com SUBSÍDIO, um 13º MÊS e uma mama de fora. Reclamei junto do nosso Capitão Brito (arrisquei levar uma porrada mas não levei por duas razões, nem eu fui malcriado ao ponto de ultrapassar os limites e ele é um bom homem) - Ele lá se convenceu e convenceu também o comando, da injustiça de tal situação e isso acabou logo após alguns dias.

Estórias que ajudam a fazer a História do nosso país, daquele país, daquele povo tão massacrado. Merecem melhor sorte.

Para TODOS UM SANTO NATAL. Humberto Reis

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