14 maio 2005

Guiné 69/71 - XVIII: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (5)

14 de Maio de 2005:

Caros amigos e camaradas:

Soube de vós todos através do Sousa de Castro. Aqueles que já me conhecem sabem que eu tive outro endereço, e falámos muito através dele. O que sucedeu é que tive de mudar esse endereço...A minha caixa de correio passou a ter [montes] de correspondência todos os dias, com ofertas de viagras (não é que não fizesse jeito, é claro) e outra drogas, meninas de presente e montes de outra publicidade. Enfim, era demais e fiquei farto! Para aqueles que eu conhecia enviei-lhes o meu novo endereço, mas não deu resultado, devido à minha nabice certamente. Devido a esta também, tive de mandar formatar o disco rígido mais de uma vez e perdi todos os endereços nele contidos.

Para todos, conhecidos e não conhecidos, é com muita satisfação que me junto ao grupo dos ex-combatentes e amigos da Guiné. Como vêem o meu endereço actual é cantacunda@netcabo.pt (hei-de um dia dizer-lhes o que era Cantacunda, na floresta do Oio, bem como Banjara, também na floresta do Oio).

Um abraço. A. Marques Lopes


13 de maio de 2005:

Guimarães:

Presumo que não saiba o que é feito do Banjara (António Marques Lopes, tenente coronel na reserva). Encontrei-o num site sobre a Guiné com o nome Cantacunda. Na mensagem que enviei há pouco fiz-lhe o convite para entrar no grupo. Ele possui muitos documentos sobre a guerra colonial e também sobre o 25 de Abril. "Tem de os divulgar".

Creio não ser problema no mundo de hoje podermos dizer o que nos vai na alma, temos de desabafar. Há coisas nas nossas cabeças que nem a mulher e os filhos são capazes de perceberem muito bem o que foi esse tempo. A Net é um veículo muito poderoso, temos de aproveitar este meio de comunicação para dar a conhecer à malta nova o que foi a guerra colonial na Guiné. Bom fim de semana.

13 de maio de 2005:

Humberto Reis:

Vi a mensagem que tinhas enviado ao Luís Graça, sim. Aliás ando sempre muito atento a tudo que fala na Guiné... Hoje muito mais atento ando, ainda bem que o espaço da minha companhia (todos tínhamos alguma coisa) está hoje a alargar-se. Bem para todos nós que de uma ou outra maneira andámos aquela guerra (...) No meio daquela guerra algo se saldou de extremamente positivo, a nossa fraternidade que só um combatente entende... Nem a mãe, a mulher ou o filho entenderá nunca as nossas vivências, a morte de um companheiro que, como nós era jovem e sonhava e deixou de o fazer abruptamente...

Essa operação para a Ponta do Inglês (informou-me mais concretamente o Luis Graça) ceifou aqueles nossos camaradas. Um deles que me acompanhou desde a recruta até ao momento em que desembarcámos no Xime na LDG que nos transportou... Foi a última vez que estive com aquele que um dia encontrarei no céu para lhe dar um abraço, o Cunha.

Em Bafatá, sim, conheci, mesmo no fim da minha comissão (estive lá colocado um tempinho), esse celebre café [das libanesas] e todas aquelas casas de comida e bebida... Bafatá tão linda ! Hoje como que jaz quase morta em relação áquilo que existia no nosso tempo... Tenho a sensação de que ano a ano tudo se degrada e cidades e povovoações se tornam fantasmas ... Bafatá hoje é um cortar de corações: tudo fechado, salvo uma ou outra casa...

Recordações do passado tão próximo ainda. Para isso estamos nós a recordar... ou a viver...

Continuaremos a conversa-Creio que pertencias também à CCAC 12, foste ao Xitole... possivelmente, foi lá que estive durante a minha comissão...

Um abraço... David J. Guimarães [CART 2716, aquartelada no Xitole, e pertencente ao BART 2917 > 1969/1970]

PS - Deixo aqui os meus dois endereços de e-mail: o de casa e o do local de trabalho.



12 de Maio de 2005:

É isso, David! Quer queiramos quer não acabamos a falar da "nossa", deles, Guiné.

Não sei se já viste uma mensagem que enviei para o Luís Graça sobre uma ida minha à Guiné em 1996. Voltei lá exactamente no dia em que fazia 25 anos que tinha vindo de lá (17 de Março de 71).

Por acaso também fui naquela operação dos 5 mortos, em que morreu o guia do Xime e um furriel miliciano, também do Xime (CART 2714). Coisas da vida que não deixamos de recordar, quer sejam boas quer sejam más.

Tenho "bebido" as vossas fotos de 2001 e as notícias que vão dando e lembro-me de que em 1996 quando cheguei a Bambadinca, uma ex-lavadeira (que não tinha sido a minha) me reconheceu ao fim de 25 anos. No vídeo que um amigo que ia comigo fez, nota-se perfeitamente que comecei a chorar, tal como o estou agora que estou a escrever estas linhas. Não tenho vergonha nenhuma de ter chorado.

Essa ex-lavadeira tem um sobrinho, que conheci lá nesse dia, chamado Zeca Braima Samá que é o professor de Bambadinca. Quem conheceu o célebre café das "libanesas" em Bafatá normalmente só se lembra daquelas caras bonitas, brancas, filhas da D. Rosa (ainda viva). Mas ela não tem só filhas, tem um filho, um pouco mais novo que nós, que foi páraquedista no BCP 12 de Bissalanca (já passou à peluda como tenente-coronel) e de quem tenho o prazer de ser amigo. Ele mora aqui na zona de Lisboa, mais concretamente em Linda A Velha, mas continua arreigado à terra que o viu nascer, Bafatá, e como bom libanês de antepassados, o comércio está-lhe na massa do sangue. Passa metade do ano em Bissau no negócio da castanha de cajú. Vem isto a propósito de ser ele, e o amigo que foi comigo à Guiné em 96, que me leva o material escolar para a escola de Bambadinca que eu passei a fornecer a expensas minhas desde essa data.

Esse professor, o Zeca, como eu lhe chamo, escreve correctamente o português e com uma caligrafia que faz inveja a muita gente, a começar por mim. Faz-me recordar o episódio do furriel enfermeiro do Xime da CART que teve lá um aluno que hoje é engenheiro em Portugal.

Para hoje já chega de divagações.
Recordar é viver.
Um abraço para vocês. Humberto Reis [CCAÇ 2590/CCAÇ 12 > Contuboel e Bambadina > Maio de 1969/Março de 1971]

12 de Maio de 2005:

Luís Graça:

Fiquei deveras emocionado - é bom de facto existirmos como gente de bem na altura, e fomos.... Não vamos discutir os regimes vigentes nem a justiça da guerra. A guerra é sempre injusta... Mas de todo o mal que a guerra é, uma coisa trouxe a cada combatente: um amigo mais e mais. Hoje somos milhares, tipo orfeão, afinados numa mesma voz, a solidariedade do combatente...

A companhia a que pertenci [CART 2716, Xitole] faz anualmente um convívio, no último sábado de Maio... De cada vez que nos reunimos sempre voltamos aos mesmos anos e as conversas repetem-se:
- Quando houve a emboscada e tu...; e daquela vez em que a coluna e os turras...; e naquele assalto, ena que coisa terrível, tanto fogo...; e mais isto, e mais aquilo....

Assim todos os anos são as mesmas operações, as mesmas bebedeiras, as mesmas bajudas, tudo recordações que nos assaltam o espírito e lá vem novamente a história do vagomestre que se meteu no abrigo debaixo da cama quando o quartel era bombardeado e dizia Ai maezinha!...

E aquele programa - curioso que era o João Paulo Diniz que o fazia - de discos pedidos... Alguém falava em crioulo: para o João Seissi Djaló que é de Catió, Gianni Morandi em Não sou dinho di vó...

Isto tudo para dizer o seguinte: andamos embrenhados nesta matéria e muitos mais quererão falar, expor e contar. Vamos recolher ex-camaradas e formar uma comunidade. Existe no Hotmail uma possibilidade de se abrir uma Comunidade gerenciada por nós e aí abrirmos uma frente de debate...

Acho importante. Se cada um contar um episódio de cada vez muito se escreverá e ficará um documento muito bom.... Acho essa ideia curiosa. O Sousa e Castro conhece como se manejam estas comunidades, inclusive podem-se fazer lá álbuns de fotografias... Elas só vão abaixo se não forem mexidas com participações ou se os gerentes quiserem que elas se extingam....

Creio que este será um modo de se arranjar bastantes documentos e tu, Luis Graça, por aí poderás por certo enriquecer o teu blogue que está uma maravilha... Diria eu que melhor é impossivel... É a primeira vez que vejo algo escrito sobre a nossa guerra, é verdade, a nossa guerra... Obrigado por lhe teres chamado o nosso espaço, é isso mesmo: tu arranjaste o nosso espaço... É aquele espaço da nossa juventude perdida. Obrigado.

Um abraço a todos os outros camaradas, David Guimarães [CART 2715]


11 de Maio de 2005:

Caros amigos e camaradas:

Vocês, quer queiram quer não, já estão no ciberespaço, na Net… Pesquisem no Google os vossos nomes, sem mais nada:

http://www.google.pt/

Introduzam os vossos nomes juntos ou separadamente, com aspas. Assim, por exemplo:

“David J. Guimarães”
“Sousa de Castro”
“David J. Guimarães” + “Sousa de Castro”

Ou então os vossos apelidos seguidos de palavras-chaves como Guiné, Xime, Xitole, guerra colonial:

Castro + Xime
Guimarães + Xitole

É uma pequena homenagem ao vosso esforço para que nós, os ex-combatentes da Guiné, a malta do triângulo (que foi de morte e foi de vida, de guerra e de paz, de sofrimento e de amizade) do Xime-Bambadinca-Xitole, o Sector L1 da Zona Leste, mas também a malta de todos os outros sectores, do norte ao sul da Guiné, não caiamos no esquecimento, não nos tornemos uma espécie em vias de extinção…

Luís Graça [CCAÇ 2590/ CÇAC 12]

Guiné 69/71 - XVIII: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (5)

14 de Maio de 2005:

Caros amigos e camaradas:

Soube de vós todos através do Sousa de Castro. Aqueles que já me conhecem sabem que eu tive outro endereço, e falámos muito através dele. O que sucedeu é que tive de mudar esse endereço...A minha caixa de correio passou a ter [montes] de correspondência todos os dias, com ofertas de viagras (não é que não fizesse jeito, é claro) e outra drogas, meninas de presente e montes de outra publicidade. Enfim, era demais e fiquei farto! Para aqueles que eu conhecia enviei-lhes o meu novo endereço, mas não deu resultado, devido à minha nabice certamente. Devido a esta também, tive de mandar formatar o disco rígido mais de uma vez e perdi todos os endereços nele contidos.

Para todos, conhecidos e não conhecidos, é com muita satisfação que me junto ao grupo dos ex-combatentes e amigos da Guiné. Como vêem o meu endereço actual é cantacunda@netcabo.pt (hei-de um dia dizer-lhes o que era Cantacunda, na floresta do Oio, bem como Banjara, também na floresta do Oio).

Um abraço. A. Marques Lopes


13 de maio de 2005:

Guimarães:

Presumo que não saiba o que é feito do Banjara (António Marques Lopes, tenente coronel na reserva). Encontrei-o num site sobre a Guiné com o nome Cantacunda. Na mensagem que enviei há pouco fiz-lhe o convite para entrar no grupo. Ele possui muitos documentos sobre a guerra colonial e também sobre o 25 de Abril. "Tem de os divulgar".

Creio não ser problema no mundo de hoje podermos dizer o que nos vai na alma, temos de desabafar. Há coisas nas nossas cabeças que nem a mulher e os filhos são capazes de perceberem muito bem o que foi esse tempo. A Net é um veículo muito poderoso, temos de aproveitar este meio de comunicação para dar a conhecer à malta nova o que foi a guerra colonial na Guiné. Bom fim de semana.

13 de maio de 2005:

Humberto Reis:

Vi a mensagem que tinhas enviado ao Luís Graça, sim. Aliás ando sempre muito atento a tudo que fala na Guiné... Hoje muito mais atento ando, ainda bem que o espaço da minha companhia (todos tínhamos alguma coisa) está hoje a alargar-se. Bem para todos nós que de uma ou outra maneira andámos aquela guerra (...) No meio daquela guerra algo se saldou de extremamente positivo, a nossa fraternidade que só um combatente entende... Nem a mãe, a mulher ou o filho entenderá nunca as nossas vivências, a morte de um companheiro que, como nós era jovem e sonhava e deixou de o fazer abruptamente...

Essa operação para a Ponta do Inglês (informou-me mais concretamente o Luis Graça) ceifou aqueles nossos camaradas. Um deles que me acompanhou desde a recruta até ao momento em que desembarcámos no Xime na LDG que nos transportou... Foi a última vez que estive com aquele que um dia encontrarei no céu para lhe dar um abraço, o Cunha.

Em Bafatá, sim, conheci, mesmo no fim da minha comissão (estive lá colocado um tempinho), esse celebre café [das libanesas] e todas aquelas casas de comida e bebida... Bafatá tão linda ! Hoje como que jaz quase morta em relação áquilo que existia no nosso tempo... Tenho a sensação de que ano a ano tudo se degrada e cidades e povovoações se tornam fantasmas ... Bafatá hoje é um cortar de corações: tudo fechado, salvo uma ou outra casa...

Recordações do passado tão próximo ainda. Para isso estamos nós a recordar... ou a viver...

Continuaremos a conversa-Creio que pertencias também à CCAC 12, foste ao Xitole... possivelmente, foi lá que estive durante a minha comissão...

Um abraço... David J. Guimarães [CART 2716, aquartelada no Xitole, e pertencente ao BART 2917 > 1969/1970]

PS - Deixo aqui os meus dois endereços de e-mail: o de casa e o do local de trabalho.



12 de Maio de 2005:

É isso, David! Quer queiramos quer não acabamos a falar da "nossa", deles, Guiné.

Não sei se já viste uma mensagem que enviei para o Luís Graça sobre uma ida minha à Guiné em 1996. Voltei lá exactamente no dia em que fazia 25 anos que tinha vindo de lá (17 de Março de 71).

Por acaso também fui naquela operação dos 5 mortos, em que morreu o guia do Xime e um furriel miliciano, também do Xime (CART 2714). Coisas da vida que não deixamos de recordar, quer sejam boas quer sejam más.

Tenho "bebido" as vossas fotos de 2001 e as notícias que vão dando e lembro-me de que em 1996 quando cheguei a Bambadinca, uma ex-lavadeira (que não tinha sido a minha) me reconheceu ao fim de 25 anos. No vídeo que um amigo que ia comigo fez, nota-se perfeitamente que comecei a chorar, tal como o estou agora que estou a escrever estas linhas. Não tenho vergonha nenhuma de ter chorado.

Essa ex-lavadeira tem um sobrinho, que conheci lá nesse dia, chamado Zeca Braima Samá que é o professor de Bambadinca. Quem conheceu o célebre café das "libanesas" em Bafatá normalmente só se lembra daquelas caras bonitas, brancas, filhas da D. Rosa (ainda viva). Mas ela não tem só filhas, tem um filho, um pouco mais novo que nós, que foi páraquedista no BCP 12 de Bissalanca (já passou à peluda como tenente-coronel) e de quem tenho o prazer de ser amigo. Ele mora aqui na zona de Lisboa, mais concretamente em Linda A Velha, mas continua arreigado à terra que o viu nascer, Bafatá, e como bom libanês de antepassados, o comércio está-lhe na massa do sangue. Passa metade do ano em Bissau no negócio da castanha de cajú. Vem isto a propósito de ser ele, e o amigo que foi comigo à Guiné em 96, que me leva o material escolar para a escola de Bambadinca que eu passei a fornecer a expensas minhas desde essa data.

Esse professor, o Zeca, como eu lhe chamo, escreve correctamente o português e com uma caligrafia que faz inveja a muita gente, a começar por mim. Faz-me recordar o episódio do furriel enfermeiro do Xime da CART que teve lá um aluno que hoje é engenheiro em Portugal.

Para hoje já chega de divagações.
Recordar é viver.
Um abraço para vocês. Humberto Reis [CCAÇ 2590/CCAÇ 12 > Contuboel e Bambadina > Maio de 1969/Março de 1971]

12 de Maio de 2005:

Luís Graça:

Fiquei deveras emocionado - é bom de facto existirmos como gente de bem na altura, e fomos.... Não vamos discutir os regimes vigentes nem a justiça da guerra. A guerra é sempre injusta... Mas de todo o mal que a guerra é, uma coisa trouxe a cada combatente: um amigo mais e mais. Hoje somos milhares, tipo orfeão, afinados numa mesma voz, a solidariedade do combatente...

A companhia a que pertenci [CART 2716, Xitole] faz anualmente um convívio, no último sábado de Maio... De cada vez que nos reunimos sempre voltamos aos mesmos anos e as conversas repetem-se:
- Quando houve a emboscada e tu...; e daquela vez em que a coluna e os turras...; e naquele assalto, ena que coisa terrível, tanto fogo...; e mais isto, e mais aquilo....

Assim todos os anos são as mesmas operações, as mesmas bebedeiras, as mesmas bajudas, tudo recordações que nos assaltam o espírito e lá vem novamente a história do vagomestre que se meteu no abrigo debaixo da cama quando o quartel era bombardeado e dizia Ai maezinha!...

E aquele programa - curioso que era o João Paulo Diniz que o fazia - de discos pedidos... Alguém falava em crioulo: para o João Seissi Djaló que é de Catió, Gianni Morandi em Não sou dinho di vó...

Isto tudo para dizer o seguinte: andamos embrenhados nesta matéria e muitos mais quererão falar, expor e contar. Vamos recolher ex-camaradas e formar uma comunidade. Existe no Hotmail uma possibilidade de se abrir uma Comunidade gerenciada por nós e aí abrirmos uma frente de debate...

Acho importante. Se cada um contar um episódio de cada vez muito se escreverá e ficará um documento muito bom.... Acho essa ideia curiosa. O Sousa e Castro conhece como se manejam estas comunidades, inclusive podem-se fazer lá álbuns de fotografias... Elas só vão abaixo se não forem mexidas com participações ou se os gerentes quiserem que elas se extingam....

Creio que este será um modo de se arranjar bastantes documentos e tu, Luis Graça, por aí poderás por certo enriquecer o teu blogue que está uma maravilha... Diria eu que melhor é impossivel... É a primeira vez que vejo algo escrito sobre a nossa guerra, é verdade, a nossa guerra... Obrigado por lhe teres chamado o nosso espaço, é isso mesmo: tu arranjaste o nosso espaço... É aquele espaço da nossa juventude perdida. Obrigado.

Um abraço a todos os outros camaradas, David Guimarães [CART 2715]


11 de Maio de 2005:

Caros amigos e camaradas:

Vocês, quer queiram quer não, já estão no ciberespaço, na Net… Pesquisem no Google os vossos nomes, sem mais nada:

http://www.google.pt/

Introduzam os vossos nomes juntos ou separadamente, com aspas. Assim, por exemplo:

“David J. Guimarães”
“Sousa de Castro”
“David J. Guimarães” + “Sousa de Castro”

Ou então os vossos apelidos seguidos de palavras-chaves como Guiné, Xime, Xitole, guerra colonial:

Castro + Xime
Guimarães + Xitole

É uma pequena homenagem ao vosso esforço para que nós, os ex-combatentes da Guiné, a malta do triângulo (que foi de morte e foi de vida, de guerra e de paz, de sofrimento e de amizade) do Xime-Bambadinca-Xitole, o Sector L1 da Zona Leste, mas também a malta de todos os outros sectores, do norte ao sul da Guiné, não caiamos no esquecimento, não nos tornemos uma espécie em vias de extinção…

Luís Graça [CCAÇ 2590/ CÇAC 12]

12 maio 2005

Humor com humor se paga - XXXI: A sagrada família...

Que a família já não é como dantes, todos o sabemos. Aliás, haverá alguma coisa que seja como dantes ? Talvez os pobres, mas nem mesmo esses!... Os pobres são hoje mais pobres do que dantes, e os ricos ainda mais ricos do que dantes... Dantes aidna a«havia o Robin dos Bos ques e o Zé do Telhado que, dizem, roubavam aos ricos para dar aos pobres. Agora,é o Alibabá e os 40 ladrões que comem à mesa do Estado, como se dizia na Belle Époque, no tempo do Senhor Rei Dom Carlos...

Pois a primeira anedota de hoje é sobre a família, aliás ex-família, aliás ex-sagrada. E não podia ser mais cruel, a anedota, a ex-família, a ex-sagrada família. Nada pode ser mais cruel do que as relações familiares que temos hoje em dia. Ou que sempre tivemos ? Se calhar a família de cada época tem a crueldade (mental) que merece.

Reza assim a anedota (inspirada numa versão beta que a Paula me mandou):

A filha faz 21 anos, acabou de formar-se, arranjou um emprego, comprou casa e vai casar-se (o cinco em um, o que é fabuloso nos tempos que correm, em que os filhos vão se esquecendo de ir à procura de emprego, de casa, de parceira ou parceira para acasalar, etc. e vou ficando na casa dos velhos, que é o melhor hotel do mundo!)...

O pai está radiante, felicíssimo, por passar o último cheque da pensão de alimentos que paga à ex-mulher. Prepara-se mesmo para fazer uma grande farra com os amigos e com a nova namorada, e dar o grito de Ipiranga. Ao passar o último cheque e ao entregá-lo à filha, como habitualmente, para esta o fazer chegar às mãos da ex-mulher, o pai pede-lhe para depois lhe descrever a cara da mãe quando ela, filha, lhe disser que aquele é o último cheque da pensão, atribuída por decisão transitada em julgado, e que ele, pai, ex-marido, teve de assinar...

- Diz-lhe que este é mesmo o último cheque passado cá pelo otário!

A filha assim fez. Depois de entregar o cheque à mãe, volta a casa do pai para lhe dar a resposta.

- Então, minha filha, qual foi a reacção da tua mãe?
- Olha, ela mandou dizer que tu afinal... não és o meu pai!

Moral da estória: o último a rir é sempre o que ri melhor. E se os homens (nem todos...) podem ser violentos e grosseiros, as mulheres (quase todas...), essas, batem-nos aos pontos em mordacidade e crueldade!

2. A outra estória não é menos edificante (foi-me enviada, também versão beta, do Fundão pelo António, a quem agradeço).

O Marido e a Mulher estão zangados e não trocam uma única palavra desde há três dias... No 4º dia o homem lembra-se que tem uma importante reunião de negócios, na manhã seguinte. Para estar no escritório a horas, o homem precisava de se levantar cedo. Resolveu, por isso, pedir à mulher para acordá-lo. Mas, para quebrar o clima de hostilidade mútua e não dar o braço a torcer, em vez de lhe falar directamente, escreveu-lhe num papel: "Acorda-me, s.f.f., às seis da manhã. Reunião de negócios muito importante. Obrigado".

Quando acorda no outro dia, já o sol ia alto e o relógio marcava 10h!... Teve uma ataque de nervos e gritou bem alto para as paredes (já que a mulher tinha saído para o trabalho):
- A cabra, a estúpida, a filha da mãe, não me acordou!!!

Nisto olha para a mesa de cabeceira e descobre, no mesmo papel, uma mensagem que a mulher lhe deixara, escrita a lápis, antes de sair:

- São seis horas da manhã. Levanta-te!!!


Moral da estória: Não vale a pena fazeres a greve das comunicações (orais ou outras) com a tua esposa (namorada, concubina, amázia...), porque ela ganha-te sempre. Aliás, o melhor mesmo é desistires, que elas, as mulheres, ganham-te sempre! O povo é que é sexista e misógeno, não sou eu, quando diz que "a raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas". Ah! grandre povo que tens as costas largas e uma cabeça tão pequena para pôr o chapéu...

Humor com humor se paga - XXXI: A sagrada família...

Que a família já não é como dantes, todos o sabemos. Aliás, haverá alguma coisa que seja como dantes ? Talvez os pobres, mas nem mesmo esses!... Os pobres são hoje mais pobres do que dantes, e os ricos ainda mais ricos do que dantes... Dantes aidna a«havia o Robin dos Bos ques e o Zé do Telhado que, dizem, roubavam aos ricos para dar aos pobres. Agora,é o Alibabá e os 40 ladrões que comem à mesa do Estado, como se dizia na Belle Époque, no tempo do Senhor Rei Dom Carlos...

Pois a primeira anedota de hoje é sobre a família, aliás ex-família, aliás ex-sagrada. E não podia ser mais cruel, a anedota, a ex-família, a ex-sagrada família. Nada pode ser mais cruel do que as relações familiares que temos hoje em dia. Ou que sempre tivemos ? Se calhar a família de cada época tem a crueldade (mental) que merece.

Reza assim a anedota (inspirada numa versão beta que a Paula me mandou):

A filha faz 21 anos, acabou de formar-se, arranjou um emprego, comprou casa e vai casar-se (o cinco em um, o que é fabuloso nos tempos que correm, em que os filhos vão se esquecendo de ir à procura de emprego, de casa, de parceira ou parceira para acasalar, etc. e vou ficando na casa dos velhos, que é o melhor hotel do mundo!)...

O pai está radiante, felicíssimo, por passar o último cheque da pensão de alimentos que paga à ex-mulher. Prepara-se mesmo para fazer uma grande farra com os amigos e com a nova namorada, e dar o grito de Ipiranga. Ao passar o último cheque e ao entregá-lo à filha, como habitualmente, para esta o fazer chegar às mãos da ex-mulher, o pai pede-lhe para depois lhe descrever a cara da mãe quando ela, filha, lhe disser que aquele é o último cheque da pensão, atribuída por decisão transitada em julgado, e que ele, pai, ex-marido, teve de assinar...

- Diz-lhe que este é mesmo o último cheque passado cá pelo otário!

A filha assim fez. Depois de entregar o cheque à mãe, volta a casa do pai para lhe dar a resposta.

- Então, minha filha, qual foi a reacção da tua mãe?
- Olha, ela mandou dizer que tu afinal... não és o meu pai!

Moral da estória: o último a rir é sempre o que ri melhor. E se os homens (nem todos...) podem ser violentos e grosseiros, as mulheres (quase todas...), essas, batem-nos aos pontos em mordacidade e crueldade!

2. A outra estória não é menos edificante (foi-me enviada, também versão beta, do Fundão pelo António, a quem agradeço).

O Marido e a Mulher estão zangados e não trocam uma única palavra desde há três dias... No 4º dia o homem lembra-se que tem uma importante reunião de negócios, na manhã seguinte. Para estar no escritório a horas, o homem precisava de se levantar cedo. Resolveu, por isso, pedir à mulher para acordá-lo. Mas, para quebrar o clima de hostilidade mútua e não dar o braço a torcer, em vez de lhe falar directamente, escreveu-lhe num papel: "Acorda-me, s.f.f., às seis da manhã. Reunião de negócios muito importante. Obrigado".

Quando acorda no outro dia, já o sol ia alto e o relógio marcava 10h!... Teve uma ataque de nervos e gritou bem alto para as paredes (já que a mulher tinha saído para o trabalho):
- A cabra, a estúpida, a filha da mãe, não me acordou!!!

Nisto olha para a mesa de cabeceira e descobre, no mesmo papel, uma mensagem que a mulher lhe deixara, escrita a lápis, antes de sair:

- São seis horas da manhã. Levanta-te!!!


Moral da estória: Não vale a pena fazeres a greve das comunicações (orais ou outras) com a tua esposa (namorada, concubina, amázia...), porque ela ganha-te sempre. Aliás, o melhor mesmo é desistires, que elas, as mulheres, ganham-te sempre! O povo é que é sexista e misógeno, não sou eu, quando diz que "a raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas". Ah! grandre povo que tens as costas largas e uma cabeça tão pequena para pôr o chapéu...

11 maio 2005

Guiné 69/71 - XVII: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (4)

1. O David J. Guimarães tem sido um incansável alimentador da minha/nossa memória da guerra colonial. As suas fotografias, os seus apontamentos, ajudaram-me a preencher inúmeras falhas de memória em relaçã à Guiné do meu tempo, desde Bissau a Bafatá, do Xime ao Xitole... Hoje recebi mais umas tantas fotografias de Bissau, tiradas por ocasião da sua viagem em finais de 2001. Diz o meu camarada do Xitole e de Bambadinca:

"Ora aí vai mais um pedaço daquilo que está lá, na nossa Guiné. Digo nossa porque afinal está no coração. Quanto ao resto, é deles e com todo o direito. E que eles tenham inteligência para não deixarem o país capitular. Pouco falta e é pena"...

Muitos ex-combatentes, como o David e eu, seguem com apreensão os acontecimentos políticos na Guiné-Bissau. São pessoas que têm um sentimento de afecto pelos guinéus, que querem o melhor para os filhos da Guiné, mas que receiam pelo futuro, pela paz, pela liberdade, pela independência daquele país. É um parto difícil a construção de um Estado democrático e moderno em África. Também nós levámos séculos, em Portugal e no resto da Europa, a modernizar e a democratizar as nossas sociedades e os nossos Estados. O ponto a que chegámos hoje não é, de modo algum, um ponto irreversível. A barbárie está sempre à espreita. O fascismo, o totalitarismo, podem sempre entrar-nos pela porta dentro. Historicamente não há conquistas irreversíveis. Quem sou eu para levantar o dedo acusador à Guiné-Bissau e aos guinéus ? É claro que me aflige ver que a Guiné-Bissau pode estar à beira da barbárie, do precipício,da pulverização, do golpe de Estado, da anarquia, da fome... É uma caixa de Pandora. Preocupa-me que não haja Estado, administração pública, serviços de saúde e escolas a funcionar em condições, garantias e liberdades, pão, paz, segurança... Preocupa-me o futuro da Guiné, das suas crianças, das suas mulheres, dos seus trabalhadores, dos seus desempregados... Vai haver eleições presidenciais, mais de vinte e tal candidatos e, pelo que ouvi na Rádio África, cada candidato terá direito a um subsídio de campanha no montante de vinte mil dólares. Será que ouvi bem ? Um dos países mais pobres do mundo, com um escasso milhão de habitantes, e que vive da caridade internacional, vai financiar com mais de meio de dólares a campamha eleitoral dos vinte e tal candidatos à Presidência da República!... Delirante ? Surrealista ? Burlesco ? Trágico ? Kafkiano ?

Quem sou eu, que fui combatente da guerra colonial, memso contra a a minha própria guerra, para dar lições de ética, de moral ou de civismo aos guinéus ? Mas mesmo assim tenho direito a pensar emn voz alta e em manifestar as minhas perplexidades perante ao actual momento social e político na Guiné-Bissau. SEm com isso querer ser paternalista e, muito menos, imiscuir-me nos "assuntos internos" do país que Amílcar Cabral ajudou a fundar.

2. Retomando a mensagem do Guimarães: " Envio-te esses testemunhos. Creio que todos reconhecerão a 5ª Rep, o antigo Café Bento: acho importante essa fotografia. Todos se lembrarão do Pelicano e da Marginal; da casa Gouveia, que é agora o Ministério da Economia; do Forte da Amura e do quartel-general, lá em cima, na zona de Santa Luzia...Enfim, é a Guiné.

"Muito gostaria, dado o ficheiro ser grande, de ter a certeza de que o recebeste em boas condições. Mata saudades que, afinal, é das coisas que vale a pena matar"...

Grande filósofo, grande sábio, o meu amigo David:

"Ninguém de sã espírito entenderá como um combatente gostará assim tanto dos locais onde sentiu a morte tão perto, o matraquear da metralhadora, o troar do obus, a metralha das armas ligeiras, os gritos de horror... Afinal a vida até por isso valerá a pena, não sei!"...

E com esta é que ele me mata: "Sabes, Luís, ninguém entenderá como milhares de Portugueses hoje têm saudades daquilo lá. E vale a pena, podendo, ires lá, digo eu... Para um dia dormires descansado. E se tiveres que chorar chora, porque agora temos liberdade para isso e faz-nos bem. Não, não é feio um homem chorar: feio foram outras coisas, mas isso já é política... Abraço. David".


3. Fico sem palavras. LG.

Guiné 69/71 - XVII: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (4)

1. O David J. Guimarães tem sido um incansável alimentador da minha/nossa memória da guerra colonial. As suas fotografias, os seus apontamentos, ajudaram-me a preencher inúmeras falhas de memória em relaçã à Guiné do meu tempo, desde Bissau a Bafatá, do Xime ao Xitole... Hoje recebi mais umas tantas fotografias de Bissau, tiradas por ocasião da sua viagem em finais de 2001. Diz o meu camarada do Xitole e de Bambadinca:

"Ora aí vai mais um pedaço daquilo que está lá, na nossa Guiné. Digo nossa porque afinal está no coração. Quanto ao resto, é deles e com todo o direito. E que eles tenham inteligência para não deixarem o país capitular. Pouco falta e é pena"...

Muitos ex-combatentes, como o David e eu, seguem com apreensão os acontecimentos políticos na Guiné-Bissau. São pessoas que têm um sentimento de afecto pelos guinéus, que querem o melhor para os filhos da Guiné, mas que receiam pelo futuro, pela paz, pela liberdade, pela independência daquele país. É um parto difícil a construção de um Estado democrático e moderno em África. Também nós levámos séculos, em Portugal e no resto da Europa, a modernizar e a democratizar as nossas sociedades e os nossos Estados. O ponto a que chegámos hoje não é, de modo algum, um ponto irreversível. A barbárie está sempre à espreita. O fascismo, o totalitarismo, podem sempre entrar-nos pela porta dentro. Historicamente não há conquistas irreversíveis. Quem sou eu para levantar o dedo acusador à Guiné-Bissau e aos guinéus ? É claro que me aflige ver que a Guiné-Bissau pode estar à beira da barbárie, do precipício,da pulverização, do golpe de Estado, da anarquia, da fome... É uma caixa de Pandora. Preocupa-me que não haja Estado, administração pública, serviços de saúde e escolas a funcionar em condições, garantias e liberdades, pão, paz, segurança... Preocupa-me o futuro da Guiné, das suas crianças, das suas mulheres, dos seus trabalhadores, dos seus desempregados... Vai haver eleições presidenciais, mais de vinte e tal candidatos e, pelo que ouvi na Rádio África, cada candidato terá direito a um subsídio de campanha no montante de vinte mil dólares. Será que ouvi bem ? Um dos países mais pobres do mundo, com um escasso milhão de habitantes, e que vive da caridade internacional, vai financiar com mais de meio de dólares a campamha eleitoral dos vinte e tal candidatos à Presidência da República!... Delirante ? Surrealista ? Burlesco ? Trágico ? Kafkiano ?

Quem sou eu, que fui combatente da guerra colonial, memso contra a a minha própria guerra, para dar lições de ética, de moral ou de civismo aos guinéus ? Mas mesmo assim tenho direito a pensar emn voz alta e em manifestar as minhas perplexidades perante ao actual momento social e político na Guiné-Bissau. SEm com isso querer ser paternalista e, muito menos, imiscuir-me nos "assuntos internos" do país que Amílcar Cabral ajudou a fundar.

2. Retomando a mensagem do Guimarães: " Envio-te esses testemunhos. Creio que todos reconhecerão a 5ª Rep, o antigo Café Bento: acho importante essa fotografia. Todos se lembrarão do Pelicano e da Marginal; da casa Gouveia, que é agora o Ministério da Economia; do Forte da Amura e do quartel-general, lá em cima, na zona de Santa Luzia...Enfim, é a Guiné.

"Muito gostaria, dado o ficheiro ser grande, de ter a certeza de que o recebeste em boas condições. Mata saudades que, afinal, é das coisas que vale a pena matar"...

Grande filósofo, grande sábio, o meu amigo David:

"Ninguém de sã espírito entenderá como um combatente gostará assim tanto dos locais onde sentiu a morte tão perto, o matraquear da metralhadora, o troar do obus, a metralha das armas ligeiras, os gritos de horror... Afinal a vida até por isso valerá a pena, não sei!"...

E com esta é que ele me mata: "Sabes, Luís, ninguém entenderá como milhares de Portugueses hoje têm saudades daquilo lá. E vale a pena, podendo, ires lá, digo eu... Para um dia dormires descansado. E se tiveres que chorar chora, porque agora temos liberdade para isso e faz-nos bem. Não, não é feio um homem chorar: feio foram outras coisas, mas isso já é política... Abraço. David".


3. Fico sem palavras. LG.

10 maio 2005

Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2)

1. Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Sector L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.

Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.

2. Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Carlos José Luís Carcalhinho da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.

Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 6 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camarà.

O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo.

Moral da estória: O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence.

3. Ontem, 9 de Maio de 2005, o Mussá Biai deve ter tido uma agradável surpresa. O Sousa de Castro, que esteve no Xime nessa altura, escreveu-lhe, depois de saber a sua estória através de mim. E deu-he notícias do seu professor primário! Aqui vai o teor da sua mensagem:

"Como estas coisa são!... Como este mundo é pequeno!... Quero dizer ao Zé Carlos que eu, António Castro, de Viana do Castelo, fui 1º cabo radiotelegrafista da CART 3494 (Fantasmas do Xime), conheço perfeitamente o ex-Furriel enfermeiro, dou-me muito bem com ele. Curiosamente ele irá talvez em Junho ou Julho à Guiné ao abrigo da Plataforma de Cooperação com a Guiné-Bissau, mais precisamente ao Cacheu que está geminado com Viana do Castelo desde 1988.

"Informo também o Zé Carlos qual o endereço e telefone para o poder contactar. O nome correcto é:

José Luís Carvalhido da Ponte
Rua Moinho Vidro, 89
Viana do Castelo
4900-753 MEADELA".

O que dizer mais ? Que esta história não acaba aqui, mesmo acabando bem. Um dia destes almoçamos juntos e vamos continuar a contar estórias sobre o Xime e os meninos da guerra que às vezes até conseguiam ser felizes.

Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2)

1. Acabei de falar com o José Carlos Mussá Biai: nasceu em 1963, no Xime, e era menino no tempo em que por lá passaram a CART 2715 e a CART 3494. Era menino no tempo em que eu estive no Sector L1 da Zona leste, correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.

Sei que, até ao fim da guerra, ele, a família e os vizinhos da sua tabanca sofreram muitos ataques. Uma família inteira, perto da sua morança, morreu. A sua infância não foi fácil. A vida também não foi fácil para a população civil, de etnia mandinga, que ficou no Xime.

2. Em contrapartida, também houve algumas coisas boas. Por exemplo, o furriel miliciano enfermeiro José Carlos José Luís Carcalhinho da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.

Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 6 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camarà.

O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo.

Moral da estória: O José Carlos é um exemplo de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano. Que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence.

3. Ontem, 9 de Maio de 2005, o Mussá Biai deve ter tido uma agradável surpresa. O Sousa de Castro, que esteve no Xime nessa altura, escreveu-lhe, depois de saber a sua estória através de mim. E deu-he notícias do seu professor primário! Aqui vai o teor da sua mensagem:

"Como estas coisa são!... Como este mundo é pequeno!... Quero dizer ao Zé Carlos que eu, António Castro, de Viana do Castelo, fui 1º cabo radiotelegrafista da CART 3494 (Fantasmas do Xime), conheço perfeitamente o ex-Furriel enfermeiro, dou-me muito bem com ele. Curiosamente ele irá talvez em Junho ou Julho à Guiné ao abrigo da Plataforma de Cooperação com a Guiné-Bissau, mais precisamente ao Cacheu que está geminado com Viana do Castelo desde 1988.

"Informo também o Zé Carlos qual o endereço e telefone para o poder contactar. O nome correcto é:

José Luís Carvalhido da Ponte
Rua Moinho Vidro, 89
Viana do Castelo
4900-753 MEADELA".

O que dizer mais ? Que esta história não acaba aqui, mesmo acabando bem. Um dia destes almoçamos juntos e vamos continuar a contar estórias sobre o Xime e os meninos da guerra que às vezes até conseguiam ser felizes.

09 maio 2005

Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1)

1. Recebi na sexta-feira passada, dia 6 de Maio, uma mensagem que me comoveu e que, ao mesmo tempo, me deixou orgulhoso enquanto tuga. Passo a transcrevê-la:

"Dr. Luís Graça

"Descupe-me roubar o seu precioso tempo, mas tomei a liberdade de lhe enviar este e-mail, porque estive a ler o seu blogue e vi que você cumpriu o serviço militar na minha terra, Xime, e logo nas companhias que marcaram a minha infância, CART 2715 e CART 3494. Isso porque há alguém que me ficou na memória para sempre por ter sido meu professor na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14, e de nos ter feito crianças felizes. Essa pessoa é de Viana de Castelo, era furriel [miliciano]enfermeiro, de nome José Luís Carcalhinho da Ponte.

Gostava de falar mais consigo, caso tenha tempo e disponibilidade para me aturar.
Os meus cumprimentos, José Carlos Mussá Biai."

2. Eis a minha resposta, com data de hoje:

"José Carlos: Só hoje de manhã li a sua mensagem. Deixe-me confessar-lhe que me comoveu mas ao mesmo tempo também me deixou uma pontinha de orgulho. Você não é dos guinéus que diabolizam os tugas (o termo depreciativo que, como deve estar lembrado, era utilizado pelos guineenses, em geral, para se referirem aos portugueses que ocupavam a vossa terra). Penso que esse tempo, em que as coisas eram vistas a branco e preto, já passou. O tempo dos ressentimentos já passou. A histórias e as estórias são sempre muito mais compridas e complicadas do que o tempo que a gente tem para as escrever e contar… Além disso, o meu país e o meu povo estão reconciliados um com o outro, e também com a Guiné e com os guineenses, os quais de resto continuam a ter um lugar especial no nosso coração de tugas.

"Dito isto, eu fico muito orgulhoso por saber que você era um menino do Xime, no meu tempo de furriel miliciano da CCAÇ 12 (Maio de 1969-Março de 1971), e que foi um outro furriel miliciano, enfermeiro, José Luís Carcalhinho da Ponte, tuga, minhoto de Viana do Castelo, que o ajudou a aprender a língua de Camões, e que fez de si uma criança feliz. De si e de outras crianças do Xime. A sua mensagem revela uma grande sensibilidade humana, além da gratidão por um homem que, nas horas vagas da guerra, ensinava os meninos da Guiné.

"Claro que eu terei tempo e muito gosto em falar consigo, e daí deixar-lhe os meus contactos. O mais simples é indicar-me o seu número de telefone. Procurei contactá-lo rapidamente. E, se mo permitir, vou pôr o seu nome e o seu endereço de e-mail na minha lista de contactos de pessoas que, por uma razão ou outra, estão ligadas ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole no tempo da guerra colonial. Veja a minha página sobre os Subsídios para a História da Gerra Clonial> Guiné.

"Devo esclarecê-lo que eu não pertenci à CART 2715 nem à CART 3494. Sou mais velho do que os elementos destas companhias. Mas metade da minha comissão passei-o em contacto frequente com a CART 2715 que estava sedeada no Xime. Os camaradas da CART 3494 (que chegou ao Xime por volta de Janeiro de 1972) já não os conheci, mas eles continuaram a trabalhar com a CCAÇ 12 (que era formada por praças africanas, oriundas do chão fula, e em especial dos regulados de Xime, Corubal, Badora e Cossé; todos eles eram fulas ou futafulas, à excepção de um mancanhe, que era natural de Bissau; havia ainda dois mandingas).

"Vou pô-lo em contacto com duas pessoas desse tempo:

(i) o Sousa de Castro (o ex-1º cabo radiotelegrafista Castro, que pertencia à CART 3494, e que curiosamente também é natural de Viana do Castelo, ou vive e trabalha lá);

(ii) o David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole, e do mesmo batalhão da CART 2715, o BART 2917). O seu professor primário, José Luís Carcalhinho da Ponte, deve ter pertencido à CART 2715 ou à CART 3494 (que, por sua vez, estava integrada no BART 3873).

"Presumo que o José Carlos queira encontrar, contactar ou obter o contacto do seu mestre de escola. Talvez estes dois nossos amigos o possam ajudar. Eu, pessoalmente, não conheço nem me lembro desse furriel miliciano enfermeiro. Um ciber-abraço. LG."

3. Fiquei hoje a saber, pelo endereço de e-mail e por uma pesquisa rápida na Net, que o José Carlos Mussa Biai trabalha no Intituto Geográfico Português e é co-autor de um ou mais trabalhos de investigação na área de engenharia florestal onde se formou, relacionados com o seu país de origem.

Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1)

1. Recebi na sexta-feira passada, dia 6 de Maio, uma mensagem que me comoveu e que, ao mesmo tempo, me deixou orgulhoso enquanto tuga. Passo a transcrevê-la:

"Dr. Luís Graça

"Descupe-me roubar o seu precioso tempo, mas tomei a liberdade de lhe enviar este e-mail, porque estive a ler o seu blogue e vi que você cumpriu o serviço militar na minha terra, Xime, e logo nas companhias que marcaram a minha infância, CART 2715 e CART 3494. Isso porque há alguém que me ficou na memória para sempre por ter sido meu professor na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14, e de nos ter feito crianças felizes. Essa pessoa é de Viana de Castelo, era furriel [miliciano]enfermeiro, de nome José Luís Carcalhinho da Ponte.

Gostava de falar mais consigo, caso tenha tempo e disponibilidade para me aturar.
Os meus cumprimentos, José Carlos Mussá Biai."

2. Eis a minha resposta, com data de hoje:

"José Carlos: Só hoje de manhã li a sua mensagem. Deixe-me confessar-lhe que me comoveu mas ao mesmo tempo também me deixou uma pontinha de orgulho. Você não é dos guinéus que diabolizam os tugas (o termo depreciativo que, como deve estar lembrado, era utilizado pelos guineenses, em geral, para se referirem aos portugueses que ocupavam a vossa terra). Penso que esse tempo, em que as coisas eram vistas a branco e preto, já passou. O tempo dos ressentimentos já passou. A histórias e as estórias são sempre muito mais compridas e complicadas do que o tempo que a gente tem para as escrever e contar… Além disso, o meu país e o meu povo estão reconciliados um com o outro, e também com a Guiné e com os guineenses, os quais de resto continuam a ter um lugar especial no nosso coração de tugas.

"Dito isto, eu fico muito orgulhoso por saber que você era um menino do Xime, no meu tempo de furriel miliciano da CCAÇ 12 (Maio de 1969-Março de 1971), e que foi um outro furriel miliciano, enfermeiro, José Luís Carcalhinho da Ponte, tuga, minhoto de Viana do Castelo, que o ajudou a aprender a língua de Camões, e que fez de si uma criança feliz. De si e de outras crianças do Xime. A sua mensagem revela uma grande sensibilidade humana, além da gratidão por um homem que, nas horas vagas da guerra, ensinava os meninos da Guiné.

"Claro que eu terei tempo e muito gosto em falar consigo, e daí deixar-lhe os meus contactos. O mais simples é indicar-me o seu número de telefone. Procurei contactá-lo rapidamente. E, se mo permitir, vou pôr o seu nome e o seu endereço de e-mail na minha lista de contactos de pessoas que, por uma razão ou outra, estão ligadas ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole no tempo da guerra colonial. Veja a minha página sobre os Subsídios para a História da Gerra Clonial> Guiné.

"Devo esclarecê-lo que eu não pertenci à CART 2715 nem à CART 3494. Sou mais velho do que os elementos destas companhias. Mas metade da minha comissão passei-o em contacto frequente com a CART 2715 que estava sedeada no Xime. Os camaradas da CART 3494 (que chegou ao Xime por volta de Janeiro de 1972) já não os conheci, mas eles continuaram a trabalhar com a CCAÇ 12 (que era formada por praças africanas, oriundas do chão fula, e em especial dos regulados de Xime, Corubal, Badora e Cossé; todos eles eram fulas ou futafulas, à excepção de um mancanhe, que era natural de Bissau; havia ainda dois mandingas).

"Vou pô-lo em contacto com duas pessoas desse tempo:

(i) o Sousa de Castro (o ex-1º cabo radiotelegrafista Castro, que pertencia à CART 3494, e que curiosamente também é natural de Viana do Castelo, ou vive e trabalha lá);

(ii) o David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716, aquartelada no Xitole, e do mesmo batalhão da CART 2715, o BART 2917). O seu professor primário, José Luís Carcalhinho da Ponte, deve ter pertencido à CART 2715 ou à CART 3494 (que, por sua vez, estava integrada no BART 3873).

"Presumo que o José Carlos queira encontrar, contactar ou obter o contacto do seu mestre de escola. Talvez estes dois nossos amigos o possam ajudar. Eu, pessoalmente, não conheço nem me lembro desse furriel miliciano enfermeiro. Um ciber-abraço. LG."

3. Fiquei hoje a saber, pelo endereço de e-mail e por uma pesquisa rápida na Net, que o José Carlos Mussa Biai trabalha no Intituto Geográfico Português e é co-autor de um ou mais trabalhos de investigação na área de engenharia florestal onde se formou, relacionados com o seu país de origem.