O João Tunes volta à carga, ou não tivesse sido ele, nos idos tempo de Bissau, Pelundo e Catió (1969/71), um bravo, dedicado e competente homem das transmissões (logo, da comunicação):
Humberto,
Ora bem, que isso de porras cada um sabe da sua. E o orgulho nela é inversamente proporcional à progressão na idade. Mas, como dizia o outro, cada caso é um caso. Eu sei do meu e só desejo que o teu desconsolo seja menor que o meu com o qual vou lidando com a ajuda que a lembrança das bajudas me vai dando (a merda da idade é que um gajo cada vez vai vivendo mais de lembranças...).
A beleza (perturbante) das bajudas (balantas) de Nhabijões, perto de Bambadinca (1970).
© Luís Moreira (2005).
Foto gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-alf. mil. sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).
(...) É, pá, fica esclarecido que não sei quem era esse tal Capitão Moás [da companhia de Polícia Militar] (1). E que não o aturei, isso é mais que garantido. Eu, no Niassa, não aturei ninguém. Tinha a obsessão de esquecer que estava ali, apenas. Aturaram-me mas não devo ter dado muito trabalho pois pouco banzé fiz dado que estive sempre em estado semi-adormecido.
Deram-me uma messe de luxo (aquilo fiava fino com iguarias para os oficiais, lagosta para aqui e acepipes para acolá, até parecia um cruzeiro no Mar Egeu para as damas do MNF [Movimento Nacional Feminino]) e alcool etílico a granel.
Volta e meia, espreitava na amurada (como só via água e a água é favorável aos detestados batráquios, fazia meia volta volver) e dava uma piscadela de olho ao porão onde estava a malta soldada a roncar ou a vomitar com o enjoo e as cervejolas.
© Manuel Ferreira (2005) > A caminho da Guiné no Niassa (finais de 1971)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Depois, perguntava aos bacanos dos meus furriéis se estava tudo nos conformes, eles diziam sempre que sim (convencidos ou não, para o caso também não interessava porque nem se podia lerpar dali nem eu estava em condições de resolver ou ajudar fosse o que fosse e, apesar de semi-adormecido, dava para ver que os furriéis estavam, pelo menos, tão bebidos quanto eu, portanto estavam bem e, por extensão, os cabos e soldados ainda haviam de estar melhores) e regressava aos meus afazeres profissionais do king e das rodadas.
Quanto à minha perícia em transmissões, ela é um facto confirmável pelos anais lavrados quando da minha estadia na Guiné. É um facto que, lá, os rádios, por norma, funcionavam mal. Muito mal. E eu, mais que ninguém passava-me dos carretos com isso (sempre tive a mania de fazer tudo bem feitinho, vício perfeccionista que me vem de pequeno quando apanhava carolo por engatar a tabuada) mas havia sempre uma desculpa oficial que nos tirava de todas as enrascadelas - a merda da Guiné tinha água a mais e as massas de água lixavam os caminhos das ondas.
Assim, se as coisas estavam catitas, a malta das transmissões andava toda inchada; quando dava para a chiadeira sem atino na sintonização, a culpa era do excesso de água dos rios e das bolanhas. Pelo que, dados os descontos de vaidade, as coisas estavam bem por mérito nosso e mal por demérito alheio e devido aos caprichos da Natureza.
E tanto me convenci (isto dos caminhos da auto-estima é do caraças) que era bom em transmissões que, desde que existe a internet, me tornei fã cá da coisa. E, para mim, blogar é como se voltasse ao Bravo, Mike e Tango. Mal comparado, mas olha que é. A sério. Escuto.
Abraço do João Tunes
________
Notas de L.G.:
(1) Referido pelo Humberto Reis num post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - CXCII: Os nossos (des)encontros: do Niassa ao Pelundo, passando por Bissau .
blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!
17 setembro 2005
Guiné 63/74 - CXCIV: 'Blogar é como voltar ao Bravo, Mike e Tango' (João Tunes)
O João Tunes volta à carga, ou não tivesse sido ele, nos idos tempo de Bissau, Pelundo e Catió (1969/71), um bravo, dedicado e competente homem das transmissões (logo, da comunicação):
Humberto,
Ora bem, que isso de porras cada um sabe da sua. E o orgulho nela é inversamente proporcional à progressão na idade. Mas, como dizia o outro, cada caso é um caso. Eu sei do meu e só desejo que o teu desconsolo seja menor que o meu com o qual vou lidando com a ajuda que a lembrança das bajudas me vai dando (a merda da idade é que um gajo cada vez vai vivendo mais de lembranças...).
A beleza (perturbante) das bajudas (balantas) de Nhabijões, perto de Bambadinca (1970).
© Luís Moreira (2005).
Foto gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-alf. mil. sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).
(...) É, pá, fica esclarecido que não sei quem era esse tal Capitão Moás [da companhia de Polícia Militar] (1). E que não o aturei, isso é mais que garantido. Eu, no Niassa, não aturei ninguém. Tinha a obsessão de esquecer que estava ali, apenas. Aturaram-me mas não devo ter dado muito trabalho pois pouco banzé fiz dado que estive sempre em estado semi-adormecido.
Deram-me uma messe de luxo (aquilo fiava fino com iguarias para os oficiais, lagosta para aqui e acepipes para acolá, até parecia um cruzeiro no Mar Egeu para as damas do MNF [Movimento Nacional Feminino]) e alcool etílico a granel.
Volta e meia, espreitava na amurada (como só via água e a água é favorável aos detestados batráquios, fazia meia volta volver) e dava uma piscadela de olho ao porão onde estava a malta soldada a roncar ou a vomitar com o enjoo e as cervejolas.
© Manuel Ferreira (2005) > A caminho da Guiné no Niassa (finais de 1971)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Depois, perguntava aos bacanos dos meus furriéis se estava tudo nos conformes, eles diziam sempre que sim (convencidos ou não, para o caso também não interessava porque nem se podia lerpar dali nem eu estava em condições de resolver ou ajudar fosse o que fosse e, apesar de semi-adormecido, dava para ver que os furriéis estavam, pelo menos, tão bebidos quanto eu, portanto estavam bem e, por extensão, os cabos e soldados ainda haviam de estar melhores) e regressava aos meus afazeres profissionais do king e das rodadas.
Quanto à minha perícia em transmissões, ela é um facto confirmável pelos anais lavrados quando da minha estadia na Guiné. É um facto que, lá, os rádios, por norma, funcionavam mal. Muito mal. E eu, mais que ninguém passava-me dos carretos com isso (sempre tive a mania de fazer tudo bem feitinho, vício perfeccionista que me vem de pequeno quando apanhava carolo por engatar a tabuada) mas havia sempre uma desculpa oficial que nos tirava de todas as enrascadelas - a merda da Guiné tinha água a mais e as massas de água lixavam os caminhos das ondas.
Assim, se as coisas estavam catitas, a malta das transmissões andava toda inchada; quando dava para a chiadeira sem atino na sintonização, a culpa era do excesso de água dos rios e das bolanhas. Pelo que, dados os descontos de vaidade, as coisas estavam bem por mérito nosso e mal por demérito alheio e devido aos caprichos da Natureza.
E tanto me convenci (isto dos caminhos da auto-estima é do caraças) que era bom em transmissões que, desde que existe a internet, me tornei fã cá da coisa. E, para mim, blogar é como se voltasse ao Bravo, Mike e Tango. Mal comparado, mas olha que é. A sério. Escuto.
Abraço do João Tunes
________
Notas de L.G.:
(1) Referido pelo Humberto Reis num post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - CXCII: Os nossos (des)encontros: do Niassa ao Pelundo, passando por Bissau .
Humberto,
Ora bem, que isso de porras cada um sabe da sua. E o orgulho nela é inversamente proporcional à progressão na idade. Mas, como dizia o outro, cada caso é um caso. Eu sei do meu e só desejo que o teu desconsolo seja menor que o meu com o qual vou lidando com a ajuda que a lembrança das bajudas me vai dando (a merda da idade é que um gajo cada vez vai vivendo mais de lembranças...).
A beleza (perturbante) das bajudas (balantas) de Nhabijões, perto de Bambadinca (1970).
© Luís Moreira (2005).
Foto gentilmente cedida pelo Luís Moreira, ex-alf. mil. sapador da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).
(...) É, pá, fica esclarecido que não sei quem era esse tal Capitão Moás [da companhia de Polícia Militar] (1). E que não o aturei, isso é mais que garantido. Eu, no Niassa, não aturei ninguém. Tinha a obsessão de esquecer que estava ali, apenas. Aturaram-me mas não devo ter dado muito trabalho pois pouco banzé fiz dado que estive sempre em estado semi-adormecido.
Deram-me uma messe de luxo (aquilo fiava fino com iguarias para os oficiais, lagosta para aqui e acepipes para acolá, até parecia um cruzeiro no Mar Egeu para as damas do MNF [Movimento Nacional Feminino]) e alcool etílico a granel.
Volta e meia, espreitava na amurada (como só via água e a água é favorável aos detestados batráquios, fazia meia volta volver) e dava uma piscadela de olho ao porão onde estava a malta soldada a roncar ou a vomitar com o enjoo e as cervejolas.
© Manuel Ferreira (2005) > A caminho da Guiné no Niassa (finais de 1971)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Depois, perguntava aos bacanos dos meus furriéis se estava tudo nos conformes, eles diziam sempre que sim (convencidos ou não, para o caso também não interessava porque nem se podia lerpar dali nem eu estava em condições de resolver ou ajudar fosse o que fosse e, apesar de semi-adormecido, dava para ver que os furriéis estavam, pelo menos, tão bebidos quanto eu, portanto estavam bem e, por extensão, os cabos e soldados ainda haviam de estar melhores) e regressava aos meus afazeres profissionais do king e das rodadas.
Quanto à minha perícia em transmissões, ela é um facto confirmável pelos anais lavrados quando da minha estadia na Guiné. É um facto que, lá, os rádios, por norma, funcionavam mal. Muito mal. E eu, mais que ninguém passava-me dos carretos com isso (sempre tive a mania de fazer tudo bem feitinho, vício perfeccionista que me vem de pequeno quando apanhava carolo por engatar a tabuada) mas havia sempre uma desculpa oficial que nos tirava de todas as enrascadelas - a merda da Guiné tinha água a mais e as massas de água lixavam os caminhos das ondas.
Assim, se as coisas estavam catitas, a malta das transmissões andava toda inchada; quando dava para a chiadeira sem atino na sintonização, a culpa era do excesso de água dos rios e das bolanhas. Pelo que, dados os descontos de vaidade, as coisas estavam bem por mérito nosso e mal por demérito alheio e devido aos caprichos da Natureza.
E tanto me convenci (isto dos caminhos da auto-estima é do caraças) que era bom em transmissões que, desde que existe a internet, me tornei fã cá da coisa. E, para mim, blogar é como se voltasse ao Bravo, Mike e Tango. Mal comparado, mas olha que é. A sério. Escuto.
Abraço do João Tunes
________
Notas de L.G.:
(1) Referido pelo Humberto Reis num post anterior, com data de hoje > Guiné 63/74 - CXCII: Os nossos (des)encontros: do Niassa ao Pelundo, passando por Bissau .
Guiné 63/74 - CXCIII: Antologia (19): os 'remorsos de guerra' do tenente Tunes
Post do João Tunes, publicado em 7 de Abril de 2004, no seu blogue de então, o Bota Acima, e aqui reproduzido com a devida vénia (diga-se, entre parêntesis, que é uma peça de fino humor de caserna que eu, blogador-fora-nada, quero compartilhar com os meus queridos tertulianos; espero que o João Tunes, aliás, ex-tenente miliciano Tunes, já tenha sido perdoado, ao fim destes anos todos, por quem tem a competência de perdoar as ofensas feitas às mulheres, em geral, e às senhoras, em particular):
Tropecei nas Senhoras do Movimento Nacional [Feminino] por duas vezes. Eram uma espécie das Tias de hoje (Lili Caneças lá não faltaria, estou convencido disso), normalmente casadas com dignatários do regime salazarista-marcelista. Ocupavam o tempo a acarinhar a rapaziada que ia para a guerra colonial ou já lá tinha batido com os costados.
Na primeira vez, estava eu perfilado e em sentido, comandando o meu pelotão, no Cais de Alcântara, a aguardar o embarque no Niassa que nos ia levar para a Guiné. Imaginem o estado de espírito. As famílias amontoavam-se nos varandins da Estação a acenar com lenços porque as despedidas estavam feitas. A tropa em formatura a gramar o discurso patrioteiro de um General qualquer. As lágrimas a caírem por dentro. Cada um a olhar de soslaio para os varandins, com uma tristeza infinita nos olhos ao ver a bruma dos lenços a acenarem sem se distinguirem os rostos. E uma raiva contra a sorte do destino a subir-nos até à garganta.
A certo momento, avançam as senhoras do MNF [Movimento Nacional Feminino], todas com aspecto de terem vindo directamente do cabeleireiro, sorrisos afivelados como os que fazem as meninas de um qualquer balcão de recepção, com saquinhos de pano a tiracolo para oferecerem a cada militar do Império um maço de cigarros de marca Aviz. Eu olhei o rosto da senhora que se postou na minha frente e senti uma navalhada da hipocrisia da situação em estar a ver aquela cara e não os rostos que eu queria ver mas não distinguia entre os lenços dos varandins.
A senhora entende-me um maço Aviz e diz-me sorridente “parabéns senhor alferes, por ir defender a pátria”. Senti a raiva crescer-me. Mas tinha que estar perfilado e em sentido. E tinha uma data de homens sob o meu comando. Crispei os dedos sobre o punho da arma.
Disse-lhe entre dentes como um sussurro, não perdendo a compostura na formatura: “meta o Aviz na cona e desapareça-me da vista!”. A senhora circulou para junto de outro militar, conservando o sorriso do protocolo. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
A segunda e última vez que contactei o MNF, foi no primeiro Natal passado na Guiné, em que a malta do Pelundo teve direito à visita da Presidenta da coisa, D. Cilinha Supico Pinto em pessoa. Ela foi lá numa visita ultra-rápida, demorou uns minutos a distribuir discos da Amália Rodrigues a cada militar e zarpou para o helicóptero. Os militares ficaram atónitos, para que é que queriam o disco se ninguém tinha gira-discos?
Quando o helicóptero se preparava para subir, a malta já se tinha recomposto da surpresa e desatou quase toda a correr para o heliporto improvisado e, ainda o heli tinha as rodas no chão, a discaria da Amália subiu aos céus do Pelundo transformados em discos voadores.
Foi a escolta merecida que a D. Supico teve na sua viagem de regresso do Pelundo. A tropa ficou fascinada com aquela nuvem de discos da D. Amália que pareciam querer tapar o céu e desatou toda aos gritos “Oh Supico, mete-os na cona!”. Ela deve ter sorrido. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
Com o passar dos anos, vêm-me os remorsos. Tantas ofensas a tão respeitáveis Senhoras. Sabendo todos que as suas pudicas partes anatómicas não foram feitas para armazenarem maços de tabaco ou discos, mesmo que sejam da marca Aviz ou transportem a voz da Amália.
Espero bem que outras prestações gloriosas as tenham compensado dos insultos da tropa chateada. Ainda para mais, fomos, com o apoio delas e dos seus esposos, defender a pátria e o império. Felizes, fomos. Patriotas também. Como o caraças. Só que, às vezes, as palavras resvalavam para a ordinarice. Acontece. As minhas atrasadas desculpas, na parte que me toca.
Tropecei nas Senhoras do Movimento Nacional [Feminino] por duas vezes. Eram uma espécie das Tias de hoje (Lili Caneças lá não faltaria, estou convencido disso), normalmente casadas com dignatários do regime salazarista-marcelista. Ocupavam o tempo a acarinhar a rapaziada que ia para a guerra colonial ou já lá tinha batido com os costados.
Na primeira vez, estava eu perfilado e em sentido, comandando o meu pelotão, no Cais de Alcântara, a aguardar o embarque no Niassa que nos ia levar para a Guiné. Imaginem o estado de espírito. As famílias amontoavam-se nos varandins da Estação a acenar com lenços porque as despedidas estavam feitas. A tropa em formatura a gramar o discurso patrioteiro de um General qualquer. As lágrimas a caírem por dentro. Cada um a olhar de soslaio para os varandins, com uma tristeza infinita nos olhos ao ver a bruma dos lenços a acenarem sem se distinguirem os rostos. E uma raiva contra a sorte do destino a subir-nos até à garganta.
A certo momento, avançam as senhoras do MNF [Movimento Nacional Feminino], todas com aspecto de terem vindo directamente do cabeleireiro, sorrisos afivelados como os que fazem as meninas de um qualquer balcão de recepção, com saquinhos de pano a tiracolo para oferecerem a cada militar do Império um maço de cigarros de marca Aviz. Eu olhei o rosto da senhora que se postou na minha frente e senti uma navalhada da hipocrisia da situação em estar a ver aquela cara e não os rostos que eu queria ver mas não distinguia entre os lenços dos varandins.
A senhora entende-me um maço Aviz e diz-me sorridente “parabéns senhor alferes, por ir defender a pátria”. Senti a raiva crescer-me. Mas tinha que estar perfilado e em sentido. E tinha uma data de homens sob o meu comando. Crispei os dedos sobre o punho da arma.
Disse-lhe entre dentes como um sussurro, não perdendo a compostura na formatura: “meta o Aviz na cona e desapareça-me da vista!”. A senhora circulou para junto de outro militar, conservando o sorriso do protocolo. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
A segunda e última vez que contactei o MNF, foi no primeiro Natal passado na Guiné, em que a malta do Pelundo teve direito à visita da Presidenta da coisa, D. Cilinha Supico Pinto em pessoa. Ela foi lá numa visita ultra-rápida, demorou uns minutos a distribuir discos da Amália Rodrigues a cada militar e zarpou para o helicóptero. Os militares ficaram atónitos, para que é que queriam o disco se ninguém tinha gira-discos?
Quando o helicóptero se preparava para subir, a malta já se tinha recomposto da surpresa e desatou quase toda a correr para o heliporto improvisado e, ainda o heli tinha as rodas no chão, a discaria da Amália subiu aos céus do Pelundo transformados em discos voadores.
Foi a escolta merecida que a D. Supico teve na sua viagem de regresso do Pelundo. A tropa ficou fascinada com aquela nuvem de discos da D. Amália que pareciam querer tapar o céu e desatou toda aos gritos “Oh Supico, mete-os na cona!”. Ela deve ter sorrido. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
Com o passar dos anos, vêm-me os remorsos. Tantas ofensas a tão respeitáveis Senhoras. Sabendo todos que as suas pudicas partes anatómicas não foram feitas para armazenarem maços de tabaco ou discos, mesmo que sejam da marca Aviz ou transportem a voz da Amália.
Espero bem que outras prestações gloriosas as tenham compensado dos insultos da tropa chateada. Ainda para mais, fomos, com o apoio delas e dos seus esposos, defender a pátria e o império. Felizes, fomos. Patriotas também. Como o caraças. Só que, às vezes, as palavras resvalavam para a ordinarice. Acontece. As minhas atrasadas desculpas, na parte que me toca.
Guiné 63/74 - CXCIII: Antologia (19): os 'remorsos de guerra' do tenente Tunes
Post do João Tunes, publicado em 7 de Abril de 2004, no seu blogue de então, o Bota Acima, e aqui reproduzido com a devida vénia (diga-se, entre parêntesis, que é uma peça de fino humor de caserna que eu, blogador-fora-nada, quero compartilhar com os meus queridos tertulianos; espero que o João Tunes, aliás, ex-tenente miliciano Tunes, já tenha sido perdoado, ao fim destes anos todos, por quem tem a competência de perdoar as ofensas feitas às mulheres, em geral, e às senhoras, em particular):
Tropecei nas Senhoras do Movimento Nacional [Feminino] por duas vezes. Eram uma espécie das Tias de hoje (Lili Caneças lá não faltaria, estou convencido disso), normalmente casadas com dignatários do regime salazarista-marcelista. Ocupavam o tempo a acarinhar a rapaziada que ia para a guerra colonial ou já lá tinha batido com os costados.
Na primeira vez, estava eu perfilado e em sentido, comandando o meu pelotão, no Cais de Alcântara, a aguardar o embarque no Niassa que nos ia levar para a Guiné. Imaginem o estado de espírito. As famílias amontoavam-se nos varandins da Estação a acenar com lenços porque as despedidas estavam feitas. A tropa em formatura a gramar o discurso patrioteiro de um General qualquer. As lágrimas a caírem por dentro. Cada um a olhar de soslaio para os varandins, com uma tristeza infinita nos olhos ao ver a bruma dos lenços a acenarem sem se distinguirem os rostos. E uma raiva contra a sorte do destino a subir-nos até à garganta.
A certo momento, avançam as senhoras do MNF [Movimento Nacional Feminino], todas com aspecto de terem vindo directamente do cabeleireiro, sorrisos afivelados como os que fazem as meninas de um qualquer balcão de recepção, com saquinhos de pano a tiracolo para oferecerem a cada militar do Império um maço de cigarros de marca Aviz. Eu olhei o rosto da senhora que se postou na minha frente e senti uma navalhada da hipocrisia da situação em estar a ver aquela cara e não os rostos que eu queria ver mas não distinguia entre os lenços dos varandins.
A senhora entende-me um maço Aviz e diz-me sorridente “parabéns senhor alferes, por ir defender a pátria”. Senti a raiva crescer-me. Mas tinha que estar perfilado e em sentido. E tinha uma data de homens sob o meu comando. Crispei os dedos sobre o punho da arma.
Disse-lhe entre dentes como um sussurro, não perdendo a compostura na formatura: “meta o Aviz na cona e desapareça-me da vista!”. A senhora circulou para junto de outro militar, conservando o sorriso do protocolo. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
A segunda e última vez que contactei o MNF, foi no primeiro Natal passado na Guiné, em que a malta do Pelundo teve direito à visita da Presidenta da coisa, D. Cilinha Supico Pinto em pessoa. Ela foi lá numa visita ultra-rápida, demorou uns minutos a distribuir discos da Amália Rodrigues a cada militar e zarpou para o helicóptero. Os militares ficaram atónitos, para que é que queriam o disco se ninguém tinha gira-discos?
Quando o helicóptero se preparava para subir, a malta já se tinha recomposto da surpresa e desatou quase toda a correr para o heliporto improvisado e, ainda o heli tinha as rodas no chão, a discaria da Amália subiu aos céus do Pelundo transformados em discos voadores.
Foi a escolta merecida que a D. Supico teve na sua viagem de regresso do Pelundo. A tropa ficou fascinada com aquela nuvem de discos da D. Amália que pareciam querer tapar o céu e desatou toda aos gritos “Oh Supico, mete-os na cona!”. Ela deve ter sorrido. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
Com o passar dos anos, vêm-me os remorsos. Tantas ofensas a tão respeitáveis Senhoras. Sabendo todos que as suas pudicas partes anatómicas não foram feitas para armazenarem maços de tabaco ou discos, mesmo que sejam da marca Aviz ou transportem a voz da Amália.
Espero bem que outras prestações gloriosas as tenham compensado dos insultos da tropa chateada. Ainda para mais, fomos, com o apoio delas e dos seus esposos, defender a pátria e o império. Felizes, fomos. Patriotas também. Como o caraças. Só que, às vezes, as palavras resvalavam para a ordinarice. Acontece. As minhas atrasadas desculpas, na parte que me toca.
Tropecei nas Senhoras do Movimento Nacional [Feminino] por duas vezes. Eram uma espécie das Tias de hoje (Lili Caneças lá não faltaria, estou convencido disso), normalmente casadas com dignatários do regime salazarista-marcelista. Ocupavam o tempo a acarinhar a rapaziada que ia para a guerra colonial ou já lá tinha batido com os costados.
Na primeira vez, estava eu perfilado e em sentido, comandando o meu pelotão, no Cais de Alcântara, a aguardar o embarque no Niassa que nos ia levar para a Guiné. Imaginem o estado de espírito. As famílias amontoavam-se nos varandins da Estação a acenar com lenços porque as despedidas estavam feitas. A tropa em formatura a gramar o discurso patrioteiro de um General qualquer. As lágrimas a caírem por dentro. Cada um a olhar de soslaio para os varandins, com uma tristeza infinita nos olhos ao ver a bruma dos lenços a acenarem sem se distinguirem os rostos. E uma raiva contra a sorte do destino a subir-nos até à garganta.
A certo momento, avançam as senhoras do MNF [Movimento Nacional Feminino], todas com aspecto de terem vindo directamente do cabeleireiro, sorrisos afivelados como os que fazem as meninas de um qualquer balcão de recepção, com saquinhos de pano a tiracolo para oferecerem a cada militar do Império um maço de cigarros de marca Aviz. Eu olhei o rosto da senhora que se postou na minha frente e senti uma navalhada da hipocrisia da situação em estar a ver aquela cara e não os rostos que eu queria ver mas não distinguia entre os lenços dos varandins.
A senhora entende-me um maço Aviz e diz-me sorridente “parabéns senhor alferes, por ir defender a pátria”. Senti a raiva crescer-me. Mas tinha que estar perfilado e em sentido. E tinha uma data de homens sob o meu comando. Crispei os dedos sobre o punho da arma.
Disse-lhe entre dentes como um sussurro, não perdendo a compostura na formatura: “meta o Aviz na cona e desapareça-me da vista!”. A senhora circulou para junto de outro militar, conservando o sorriso do protocolo. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
A segunda e última vez que contactei o MNF, foi no primeiro Natal passado na Guiné, em que a malta do Pelundo teve direito à visita da Presidenta da coisa, D. Cilinha Supico Pinto em pessoa. Ela foi lá numa visita ultra-rápida, demorou uns minutos a distribuir discos da Amália Rodrigues a cada militar e zarpou para o helicóptero. Os militares ficaram atónitos, para que é que queriam o disco se ninguém tinha gira-discos?
Quando o helicóptero se preparava para subir, a malta já se tinha recomposto da surpresa e desatou quase toda a correr para o heliporto improvisado e, ainda o heli tinha as rodas no chão, a discaria da Amália subiu aos céus do Pelundo transformados em discos voadores.
Foi a escolta merecida que a D. Supico teve na sua viagem de regresso do Pelundo. A tropa ficou fascinada com aquela nuvem de discos da D. Amália que pareciam querer tapar o céu e desatou toda aos gritos “Oh Supico, mete-os na cona!”. Ela deve ter sorrido. Já devia estar habituada. Tinha mesmo vocação para aquelas cerimónias.
Com o passar dos anos, vêm-me os remorsos. Tantas ofensas a tão respeitáveis Senhoras. Sabendo todos que as suas pudicas partes anatómicas não foram feitas para armazenarem maços de tabaco ou discos, mesmo que sejam da marca Aviz ou transportem a voz da Amália.
Espero bem que outras prestações gloriosas as tenham compensado dos insultos da tropa chateada. Ainda para mais, fomos, com o apoio delas e dos seus esposos, defender a pátria e o império. Felizes, fomos. Patriotas também. Como o caraças. Só que, às vezes, as palavras resvalavam para a ordinarice. Acontece. As minhas atrasadas desculpas, na parte que me toca.
Guiné 63/74 - CXCII: Os nossos (des)encontros: do Niassa ao Pelundo, passando por Bissau
1. Texto do João Tunes em resposta à mensagem de boas-vindas do Humberto Reis:
Ora bem, Humberto, a coisa começa a compor-se (isto é, começo a sentir-me em casa, o que não podia deixar de acontecer mais dia menos dia).
Afirmativo - confirma-se que eu, o Humberto e o Luís (mais uma data de outros), participámos no mesmíssimo cruzeiro do Niassa rumo a Bissau. Antes, estivemos portanto na mesma parada de despedida no cais de Alcântara , a que me refiro num post [meu, publicado no Bota Acima, em 7 de Abril de 2004].
Durante a viagem, confesso que não vi ninguém - comecei a emborcar à partida e só desliguei a torneira do whisky à chegada. E, pelos vistos, separámo-nos logo que metemos os pés em terra. O meu Batalhão só foi para o Pelundo (1) dois meses mais tarde, até lá foi-nos cometida a ocupação do Quartel de Santa Luzia em Bissau (portanto no sentido oposto a Brá) e foi para aí que fomos logo encaminhados.
Guiné > Bissau > Quartel de Transmissões, junto à estrada de Santa Luzia (1972).
© Sousa de Castro (2005).
Foto gentilmente cedidas por Sousa de Castro, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Foi, aliás, um começo de comissão do caraças - na primeira noite, o paiol do quartel explodiu (não se soube se por descuido ou por sabotagem) e imagine-se a sensação de logo na primeira noite de Guiné apanhar-se com um paiol dentro do quartel a ir pelos ares (do género de grito de periquito: "Ai minha nossa senhora que aqui não passo do primeiro dia...").
Talvez ainda pior - no segundo dia, calhou-me estar de oficial de dia e os cozinheiros da CCS estrearem-se nas suas lides; fizeram borrada (por inexperiência porque antes tinham sido de todas as profissões menos de artes em culinária) e salgaram bem a comida, então os veteranos que estavam no quartel à espera do regresso não estiveram pelos ajustes e fizeram-nos logo ali a recepção com um levantamento de rancho.
Como era o oficial de dia a coisa sobrou para mim e, consultado o segundo comandante, este não esteve com meias-medidas, a ajuda que me prestou foi perguntar-me para o que é que eu queria a pistola que tinha pendurada no cinto, lá tirei a pistola e meti-lha nas mãos e recomendei-lhe "vá lá então o meu major e desate a matá-los"; o homem acalmou (com um "vá lá e veja se os convence..." e sem que arredasse um pé para tentar ajudar a resolver o quer que fosse), eu voltei a recolher a pistola e, mais calmo, fui falar com o pessoal, apelei-lhes à solidariedade com os camaradas recém-chegados, o que não foi fácil (uma das piores impressões que trago da Guiné era a forma como à medida que se iam reforçando os laços solidários entre os militares do mesmo quartel se iam perdendo os laços com os outros militares de outras unidades e, com o passar do tempo, desenvolvia-se um rancor sádico crescente dos veteranos para com os periquitos pois a noção do correr do tempo em falta para a hora do regresso era ampliada pela sensação que aos acabados de chegar ainda lhes faltava a eternidade para daquilo se livrarem se se livrassem) e lá consegui o sábio compromisso de a comida salgada ser retirada e improvisarem-se umas salsichas com ovos estrelados e batatas fritas.
No final da minha comissão, já vocês tinham regressado (dado que fiquei mais três meses como recompensa extra), calhou-me, vindo de Catió (esse batalhão também fora rendido), prestar serviço no Quartel de Adidos de Brá e aí apanhei várias tentativas de veteranos (2) quererem gozo com levantamentos de rancho , inventados só para chatearem mas, nessa altura, já eu era veterano, passado dos carretos e estava por tudo (no final, quando todos os meus camaradas dos dois batalhões em que estive já tinham regressado, cheguei à fase de "tanto se me dá ir como ficar e que tudo vá para a puta que os pariu" e que seria uma sublimação extremada do "tirem-me daqui", ou seja, estava tão farto da Guiné que já me faltava a vontade de sair ou de ficar) e tudo era resolvido em duas penadas a desmontar a basófia (a malta no mato comia o que havia, mas quando chegava a Bissau armava-se em fina e esquisita como vingança para com os "gajos que tinham o cú assente em Bissau", esquecendo-se que, muitas vezes, se enganavam no número da porta e estavam a lidar com quem as tinha batido mais que os finaços).
Agora que já estendi o guardanapo, seguem abraços para todos os ilustres tertulianos.
2. Comentário do Humberto Reis:
Porra!
Quem fala assim não é gago. Só tenho pena que tenhas aturado o Capitão Moás da companhia da PM que foi connosco durante o cruzeiro até Bissau.
Estás mais que admitido, falo por mim mas julgo que a maioria concorda. Precisamos de gente nova pois eu sou um miúdo ao pé de ti (sou colheita de 1946).
Mais uma vez um abraço de Boas Vindas e Boas Escritas, pois já vimos que, além da especialidade de Transmissões, também tens jeitinho para deixar a pena correr, ao sabor do imprevisto, sobre o papel.
Humberto
_________
Notas de L. G.
(1) Vd. post de 11 de Agosto de 2005, um texto de João Tunes, anterior à sua entrada para a nossa tertúlia > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
(2) A expressão mais vulgar, no nosso tempo, na Guiné, era velhice, velhinhos, como oposto dos periquitos, os mais novos.
Ora bem, Humberto, a coisa começa a compor-se (isto é, começo a sentir-me em casa, o que não podia deixar de acontecer mais dia menos dia).
Afirmativo - confirma-se que eu, o Humberto e o Luís (mais uma data de outros), participámos no mesmíssimo cruzeiro do Niassa rumo a Bissau. Antes, estivemos portanto na mesma parada de despedida no cais de Alcântara , a que me refiro num post [meu, publicado no Bota Acima, em 7 de Abril de 2004].
Durante a viagem, confesso que não vi ninguém - comecei a emborcar à partida e só desliguei a torneira do whisky à chegada. E, pelos vistos, separámo-nos logo que metemos os pés em terra. O meu Batalhão só foi para o Pelundo (1) dois meses mais tarde, até lá foi-nos cometida a ocupação do Quartel de Santa Luzia em Bissau (portanto no sentido oposto a Brá) e foi para aí que fomos logo encaminhados.
Guiné > Bissau > Quartel de Transmissões, junto à estrada de Santa Luzia (1972).
© Sousa de Castro (2005).
Foto gentilmente cedidas por Sousa de Castro, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Foi, aliás, um começo de comissão do caraças - na primeira noite, o paiol do quartel explodiu (não se soube se por descuido ou por sabotagem) e imagine-se a sensação de logo na primeira noite de Guiné apanhar-se com um paiol dentro do quartel a ir pelos ares (do género de grito de periquito: "Ai minha nossa senhora que aqui não passo do primeiro dia...").
Talvez ainda pior - no segundo dia, calhou-me estar de oficial de dia e os cozinheiros da CCS estrearem-se nas suas lides; fizeram borrada (por inexperiência porque antes tinham sido de todas as profissões menos de artes em culinária) e salgaram bem a comida, então os veteranos que estavam no quartel à espera do regresso não estiveram pelos ajustes e fizeram-nos logo ali a recepção com um levantamento de rancho.
Como era o oficial de dia a coisa sobrou para mim e, consultado o segundo comandante, este não esteve com meias-medidas, a ajuda que me prestou foi perguntar-me para o que é que eu queria a pistola que tinha pendurada no cinto, lá tirei a pistola e meti-lha nas mãos e recomendei-lhe "vá lá então o meu major e desate a matá-los"; o homem acalmou (com um "vá lá e veja se os convence..." e sem que arredasse um pé para tentar ajudar a resolver o quer que fosse), eu voltei a recolher a pistola e, mais calmo, fui falar com o pessoal, apelei-lhes à solidariedade com os camaradas recém-chegados, o que não foi fácil (uma das piores impressões que trago da Guiné era a forma como à medida que se iam reforçando os laços solidários entre os militares do mesmo quartel se iam perdendo os laços com os outros militares de outras unidades e, com o passar do tempo, desenvolvia-se um rancor sádico crescente dos veteranos para com os periquitos pois a noção do correr do tempo em falta para a hora do regresso era ampliada pela sensação que aos acabados de chegar ainda lhes faltava a eternidade para daquilo se livrarem se se livrassem) e lá consegui o sábio compromisso de a comida salgada ser retirada e improvisarem-se umas salsichas com ovos estrelados e batatas fritas.
No final da minha comissão, já vocês tinham regressado (dado que fiquei mais três meses como recompensa extra), calhou-me, vindo de Catió (esse batalhão também fora rendido), prestar serviço no Quartel de Adidos de Brá e aí apanhei várias tentativas de veteranos (2) quererem gozo com levantamentos de rancho , inventados só para chatearem mas, nessa altura, já eu era veterano, passado dos carretos e estava por tudo (no final, quando todos os meus camaradas dos dois batalhões em que estive já tinham regressado, cheguei à fase de "tanto se me dá ir como ficar e que tudo vá para a puta que os pariu" e que seria uma sublimação extremada do "tirem-me daqui", ou seja, estava tão farto da Guiné que já me faltava a vontade de sair ou de ficar) e tudo era resolvido em duas penadas a desmontar a basófia (a malta no mato comia o que havia, mas quando chegava a Bissau armava-se em fina e esquisita como vingança para com os "gajos que tinham o cú assente em Bissau", esquecendo-se que, muitas vezes, se enganavam no número da porta e estavam a lidar com quem as tinha batido mais que os finaços).
Agora que já estendi o guardanapo, seguem abraços para todos os ilustres tertulianos.
2. Comentário do Humberto Reis:
Porra!
Quem fala assim não é gago. Só tenho pena que tenhas aturado o Capitão Moás da companhia da PM que foi connosco durante o cruzeiro até Bissau.
Estás mais que admitido, falo por mim mas julgo que a maioria concorda. Precisamos de gente nova pois eu sou um miúdo ao pé de ti (sou colheita de 1946).
Mais uma vez um abraço de Boas Vindas e Boas Escritas, pois já vimos que, além da especialidade de Transmissões, também tens jeitinho para deixar a pena correr, ao sabor do imprevisto, sobre o papel.
Humberto
_________
Notas de L. G.
(1) Vd. post de 11 de Agosto de 2005, um texto de João Tunes, anterior à sua entrada para a nossa tertúlia > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
(2) A expressão mais vulgar, no nosso tempo, na Guiné, era velhice, velhinhos, como oposto dos periquitos, os mais novos.
Guiné 63/74 - CXCII: Os nossos (des)encontros: do Niassa ao Pelundo, passando por Bissau
1. Texto do João Tunes em resposta à mensagem de boas-vindas do Humberto Reis:
Ora bem, Humberto, a coisa começa a compor-se (isto é, começo a sentir-me em casa, o que não podia deixar de acontecer mais dia menos dia).
Afirmativo - confirma-se que eu, o Humberto e o Luís (mais uma data de outros), participámos no mesmíssimo cruzeiro do Niassa rumo a Bissau. Antes, estivemos portanto na mesma parada de despedida no cais de Alcântara , a que me refiro num post [meu, publicado no Bota Acima, em 7 de Abril de 2004].
Durante a viagem, confesso que não vi ninguém - comecei a emborcar à partida e só desliguei a torneira do whisky à chegada. E, pelos vistos, separámo-nos logo que metemos os pés em terra. O meu Batalhão só foi para o Pelundo (1) dois meses mais tarde, até lá foi-nos cometida a ocupação do Quartel de Santa Luzia em Bissau (portanto no sentido oposto a Brá) e foi para aí que fomos logo encaminhados.
Guiné > Bissau > Quartel de Transmissões, junto à estrada de Santa Luzia (1972).
© Sousa de Castro (2005).
Foto gentilmente cedidas por Sousa de Castro, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Foi, aliás, um começo de comissão do caraças - na primeira noite, o paiol do quartel explodiu (não se soube se por descuido ou por sabotagem) e imagine-se a sensação de logo na primeira noite de Guiné apanhar-se com um paiol dentro do quartel a ir pelos ares (do género de grito de periquito: "Ai minha nossa senhora que aqui não passo do primeiro dia...").
Talvez ainda pior - no segundo dia, calhou-me estar de oficial de dia e os cozinheiros da CCS estrearem-se nas suas lides; fizeram borrada (por inexperiência porque antes tinham sido de todas as profissões menos de artes em culinária) e salgaram bem a comida, então os veteranos que estavam no quartel à espera do regresso não estiveram pelos ajustes e fizeram-nos logo ali a recepção com um levantamento de rancho.
Como era o oficial de dia a coisa sobrou para mim e, consultado o segundo comandante, este não esteve com meias-medidas, a ajuda que me prestou foi perguntar-me para o que é que eu queria a pistola que tinha pendurada no cinto, lá tirei a pistola e meti-lha nas mãos e recomendei-lhe "vá lá então o meu major e desate a matá-los"; o homem acalmou (com um "vá lá e veja se os convence..." e sem que arredasse um pé para tentar ajudar a resolver o quer que fosse), eu voltei a recolher a pistola e, mais calmo, fui falar com o pessoal, apelei-lhes à solidariedade com os camaradas recém-chegados, o que não foi fácil (uma das piores impressões que trago da Guiné era a forma como à medida que se iam reforçando os laços solidários entre os militares do mesmo quartel se iam perdendo os laços com os outros militares de outras unidades e, com o passar do tempo, desenvolvia-se um rancor sádico crescente dos veteranos para com os periquitos pois a noção do correr do tempo em falta para a hora do regresso era ampliada pela sensação que aos acabados de chegar ainda lhes faltava a eternidade para daquilo se livrarem se se livrassem) e lá consegui o sábio compromisso de a comida salgada ser retirada e improvisarem-se umas salsichas com ovos estrelados e batatas fritas.
No final da minha comissão, já vocês tinham regressado (dado que fiquei mais três meses como recompensa extra), calhou-me, vindo de Catió (esse batalhão também fora rendido), prestar serviço no Quartel de Adidos de Brá e aí apanhei várias tentativas de veteranos (2) quererem gozo com levantamentos de rancho , inventados só para chatearem mas, nessa altura, já eu era veterano, passado dos carretos e estava por tudo (no final, quando todos os meus camaradas dos dois batalhões em que estive já tinham regressado, cheguei à fase de "tanto se me dá ir como ficar e que tudo vá para a puta que os pariu" e que seria uma sublimação extremada do "tirem-me daqui", ou seja, estava tão farto da Guiné que já me faltava a vontade de sair ou de ficar) e tudo era resolvido em duas penadas a desmontar a basófia (a malta no mato comia o que havia, mas quando chegava a Bissau armava-se em fina e esquisita como vingança para com os "gajos que tinham o cú assente em Bissau", esquecendo-se que, muitas vezes, se enganavam no número da porta e estavam a lidar com quem as tinha batido mais que os finaços).
Agora que já estendi o guardanapo, seguem abraços para todos os ilustres tertulianos.
2. Comentário do Humberto Reis:
Porra!
Quem fala assim não é gago. Só tenho pena que tenhas aturado o Capitão Moás da companhia da PM que foi connosco durante o cruzeiro até Bissau.
Estás mais que admitido, falo por mim mas julgo que a maioria concorda. Precisamos de gente nova pois eu sou um miúdo ao pé de ti (sou colheita de 1946).
Mais uma vez um abraço de Boas Vindas e Boas Escritas, pois já vimos que, além da especialidade de Transmissões, também tens jeitinho para deixar a pena correr, ao sabor do imprevisto, sobre o papel.
Humberto
_________
Notas de L. G.
(1) Vd. post de 11 de Agosto de 2005, um texto de João Tunes, anterior à sua entrada para a nossa tertúlia > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
(2) A expressão mais vulgar, no nosso tempo, na Guiné, era velhice, velhinhos, como oposto dos periquitos, os mais novos.
Ora bem, Humberto, a coisa começa a compor-se (isto é, começo a sentir-me em casa, o que não podia deixar de acontecer mais dia menos dia).
Afirmativo - confirma-se que eu, o Humberto e o Luís (mais uma data de outros), participámos no mesmíssimo cruzeiro do Niassa rumo a Bissau. Antes, estivemos portanto na mesma parada de despedida no cais de Alcântara , a que me refiro num post [meu, publicado no Bota Acima, em 7 de Abril de 2004].
Durante a viagem, confesso que não vi ninguém - comecei a emborcar à partida e só desliguei a torneira do whisky à chegada. E, pelos vistos, separámo-nos logo que metemos os pés em terra. O meu Batalhão só foi para o Pelundo (1) dois meses mais tarde, até lá foi-nos cometida a ocupação do Quartel de Santa Luzia em Bissau (portanto no sentido oposto a Brá) e foi para aí que fomos logo encaminhados.
Guiné > Bissau > Quartel de Transmissões, junto à estrada de Santa Luzia (1972).
© Sousa de Castro (2005).
Foto gentilmente cedidas por Sousa de Castro, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Foi, aliás, um começo de comissão do caraças - na primeira noite, o paiol do quartel explodiu (não se soube se por descuido ou por sabotagem) e imagine-se a sensação de logo na primeira noite de Guiné apanhar-se com um paiol dentro do quartel a ir pelos ares (do género de grito de periquito: "Ai minha nossa senhora que aqui não passo do primeiro dia...").
Talvez ainda pior - no segundo dia, calhou-me estar de oficial de dia e os cozinheiros da CCS estrearem-se nas suas lides; fizeram borrada (por inexperiência porque antes tinham sido de todas as profissões menos de artes em culinária) e salgaram bem a comida, então os veteranos que estavam no quartel à espera do regresso não estiveram pelos ajustes e fizeram-nos logo ali a recepção com um levantamento de rancho.
Como era o oficial de dia a coisa sobrou para mim e, consultado o segundo comandante, este não esteve com meias-medidas, a ajuda que me prestou foi perguntar-me para o que é que eu queria a pistola que tinha pendurada no cinto, lá tirei a pistola e meti-lha nas mãos e recomendei-lhe "vá lá então o meu major e desate a matá-los"; o homem acalmou (com um "vá lá e veja se os convence..." e sem que arredasse um pé para tentar ajudar a resolver o quer que fosse), eu voltei a recolher a pistola e, mais calmo, fui falar com o pessoal, apelei-lhes à solidariedade com os camaradas recém-chegados, o que não foi fácil (uma das piores impressões que trago da Guiné era a forma como à medida que se iam reforçando os laços solidários entre os militares do mesmo quartel se iam perdendo os laços com os outros militares de outras unidades e, com o passar do tempo, desenvolvia-se um rancor sádico crescente dos veteranos para com os periquitos pois a noção do correr do tempo em falta para a hora do regresso era ampliada pela sensação que aos acabados de chegar ainda lhes faltava a eternidade para daquilo se livrarem se se livrassem) e lá consegui o sábio compromisso de a comida salgada ser retirada e improvisarem-se umas salsichas com ovos estrelados e batatas fritas.
No final da minha comissão, já vocês tinham regressado (dado que fiquei mais três meses como recompensa extra), calhou-me, vindo de Catió (esse batalhão também fora rendido), prestar serviço no Quartel de Adidos de Brá e aí apanhei várias tentativas de veteranos (2) quererem gozo com levantamentos de rancho , inventados só para chatearem mas, nessa altura, já eu era veterano, passado dos carretos e estava por tudo (no final, quando todos os meus camaradas dos dois batalhões em que estive já tinham regressado, cheguei à fase de "tanto se me dá ir como ficar e que tudo vá para a puta que os pariu" e que seria uma sublimação extremada do "tirem-me daqui", ou seja, estava tão farto da Guiné que já me faltava a vontade de sair ou de ficar) e tudo era resolvido em duas penadas a desmontar a basófia (a malta no mato comia o que havia, mas quando chegava a Bissau armava-se em fina e esquisita como vingança para com os "gajos que tinham o cú assente em Bissau", esquecendo-se que, muitas vezes, se enganavam no número da porta e estavam a lidar com quem as tinha batido mais que os finaços).
Agora que já estendi o guardanapo, seguem abraços para todos os ilustres tertulianos.
2. Comentário do Humberto Reis:
Porra!
Quem fala assim não é gago. Só tenho pena que tenhas aturado o Capitão Moás da companhia da PM que foi connosco durante o cruzeiro até Bissau.
Estás mais que admitido, falo por mim mas julgo que a maioria concorda. Precisamos de gente nova pois eu sou um miúdo ao pé de ti (sou colheita de 1946).
Mais uma vez um abraço de Boas Vindas e Boas Escritas, pois já vimos que, além da especialidade de Transmissões, também tens jeitinho para deixar a pena correr, ao sabor do imprevisto, sobre o papel.
Humberto
_________
Notas de L. G.
(1) Vd. post de 11 de Agosto de 2005, um texto de João Tunes, anterior à sua entrada para a nossa tertúlia > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)
(2) A expressão mais vulgar, no nosso tempo, na Guiné, era velhice, velhinhos, como oposto dos periquitos, os mais novos.
16 setembro 2005
Guiné 63/74 - CXCI: Boas vindas do Humberto, madrugador, ao novo tertuliano João
© Manuel Ferreira (2005) Guiné > Zona Leste > Povoação e aquartelamento do Xime > O campo de futebol (!)(1)(1972)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
1. Texto de Humberto Reis (ex-Fur. Mil., ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1960/71), que hoje madrugou (mensagem enviada às 7h48).
João Tunes:
Bem vindo a esta desorganização bem organizada pelo Luís Graça.
Estive a ler a breve descrição da tua apresentação e veio-me à memória de que também eu e o Luís fomos para a Guiné em Maio de 69. Se calhar fomos no mesmo barco de cruzeiros, o Queen Mary 2, também conhecido por Niassa, que saiu de Lisboa em 24 de Maio e chegou à Guiné em 29. Desembarcámos a 30 e fomos direitinhos para um resort que havia para os lados de Brá, denominado quartel de Adidos.
Aí, no sistema de TI (tudo incluído, até a bicharada), fomos comidos pelos mosquitos durante 3 noites, antes de nos meterem numa LDG com destino ao Xime. Feita a eclusagem para autocarros com ar condicionado, a mim calhou-me um daqueles carros chamados matador, dos tais que tinham uma abertura circular no tecto da cabine, sobre o lugar do chefe de viatura e que serviam para rebocar peças de artilharia, e lá fomos felizes e contentes, passando por Bambadinca e Bafatá, a caminho de Contuboel.
Esta breve descrição foi só para te descontrair e te sentires bem no meio desta rapaziada nova, na casa dos 50 e muitos (...).
2. Segunda mensagem do Humberto Reis, enviada ás 8h28:
Peço desculpa a Vossa Senhoria, meu tenente, pelo lapso que cometi de não o ter tratado adequadamente, como manda o RDM, na mensagem de Boas Vindas que lhe enviei anteriormente.
Aqui fica o meu pedido formal de desculpas perante a formatura geral desta pequena, MAS BOA, unidade militar de Bloguistas.
Dado que o Sr. Tenente é um rapaz novo, de quase 60 anos, como nós todos, já está na reserva desde os 45, pelo que agora passará a usar o seu título civil de Sr. Eng. Por outro lado, como aqui somos todos uns pindéricos de uns ex-militares, deixámos os títulos académicos na gaveta e utilizamos o que vem no BI, não fosse alguém querer-nos explorar pedindo um Projectito grátis a um Sr. Eng, uma consulta médica ao Sr. Dr. com preço reduzido e sem recibo, ou uma cunha do Sr. Prof. Dr. para uma entradita na Universidade, mesmo com média de 10.
Tudo isto serve para descontrair e desopilar que é o que nos faz mais falta.
Mais uma vez BEM VINDO ao seio, não à maminha, desta família. Um abraço e Bom Dia a todos.
Humberto Reis
3. Comentário do João Tunes (antes do almoço, que os ex-combatentes da Guiné e de outras guerras por enquanto ainda vão almoçando):
É, pá, obrigado, que essa do Vossa Senhoria já se me tinha varrido da memória.
E fica esclarecido que, sendo rapaz novo, não tenho "quase 60 anos". Esses já lá vão que os 61 estão a bater à porta (fui para a Guiné com quase 25 anos pois tinha tido adiamentos para concluir o curso).
E como a velhice é um posto, se não me querem considerar como tenente (bolas, era a talvez única oportunidade de saborear o tratamento!), ao menos devem-me o cumprimento Vossa Senhoria, o Nosso Mais Velho. Ou nem isso? Não tem problema. Fique, como deve ficar, o tratamento pelo nome e por tú que isto não é malta de modas.
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
1. Texto de Humberto Reis (ex-Fur. Mil., ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1960/71), que hoje madrugou (mensagem enviada às 7h48).
João Tunes:
Bem vindo a esta desorganização bem organizada pelo Luís Graça.
Estive a ler a breve descrição da tua apresentação e veio-me à memória de que também eu e o Luís fomos para a Guiné em Maio de 69. Se calhar fomos no mesmo barco de cruzeiros, o Queen Mary 2, também conhecido por Niassa, que saiu de Lisboa em 24 de Maio e chegou à Guiné em 29. Desembarcámos a 30 e fomos direitinhos para um resort que havia para os lados de Brá, denominado quartel de Adidos.
Aí, no sistema de TI (tudo incluído, até a bicharada), fomos comidos pelos mosquitos durante 3 noites, antes de nos meterem numa LDG com destino ao Xime. Feita a eclusagem para autocarros com ar condicionado, a mim calhou-me um daqueles carros chamados matador, dos tais que tinham uma abertura circular no tecto da cabine, sobre o lugar do chefe de viatura e que serviam para rebocar peças de artilharia, e lá fomos felizes e contentes, passando por Bambadinca e Bafatá, a caminho de Contuboel.
Esta breve descrição foi só para te descontrair e te sentires bem no meio desta rapaziada nova, na casa dos 50 e muitos (...).
2. Segunda mensagem do Humberto Reis, enviada ás 8h28:
Peço desculpa a Vossa Senhoria, meu tenente, pelo lapso que cometi de não o ter tratado adequadamente, como manda o RDM, na mensagem de Boas Vindas que lhe enviei anteriormente.
Aqui fica o meu pedido formal de desculpas perante a formatura geral desta pequena, MAS BOA, unidade militar de Bloguistas.
Dado que o Sr. Tenente é um rapaz novo, de quase 60 anos, como nós todos, já está na reserva desde os 45, pelo que agora passará a usar o seu título civil de Sr. Eng. Por outro lado, como aqui somos todos uns pindéricos de uns ex-militares, deixámos os títulos académicos na gaveta e utilizamos o que vem no BI, não fosse alguém querer-nos explorar pedindo um Projectito grátis a um Sr. Eng, uma consulta médica ao Sr. Dr. com preço reduzido e sem recibo, ou uma cunha do Sr. Prof. Dr. para uma entradita na Universidade, mesmo com média de 10.
Tudo isto serve para descontrair e desopilar que é o que nos faz mais falta.
Mais uma vez BEM VINDO ao seio, não à maminha, desta família. Um abraço e Bom Dia a todos.
Humberto Reis
3. Comentário do João Tunes (antes do almoço, que os ex-combatentes da Guiné e de outras guerras por enquanto ainda vão almoçando):
É, pá, obrigado, que essa do Vossa Senhoria já se me tinha varrido da memória.
E fica esclarecido que, sendo rapaz novo, não tenho "quase 60 anos". Esses já lá vão que os 61 estão a bater à porta (fui para a Guiné com quase 25 anos pois tinha tido adiamentos para concluir o curso).
E como a velhice é um posto, se não me querem considerar como tenente (bolas, era a talvez única oportunidade de saborear o tratamento!), ao menos devem-me o cumprimento Vossa Senhoria, o Nosso Mais Velho. Ou nem isso? Não tem problema. Fique, como deve ficar, o tratamento pelo nome e por tú que isto não é malta de modas.
Guiné 63/74 - CXCI: Boas vindas do Humberto, madrugador, ao novo tertuliano João
© Manuel Ferreira (2005) Guiné > Zona Leste > Povoação e aquartelamento do Xime > O campo de futebol (!)(1)(1972)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
1. Texto de Humberto Reis (ex-Fur. Mil., ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1960/71), que hoje madrugou (mensagem enviada às 7h48).
João Tunes:
Bem vindo a esta desorganização bem organizada pelo Luís Graça.
Estive a ler a breve descrição da tua apresentação e veio-me à memória de que também eu e o Luís fomos para a Guiné em Maio de 69. Se calhar fomos no mesmo barco de cruzeiros, o Queen Mary 2, também conhecido por Niassa, que saiu de Lisboa em 24 de Maio e chegou à Guiné em 29. Desembarcámos a 30 e fomos direitinhos para um resort que havia para os lados de Brá, denominado quartel de Adidos.
Aí, no sistema de TI (tudo incluído, até a bicharada), fomos comidos pelos mosquitos durante 3 noites, antes de nos meterem numa LDG com destino ao Xime. Feita a eclusagem para autocarros com ar condicionado, a mim calhou-me um daqueles carros chamados matador, dos tais que tinham uma abertura circular no tecto da cabine, sobre o lugar do chefe de viatura e que serviam para rebocar peças de artilharia, e lá fomos felizes e contentes, passando por Bambadinca e Bafatá, a caminho de Contuboel.
Esta breve descrição foi só para te descontrair e te sentires bem no meio desta rapaziada nova, na casa dos 50 e muitos (...).
2. Segunda mensagem do Humberto Reis, enviada ás 8h28:
Peço desculpa a Vossa Senhoria, meu tenente, pelo lapso que cometi de não o ter tratado adequadamente, como manda o RDM, na mensagem de Boas Vindas que lhe enviei anteriormente.
Aqui fica o meu pedido formal de desculpas perante a formatura geral desta pequena, MAS BOA, unidade militar de Bloguistas.
Dado que o Sr. Tenente é um rapaz novo, de quase 60 anos, como nós todos, já está na reserva desde os 45, pelo que agora passará a usar o seu título civil de Sr. Eng. Por outro lado, como aqui somos todos uns pindéricos de uns ex-militares, deixámos os títulos académicos na gaveta e utilizamos o que vem no BI, não fosse alguém querer-nos explorar pedindo um Projectito grátis a um Sr. Eng, uma consulta médica ao Sr. Dr. com preço reduzido e sem recibo, ou uma cunha do Sr. Prof. Dr. para uma entradita na Universidade, mesmo com média de 10.
Tudo isto serve para descontrair e desopilar que é o que nos faz mais falta.
Mais uma vez BEM VINDO ao seio, não à maminha, desta família. Um abraço e Bom Dia a todos.
Humberto Reis
3. Comentário do João Tunes (antes do almoço, que os ex-combatentes da Guiné e de outras guerras por enquanto ainda vão almoçando):
É, pá, obrigado, que essa do Vossa Senhoria já se me tinha varrido da memória.
E fica esclarecido que, sendo rapaz novo, não tenho "quase 60 anos". Esses já lá vão que os 61 estão a bater à porta (fui para a Guiné com quase 25 anos pois tinha tido adiamentos para concluir o curso).
E como a velhice é um posto, se não me querem considerar como tenente (bolas, era a talvez única oportunidade de saborear o tratamento!), ao menos devem-me o cumprimento Vossa Senhoria, o Nosso Mais Velho. Ou nem isso? Não tem problema. Fique, como deve ficar, o tratamento pelo nome e por tú que isto não é malta de modas.
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
1. Texto de Humberto Reis (ex-Fur. Mil., ex-CCAÇ 12, Bambadinca, 1960/71), que hoje madrugou (mensagem enviada às 7h48).
João Tunes:
Bem vindo a esta desorganização bem organizada pelo Luís Graça.
Estive a ler a breve descrição da tua apresentação e veio-me à memória de que também eu e o Luís fomos para a Guiné em Maio de 69. Se calhar fomos no mesmo barco de cruzeiros, o Queen Mary 2, também conhecido por Niassa, que saiu de Lisboa em 24 de Maio e chegou à Guiné em 29. Desembarcámos a 30 e fomos direitinhos para um resort que havia para os lados de Brá, denominado quartel de Adidos.
Aí, no sistema de TI (tudo incluído, até a bicharada), fomos comidos pelos mosquitos durante 3 noites, antes de nos meterem numa LDG com destino ao Xime. Feita a eclusagem para autocarros com ar condicionado, a mim calhou-me um daqueles carros chamados matador, dos tais que tinham uma abertura circular no tecto da cabine, sobre o lugar do chefe de viatura e que serviam para rebocar peças de artilharia, e lá fomos felizes e contentes, passando por Bambadinca e Bafatá, a caminho de Contuboel.
Esta breve descrição foi só para te descontrair e te sentires bem no meio desta rapaziada nova, na casa dos 50 e muitos (...).
2. Segunda mensagem do Humberto Reis, enviada ás 8h28:
Peço desculpa a Vossa Senhoria, meu tenente, pelo lapso que cometi de não o ter tratado adequadamente, como manda o RDM, na mensagem de Boas Vindas que lhe enviei anteriormente.
Aqui fica o meu pedido formal de desculpas perante a formatura geral desta pequena, MAS BOA, unidade militar de Bloguistas.
Dado que o Sr. Tenente é um rapaz novo, de quase 60 anos, como nós todos, já está na reserva desde os 45, pelo que agora passará a usar o seu título civil de Sr. Eng. Por outro lado, como aqui somos todos uns pindéricos de uns ex-militares, deixámos os títulos académicos na gaveta e utilizamos o que vem no BI, não fosse alguém querer-nos explorar pedindo um Projectito grátis a um Sr. Eng, uma consulta médica ao Sr. Dr. com preço reduzido e sem recibo, ou uma cunha do Sr. Prof. Dr. para uma entradita na Universidade, mesmo com média de 10.
Tudo isto serve para descontrair e desopilar que é o que nos faz mais falta.
Mais uma vez BEM VINDO ao seio, não à maminha, desta família. Um abraço e Bom Dia a todos.
Humberto Reis
3. Comentário do João Tunes (antes do almoço, que os ex-combatentes da Guiné e de outras guerras por enquanto ainda vão almoçando):
É, pá, obrigado, que essa do Vossa Senhoria já se me tinha varrido da memória.
E fica esclarecido que, sendo rapaz novo, não tenho "quase 60 anos". Esses já lá vão que os 61 estão a bater à porta (fui para a Guiné com quase 25 anos pois tinha tido adiamentos para concluir o curso).
E como a velhice é um posto, se não me querem considerar como tenente (bolas, era a talvez única oportunidade de saborear o tratamento!), ao menos devem-me o cumprimento Vossa Senhoria, o Nosso Mais Velho. Ou nem isso? Não tem problema. Fique, como deve ficar, o tratamento pelo nome e por tú que isto não é malta de modas.
15 setembro 2005
Guiné 63/74 - CXC: João Tunes, o novo tertuliano
Texto de João Tunes, novo membro da nossa tertúlia:
Camaradas,
Agradeço terem-me aceite na tertúlia. Tentarei merecer a vossa meritória obra e contribuir para ela com os meus modestos préstimos.
Passo a fornecer os dados "curriculares" para que figure na galeria dos ilustres "tertulianos":
- Nome: João Tunes
- "Posto": Alferes Miliciano de Transmissões de Infantaria durante a comissão na Guiné, promovido a "Tenente Miliciano" quando na disponibilidade (pelo que, considerando o devido respeito aos galões e aos procedimentos militares, deve ser este o posto em que me deve ser dado tratamento).
- Unidade: Várias (por favor não me peçam para lembrar os números)
- Locais: Bissau-Pelundo-Catió-Bissau
- Tempo de Comissão: Maio 1969/Maio 1971 (fiz 24 meses de comissão pelo facto de ter sido punido com 3 dias de prisão no Pelundo e que teve como consequências suplementares: 3 meses de comissão "extra", perda de direito a gozo de férias - medida depois revogada - e mudança imediata de unidade com transferência compulsiva de uma zona "calma" para a então considerada "pior" - Catió).
- Avaliação pela instituição militar:
- 3 dias de prisão (1 dia de prisão atribuído pelo Cmdt de Batalhão do Pelundo por "insubordinação" - ter-me recusado a cumprir ordem de bater num cabo prevaricador na hora de regresso a quartel com a agravante de, à ordem do TC "nosso alferes, vai ali o cabo ..., vá ter com ele e dê-lhe uma chapada", ter respondido "Eu não bato nem deixo bater nos homens que comando, bata-lhe vc se fôr capaz mas depois vai ter que se entender comigo de homem para homem". De seguida, a pena foi agravada pelo General Spínola para 3 dias de prisão com as consequências disciplinares conexas.)
- Louvor conferido pelo Cmdt de Catió (TC Mello de Carvalho) pelo desempenho das funções militares, disponibilidade para correr todos os riscos e participar em qualquer operação, mais valentia militar nas operações de penetração em território totalmente controlado pelo IN. Nota: este louvor, não me livrando do "reino do Nino" nem da extensão do tempo de comissão, proporcionou-me o bem supremo de ter podido recuperar o direito a férias que perdera pela punição e assim recuperar a oportunidade feliz de ver a minha filha Catarina que nascera dois meses antes e preparar-me para que as morteiradas do Nino, fizessem a mossa que fizessem, não me tirariam dos olhos a imagem do rosto da minha filha.
- Residência: Corroios (Seixal)
- Situação sócio-profissional: Desempregado (após 31 anos de actividade profissional como engenheiro químico na Galp)
- e-contactos:
mail - joao.tunes@netcabo.pt;
blogue - http://agualisa3.blogs.sapo.pt.
(...) Para todos, saudações amigas e camaradas do
João Tunes
_____________
Nota de L.G.:
Intem já tinha chamado a atenção de todos os tertulianos para um post fabuloso que o João Tunes, o nosso penúltimo tertuliano, escreveu no blogue dele – Água Lisa (3): Guiné-Bissau: Armas em sucata, memória viva... É a nosso respeito, de nós e dele. A única coisa que está a mais é um elogio à minha pessoa (não havia necessidade…): alguém tem que fazer estas tarefas... Todos podemos contribuir de mil e um maneiras: basta darem os vossos dois cêntimos de tempo para a tertúlia (dos ex-combatentes da Guiné)... De em vez em quando...
O João é um senhor gajo, que pensa bem e que escreve melhor, um homem de cultura, sensibilidade e talento. Aproveitei, já ontem, para lhe dar, mais uma vez, as boas vindas à nossa tertúlia.
Camaradas,
Agradeço terem-me aceite na tertúlia. Tentarei merecer a vossa meritória obra e contribuir para ela com os meus modestos préstimos.
Passo a fornecer os dados "curriculares" para que figure na galeria dos ilustres "tertulianos":
- Nome: João Tunes
- "Posto": Alferes Miliciano de Transmissões de Infantaria durante a comissão na Guiné, promovido a "Tenente Miliciano" quando na disponibilidade (pelo que, considerando o devido respeito aos galões e aos procedimentos militares, deve ser este o posto em que me deve ser dado tratamento).
- Unidade: Várias (por favor não me peçam para lembrar os números)
- Locais: Bissau-Pelundo-Catió-Bissau
- Tempo de Comissão: Maio 1969/Maio 1971 (fiz 24 meses de comissão pelo facto de ter sido punido com 3 dias de prisão no Pelundo e que teve como consequências suplementares: 3 meses de comissão "extra", perda de direito a gozo de férias - medida depois revogada - e mudança imediata de unidade com transferência compulsiva de uma zona "calma" para a então considerada "pior" - Catió).
- Avaliação pela instituição militar:
- 3 dias de prisão (1 dia de prisão atribuído pelo Cmdt de Batalhão do Pelundo por "insubordinação" - ter-me recusado a cumprir ordem de bater num cabo prevaricador na hora de regresso a quartel com a agravante de, à ordem do TC "nosso alferes, vai ali o cabo ..., vá ter com ele e dê-lhe uma chapada", ter respondido "Eu não bato nem deixo bater nos homens que comando, bata-lhe vc se fôr capaz mas depois vai ter que se entender comigo de homem para homem". De seguida, a pena foi agravada pelo General Spínola para 3 dias de prisão com as consequências disciplinares conexas.)
- Louvor conferido pelo Cmdt de Catió (TC Mello de Carvalho) pelo desempenho das funções militares, disponibilidade para correr todos os riscos e participar em qualquer operação, mais valentia militar nas operações de penetração em território totalmente controlado pelo IN. Nota: este louvor, não me livrando do "reino do Nino" nem da extensão do tempo de comissão, proporcionou-me o bem supremo de ter podido recuperar o direito a férias que perdera pela punição e assim recuperar a oportunidade feliz de ver a minha filha Catarina que nascera dois meses antes e preparar-me para que as morteiradas do Nino, fizessem a mossa que fizessem, não me tirariam dos olhos a imagem do rosto da minha filha.
- Residência: Corroios (Seixal)
- Situação sócio-profissional: Desempregado (após 31 anos de actividade profissional como engenheiro químico na Galp)
- e-contactos:
mail - joao.tunes@netcabo.pt;
blogue - http://agualisa3.blogs.sapo.pt.
(...) Para todos, saudações amigas e camaradas do
João Tunes
_____________
Nota de L.G.:
Intem já tinha chamado a atenção de todos os tertulianos para um post fabuloso que o João Tunes, o nosso penúltimo tertuliano, escreveu no blogue dele – Água Lisa (3): Guiné-Bissau: Armas em sucata, memória viva... É a nosso respeito, de nós e dele. A única coisa que está a mais é um elogio à minha pessoa (não havia necessidade…): alguém tem que fazer estas tarefas... Todos podemos contribuir de mil e um maneiras: basta darem os vossos dois cêntimos de tempo para a tertúlia (dos ex-combatentes da Guiné)... De em vez em quando...
O João é um senhor gajo, que pensa bem e que escreve melhor, um homem de cultura, sensibilidade e talento. Aproveitei, já ontem, para lhe dar, mais uma vez, as boas vindas à nossa tertúlia.
Guiné 63/74 - CXC: João Tunes, o novo tertuliano
Texto de João Tunes, novo membro da nossa tertúlia:
Camaradas,
Agradeço terem-me aceite na tertúlia. Tentarei merecer a vossa meritória obra e contribuir para ela com os meus modestos préstimos.
Passo a fornecer os dados "curriculares" para que figure na galeria dos ilustres "tertulianos":
- Nome: João Tunes
- "Posto": Alferes Miliciano de Transmissões de Infantaria durante a comissão na Guiné, promovido a "Tenente Miliciano" quando na disponibilidade (pelo que, considerando o devido respeito aos galões e aos procedimentos militares, deve ser este o posto em que me deve ser dado tratamento).
- Unidade: Várias (por favor não me peçam para lembrar os números)
- Locais: Bissau-Pelundo-Catió-Bissau
- Tempo de Comissão: Maio 1969/Maio 1971 (fiz 24 meses de comissão pelo facto de ter sido punido com 3 dias de prisão no Pelundo e que teve como consequências suplementares: 3 meses de comissão "extra", perda de direito a gozo de férias - medida depois revogada - e mudança imediata de unidade com transferência compulsiva de uma zona "calma" para a então considerada "pior" - Catió).
- Avaliação pela instituição militar:
- 3 dias de prisão (1 dia de prisão atribuído pelo Cmdt de Batalhão do Pelundo por "insubordinação" - ter-me recusado a cumprir ordem de bater num cabo prevaricador na hora de regresso a quartel com a agravante de, à ordem do TC "nosso alferes, vai ali o cabo ..., vá ter com ele e dê-lhe uma chapada", ter respondido "Eu não bato nem deixo bater nos homens que comando, bata-lhe vc se fôr capaz mas depois vai ter que se entender comigo de homem para homem". De seguida, a pena foi agravada pelo General Spínola para 3 dias de prisão com as consequências disciplinares conexas.)
- Louvor conferido pelo Cmdt de Catió (TC Mello de Carvalho) pelo desempenho das funções militares, disponibilidade para correr todos os riscos e participar em qualquer operação, mais valentia militar nas operações de penetração em território totalmente controlado pelo IN. Nota: este louvor, não me livrando do "reino do Nino" nem da extensão do tempo de comissão, proporcionou-me o bem supremo de ter podido recuperar o direito a férias que perdera pela punição e assim recuperar a oportunidade feliz de ver a minha filha Catarina que nascera dois meses antes e preparar-me para que as morteiradas do Nino, fizessem a mossa que fizessem, não me tirariam dos olhos a imagem do rosto da minha filha.
- Residência: Corroios (Seixal)
- Situação sócio-profissional: Desempregado (após 31 anos de actividade profissional como engenheiro químico na Galp)
- e-contactos:
mail - joao.tunes@netcabo.pt;
blogue - http://agualisa3.blogs.sapo.pt.
(...) Para todos, saudações amigas e camaradas do
João Tunes
_____________
Nota de L.G.:
Intem já tinha chamado a atenção de todos os tertulianos para um post fabuloso que o João Tunes, o nosso penúltimo tertuliano, escreveu no blogue dele – Água Lisa (3): Guiné-Bissau: Armas em sucata, memória viva... É a nosso respeito, de nós e dele. A única coisa que está a mais é um elogio à minha pessoa (não havia necessidade…): alguém tem que fazer estas tarefas... Todos podemos contribuir de mil e um maneiras: basta darem os vossos dois cêntimos de tempo para a tertúlia (dos ex-combatentes da Guiné)... De em vez em quando...
O João é um senhor gajo, que pensa bem e que escreve melhor, um homem de cultura, sensibilidade e talento. Aproveitei, já ontem, para lhe dar, mais uma vez, as boas vindas à nossa tertúlia.
Camaradas,
Agradeço terem-me aceite na tertúlia. Tentarei merecer a vossa meritória obra e contribuir para ela com os meus modestos préstimos.
Passo a fornecer os dados "curriculares" para que figure na galeria dos ilustres "tertulianos":
- Nome: João Tunes
- "Posto": Alferes Miliciano de Transmissões de Infantaria durante a comissão na Guiné, promovido a "Tenente Miliciano" quando na disponibilidade (pelo que, considerando o devido respeito aos galões e aos procedimentos militares, deve ser este o posto em que me deve ser dado tratamento).
- Unidade: Várias (por favor não me peçam para lembrar os números)
- Locais: Bissau-Pelundo-Catió-Bissau
- Tempo de Comissão: Maio 1969/Maio 1971 (fiz 24 meses de comissão pelo facto de ter sido punido com 3 dias de prisão no Pelundo e que teve como consequências suplementares: 3 meses de comissão "extra", perda de direito a gozo de férias - medida depois revogada - e mudança imediata de unidade com transferência compulsiva de uma zona "calma" para a então considerada "pior" - Catió).
- Avaliação pela instituição militar:
- 3 dias de prisão (1 dia de prisão atribuído pelo Cmdt de Batalhão do Pelundo por "insubordinação" - ter-me recusado a cumprir ordem de bater num cabo prevaricador na hora de regresso a quartel com a agravante de, à ordem do TC "nosso alferes, vai ali o cabo ..., vá ter com ele e dê-lhe uma chapada", ter respondido "Eu não bato nem deixo bater nos homens que comando, bata-lhe vc se fôr capaz mas depois vai ter que se entender comigo de homem para homem". De seguida, a pena foi agravada pelo General Spínola para 3 dias de prisão com as consequências disciplinares conexas.)
- Louvor conferido pelo Cmdt de Catió (TC Mello de Carvalho) pelo desempenho das funções militares, disponibilidade para correr todos os riscos e participar em qualquer operação, mais valentia militar nas operações de penetração em território totalmente controlado pelo IN. Nota: este louvor, não me livrando do "reino do Nino" nem da extensão do tempo de comissão, proporcionou-me o bem supremo de ter podido recuperar o direito a férias que perdera pela punição e assim recuperar a oportunidade feliz de ver a minha filha Catarina que nascera dois meses antes e preparar-me para que as morteiradas do Nino, fizessem a mossa que fizessem, não me tirariam dos olhos a imagem do rosto da minha filha.
- Residência: Corroios (Seixal)
- Situação sócio-profissional: Desempregado (após 31 anos de actividade profissional como engenheiro químico na Galp)
- e-contactos:
mail - joao.tunes@netcabo.pt;
blogue - http://agualisa3.blogs.sapo.pt.
(...) Para todos, saudações amigas e camaradas do
João Tunes
_____________
Nota de L.G.:
Intem já tinha chamado a atenção de todos os tertulianos para um post fabuloso que o João Tunes, o nosso penúltimo tertuliano, escreveu no blogue dele – Água Lisa (3): Guiné-Bissau: Armas em sucata, memória viva... É a nosso respeito, de nós e dele. A única coisa que está a mais é um elogio à minha pessoa (não havia necessidade…): alguém tem que fazer estas tarefas... Todos podemos contribuir de mil e um maneiras: basta darem os vossos dois cêntimos de tempo para a tertúlia (dos ex-combatentes da Guiné)... De em vez em quando...
O João é um senhor gajo, que pensa bem e que escreve melhor, um homem de cultura, sensibilidade e talento. Aproveitei, já ontem, para lhe dar, mais uma vez, as boas vindas à nossa tertúlia.
14 setembro 2005
Guiné 63/74 - CLXXXIX: Levar a "carta a Garcia" ou a redescoberta da Guiné
© Manuel Ferreira (2005) Guiné > Zona Leste > Aquartelamento de Mansambo > Refeitório (2) (1973)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Amigos & camaradas de tertúlia:
Eles não me levam a mal se eu vos der conhecimento dos e-mails (e dos mimos) que trocaram nestes últimos dias... em privado.
Eles... são o Humberto Reis e o Marques Lopes. Se eles se zangarem comigo, pior para mim... Isto não serve, obviamente, de incentivo para o resto dos membros da tertúlia usarem e abusarem da magnanimidade do nosso camarada Humberto Reis. De qualquer modo, foi uma das coisas (bonitas) que a escola da guerra, lá na Guiné, nos ensinou: a sermos magnânimos e solidários... Simplificando: a isto chama-se simplesmente camaradagem!
7 de Setembro de 2005:
1. Amigo e Camarada Marques Lopes:
Aqui vai o painel com a divisão da Guiné nas 72 partes cujas cartas a 1/50.000 adquiri. Em Dez de 94 já me custaram 450$00 cada uma, conforme factura do (...) Centro de Documentação e Informação do Instituto de Investigação Científica e Tropical (...).
Humberto Reis
2. Amigo e camarada Humberto Reis
Mais uma vez os meus agradecimentos. Não vou comprar as 72 folhas, mas vou ver se consigo aquelas que te referi, a 16, a 17 e a 28. A tua informação é extremamente útil (...).
Marques Lopes
9 de Setembro de 2005:
3. Amigo Marques Lopes:
Necessito que me indiques um endereço para onde te possa enviar uma encomenda postal. Tomei a liberdade de tirar fotocópias, infelizmente a preto e branco, mas já dá para matares saudades e passares uns serões a ver por onde andaste, das cartas a 1/50.000 que gostavas de ter. Anexo também a tal "Declaração" da embaixada, que tive de obter para poder comprar as cartas (...).
Humberto Reis
4. Caro amigo Humberto Reis:
És sensacional! Claro que estou interessado nas fotocópias que tiraste e desta vez deixo-te os meus, desta vez, mais que muitos agradecimentos. Para o que estou a escrever são importantísimas, pois que me vão fazer lembrar ao pormenor todos os caminhos e locais e, por eles, também as situações, certamente. Quando enviares manda-me um papelinho com a indicação das despesas feitas com fotocópias (o transporte vejo pelos selos) bem como o teu NIB para eu te pagar.
A minha morada é (...).
Marques Lopes
12 de Setembro de 20045:
5. Amigo António:
As despesas das fotocópias são: uma rodada aqui, na messe, aos que estiverem aqui mais perto ( como de costume os que estiverem em operações no mato lerpam na bebida) quando vieres cá ao burgo com algum tempo disponível.
As despesas de correio são: duas rodadas em vez de uma.
Por último permito-me MANDAR-TE DAR UMA VOLTA (para não dizer pior) SOBRE A QUESTÃO DO PAGAMENTO. Só o prazer que já estou a sentir com a tua alegria em teres estas cartas já pagou tudo.
Vão seguir hoje mesmo pelo correio.
Um abraço e diverte-te a recordar o que de bom passámos naquela terra (não venham dizer que foi tudo mau).
Humberto Reis
13 de Setembro de 2005:
6. Amigo Humberto Reis
Cá recebi as cartas que me enviaste. Um dia que for aí abaixo vou-te pagar a atenção e amabilidade, e trabalho, que tiveste. Estão prometidas as duas rodadas!
É fenomenal como estes mapas nos avivam a memória... Há tempos escrevi um texto do blogue e falei na bolanha de Canhamina. Propondo mistérios e eventuais utilizações de nomes fictícios, o Luís Graça perguntou se esse nome alguma vez terá existido...
De facto não existe, mas porque eu o confundi com o nome verdadeiro. E o nome está na carta que me enviaste de Bambadinca, que apanha grande parte da quadrícula da companhia de Geba. Lá está CANHAGINA, a seguir a Sare Madina (que eu também não vira em mais mapa nenhum), no caminho que eu segui para Sinchã Jobel (1) (também bem colocada na carta) nos idos tempos da Op Jigajoga (2).
Vão-me ser grandemente úteis estas cartas.
O meu obrigado e um abraço.
Marques Lopes
14 de Setembro de 2005:
7. Amigo e Camarada António Marques Lopes:
É uma grande alegria para mim sentir o quão bom foi teres olhado para esses bocados de papel e reviveres 35 anos atrás. Se calhar vieram-te as lágrimas aos olhos por recordares coisas boas, que também as houve.
Não há problema nenhum por isso. Costumamos dizer que só os burros (de 2 patas) é que não choram. Quando em Bambadinca, 25 após ter saído de lá, fui reconhecido por uma lavadeira (e isso está documentado num vídeo que um camarada nosso, que foi comigo, fez) também chorei de alegria. Aquela terra foi o nosso habitat natural durante quase 2 anos, e a maioria daquela gente até tem saudades nossas. É por essas e outras coisas semelhantes, que andamos aqui a contactar uns com os outros. Eu chamo a isto "Saudades".
Temos de nos manter vivos e o Luís Graça vai mantendo este endiabrado blogue.
Um abraço,Humberto,
Notas de L.G.:
(1) Vd. post,de A. Marques Lopes, de 30 Maio 2005 >
Guiné 69/71 - XXXVI: Na bolanha dá para pensar...
(2) Vd. post, de A. Marques Poes, de 30 de Maio de 2005 >
Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)
Guiné 63/74 - CLXXXIX: Levar a "carta a Garcia" ou a redescoberta da Guiné
© Manuel Ferreira (2005) Guiné > Zona Leste > Aquartelamento de Mansambo > Refeitório (2) (1973)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
Amigos & camaradas de tertúlia:
Eles não me levam a mal se eu vos der conhecimento dos e-mails (e dos mimos) que trocaram nestes últimos dias... em privado.
Eles... são o Humberto Reis e o Marques Lopes. Se eles se zangarem comigo, pior para mim... Isto não serve, obviamente, de incentivo para o resto dos membros da tertúlia usarem e abusarem da magnanimidade do nosso camarada Humberto Reis. De qualquer modo, foi uma das coisas (bonitas) que a escola da guerra, lá na Guiné, nos ensinou: a sermos magnânimos e solidários... Simplificando: a isto chama-se simplesmente camaradagem!
7 de Setembro de 2005:
1. Amigo e Camarada Marques Lopes:
Aqui vai o painel com a divisão da Guiné nas 72 partes cujas cartas a 1/50.000 adquiri. Em Dez de 94 já me custaram 450$00 cada uma, conforme factura do (...) Centro de Documentação e Informação do Instituto de Investigação Científica e Tropical (...).
Humberto Reis
2. Amigo e camarada Humberto Reis
Mais uma vez os meus agradecimentos. Não vou comprar as 72 folhas, mas vou ver se consigo aquelas que te referi, a 16, a 17 e a 28. A tua informação é extremamente útil (...).
Marques Lopes
9 de Setembro de 2005:
3. Amigo Marques Lopes:
Necessito que me indiques um endereço para onde te possa enviar uma encomenda postal. Tomei a liberdade de tirar fotocópias, infelizmente a preto e branco, mas já dá para matares saudades e passares uns serões a ver por onde andaste, das cartas a 1/50.000 que gostavas de ter. Anexo também a tal "Declaração" da embaixada, que tive de obter para poder comprar as cartas (...).
Humberto Reis
4. Caro amigo Humberto Reis:
És sensacional! Claro que estou interessado nas fotocópias que tiraste e desta vez deixo-te os meus, desta vez, mais que muitos agradecimentos. Para o que estou a escrever são importantísimas, pois que me vão fazer lembrar ao pormenor todos os caminhos e locais e, por eles, também as situações, certamente. Quando enviares manda-me um papelinho com a indicação das despesas feitas com fotocópias (o transporte vejo pelos selos) bem como o teu NIB para eu te pagar.
A minha morada é (...).
Marques Lopes
12 de Setembro de 20045:
5. Amigo António:
As despesas das fotocópias são: uma rodada aqui, na messe, aos que estiverem aqui mais perto ( como de costume os que estiverem em operações no mato lerpam na bebida) quando vieres cá ao burgo com algum tempo disponível.
As despesas de correio são: duas rodadas em vez de uma.
Por último permito-me MANDAR-TE DAR UMA VOLTA (para não dizer pior) SOBRE A QUESTÃO DO PAGAMENTO. Só o prazer que já estou a sentir com a tua alegria em teres estas cartas já pagou tudo.
Vão seguir hoje mesmo pelo correio.
Um abraço e diverte-te a recordar o que de bom passámos naquela terra (não venham dizer que foi tudo mau).
Humberto Reis
13 de Setembro de 2005:
6. Amigo Humberto Reis
Cá recebi as cartas que me enviaste. Um dia que for aí abaixo vou-te pagar a atenção e amabilidade, e trabalho, que tiveste. Estão prometidas as duas rodadas!
É fenomenal como estes mapas nos avivam a memória... Há tempos escrevi um texto do blogue e falei na bolanha de Canhamina. Propondo mistérios e eventuais utilizações de nomes fictícios, o Luís Graça perguntou se esse nome alguma vez terá existido...
De facto não existe, mas porque eu o confundi com o nome verdadeiro. E o nome está na carta que me enviaste de Bambadinca, que apanha grande parte da quadrícula da companhia de Geba. Lá está CANHAGINA, a seguir a Sare Madina (que eu também não vira em mais mapa nenhum), no caminho que eu segui para Sinchã Jobel (1) (também bem colocada na carta) nos idos tempos da Op Jigajoga (2).
Vão-me ser grandemente úteis estas cartas.
O meu obrigado e um abraço.
Marques Lopes
14 de Setembro de 2005:
7. Amigo e Camarada António Marques Lopes:
É uma grande alegria para mim sentir o quão bom foi teres olhado para esses bocados de papel e reviveres 35 anos atrás. Se calhar vieram-te as lágrimas aos olhos por recordares coisas boas, que também as houve.
Não há problema nenhum por isso. Costumamos dizer que só os burros (de 2 patas) é que não choram. Quando em Bambadinca, 25 após ter saído de lá, fui reconhecido por uma lavadeira (e isso está documentado num vídeo que um camarada nosso, que foi comigo, fez) também chorei de alegria. Aquela terra foi o nosso habitat natural durante quase 2 anos, e a maioria daquela gente até tem saudades nossas. É por essas e outras coisas semelhantes, que andamos aqui a contactar uns com os outros. Eu chamo a isto "Saudades".
Temos de nos manter vivos e o Luís Graça vai mantendo este endiabrado blogue.
Um abraço,Humberto,
Notas de L.G.:
(1) Vd. post,de A. Marques Lopes, de 30 Maio 2005 >
Guiné 69/71 - XXXVI: Na bolanha dá para pensar...
(2) Vd. post, de A. Marques Poes, de 30 de Maio de 2005 >
Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967)
13 setembro 2005
Guiné 63/74 - CLXXXVIII: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã
© Manuel Ferreira (2005) Guiné > Zona Leste > Aquartelamento de Mansambo > Refeitório (1)(1973)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
- E no fim quem levou a taça foi o capitão!... Quer-se dizer, mais uns galões, mais graveto ao fim do mês…
- Mas, ó Campanhã, era a vida dele, a carreira dele! – atalhou o ex-alferes Pimentel, transmontano, que nada tinha perdido do seu espírito de subserviência em relação a todas as hierarquias deste mundo.
- E depois nós éramos milicianos, estávamo-nos nas tintas para as divisas e os galões! – atalhei eu, tentando sem jeito deitar água na fervura.
- E, nós, soldados do contingente geral! – ripostou o Campanhã.
- Estávamos todos metidos no mesmo barco, essa é que essa! - opinou o Pimentel.
- Mas mesmo assim havia diferenças, carago! No meio daquela merda toda – desculpem lá a expressão! – vocês até eram uns fidalgos: tinham patacão, graveto; tinham messe, bar, bebidas estrangeiras; iam matar a malvada a Bafatá; comiam umas garinas, brancas ou verdianas de vez em quando, em Bissau; vinham de férias, na TAP, à Metrópole…
E lá continuou o reguila do Campanhã a vociferar contra os privilegiados dos tugas que na guerra tinham messe, com direito a comer de garfo e faca e toalha branca na mesa:
- Alguns de vocês, alferes e furriéis (não vale a pena citar nomes) até nem queriam outra vida se não fosse terem de andar com a puta da canhota no mato!... Mais: alguns milicianos que eu conheci, em Bambadinca, nunca tinham ganho um tostão na puta da vida, a não ser a mesada do velho…
- Calma aí e pára o baile, ó Campanhã! Estás a ser injusto, ao fazer generalizações abusivas ! - interrompeu, de chofre, o Pimentel.
- Muitos de nós, furriéis e alferes, já trabalhávamos... - comentei eu, ajudando a cortar o fio à meada do discurso torrencial do Campanhã, a quem os primeiros goles da cerveja da Trindade começava a abrir as goelas da desinibição.
- Cá o Zé Soldado como eu já era chefe de família e há muito que fossava no duro, antes de ir parar com os quatros costados à Guiné. É bom que não se esqueçam isto, carago!... Quanto ao resto, reconheço que éramos todos tugas e iguais, que elas no mato não traziam código postal!
O Campanhã, o nosso soldado Campanhã!... Era com emoção, com alguma emoção, mal disfarçada, que eu voltava a abraçar, ali no Trindade, no Bairro Alto, em Lisboa, dez depois, em 1981, o soldado Campanhã, com o seu inimitável sotaque tripeiro e a franqueza que era timbre da boa gente do Norte.
Tínhamo-nos tornado amigos (ou, talvez melhor, confidentes e cúmplices um do outro, camaradas, no sentido etimológico do termo, já que na tropa não havia amigos, mas apenas gente que partilhava o mesmo chão, a mesma caserna, o mesmo bivaque, o mesmo abrigo, a mesma tenda, o mesmo beliche, a mesma cama, o mesmo buraco) nessa longa noite em que viajáramos juntos, de comboio, do Campo Militar de Santa Margarida (1) até ao cais de embarque, em Lisboa.
Entre dois tragos de bagaço de vinho verde, rasca, o Campanhã fora-me contando a sua vida, os seus sonhos, os seus projectos, a mim, seu confidente de circunstância, vizinho de lugar e companheiro de infortúnio, lucidamente deprimido, à medida que o comboio da CP, requisitado pela tropa, galgava as terras banhadas pelo Tejo, pela calada da noite.
Para lá do Douro, ficava uma infância pobre, uma adolescência truculenta, uma filha de mãe solteira, um futuro incerto de operário do têxtil. Filho de pequenos rendeiros pobres, de Entre Douro e Minho, cedo pegara na trouxa para apanhar o comboio da Linha do Douro e assentar arraiais numa ilha na freguesia de Campanhã, razão de ser da alcunha que lhe deram na tropa.
- Em busca de melhores dias, já que em casa o caldo, a broa e o verde mal chegavam para dez bocas.
- Fome... mesmo, a sério ? - insinuei eu, timidamente.
- Não, meu furriel, você não sabe o que é isso: uma sardinha para três em dia de festa; um bocado de toucinho quando se matava o porco lá pelo Natal; um caldo de água quente, pencas e pão de milho esfarelado para aconchegar o estômago; batatas com batatas, quando as havia… Mas um homem habitua-se a tudo... Fome, fome, não. Digamos que passei necessidades...
E no Porto, na sua Campanhã, ainda popular e operária, faria entretanto a sua "universidade da vida": marçano, barbeiro, trolha, futebolista, empregado de café, chulo de puta fina – “azeiteiro, como se diz na minha terra”… até descobrir o duro caminho que o levaria aos portões da fábrica.
- Cães grandes ? Aprendi a tirar-lhes o chapéu e a cuspir-lhes na sombra desde o dia em que, descalço, mas já com pêlo na venta, acompanhava o velho pai na visita anual à Casa do Fidalgo, pelo São Miguel, para acertar a renda: dois terços do vinho, metade do milho, a melhor fruta para a senhora, a viúva de um juiz salazarista que tinha mais quintas na zona do que dedos na mão…
Falava do seu velho pai, com ternura contida e com o respeito comovido que lhe mereciam os mortos de que a História não fala. Tinha falecido em Fevereiro de 1969, nas vésperas da ordem da sua mobilização para a Guiné.
- As alegrias passam, meu furriel. Só as desgraças e as injustiças nunca se perdoam e nem se esquecem. As tainadas, as bezanas, tudo isso a gente caga e mija... Veja o meu falecido pai. Trabalhou uma vida inteira como uma besta de carga para morrer pobre como Job, sem um cantinho a que chamasse seu, como qualquer cabaneiro. Sem saber uma letra. Sem nunca ter ido sequer à Foz a ver o mar… Conheceu muitos fidalgos, como ele chamava aos senhorios ou patrões… Sempre o conheci de chapéu na mão, agradecendo a suas senhorias o grandessíssimo favor de continuar na terra por mais um ano, depois do São Miguel… Viveu uma vida emprestada, viveu por favor... É isso que me revolta, carago. E é por isso que me chamam reguila… Mas eu digo-lhe: há coisas que um homem nunca esquece por muitos tombos que dê na puta da vida, por muitas bezanas que apanhe ou por muitas sacanices que faça… E eu já fiz muita merda, nesta meia dúzia de anos em que me tornei homem.
Curiosamente, verificava ali no Trindade, dez anos depois de "tudo ter acabado em bem", como dizia o safado do Pimentel, que nenhum de nós se desculpava por feito aquela guerra e muito menos de a ter perdido. Para alguns de nós, por ventura para a maior parte de nós, tugas, agora despidos, desfardados, paisanos, passados à peluda, nus de corpo e alma como no dia em que fomos à inspecção, alcunhados de ex-combatentes do ultramar, últimos guerreiros do império colonial português, mal amados - "mas vivinhos da costa como o carapau, graças a Deus!" (era a voz efeminada do Peniche, o básico, que sempre acabara por ir parar à vida artística da noite) - , tinha sido afinal a primeira e a última grande aventura das nossas vidas cinzentas, um rito de passagem, uma iniciação (entre dolorosa e divertida) à vida adulta. Uma espécie de acidente de percurso. Um pesadelo climatizado. Uma trovoada fantasmagórica numa bela noite de verão tropical. Um abcesso. Um furúnculo. Uma dor de dentes...
- Um parto, meu furriel, um parto! - arrematava o Peniche, no meio da galhofa geral.
Talvez, eu, ingénuo, esperasse ouvir a confissão pública de alguém que, agora, à distância dos acontecimentos e na atmosfera distendida do Trindade, quisesse tomar partido e se levantasse para fazer um discurso puro e duro sobre a traição dos capitães de Abril, do Spínola, do Caetano e de todos os gajos que andaram a gozar connosco. Ou então sobre o trágico equívoco que fora a guerra colonial, ceifando vidas, gastando cabedais, hipotecando o futuro. Mas não, nenhum dos presentes levantara a caneca para gritar Viva ou Morra !...
É que todos fazíamos o jogo da cumplicidade, jogo cujas regras tacitamente ninguém estava disposto a violar. Porque o momento era único, era mágico, e todos sabíamos que nunca mais voltaria a repetir-se, apesar das trocas de cartões e de fotos da família e das promessas de, para o ano, irmos comer uma valente feijoada à transmontana e provar a famosa posta mirandesa, para lá do Marão "onde mandam os que lá estão" (assegurava o Pimentel, "agora autarca do poder local democrático").
- Nunca lá pus os butes, e bibo no Porto, carago! - ironizou o Campanhã que continuava, a miúde, a trocar os vês pelos bês, sentindo que ainda lhe achavam alguma graça, os gajos do sul.
No fundo, sabíamos que, na vida, há momentos irrepetíveis, pelo que nem os fantasmas, dolorosos, do passado, nem as paixões, ainda mornas, do presente, nem muito menos as inquietações, imperceptíveis, do futuro deveriam perturbar este insólito e fugaz encontro de meia dúzia de ex-combatentes da Guiné, mesmo quando, já no fim do jantar e depois de uma nova rodada de uísques (de uma Old Parr de 1970 que o vago-mestre trouxera de lembrança, "from Sctoland to the Portuguese Armed Forces"), alguém tivera o mau gosto (ou o azar) de evocar os mortos da companhia...
- Agora é que foderam tudo! – arrematou o Campanhã.
Nunca conheci nenhuma alma tão sensível como a dele. Ou melhor: nenhum actor, com lágrima tão fácil como a dele...
Fonte: (Pre)texto: “Na Guiné, longe do Vietname” (inédito). © Luís Graça (1981-2005)(2)
________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 24 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida
(2) Nenhum destes heróis foi condecorado, muito menos o Campanhã (que antes de ir parar à Guiné levou uma porrada, sendo despromovido do posto de cabo atirador de infantaria). Felizmente que nenhum deles foi condecorado no 10 de Junho, a título póstumo. Também nenhum destes heróis existiu. Nem poderiam existir: afinal, perdemos a guerra. Em todo o caso, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
Guiné 63/74 - CLXXXVIII: A galeria dos meus heróis (1): o Campanhã
© Manuel Ferreira (2005) Guiné > Zona Leste > Aquartelamento de Mansambo > Refeitório (1)(1973)
Foto gentilmente cedida por Manuel G. Ferreira, ex-soldado condutor auto, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.
- E no fim quem levou a taça foi o capitão!... Quer-se dizer, mais uns galões, mais graveto ao fim do mês…
- Mas, ó Campanhã, era a vida dele, a carreira dele! – atalhou o ex-alferes Pimentel, transmontano, que nada tinha perdido do seu espírito de subserviência em relação a todas as hierarquias deste mundo.
- E depois nós éramos milicianos, estávamo-nos nas tintas para as divisas e os galões! – atalhei eu, tentando sem jeito deitar água na fervura.
- E, nós, soldados do contingente geral! – ripostou o Campanhã.
- Estávamos todos metidos no mesmo barco, essa é que essa! - opinou o Pimentel.
- Mas mesmo assim havia diferenças, carago! No meio daquela merda toda – desculpem lá a expressão! – vocês até eram uns fidalgos: tinham patacão, graveto; tinham messe, bar, bebidas estrangeiras; iam matar a malvada a Bafatá; comiam umas garinas, brancas ou verdianas de vez em quando, em Bissau; vinham de férias, na TAP, à Metrópole…
E lá continuou o reguila do Campanhã a vociferar contra os privilegiados dos tugas que na guerra tinham messe, com direito a comer de garfo e faca e toalha branca na mesa:
- Alguns de vocês, alferes e furriéis (não vale a pena citar nomes) até nem queriam outra vida se não fosse terem de andar com a puta da canhota no mato!... Mais: alguns milicianos que eu conheci, em Bambadinca, nunca tinham ganho um tostão na puta da vida, a não ser a mesada do velho…
- Calma aí e pára o baile, ó Campanhã! Estás a ser injusto, ao fazer generalizações abusivas ! - interrompeu, de chofre, o Pimentel.
- Muitos de nós, furriéis e alferes, já trabalhávamos... - comentei eu, ajudando a cortar o fio à meada do discurso torrencial do Campanhã, a quem os primeiros goles da cerveja da Trindade começava a abrir as goelas da desinibição.
- Cá o Zé Soldado como eu já era chefe de família e há muito que fossava no duro, antes de ir parar com os quatros costados à Guiné. É bom que não se esqueçam isto, carago!... Quanto ao resto, reconheço que éramos todos tugas e iguais, que elas no mato não traziam código postal!
O Campanhã, o nosso soldado Campanhã!... Era com emoção, com alguma emoção, mal disfarçada, que eu voltava a abraçar, ali no Trindade, no Bairro Alto, em Lisboa, dez depois, em 1981, o soldado Campanhã, com o seu inimitável sotaque tripeiro e a franqueza que era timbre da boa gente do Norte.
Tínhamo-nos tornado amigos (ou, talvez melhor, confidentes e cúmplices um do outro, camaradas, no sentido etimológico do termo, já que na tropa não havia amigos, mas apenas gente que partilhava o mesmo chão, a mesma caserna, o mesmo bivaque, o mesmo abrigo, a mesma tenda, o mesmo beliche, a mesma cama, o mesmo buraco) nessa longa noite em que viajáramos juntos, de comboio, do Campo Militar de Santa Margarida (1) até ao cais de embarque, em Lisboa.
Entre dois tragos de bagaço de vinho verde, rasca, o Campanhã fora-me contando a sua vida, os seus sonhos, os seus projectos, a mim, seu confidente de circunstância, vizinho de lugar e companheiro de infortúnio, lucidamente deprimido, à medida que o comboio da CP, requisitado pela tropa, galgava as terras banhadas pelo Tejo, pela calada da noite.
Para lá do Douro, ficava uma infância pobre, uma adolescência truculenta, uma filha de mãe solteira, um futuro incerto de operário do têxtil. Filho de pequenos rendeiros pobres, de Entre Douro e Minho, cedo pegara na trouxa para apanhar o comboio da Linha do Douro e assentar arraiais numa ilha na freguesia de Campanhã, razão de ser da alcunha que lhe deram na tropa.
- Em busca de melhores dias, já que em casa o caldo, a broa e o verde mal chegavam para dez bocas.
- Fome... mesmo, a sério ? - insinuei eu, timidamente.
- Não, meu furriel, você não sabe o que é isso: uma sardinha para três em dia de festa; um bocado de toucinho quando se matava o porco lá pelo Natal; um caldo de água quente, pencas e pão de milho esfarelado para aconchegar o estômago; batatas com batatas, quando as havia… Mas um homem habitua-se a tudo... Fome, fome, não. Digamos que passei necessidades...
E no Porto, na sua Campanhã, ainda popular e operária, faria entretanto a sua "universidade da vida": marçano, barbeiro, trolha, futebolista, empregado de café, chulo de puta fina – “azeiteiro, como se diz na minha terra”… até descobrir o duro caminho que o levaria aos portões da fábrica.
- Cães grandes ? Aprendi a tirar-lhes o chapéu e a cuspir-lhes na sombra desde o dia em que, descalço, mas já com pêlo na venta, acompanhava o velho pai na visita anual à Casa do Fidalgo, pelo São Miguel, para acertar a renda: dois terços do vinho, metade do milho, a melhor fruta para a senhora, a viúva de um juiz salazarista que tinha mais quintas na zona do que dedos na mão…
Falava do seu velho pai, com ternura contida e com o respeito comovido que lhe mereciam os mortos de que a História não fala. Tinha falecido em Fevereiro de 1969, nas vésperas da ordem da sua mobilização para a Guiné.
- As alegrias passam, meu furriel. Só as desgraças e as injustiças nunca se perdoam e nem se esquecem. As tainadas, as bezanas, tudo isso a gente caga e mija... Veja o meu falecido pai. Trabalhou uma vida inteira como uma besta de carga para morrer pobre como Job, sem um cantinho a que chamasse seu, como qualquer cabaneiro. Sem saber uma letra. Sem nunca ter ido sequer à Foz a ver o mar… Conheceu muitos fidalgos, como ele chamava aos senhorios ou patrões… Sempre o conheci de chapéu na mão, agradecendo a suas senhorias o grandessíssimo favor de continuar na terra por mais um ano, depois do São Miguel… Viveu uma vida emprestada, viveu por favor... É isso que me revolta, carago. E é por isso que me chamam reguila… Mas eu digo-lhe: há coisas que um homem nunca esquece por muitos tombos que dê na puta da vida, por muitas bezanas que apanhe ou por muitas sacanices que faça… E eu já fiz muita merda, nesta meia dúzia de anos em que me tornei homem.
Curiosamente, verificava ali no Trindade, dez anos depois de "tudo ter acabado em bem", como dizia o safado do Pimentel, que nenhum de nós se desculpava por feito aquela guerra e muito menos de a ter perdido. Para alguns de nós, por ventura para a maior parte de nós, tugas, agora despidos, desfardados, paisanos, passados à peluda, nus de corpo e alma como no dia em que fomos à inspecção, alcunhados de ex-combatentes do ultramar, últimos guerreiros do império colonial português, mal amados - "mas vivinhos da costa como o carapau, graças a Deus!" (era a voz efeminada do Peniche, o básico, que sempre acabara por ir parar à vida artística da noite) - , tinha sido afinal a primeira e a última grande aventura das nossas vidas cinzentas, um rito de passagem, uma iniciação (entre dolorosa e divertida) à vida adulta. Uma espécie de acidente de percurso. Um pesadelo climatizado. Uma trovoada fantasmagórica numa bela noite de verão tropical. Um abcesso. Um furúnculo. Uma dor de dentes...
- Um parto, meu furriel, um parto! - arrematava o Peniche, no meio da galhofa geral.
Talvez, eu, ingénuo, esperasse ouvir a confissão pública de alguém que, agora, à distância dos acontecimentos e na atmosfera distendida do Trindade, quisesse tomar partido e se levantasse para fazer um discurso puro e duro sobre a traição dos capitães de Abril, do Spínola, do Caetano e de todos os gajos que andaram a gozar connosco. Ou então sobre o trágico equívoco que fora a guerra colonial, ceifando vidas, gastando cabedais, hipotecando o futuro. Mas não, nenhum dos presentes levantara a caneca para gritar Viva ou Morra !...
É que todos fazíamos o jogo da cumplicidade, jogo cujas regras tacitamente ninguém estava disposto a violar. Porque o momento era único, era mágico, e todos sabíamos que nunca mais voltaria a repetir-se, apesar das trocas de cartões e de fotos da família e das promessas de, para o ano, irmos comer uma valente feijoada à transmontana e provar a famosa posta mirandesa, para lá do Marão "onde mandam os que lá estão" (assegurava o Pimentel, "agora autarca do poder local democrático").
- Nunca lá pus os butes, e bibo no Porto, carago! - ironizou o Campanhã que continuava, a miúde, a trocar os vês pelos bês, sentindo que ainda lhe achavam alguma graça, os gajos do sul.
No fundo, sabíamos que, na vida, há momentos irrepetíveis, pelo que nem os fantasmas, dolorosos, do passado, nem as paixões, ainda mornas, do presente, nem muito menos as inquietações, imperceptíveis, do futuro deveriam perturbar este insólito e fugaz encontro de meia dúzia de ex-combatentes da Guiné, mesmo quando, já no fim do jantar e depois de uma nova rodada de uísques (de uma Old Parr de 1970 que o vago-mestre trouxera de lembrança, "from Sctoland to the Portuguese Armed Forces"), alguém tivera o mau gosto (ou o azar) de evocar os mortos da companhia...
- Agora é que foderam tudo! – arrematou o Campanhã.
Nunca conheci nenhuma alma tão sensível como a dele. Ou melhor: nenhum actor, com lágrima tão fácil como a dele...
Fonte: (Pre)texto: “Na Guiné, longe do Vietname” (inédito). © Luís Graça (1981-2005)(2)
________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 24 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida
(2) Nenhum destes heróis foi condecorado, muito menos o Campanhã (que antes de ir parar à Guiné levou uma porrada, sendo despromovido do posto de cabo atirador de infantaria). Felizmente que nenhum deles foi condecorado no 10 de Junho, a título póstumo. Também nenhum destes heróis existiu. Nem poderiam existir: afinal, perdemos a guerra. Em todo o caso, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
Guiné 63/74 - XCLXXXVII: Luís Moreira, Alf. Mil. Sapador, CCS/ BART 2917
© Luís Moreira (2005)
1. Mensagem enviada pelo Luís Moreira ao David Guimarães, com data de 11 de Setembro de 2005:
Caro camarada ex-combatente:
Pela mão do Belmiro Vaqueiro, que conheço há muitos anos mas que só há pouco tempo soube que também ele esteve na Guiné nos mesmos locais que percorremos, tive acesso ao site do Luís Graça e a felicidade de rever fotos de locais que muito me dizem e de alguns camaradas do meu Batalhão, no qual te incluis assim como o Padre Poim, o Quaresma, o Cap. Espinha de Almeida, o Alf. Soares e outros a quem a memória já não me ajuda a recordar.
Estive em Bambadinca na CCS [do BART 2917] e sou o ex-alferes sapador Luís Moreira que fui ao ar com uma mina anti-carro no reordenamento dos Nhabijões (espero não estar a errar no nome).
Na sequência desse acidente passei aos serviços auxiliares e fui colocado no Batalhão de Engenharia, em Bissau, até ao fim da minha comissão que terminou já depois de vocês terem regressado e que fez com que eu hoje faça parte do grupo dos DFA [Deficientes das Forças Armadas].
Infelizmente não me recordo do nome da maioria dos camaradas com quem convivi, talvez devido ao traumatismo craneano que sofri na sequência do acidente. No entanto gostaria de recordar e contactar com o maior número de camaradas para tentar reconstituir esse período de quase um ano que passei em Bambadinca.
Tenho algumas fotos que vou retirar da "arca" onde têm estado depositadas todos estes anos, e que depois enviarei. Ainda recordo o nome dos alferes Machado e Guerreiro, da CCS, e tenho bem presente a figura do alferes mecânico, mas já não lhe recordo o nome. Outra figura ímpar que recordo com saudade é a do alferes Vacas de Carvalho, das Daimler, e da sua viola que nos animava os serões.
Fico a aguardar notícias e possíveis contactos.
Um abraço, Luís Moreira.
2. Mensagem do David Guimarães, com data de ontem:
Olá, Luís Moreira. Se pelo nome já não me lembrava de ti, já o facto de seres o Alferes Sapador da CCS do BART 2917 da CCC me diz muito mais. Efectivamente o tempo passa e os nomes também. Hoje resta-nos a imagem que tínhamos na altura : eramos uns miúdios, todos muito novinhos....
Eu estive na CART 2716 do Xitole, comandada pelo Cap Mil Espinha de Almeida... Os Alferes eram o Soares, o Correia, o Sampaio e o Coutinho que foi substituir o Ferreirinha (que se tinha ferido na instrução ainda na Pesada 2, isso te lembrarás possivelmente). Se do Coutinho não tiveres a imagem, é natural que tenhas a do Ferreirinha que foi desmobilizado do nosso Batalhão (mais tarde parece que foi num BART para Moçambique)...
Guiné > Zona Leste > Xitole > CART 2716 >1970: Da esquerda para a direita: O Cap Mil Espinha de Almeida, o Fur Mil Guimarães e o Alf Mil Soares.
© David J. Guimarães (2005).
Os Furriéis desta CART 2716 eram o Rei, o Augusto, o Quaresma, o Leones, o Santos, o Martins, o Ribeiro, o Ferreira e eu, o Guimarães, todos natiradores. Depois havia ainda o Meirinho, o enfermeiro; o Cabete, o mecânico; o Marques, Vago-Mestre e o Henriques, de armas pesadas. Estes eram os quadros da CART 2716...
No nossa página sobre o Xitole podes ver a minha figura de então - eu também era daqueles que tinha numa mão a espingarda e noutra mão a Viola... Avivarás a memória... Creio que um dia foste tu que me levaste ao [Major] Anjos de Carvalho para me apresentar: estavas de oficial de dia.
Já da malta da CCS, de Bambadinca, o tempo me fez esquecer os nomes. Mas, como Alferes Sapador, deves lembrar-te do Furriel Rebelo, também sapador, do Vinagre, o mecânico... O Machado é daqui de Riba D'Ave. Digo daqui, do Norte e perto relativamente de onde vivo (eu moro em Espinho). Guerreiro, só hoje mo lembraste... Do Vacas de Carvalho, sim, com a sua viola, e que o Machado também acompanhava...
Claro que a CCS enquadrava o Comando: Tenente Coronel Magalhães Filipe , que foi substituído pelo Tenente Coronel Polidoro Monteiro (cuja figura já aqui evoquei, neste blogue); Major Anjos de Carvalho, 2º Comandante; Major Barros e Bastos, major de operações; e o Cap Passos Marques, comandante de Companhia. Depois vocês todos...
No Xime [CART 2715], e de nome, lembro-me do [Furriel] Cunha (morto em combate) [vd. post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) ], do Furriel Carias, do Baptista ... Outros nomes já não me ocorrem. Lembro-me do Alferes Torres, esse de Mansambo. Enfim, a memória esvai-se porque já lá passa muito tempo...
Quero contudo apresentar-te ao ex-Furriel Henriques, da CCAÇ 12, e que tem um blogue importante onde estamos a colocar a nossa guerra toda. Creio que ele esteve envolvido nesse acidente de que tu saíste muito maltratado...
Mando este mail com conhecimento a ele e vamos continuar a nossa guerra, reconstituindo as nossas memórias, o que só nos fará bem...
Um abraço, Guimarães (ex-Furr Mil da CART 2717, a companhia do Capitão Espinha de Almeida).
Luís Graça: mando-te aí um alferes que conheceste pela certa - um abraço, David Guimarães.
3. O meu comentário:
Amigos & camaradas de tertúlia:
Façam o favor de se acomodar e arranjar espaço, na nossa camarata, para mais um camarada da Guiné. Ele chegou aqui por mão do Belmiro Vaqueiro e do David Guimarães. Era alferes sapador da CCS do BART 2917 (1970/72), sedeado em Bambadinca.
E, espantosamente, é o mesmo que foi vítima do rebentamento da mina a/c, accionada às 11.25h, do dia 13 de Janeiro de 1971, pela viatura Unimog 411, conduzido pelo nosso (da CCAÇ 12) soldado Soares que ia buscar, a Bambadinca, a 2ª refeição, para o pessoal destacado no reordenamento de Nhabijões…
O Soares teve morte imediata, tendo ficado gravemente feridos um oficial (o Luís Moreira) e um soldado da CCS/BART 2917, mais o nosso (desta tertúlia) Jaquim Fernandes, furriel miliciano da CCAÇ 12...
Eu, pessoalmente, nunca mais esqueci essa data fatídica de 13 de Janeiro de 1971... Porque logo a seguir fui eu, mais o Furriel Mil. Marques e o nosso grupo de combate, em socorro das vítimas, que fomos cair noutra mina anticarro, no mesmo sítio, à entrada do reordenamento de Nahbijões...
É claro que a malta da CCAÇ 12 se lembra dele, Luís Moreira: estou a referir-me ao Tony Levezinho, ao Joaquim Fernandes e ao Humberto Reis, além do blogador, que fazem parte desta tertúlia…
Por sua vez, o Luís Moreira lembra-se de amigos comuns, que conviviam com a malta da CCAÇ 12 (a velhice de Bambadinca, partir de meados de 1970, com a rendição do BCAÇ 2852 pelo BART 2917), tais como o Alferes Machado (de Riba D’Ave) ou o Alferes Vacas de Carvalho... Lembra-se do Furriel Cunha, do Xime, que morreu na operação em que participámos (Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970)...
Em suma, o Luís Moreira está em casa e é bem vindo. Entra, camarada. Temos muito que conversar.
Luís Graça (ex-furriel miliciano Henrqiues, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
PS – Luís Moreira: Aqui vai o endereço de e-mail do Joaquim Fernandes que ia contigo no Unimog e que hoje mora no Barreiro (haveremos de voltar a esta trágica estória de Nhabijões). Se assim o entenderes, manda-nos uma foito tua, antiga e actual, que é para gente te pôr na fotogaleria.
Guiné 63/74 - XCLXXXVII: Luís Moreira, Alf. Mil. Sapador, CCS/ BART 2917
© Luís Moreira (2005)
1. Mensagem enviada pelo Luís Moreira ao David Guimarães, com data de 11 de Setembro de 2005:
Caro camarada ex-combatente:
Pela mão do Belmiro Vaqueiro, que conheço há muitos anos mas que só há pouco tempo soube que também ele esteve na Guiné nos mesmos locais que percorremos, tive acesso ao site do Luís Graça e a felicidade de rever fotos de locais que muito me dizem e de alguns camaradas do meu Batalhão, no qual te incluis assim como o Padre Poim, o Quaresma, o Cap. Espinha de Almeida, o Alf. Soares e outros a quem a memória já não me ajuda a recordar.
Estive em Bambadinca na CCS [do BART 2917] e sou o ex-alferes sapador Luís Moreira que fui ao ar com uma mina anti-carro no reordenamento dos Nhabijões (espero não estar a errar no nome).
Na sequência desse acidente passei aos serviços auxiliares e fui colocado no Batalhão de Engenharia, em Bissau, até ao fim da minha comissão que terminou já depois de vocês terem regressado e que fez com que eu hoje faça parte do grupo dos DFA [Deficientes das Forças Armadas].
Infelizmente não me recordo do nome da maioria dos camaradas com quem convivi, talvez devido ao traumatismo craneano que sofri na sequência do acidente. No entanto gostaria de recordar e contactar com o maior número de camaradas para tentar reconstituir esse período de quase um ano que passei em Bambadinca.
Tenho algumas fotos que vou retirar da "arca" onde têm estado depositadas todos estes anos, e que depois enviarei. Ainda recordo o nome dos alferes Machado e Guerreiro, da CCS, e tenho bem presente a figura do alferes mecânico, mas já não lhe recordo o nome. Outra figura ímpar que recordo com saudade é a do alferes Vacas de Carvalho, das Daimler, e da sua viola que nos animava os serões.
Fico a aguardar notícias e possíveis contactos.
Um abraço, Luís Moreira.
2. Mensagem do David Guimarães, com data de ontem:
Olá, Luís Moreira. Se pelo nome já não me lembrava de ti, já o facto de seres o Alferes Sapador da CCS do BART 2917 da CCC me diz muito mais. Efectivamente o tempo passa e os nomes também. Hoje resta-nos a imagem que tínhamos na altura : eramos uns miúdios, todos muito novinhos....
Eu estive na CART 2716 do Xitole, comandada pelo Cap Mil Espinha de Almeida... Os Alferes eram o Soares, o Correia, o Sampaio e o Coutinho que foi substituir o Ferreirinha (que se tinha ferido na instrução ainda na Pesada 2, isso te lembrarás possivelmente). Se do Coutinho não tiveres a imagem, é natural que tenhas a do Ferreirinha que foi desmobilizado do nosso Batalhão (mais tarde parece que foi num BART para Moçambique)...
Guiné > Zona Leste > Xitole > CART 2716 >1970: Da esquerda para a direita: O Cap Mil Espinha de Almeida, o Fur Mil Guimarães e o Alf Mil Soares.
© David J. Guimarães (2005).
Os Furriéis desta CART 2716 eram o Rei, o Augusto, o Quaresma, o Leones, o Santos, o Martins, o Ribeiro, o Ferreira e eu, o Guimarães, todos natiradores. Depois havia ainda o Meirinho, o enfermeiro; o Cabete, o mecânico; o Marques, Vago-Mestre e o Henriques, de armas pesadas. Estes eram os quadros da CART 2716...
No nossa página sobre o Xitole podes ver a minha figura de então - eu também era daqueles que tinha numa mão a espingarda e noutra mão a Viola... Avivarás a memória... Creio que um dia foste tu que me levaste ao [Major] Anjos de Carvalho para me apresentar: estavas de oficial de dia.
Já da malta da CCS, de Bambadinca, o tempo me fez esquecer os nomes. Mas, como Alferes Sapador, deves lembrar-te do Furriel Rebelo, também sapador, do Vinagre, o mecânico... O Machado é daqui de Riba D'Ave. Digo daqui, do Norte e perto relativamente de onde vivo (eu moro em Espinho). Guerreiro, só hoje mo lembraste... Do Vacas de Carvalho, sim, com a sua viola, e que o Machado também acompanhava...
Claro que a CCS enquadrava o Comando: Tenente Coronel Magalhães Filipe , que foi substituído pelo Tenente Coronel Polidoro Monteiro (cuja figura já aqui evoquei, neste blogue); Major Anjos de Carvalho, 2º Comandante; Major Barros e Bastos, major de operações; e o Cap Passos Marques, comandante de Companhia. Depois vocês todos...
No Xime [CART 2715], e de nome, lembro-me do [Furriel] Cunha (morto em combate) [vd. post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) ], do Furriel Carias, do Baptista ... Outros nomes já não me ocorrem. Lembro-me do Alferes Torres, esse de Mansambo. Enfim, a memória esvai-se porque já lá passa muito tempo...
Quero contudo apresentar-te ao ex-Furriel Henriques, da CCAÇ 12, e que tem um blogue importante onde estamos a colocar a nossa guerra toda. Creio que ele esteve envolvido nesse acidente de que tu saíste muito maltratado...
Mando este mail com conhecimento a ele e vamos continuar a nossa guerra, reconstituindo as nossas memórias, o que só nos fará bem...
Um abraço, Guimarães (ex-Furr Mil da CART 2717, a companhia do Capitão Espinha de Almeida).
Luís Graça: mando-te aí um alferes que conheceste pela certa - um abraço, David Guimarães.
3. O meu comentário:
Amigos & camaradas de tertúlia:
Façam o favor de se acomodar e arranjar espaço, na nossa camarata, para mais um camarada da Guiné. Ele chegou aqui por mão do Belmiro Vaqueiro e do David Guimarães. Era alferes sapador da CCS do BART 2917 (1970/72), sedeado em Bambadinca.
E, espantosamente, é o mesmo que foi vítima do rebentamento da mina a/c, accionada às 11.25h, do dia 13 de Janeiro de 1971, pela viatura Unimog 411, conduzido pelo nosso (da CCAÇ 12) soldado Soares que ia buscar, a Bambadinca, a 2ª refeição, para o pessoal destacado no reordenamento de Nhabijões…
O Soares teve morte imediata, tendo ficado gravemente feridos um oficial (o Luís Moreira) e um soldado da CCS/BART 2917, mais o nosso (desta tertúlia) Jaquim Fernandes, furriel miliciano da CCAÇ 12...
Eu, pessoalmente, nunca mais esqueci essa data fatídica de 13 de Janeiro de 1971... Porque logo a seguir fui eu, mais o Furriel Mil. Marques e o nosso grupo de combate, em socorro das vítimas, que fomos cair noutra mina anticarro, no mesmo sítio, à entrada do reordenamento de Nahbijões...
É claro que a malta da CCAÇ 12 se lembra dele, Luís Moreira: estou a referir-me ao Tony Levezinho, ao Joaquim Fernandes e ao Humberto Reis, além do blogador, que fazem parte desta tertúlia…
Por sua vez, o Luís Moreira lembra-se de amigos comuns, que conviviam com a malta da CCAÇ 12 (a velhice de Bambadinca, partir de meados de 1970, com a rendição do BCAÇ 2852 pelo BART 2917), tais como o Alferes Machado (de Riba D’Ave) ou o Alferes Vacas de Carvalho... Lembra-se do Furriel Cunha, do Xime, que morreu na operação em que participámos (Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970)...
Em suma, o Luís Moreira está em casa e é bem vindo. Entra, camarada. Temos muito que conversar.
Luís Graça (ex-furriel miliciano Henrqiues, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
PS – Luís Moreira: Aqui vai o endereço de e-mail do Joaquim Fernandes que ia contigo no Unimog e que hoje mora no Barreiro (haveremos de voltar a esta trágica estória de Nhabijões). Se assim o entenderes, manda-nos uma foito tua, antiga e actual, que é para gente te pôr na fotogaleria.
Subscrever:
Mensagens (Atom)