23 fevereiro 2005

Portugal sacro-profano - XXIV: In hoc S(ign)ocrates vinces

Séculos e séculos de inquisição e de delação, de bufaria, de esbirros e de pides: são (maus) hábitos de cidadania que não desaparecem facilmente, nem mesmo com a pedagogia da democracia.

Pois que viva a liberdade!... Não há nada (e ainda bem!) que não se queira conhecer e investigar na terra dos portugas... (Excepto talvez o mais importante e o mais essencial, mas adiante). Sócrates venceu, ou seja convenceu o Zé Portuga. A sua mensagem passou, com eficácia. E não foi seguramente pelo "curriculum vitae" do líder do Partido Socialista. Poucos dos eleitores terão lido sequer o sítio oficial do PS onde se apresenta o secretário-geral nestes termos: "Licenciado em Engenharia Civil, concluiu depois uma pós-graduação em Engenharia Sanitária, na Escola Nacional de Saúde Pública"...

Há quem não entenda, nem queira entender nem nunca provavelmente irá entender as diferenças entre a democracia e o resto. É-se líder porque se exerce e se pratica a liderança. Porque se assume, se aceita e se reconhece a liderança. Porque se é reconhecido como líder. E não porque se é bacharel, licenciado, mestre ou doutorado em qualquer coisa: liderança, política, direito, gestão, comunicação, economia, saúde, filosofia, escrita criativa, sedução, marketing, manipulação, terrorismo. Ou até em engenharia, que tem mais a ver com a administração das coisas (materiais) do que com o governo dos homens.

Chega-se a primeiro-ministro não por causa da idade, da experiência, do carisma, da inteligência, das medidas antropométricas, da cor dos olhos, do dinheiro, dos canudos, da imagem, do patois, dos privilégios ou de outros traços (pessoais ou socioculturais) que podem dar peso ao "curriculum vitae" do candidato, mas por outras qualidades que foram validadas nas urnas pelo universo dos cidadãos. A legitimação pelo voto: a democracia é isso, quer se goste ou não do jogo. A liderança e o sucesso da liderança em política continuam a ser conceitos de "caixa preta": poderímos citar centenas de figuras históricas e de dirigentes políticos actuais... Mas, por favor, poupem-me a esse exercício penoso.

Pois é, há já aí uns ratos, uns pequenos mamíferos roedores, a vasculhar o lixo, a examinar os papéis, a incubar o bacilo da peste da má língua e da inveja, a pôr em causa o curriculum vitae do vencedor... Não vale a pena citar o bloguista do dito Portugal Profundo. Seria dar-lhe demasiada importância. Mas é interessante assinalar a energia que se consome neste país (que nem sequer tem dimensão para ser um quintal do mundo, comparado com um Brasil que tem justamente à frente dos seus destinos um ex-operário metalúrgico), só a alimentar a maledicência, a cultivar a inveja, a afiar a má-língua e a encenar a mentira. Agora imaginem que o nosso homem, hoje indigitado primeiro-ministro de Portugal, tinha tido a infelicidade de nascer num daqueles lugares pitorescos do Portugal Profundo, como por exemplo, a Rata ou o Rato...

Esta coisa tão mesquinha do denegrir o sucesso dos outros é muita nossa. Esta coisa de ostentar e comparar títulos, diplomas, insíginas, galões e outros sinais de distinção (social) é muito nossa. É muita própria dos primatas sociais e territoriais que nós somos. Não sei se é própria dos hominídeos em geral, enquanto género, ou se é exclusiva da espécie Homo Sapiens Sapiens Lusitanus.

Espero bem que não façam parte do nosso genótipo (felizmente, que não há determinismo genético nestas coisas). Mas às vezes receio que faça parte do nosso fenótipo sociocultural...

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