22 julho 2005

Guiné 63/74 - CXIX: Antologia (10): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (conclusão)

Prosseguimos a publicação de "Para um dossier Guiné - A guerrilha e o contra-ataque". Vida Mundial. 19 de Fevereiro de 1971. 3ª e última parte. Selecção e notas do nosso amigo e camarada de tertúlia A. Marques Lopes.

OPERAÇÃO FANTA

O exército do P. A.I.G.C. está organizado e estruturado conforme noutro local se revela. O planeamento dos ataques a diferentes objectivos processa-se do mesmo modo do que num exército regular, como se pode demonstrar no caso da operação Fanta, que foi desencadeada, em 1965, na frente Este, e cujas ordens de execução, emanadas do estado-maior do exército, foram assinadas por Amílcar Cabral.

Trata-se de um exemplo extraído dos arquivos do P.A.I.G.C. e consta das ordens endereçadas aos bigrupos 3 e 4 (constituídos cada um por 50-60 homens), as quais eram completadas e esclarecidas em cartas topográficas do estado-maior.

Operação Fanta

Ordem de participação dos bigrupos números 3 e 4 na frente Este (sector P)

Fase l — Destruição da ponte M.

Barragem de estrada:
1 — Estrada número 10 (perto do ponto B): grupo do camarada Sory Djalo, que deverá minar a estrada.
2 - Estrada numero 11 A (perto do ponto B): grupo do camarada N'Bare Tchuda, que deverá minar a estrada.
3 — Estrada número 11 B; perto de G: grupo do camarada Kemessene Camará, que deverá minar a estrada; perto de T: grupo do camarada Temna Kebeque, que deverá minar a estrada.
Destruição da ponte: camarada Malam Sanhá, com quatro outros camaradas, um de cada grupo.
Controle de estradas:
Após a destruição da ponte:
O bigrupo Numo-Hilário deverá assegurar a vigilância nas estradas 10 e 11 (emboscadas).
O bigrupo Sanhá-Luís deverá retirar-se para o sector T, para repouso e preparação do ataque de P, que será feito no dia seguinte, à tarde.

Fase 2 - Ataque a P

Barragem de estradas
Ataque ao campo entrincheirado de P: grupo dos camaradas Kemessene Camará e Temna Kebeque.
N.B. - Na mesma noite deve ser bombardeado o campo entrincheirado de C (morteiros dirigidos pelo camarada Cirilo).
Para atacar P seguir o plano da operação Fanta tendo em conta as mudanças exigidas pelo reforço em combatentes e em material.

Após o ataque a P:
O bigrupo Numo-Hilário. deverá vigiar as estradas convergentes para P.
Ataque ao campo entrincheirado de B:
Barragem de estradas:
1 - Estrada número 10 (cruzamento D): grupo de Sory Djaló com Malam-Numo.
2 - Estrada número 11 A (cruzamento C): grupo de M'Bare Tchuda com Hilário.
3 - Estrada número 12:5 combatentes do grupo Kemessene Camará (1 ML(x), 2 PM(x) e l bazooca).
Ataque ao campo entrincheirado de B:
Grupos Temna Kebeque e Kemessene Camará, apoiados por 1 morteiro e 1 bazooca.
N.B. - Antes do ataque, as estradas devem ser minadas.
Depois do ataque, o bigrupo Numo-Hilário deve prosseguir a vigilância das estradas, com patrulhas e emboscadas.

Fase 3 - Libertação de OM e de outras tabancas da zona.

Reforço do isolamento de C. Ataque ao campo entrincheirado de OM.
Barragem de estradas
Libertação das outras tabancas - Seguir o plano de vigilância nas estradas de P e de B — bigrupo Numo

Fase 4 — Ordenamento com outras forças para atacar C

Fase 5 - Ordenamento com outras forças para libertar todas as outras tabancas desta zona e isolar BT totalmente.

Fase 6 - Ordenamento com outras forças para atacar BT.

N.B. - A ordenação de forças nas fases 4, 5 e 6 será dirigida pelo camarada Domingos Ramos.

Amílcar Cabral

(x) M.L.-Metralhadora ligeira; P.M.-Pistola-metralhadora.

Esta ordem de operações - segundo uma fonte militar - não é mais do que o relatório escrito de instruções verbais e causa uma certa admiração ter sido assinado pelo chefe máximo dos guerrilheiros.


A ACTIVIDADE DOS GUERRILHEIROS


A acção dos guerrilheiros na Guiné tem-se feito sentir, ao longo dos anos, desde que o P.A.I.G.C. resolveu, em princípios de 1963, desencadear a luta no Sul daquele território, muito embora se saiba que já antes, em 1961, vários elementos dos grupos subversivos atacavam instalações localizadas na Guiné.

Com efeito, na noite de 23-24 de Julho de 1961, segundo uma notícia divulgada na Imprensa portuguesa, um grupo calculado em cerca de 200 indivíduos, vindos do Senegal, entrou na praia de Varela, tendo cortado o fio telefónico e causado estragos em algumas moradias de veraneantes, mas não atacou ninguém. Mais tarde, em 3 de Agosto do mesmo ano, era revelado que um outro grupo de indivíduos, proveniente do Senegal, atacou o porto de Bigene.

Como noutro local assinalamos, o primeiro contingente de tropas saído da Metrópole para o Ultramar, desde o início das operações militares nos territórios africanos, foi, exactamente, para a Guiné. Registe-se, ainda, que em 25 de Agosto de 1962 (Portaria 19 363) se constituiu a esquadrilha de lanchas de fiscalização da Guiné e, um ano mais tarde, em Outubro (Portaria 20 092), era reforçada com uma companhia móvel [1] o corpo de Polícia da Guiné.

A situação naquele território tem dado azo a várias controvérsias e, por isso, o Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, em 20 de Julho de 1963, divulgou o seguinte esclarecimento:

«O Diário Popular, ao entrevistar o ministro da Defesa Nacional, perguntou-lhe qual a província ultramarina em que a situação militar causa maiores preocupações ao ministro e porquê. O ministro, na sua resposta, analisou a situação interna e externa em cada uma das províncias. Ora, verifica-se que os termos em que o ministro examinou a situação interna da Guiné foram, por vezes, mal interpretadas, porquanto parece haver quem ficasse com a noção de que aquela província foi invadida e de que 15 por cento do seu território está na posse dos terroristas. Torna-se, por isso, indispensável restabelecer a verdade, esclarecendo melhor a situação e, portanto, aqueles termos, porquanto nem houve invasão da província nem os terroristas estão na posse da mínima parcela daquele território.

«A situação - continua o comunicado do S.I.P.F.A. - é, rigorosamente, a seguinte: Em 85 por cento da província, a vida é inteiramente normal. Nos restantes 15 por cento processaram-se, nos últimos meses, infiltrações de terroristas vindos da República da Guiné, que actuam na clandestinidade, a partir de refúgios nas matas e procuram iludir a presença das forças militares na execução de acções de vandalismo sobre aldeias nativas e instalações económicas. No entanto, grande parte das populações e os postos administrativos e povoações continuam a sua vida habitual e as vias de comunicação estão desimpedidas.

«Nem estas infiltrações - conclui o referido comunicado - insidiosas se podem classificar de invasão nem a presença de terroristas numa ou noutra mata que, repete-se, procuram subtrair-se à acção das forças que têm por missão a manutenção da ordem, pode permitir afirmar-se que há qualquer parcela do território, por mínima que seja, na sua posse.»

A entrevista do ministro da Defesa fora a primeira informação oficial da existência de uma situação alarmante na Guiné e, no dia 25, a ANI desmentia uma notícia dada pela Rádio Conakry segundo a qual «os terroristas teriam, afundado com explosivos, no Sul da província, quatro barcos a motor encarregados no transporte de mercadorias». O telegrama daquela agência de informações esclarecia: «Sabe-se que apenas um desses barcos desapareceu e que outro, descoberto no fundo mas a pouca profundidade, foi imediatamente recuperado, encontrando-se já de novo a navegar.»

Entretanto, nesse mesmo dia circulou a notícia de um ataque a Pirada e no ano seguinte, em 11 de Maio, a Imprensa divulgava um boletim informativo das Forças Armadas da Guiné no qual se assinalava que o inimigo «flagelou, à distância, Jabadá, Barro (fronteira norte) e Madina do Boé (fronteira leste)» e que tinham sido destruídos acampamentos na região de Ohio (em Camam e Queré), a sudeste de Farim, em Salancaur Fula (no Sul), em Flaque Cibe, onde foram inutilizadas ou capturadas treze canoas de que o inimigo se servia ilegalmente.

As flagelações ao território da Guiné têm continuado, cada vez com maior apoio, acentuando-se num outro comunicado das F.A. que «na fronteira norte, o inimigo, irradiando das bases de Samine [2] e Yaram, localizadas em território senegalês, atacou as povoações de Bigene e Barro, flagelando as povoações com bases de fogos situadas na República do Senegal [3]; nas fronteiras leste e sul, o inimigo, irradiando das bases de Kandiafara, Sansalé e Bidel Pavi (área de Massira Fulamansa), localizadas em território da República da Guiné, flagelou as povoações de Canquelifá e Gadamel Porto, e na flagelação a esta última povoação foi apoiado por fogos de artilharia do Exército da República da Guiné, instalada dentro do seu território».

Muito embora os ataques se tenham mantido, em 27 de Dezembro de 1969 o S.I.P.F.A. informava que «no dia 23 a povoação de Guidage havia sido flagelada pelo fogo de armas pesadas» e acentuava que «era a quarta flagelação depois do dia 8».

Com efeito, em 17 e 19, fora atacada à povoação de São Domingos e no dia 18 a de Ingoré. Em 4 e 6 de Janeiro de 1970 a flagelação atingia Gadamael, e no dia 5 coubera a vez a Guilege. Nestes ataques foram, assinalados, pelo menos, 150 rebentamentos. No mês de Fevereiro (11), a povoação de Guilege é atingida (6 feridos); rio dia seguinte, fogo de morteiros causa 15 mortos em Guidage, e 2 dias mais tarde. São Domingos e Gadamel sofrem os efeitos das armas pesadas do inimigo. Em 27 e 28 de Março, o fogo de armas pesadas atinge, a intervalos regulares, Buruntuma, causando 1 morto e 12 feridos.

Entretanto, no dia 15 de Julho, era distribuído à imprensa o seguinte comunicado:

«O Serviço de Informação Pública das Forças Armadas informa que, segundo notícias recebidas ontem, 14, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, um grupo inimigo com efectivo superior a 300 combatentes, atacou Pirada na noite de 12 para 13 do corrente, com apoio de foguetões, canhões anticarro, morteiros e outras armas pesadas. A acção foi de apreciável envergadura e o inimigo que realizou o assalto entrou na povoação e saqueou e incendiou 50 moranças.

«Toda a acção foi desencadeada de território senegalês, onde estiveram implantadas as bases de fogos dos canhões anticarro rebocados e dos foguetões e morteiros.

«O inimigo causou na população 15 mortos e 41 feridos tendo desaparecido um militar europeu".

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[1] O capitão Manuel Carlos da Conceição Guimarães, que foi o primeiro comandante da CART 1690, e que morreu na estrada de Geba para Banjara, fez parte desta companhia móvel. (ML)


[2] Samine fica no Senegal a cerca de 6 km de Barro. Também lá os fomos atacar. E eles também iam a Barro, é claro. (ML)

[3] É verdade que, às vezes, nem saíam do Senegal, disparando com os morteiros 82 e canhões sem recuo. (ML)

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