09 novembro 2005

Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

A Op Lança Afiada foi talvez uma das maiores e mais dramáticas operações terrestres que se realizou na Guiné, ou pelo menos na Zona Leste, quer pelo número de efectivos envolvidos (cerca de 1300 homens, sendo cerca de 800 militares mais 380 carregados, enquadrados por 100 milícias), quer pelo número elevado de heli-evacuações (cerca de 120), devido não tanto a baixas provocadas pelo IN como sobreudo a casos de fadiga extrema, insolação, doença e ataque de abelhas.

Esta operação, em que as NT varreram toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole, durante 11 dias (de 8 a 19 de Março de 1969), teve um impacto mais psicológico do que militar (1), apesar da destruição de importantes meios de vida e infra-estruturas, necessários à guerrilha e às populações sob o seu controlo (animais domésticos, arroz, casas, escolas, hospitais...).

Esta operação pôs à prova (e revelou os limites de resistência, física e psicológica, de) os militares portugueses, num terreno e num clima duríssimos. Basta citar uma das conclusões do relatório, que temos vindo a publicar:

"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra".

O próprio autor do relatório não se coibe de comentar: "(...) processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar".


Damos continuação à publicação do relatório da Op Lança Afiada. Parte II (2)


Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 58-61. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).

Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (II parte)

5. Desenrolar da acção:

A acção desenrolou-se durante cerca de 11 dias, mais ou menos como fora planeada. Para o final houve algumas alterações determinadas superiormente.

Dia D (8 de Março de 1968)

Neste dia e no seguinte actuaram apenas os Dest do Agrupamento Tático Norte (2) (...).

Os Destacamentos (abrevidadamente, Dest) A e B atacaram a área 1 (Poindon) e os seus acampamentos. Um dos destacamentos ficou emboscado enquanto o outro procurava acampamentos. Havia vestígios de a área ter sido bombardeada pela aviação várias semanas antes.

Cerca das 7H30 o Dest B foi emboscado por grupo IN, de 15 a 20 elementos. Da reacção resultaram baixas para o IN [inimigo]que perdeu também diverso material. As NT [nossas tropas] capturaram ainda três nativos que depois foram indicar vários acampamentos onde foi apreendido mais material e muito arroz. A área foi depois batida pelos dois Dest das 8H00 às 12H00, tendo o IN realizado duas flagelações às 10H00 e às 10H30.

Os Dest C e D, partindo também do Xime, passaram o Rio Buruntoni mas, em vez de baterem a área 2 (Baio-Buruntoni), desorientaram-se por ela e indo bater a área 3 (Gã Garnes). Com o PCV [posto de comando móvel] foram orientados para a área 2 quando se encontravam no extremo Oeste da área 3 e quando o Dest C já desembarcara em Ponta do Inglês (às 1H20).

Ao fim da tarde pernoitaram próximos uns dos outros, no extremo Oeste da área 2. Os Dest C e D tiveram diversos contactos ligeiros, em especial na área de Buruntoni e um na orla Oeste da área 3, tendo destruído acampamentos IN e completada a destruição de alguns anteriormente atingidos pela FA [Força Aérea].


Dia D + 1 (9 de Março de 1969)


Os Dest A e B deslocaram-se de manhã da área 1 para a 2 sendo protegidos durante a travessia da larga bolanha do Rio Buruntoni pelos Dest C, D e E instalados na orla da mata oposta (área 2).

A primeira alteração consistiu em reforçar os Dest A e B com o Dest E. Assim, a área 2 passou a ser batida simultaneamente por 3 Dest em vez de 2. A área 3 (que os Dest C e D haviam achado com pouco interesse) voltou a ser batida por aqueles Dest.

As batidas foram iniciadas ainda esta tarde. Às 16H00 os Dest E e B foram à procura do acampamento de Baio (que se julgava próximo), detectando e destruindo um, com 13 casas, recentemente abandonado. Regressaram depois ao local de reabastecimento (junto à bolanha do Rio Buruntoni), onde ficara o Dest A. Às 17H30, o Dest B saiu novamente e detectou mais dois acampamentos, um deles com escola.

O IN continuou a aparecer disseminado em pequenos grupos, um dos quais às 07H00 flagelou os Dest C, D e E com LGRFog e Mort 82, de longe e sem consequências.


Dia D + 2 (10 de Março de 1969)


Os Dest A, B e E bateram minuciosamente a área 2 enquanto os C e D batiam a área 3. Ao fim da tarde o Dest E largou os A e B, guiado pelo PCV, voltou a juntar-se aos C e D conforme fora previsto inicialmente.

A batida da área 2 pareceu bastante eficiente tendo todos os Dest destruído diversos acampamentos e uma grande escola, denominada "escola do Baio". Os B e E capturaram também material de guerra IN.

Começou nesse dia a actuação dos Dest F e G (saídos de Mansambo) e H e I (saídos do Xitole), todos pertencentes ao Agrupamento Táctico Sul (…).

Os Dest F e G bateram a área 11 (Galoiel-Bissari), descendo pela margem direita do Rio Samba Uriel sem nada detectarem. Dirigiram-se para junto da foz do Rio Bissari tendo o Dest F ficado emboscado enquanto o G passava à área 10 (Galo Corubal – Satecuta) em reforço dos Dest H e I que batiam a zona de Galo-Corubal.

A missão do Dest F era, por um lado, impedir qualquer reforço do IN vindo de Mina e Gã Júlio e, por outro, impedir a fuga do IN ou de população da área 10 para a área 9 (Mina-Gã Júlio).

Neste dia o IN fez uma pequena flagelação ao Dest F, cerca das 20H00, em (XIME 5D1) (margem do Rio Samba Uriel).

Dia D+3 (11 de Março de 1969)

Partidos da área 2, os Dest A e B chegaram a Madina Tenhegi (área 6) às 13H00, sem novidade e sem nada terem encontrado.

Os Dest C, D e E, partidos da área 3, chegaram à área 4 (Ponta Luís Dias), à mesma hora. O Dest D teve dois contactos ligeiros com pequenos grupos IN, fazendo 1 prisioneiro. Juntamente com o C, destruíram um acampamento IN em (Xime 3B6) com cerca de 100 casas, além de muito arroz.

Outros dois acampamentos forma destruídos em (Fulacunda 8I5) e (Fulacunda 8I6), um deles dotado de abrigos acimentados recém-iniciados. O Dest D capturou material de guerra IN.

Às 9H00, o Dest F foi emboscado junto à foz do Rio Bissari, sofrendo seis feridos mas fazendo baixas confirmadas ao IN. Durante a evacuação dos feridos, pelas 11H25, o IN fez uma morteirada sem consequências.

Os Dest G, H e I continuaram a batida à área 10. O Dest H que seguia junto ao tarrafo do Corubal capturou uns 1500 sacos com material de guerra que o IN se preparava para passar para a outra margem durante a noite (ou lá deixara na noite anterior). Este Dest e o I foram flagelados às 16H30 próximo de Dando sofrendo um ferido grave (milícia).

Tornou-se evidente neste dia que, tal como se previra, o IN estava aproveitando as noites para passar o [Rio] Corubal com armas, bagagens e população válida.

A inexistência de tropas nossas montando emboscadas na outra margem facilitava esta manobra do IN, manobra que foi objecto de um comentário especial no RELIM deste dia.

Também neste dia o número de evacuações das NT atingia o auge pois só o Agrupamento Sul evacuou 24 homens, na maior parte insolados e doentes. Por um lado, processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado, a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar.

Verificava-se também um deficiente apoio aéreo pois os reabastecimentos não se faziam e obrigavam as FT [Forças Terrestres] a aguardar horas seguidas. Além disso os meios aéreos existentes não davam vazão aos recomplementos, tornados frequentes dado o grande número de evacuados. Notava-se também falta de "rodagem" e coordenação, como depois se verificou. Estas demoras fizeram com que se previsse que a Operação tivesse que demorar mais um dia do que o planeado.

(Continua)

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(1) Vd. post de 31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

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