Texto de Idálio Reis (CCAÇ 2317, 1968/69) que me chegou, via e-mail, através do Zé Teixeira:
Em plena Semana Santa, recebi um telefonema questionando-me sobre um certo itinerário pessoal vivido enquanto militar na Guiné. A interpelação, ainda que de uma voz que me era inteiramente estranha, em breve tomou uma empatia síntona que agradavelmente me era entusiasmante, e com a candura que se absorve em certos momentos, tentei então responder à imprevisibilidade surtida:
- Sim, sou eu, o Reis da CCAÇ 2317, que acompanhou desde sempre, do ajudar a nascer ao ver morrer (por abandono), algures na estrada/picada de Gadamael-Guilege(cruzamento)-Aldeia Formosa-Buba, um aquartelamento chamado Gandembel com uma anexa, a Ponte Balana.
E por solicitação, comprometi-me e vou escrever, do fundo do tempo, estórias daqui e doutros locais por onde passámos, como Guilege, Buba, Nova Lamego, Cansissé, etc, desde as mais suaves até às mais pungentes e dramáticas (o tombar de tantos companheiros mortos em pleno viço da vida, os gritos lancinantes dos feridos mais graves, o espectro da fome por falta de víveres, o sentimento do medo, o apego à vida,...).
Eis ainda os incontidos ecos de Gandembel que parecem continuar a ressoar tão fortemente e que todos os anos nos irmana em confraternização para os sentirmos porventura mais nossos, tão incontornáveis eles se assumem.
É obvio, que me entroso com incontido júbilo na Tertúlia. Apraz-me registar tal facto, para nesta primeira mensagem poder dar o meu testemunho de apreço aos que tiveram o lampejo de quererem congregar uns fora-nada e de lhes ofertar o privilégio dessa sublime manifestação tão transcendente quanto encantatória, que o recordar também é viver. Bem hajam!
Só alguns sumários dados pessoais. É isso, chamo-me Idálio Rodrigues Ferreira Reis, vivo onde nasci, num pequeno casario do concelho de Cantanhede, a meia dezena de quilómetros a poente da portagem da A1 em Mealhada. Apresto-me para entrar em fase de aposentação, para reencetar uma outra forma de estar na vida, em que me seduz pensar ir dispôr de todo o tempo para fazer o que melhor me aprouver. Até lá, não obsto que se disponibilize do meu endereço electrónico: idalio.reis@sapo.pt.
Um pequeno aditamento esclarecedor. A CCAÇ 2317 que pertencia ao BCaç 2835, esteve em comissão de soberania desde meados de Janeiro de 1968 até ao início de Dezembro de 1969. Foi comandada ab initio por um tal Capitão Barroso de Moura, que a abandonou a cerca de meio desse tempo com regresso ao Continente. Desde que deixou a Companhia, foi cidadão que jamais vi, ainda que saiba que já se reformou com a patente de tenente-general.
A tal passagem por Guilege, onde se encontrava a CART 1613, foi curta - de 20 de Março a 8 de Abril de 1968 - e serviu essencialmente como local de depósito de materiais destinados à construção de um aquartelamento junto ao célebre corredor de Guileje, por onde o PAIGC fazia passar grande parte dos seus reabastecimentos originários da ex-Guiné-Conacri.
Nesse lapso de tempo, várias colunas se fizeram desde Gadamael; numa missão de protecção, a 28 de Março, no cruzamento de Guilege, o meu grupo de combate num baptismo de fogo externo demasiado intenso (vimos militares não negros, porventura cubanos!), perdeu dois homens, a quem presto a minha sentida homenagem: Domingos Ferreira da Costa e Manuel Joaquim Meireles Ferreira.
Até à próxima. Que toda a Tertúlia desfrute de uma Páscoa muito feliz, com todos os seus.
Afectuosamente, Idálio Reis.
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