13 novembro 2003

Blogantologia(s) - IV: Quando falta o quase

Chegou-me do Brasil, de amigos do Brasil. Essas coisas vêm sempre do Brasil (Efeito de halo ou de contaminação? É possível...). Achei piada à mensagem que o acompanhava: "Recebo dezenas de pensamentos diariamente, mas este é sensacional. Ligue o som, desligue as luzes, tire o fone do gancho, amordace as crianças! E pense na sua vida!". E numa pesquisa na Net, confirmei: o texto circula, em alta velocidade, na auto-estrada dos blogs brasileiros!... E é utilizado, indevidamente ou não, para o cara chegar, ver e vencer. Para ter sucesso no negócios (neste caso, o venda directa do elixir da vida). Ganhar muito dinheiro. Ter a casa de sonho e a conta milionária (no banco) que os sustenta (à casa e ao sonho).



Os brasileiros e, de um modo geral, os habitantes do Novo Mundo, adoram este tipo de kits, de tónicos para os neurónios, de suplementos para a vida, de massagens para muscular a alma: meia dúzia de frases feitas, de senso comum, pensamentos edificantes para consumo imediato, literatura light... Com musiquinha, de preferência, e uma jovem afro-americana, de braços abertos, em cruz, andrógina como o Jesus Cristo. Tudo isto faz parte da indústria do bem-estar que estás a destronar as velhas religiões dos nossos avoengos.



Pessoalmente, fico sempre de pé atrás contra esta filosofia barata... Muitas vezes há uma confrangedora pobreza intelectual por detrás dos ditos pensamentos... Mas às vezes também sabe bem ler e ouvir coisas... lamechas. É o encantmento do homem que que no tempo de menino e moço vendia a banha da cobra de feira e feira. A panaceia para todos os males. O segredo da vida e da morte...



Não é o caso, creio eu, deste texto atribuído ao grande cronista e escritor Luís Fernando Veríssimo (abreviadamente, LFV). Não posso garantir a autenticidade nem a integridade do texto. Não sei em que data foi escrito nem onde foi publicado. Voltei a reconhecê-lo em inúmeros blogs que atravessam a blogosfera verde e amarela. Já com algumas diferenças de pontuação, um ou outro atropelo à gramática aqui e acolá. A gente sabe, de resto, o uso e o abuso que se faz da Net de textos atribuídos a escritores sul-americanos famosos como o pobre do Gabriel Garcia Marquez, morto e ressuscitado não sei quantas vezes.



Não quero, porém, influenciar a vossa opinião. Sejam vocês os juizes, como sempre. Para @s ciberamig@s da minha mailing list mandei o ficheiro em power point e pedi para ligarem o som... Se as palavras do LFV (e a musiquinha light que as acompanhavam) os ajudou a reforçar a auto-estima ou a carregar as baterias nem que fosse por um instante, eu poderei dar por muito bem empregue os minutos que passei a escrevinhar o e-mail...



Ontem eu pensava que o ofício da amizade a isso me obrigava. Por isso desejei boa noite e bom jantar aos/às meus/minhas ciberamig@s. Hoje já não estou tão certo disso, das obrigações do ofício da amizade. Hoje é o outro dia, fui tirar sangue, dói-me o braço e quis compartilhar, ao almoço, esta prosa comestível com os blogadores que por aqui desaguam, em especial aqueles que vêm na corrente da espuma que escorre dest(s) dia(s).

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O Quase (crónica atribuída a Luís Fernando Veríssimo: alô, cara, posso passar a sua crónica, mesmo correndo o risco de desrespeitar o sacrossanto copyright?)



Ainda pior que a convicção do não é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase.



É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que

poderia ter sido e não foi.



Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.



Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.



Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto.



A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados.



Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.



A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.



Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.



Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.



O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.



Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance. Para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência; porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.



Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.



Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.



Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.

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