23 novembro 2003

Socio(b)logia I - A empresa como pai-patrão

Os trabalhadores portugueses deixam a cidadania à porta das fábricas e dos escritórios. Deixam, pelo menos, a cabeça ou uma parte do corpo ou um pedaço da alma... Empregadores e gestores não acham que seja importante a cidadania, a cabeça e outras partes do corpo e da alma dos seus colaboradores. O que interessa é que não faltem, estejam a horas e fiquem quietinhos, a um canto, a trabalhar.



Na década de 1990, os trabalhadores portugueses estavam pior colocados que a generalidade da população trabalhadora da União Europeia em matéria de oportunidades de consulta e participação. De acordo com o Segundo Inquérito Europeu sobre Condições de Trabalho, levado a cabo pela Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, Portugal era, em 1995, o país dos Quinze onde, por exemplo, (i) era menos provável um trabalhador ser consultado em relação às mudanças ocorridas a nível da organização do trabalho e/ou das condições de trabalho; (ii) ou ter uma conversa franca com o seu chefe directo relativamente à avaliação do seu desempenho. O contraste com a Finlândia, por exemplo, não deixava de ser deveras elucidativo: havia itens em que a diferença entre Portugal e a Finlândia era de 45 ou mais pontos percentuais.



O peso esmagador das microempresas e das empresas de pequena dimensão na estrutura do nosso tecido empresarial, a sua natureza familiar e a sua cultura autoritário-paternalista, bem como a baixa escolaridade do pessoal dirigente e dos quadros superiores (menos de oito anos de escolaridade, em média, segundo o Inquérito Nacional de Saúde 1998/99) não chegam para explicar o nosso défice de participação organizacional e de cidadania empresarial. As empresas infantilizam os seus colaboradores. O empregador ainda é, em Portugal, um pai-patrão. Às vezes até um pai-patrão tirânico que devora os seus filhos.



Mesmo nas maiores e melhores empresas, há uma cultura de gestão que está longe de ser favorável à participação do pessoal. O retrato-robô do nosso gestor de topo não deixa de ser curioso, quando traçado pelos seus congéneres estrangeiros (n=130), a trabalhar e a residir em Portugal, os quais representariam cerca de 17.5% da população de referência estimada.



De facto, na opinião dos gestores de topo, estrangeiros, a residir em Portugal, os nossos executivos (i) são individualistas na sua maneira de pensar (54%); (ii) tendem a não acatar as decisões tomadas nas reuniões com os colaboradores (54%); (iii) fomentam a cultura do presentismo (56%); (iv) não sabem trabalhar de maneira metódica (58%); (v) usam e abusam dos títulos académicos (60%); (vi) são muito formais (70%); (vii) não fazem uma gestão eficiente do tempo (73%); (viii) adoptam um estilo de gestão autocrático (78%); e, por fim, (ix) deixam tudo para o último minuto (82%) (Ad Capital International Search, Portugal; Cranfield University School of Management, UK, 2002). Reparem que estamos a falar dos gestores das nossas maiores e melhores empresas, um clube de executivos selecto, restrito, bem pago.



Quanto a mim há várias explicações, as quais seria fastidioso desenvolver aqui e agora. Em sociobloguês, diria apenas que Portugal (i) não tem uma tradição de ensino (nem muito menos escolas de excelência) na área da gestão; (ii) além disso não conheceu, em devido tempo, o movimento de racionalização do trabalho que teve, historicamente, como referência os nomes de Taylor, Fayol e Ford; e, por fim, (iii) é frágil e imaturo o nosso sistema de relações colectivas de trabalho.

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