Esta noite sonhei que as nossas empresas e demais organizações eram hi tech & human touch. Traduzido à letra: empresas tecnologicamente evoluídas mas de rosto humano. Ou trocado por miúdos: que eram capazes de conciliar três coisas que em princípio são (ou deveriam ser) compatíveis: (i) hardware, (ii) sofwtare e (iii) humanware.
As organizações são, antes de mais, (i) nas pessoas que lá trabalham, que connosco trabalham, (ii) além da memória dos que já partiram ou nos deixaram. Há um fenómeno de amnésia nas nossas organizações que me preocupa. O termo é soft. Mas eu não queria ir tão longe: chamar-lhe branqueamento da história, backout cultural, denegação sistemática do passado... Os actores organizacionais não tem memória, suportes de memória, lembranças, emoções. Onde estão os nossos pais fundadores, o que foi feito das pessoas-chaves que marcaram a história da nossa empresa, e por aí fora ?
Há dias um amigo meu fez um agradecimento especial aos seus colegas de trabalho, uma vez findo um projecto importante onde esteve envolvido com outros colaboradores. Segundo o e-mail que me mandou, o agradecimento rezava mais ou menos assim: "A palavra amizade nunca deve ser evocada em vão, mas eu sinto que posso falar para amigos, já que vocês são, para mim, mais do que simples colegas de trabalho. Espero que não considerem isto como um aproveitamento demagógico das circunstâncias, um abuso de autoridade ou até um excesso de familiariedade. Em resumo, eu gostaria de falar para vocês, como amigos que trabalham comigo, independentemente de eu ser líder do projecto, e independentemente dos cargos, funções ou tarefas de cada um de vós. Amigos de quem tenho recebido, ao longo destes anos todos, palavras e provas de carinho e de apoio, mas também críticas e conselhos que foram (e continuam a ser) importantes para o meu desenvolvimento pessoal e profissional, para o sucesso do nosso projecto e para o êxito da nossa empresa".
Percebo agora quão traumatizante pode ser, para a maioria dos trabalhadores assalariados (incluindo os gestores e os quadros superiores das empresas), a perda do seu emprego: para além de fonte de rendimento e de status, o trabalho é algo que faz parte do projecto de vida das pessoas, da sua história de vida, da sua rede de relações sociais, da sua identidade...
Só agora me dou conta de quanto as pessoas investem, em termos afectivos, no seu local de trabalho. Os portugas investem muito no seu local de trabalho, provavelmente muito mais do que recebem em troca. Não me refiro apenas ao seu valor acrescentado bruto, à riqueza (material) que criam... Daí que a perda do trabalho possa também representar, para muitos, a perda de afectos e até levar à depressão.
Há quinze ou vinte anos atrás, dizia um médico conhecido que os hospitais portugueses tinham muitos tiques e poucos taques (queria ele referir-se à TAC - Tumografia Axial Computorizada). Uma amiga minha evocava, há tempos, em conversa, o lema da sua antiga equipa de projecto noutra empresa: Não há tique sem toque, o que eu acho um feliz aportuguesamento do inglês Hi Tech, Human Touch.
Hoje quando milhões de portugas começarem a picar o ponto, logo pela manhã, nas empresas e demais organizações onde trabalham, é muito possível que a maioria deles pense, para com os seus botões, como é uma pena estar num sítio onde há muitos tiques e poucos toques... Os portugas que trabalham merecem muito melhor!
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