Segundo os dicionários, idiossincrasia (do grego idiosygkrasía < ídios, próprio + sýkrasis, constituição, temperamento) significa “disposição do temperamento de um indivíduo para sentir, de um modo especial e privativo dele, a influência de diversos agentes; reacção individual própria a cada pessoa”...
Perguntam-me: Há uma idiossincrasia portuguesa ? São os portugueses um povo triste, sentimental, fatalista ? E se sim, porquê?
Há muitos estereótipos sobre os povos. Como, por exemplo, aquela anedota sobre o inferno, em que o humor seria alemão, a cozinha inglesa e a gestão italiana. Há variantes: a gestão pode até ser portuguesa ou grega, estendendo-se deste modo aos povos da Europa do sul o anátema da falta de organização, do improviso, do desenrascanço, da imprevidência, da propensão para o acidente, etc.
Trata-se de clichés, de preconceitos, de ideias feitas que estão já muito enraizadas, interna e externamente, mas que muitas vezes não correspondem a nenhuma realidade sócio-antropológica. A verdade é que os povos conhecem-se mal uns aos outros. E utilizam a joke, a anedota, para subvalorizar ou até oprimir os seus vizinhos. Há muito que os ingleses reproduzem um estereótipo de irlandês. A vingança dos irlandeses dar-se ao luxo de ter hoje um PIB per capita superior ao dos ingleses... Ironias da história...
Durante séculos matámo-nos uns aos outros em nome do mesmo Deus, in nomine Dei. Até meados do Séc. XX restava-nos a literatura de viagens para um conhecimento mais ou menos empírico da realidade de cada país. Depois disso conhecemos a migração económica, em massa, que levou, por exemplo, os italianos, os espanhóis e os portugueses à Alemanha e à França. Conhecemo-nos mal e superficialmente, mesmo viajando mais pela Europa, como turistas. Tal como a Suécia do Século XX não é o universo cinematográfico do Bergman, também o Portugal do Estado Novo não se pode reduzir ao xaile negro, ao fado, a Fátima, ao futebol…
Há povos mais etnocêntricos do que outros: na península ibérica, os castelhanos, seguramente; na Europa do norte, os alemães; na Ásia, os chineses e os japoneses. A história das mentalidades, a influência das religiões dominantes, as elites, as particularidades da geografia, mas também a aventura da língua, as sete partidas, a diáspora…
Tudo isso é importante para se perceber a idiossincrasia de cada povo, se é que ela existe. Eduardo Lourenço, especialista da alma portuguesa, prefere falar em idiossincrasias lusitanas. Por outro lado, a mesma língua que serviu aos nossos jograis, ao Gil Vicente, ao Eça de Queirós, ao Bordalo Pinheiro ou ao Alexandre O’Neil para fazer um humor muito nosso, autocrítico, saudável e genuinamente português, também serviu para criar um certo tipo de lirismo. A questão é que o povo português e a sua língua são capazes de todos os registos humanos, universais: da alegria à tristeza, da euforia à saudade, da esperança ao fatalismo, do erotismo à crueldade...
Texto de Luís Graça. Uma versão ligeiramente diferente foi publicada na revista Plenitude (Lisboa). 27 (Junho de 2005). 46
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