Trecho do livro de Alpoím Galvão De Conakry ao MDLP (1976), seleccionado por A. Marques Lopes (vd. post de 22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri):
A LFG ORION fundeou a NW dos molhes de protecção do porto de Conakry. A maré estava completamente cheia, o vento era nulo, e apenas o clarão da cidade iluminava a noite. Os botes de assalto foram colocados na água e, pelas 00.45, a equipa Victor, do comando do 2.° tenente Rebordão de Brito e composta por 14 elementos, largou discretamente em direcção aos molhes. Encostou ao Dique Norte, localizou exactamente o objectivo e partiu ao ataque.
O grumete FZE Abu Camará eliminou silenciosamente a sentinela, o que permitiu a entrada a bordo das três vedetas P6, que se encontravam a N da ponte do cais bananeiro. Abertas as portas das cobertas foram lançadas granadas de mão ofensivas para o interior das mesmas neutralizando as guarnições. A equipa de assalto atravessou velozmente a ponte e invadiu os restantes navios: mais três vedetas e uma espécie de lancha de desembarque.
Entretanto soara o alarme no porto e o inimigo abriu fogo sobre os nossos elementos que, repetindo a técnica das granadas de mão, eliminaram os focos de resistência a bordo. Os incêndios ateados pelas granadas cresceram rapidamente e, em breve, de bordo da ORION, avistaram-se as bolas de fogo provenientes das explosões das lanchas.
A equipa Victor, que realizou o notabilíssimo trabalho, regressou a bordo pelas 02.10, com dois feridos ligeiros e sem a menor perda de material.
As LFG Dragão e Cassiopeia, transportando a equipa ZULU, fundearam em 5 metros de fundo, na pequena baía a N da península de Conakry, junto aos baixos de La Prudente, cerca das 00.15, a três milhas marítimas do local de abicagem.
Às 01.40 os botes (em número de 10) largaram dos navios. Houve, poucos momentos depois, um pequeno contratempo: alguns botes enrodilharam-se em várias redes de pesca, que não foram avistadas devido à escuridão da noite. Depois de aturado trabalho a desvencilhar os hélices, conseguiu-se o desembarque pelas 02.15.
A equipa dividiu-se em três elementos: o primeiro, comandado pelo 1° tenente Cunha e Silva, dirigiu-se imediatamente à prisão La Montaigne, onde, depois de violenta escaramuça, eliminou a respectiva guarda e libertou os 26 prisioneiros portugueses que lá se encontravam.
O segundo, comandado pelo sub-tenente Falcão Lucas seguiu para o grupo de objectivos do PAIGC. Neutralizou uma série de sentinelas, destruiu 5 edifícios do partido, seis viaturas e abateu vários militantes que se encontravam nas instalações.
Finalmente o terceiro, comandado pelo 2° tenente Benjamim Abreu, encarregou-se do Campo das Milícias e da Villa Silly, residência secundária de Sekou Touré. Com uma decisão notável, o pequeno grupo (22 homens), forçou a entrada do Campo, esmagou a débil estrutura que se começou a formar e, à granada de mão, à bazucada e com bem dirigidas rajadas de metralhadora, pôs fora de combate cerca de 60 milicianos que guarneciam as duas casernas existentes. Prevendo que a guarda da casa de Sekou Touré, tivesse acorrido à defesa dos dois portões de entrada da propriedade, o tenente Benjamim resolveu saltar o muro que separava os dois objectivos e pôde assim, colhendo-a de supresa, eliminar a referida guarda. Sekou Touré ainda não chegara a casa: o quarto de dormir, a cama, impecavelmente aberta, aguardava o ditador Guineense! Incendiado o objectivo, o grupo retirou-se a fim de se juntar ao resto da equipa, o que conseguiu pelas quatro da manhã.
Passou a equipa ZULU a constituir a reserva de manobra do Comandante da operação.
Da LDG Montante, partiram as equipas OSCAR, ÍNDIA e MIK. A primeira, seguiu em botes de borracha conduzidos por pessoal do navio e abicou ao Quartel da Guarda Republicana, pelas 01.35. Para o desembarque das outras duas, a Montante, num alarde de boa manobra, abicou pelas 01.40 ao molhe Yatch Club!
A equipa OSCAR, constituída por efectivos nossos do Front (total 40 homens) e encabeçada pelos alferes Ferreira e Tomás Camará, dirigiu-se discretamente para o portão da entrada. O alferes Ferreira temerariamente tentou dominar a sentinela, a qual se refugiou na casa da guarda. O alferes, ao tentar persegui-lo, foi abatido na soleira da porta por dois homens que se encontravam no interior, os quais abriram nutrido fogo sobre os assaltantes. Valeu a decisão e coragem do furriel de comandos Marcelino da Mata: mergulhou através da janela e na confusão de vidros partidos e cadeiras caídas, etc., abateu os oponentes com uma rajada de AK-47.
O grupo entrou de rompante pelo recinto, colocando-se em posição de enfiar a saída das casernas, enquanto alguns homens corriam para a armaria. Apanhados de supresa, os guardas republicanos tentaram sair das casernas mas foram abatidos na maioria perdendo-se os outros na escuridão da noite.
Ocupado o campo, abriram-se as portas da prisão onde foram encontrados cerca de 400 presos políticos, que retomaram a liberdade no meio de grandes manifestações de alegria (ver relato do Capitão Abou Sommah, ocupante da cela n.° 37). Fez-se em seguida a entrega do campo às forças do FNLG (20 homens), na pessoa do chefe Barry Ibrahima, conhecido por BARRY III e cujas qualidades o tinham feito estimar por todos quantos com ele contactaram.
A equipa ÍNDIA (10 homens, furriel Demda Seca e Thiam do FLNG) atravessou a linha de caminho de ferro de Conakry – Fria e dirigiu-se para a Central. Observou a existência de quatro portas com sentinelas. Eliminou duas, prendeu o encarregado da central e obrigou-o a cortar a luz da cidade. Eram 02.15. Esta acção era primordial para o efeito psicológico que se pretendia obter. O seu sucesso contribuiu bastante para a desorientação verificada.
A equipa MIKE (50 homens) tinha por objectivo o Campo Militar Samory. Em marcha acelerada percorreu o quilómetro que a separava do alvo. Desarmou as sentinelas que estavam nos portões e ocupou o recinto sem efusão de sangue. A tarefa seguinte constituiu em bazucar e destruir os veículos que vinham para o campo carregados de pessoal: foram assim destruídas 16 viaturas com algumas dezenas de soldados. Deitou-se fogo aos edifícios do Estado-Maior e, não havendo mais resistência, a equipa dividiu-se em duas: uma, com o Alferes Sisseco (ferido na boca), que conduziu os nossos elementos feridos para o molhe do Yatch Club; a outra, com o coronel do FNLG DIALLO, o Comandante Assad e o jornalista do JEUNE AFRIQUE Siradiou Diallo, seguiu a ligar-se à equipa ÍNDIA. Por um acaso infeliz os rádios da equipa MIKE ficaram quase imediatamente fora de acção, o que obrigava a contactos directos com os outros grupos para saber o que se passava.
A LDG BOMBARDA, do comando do cap. ten. Aguiar de Jesus, cuja calma imperturbável era demonstrada pela descontracção como fumava o inseparável cigarrinho na extremidade duma já velha boquilha, pelas 01.00 pairava a 300 jardas a sul da praia Peronné. As 01.05, largaram de bordo dois botes com a equipa HOTEL, encarregada de se apossar da Emissora de Boulbinet.
Esta equipa, comandada pelo Alferes Jamanca e tendo como assessor do FNLG o engenheiro electrónico Tidiane Diallo, actuou de forma bizarra. O alferes Jamanca dera boas provas ao longo de 7 anos de campanha. Mas inexplicavelmente, depois de desembarcar junto do objectivo ou por desorientação do engenheiro Diallo, conhecedor do local, ou por indecisão do alferes, o facto é que os dez homens da equipa HOTEL ficaram agarrados ao local de desembarque até receberem ordem para retirar!
Entretanto, e em duas vagas de botes de borracha, desembarcaram as restantes equipas: ALFA, BRAVO, CHARLIE, DELTA, ECHO, FOXTROT e GOLF. Passada a desorientação inicial devida à escuridão provocada pelo corte de luz e por se estar numa cidade desconhecida, estas equipas, compostas por elementos da CCCA e do FNLG — cujos guias nem sempre se mostravam à altura da situação — seguiram para os objectivos e neutralizaram os meios importantes.
Apenas na Gendarmerie se encontrou resistência de vulto. Como a equipa ECHO (reforçada com a GOLF, BRAVO e DELTA, num total de 50 homens) demorou mais que o previsto a reagrupar o pessoal, ao chegar ao alvo que lhe estava destinado, verificou que uma coluna blindada se preparava para sair. O Capitão João Bacar, que comandava a equipa, atacou as viaturas com decisão, destruindo quatro e causando elevado número de baixas. A guarda do Palácio Presidencial, ao ver chegar os dez homens da equipa ALFA, debandou em grande velocidade deixando aos assaltantes o problema de revistar um edifício tão grande e que se encontrava vazio!
Finalmente, a LFG HIDRA (1° tenente Fialho Goes), aproximou-se, depois duma hábil navegação, do local de desembarque da equipa Sierra (capitão pára Morais), pairando pelas 212330, com dois metros de fundo. Em 220015, os botes largaram do navio, com rumo ao local de desembarque, sob o comando do guarda-marinha Centeno, imediato da HIDRA. As três milhas demoraram uma hora a percorrer e só pelas 01.30 se conseguiu desembarcar.
A equipa Sierra era composta por:
a) Elementos nacionais.
Cap. Lopes Morais
2° Sarg. mi/, comando Teixeira
Formação do comando
1.°s cabos paras Duarte, Morais
Tenente Januário, com 9 homens do seu pelotão
Alferes Justo, com 24 homens do seu pelotão.
b) Elementos do FNLG
Sub-Lieutenant Boiro, com cinco homens, sendo um, de nome Mamadu Balde, antigo controlador de circulação aérea no Aeroporto de Conakry.
Iniciou a progressão em direcção ao campo e antes de o atingir foi surpreendido pelo som dos rebentamentos que se iam ouvindo na cidade. O Cap. Morais, apesar de uma lesão num joelho contraída recentemente num salto de pára-quedas, forçou a marcha, mas sentindo uma certa resistência ao movimento na retaguarda, mandou um dos seus homens tentar a ligação e verificou com espanto que o tenente Januário e cerca de 20 homens tinham desaparecido.
"...A partir daquela altura só uma coisa importava já: localizar os MIG e destruí-los; dirigi-me ao local, mas não estavam; entretanto, no campo Alpha Ya-Ya, ouviam-se toques de clarins e ruídos fortes de motores a trabalhar;por me ressentir do joelho fiquei com três homens a meio do taxi-way e ordenei ao Alf. Justo e 2.° Sarg. Teixeira para irem procurar os MIG; voltaram vinte minutos depois, informando-me que no fim da pista estavam 3 aviões de hélice já velhos e que havia outra pista ao lado da principal e em terra batida, mas nada de MIG. Voltei para trás e aproximei-me da placa; nessa altura ouvia-se um toque prolongado de sino no aeroporto seguindo-se-lhe, passados alguns minutos, toques de apitos, calculo que por motivo da chegada dos pescadores a terra. Na placa havia seis aviões: 2 Caravelle, que o Ten. Boiro identificou pertencerem à Companhia AIR AFRIQUE e 4 aviões bi-motores, de asa alta, tipo Fokker F-27. O Alf. Justo quis ir destruí-los, mas não autorizei. Entretanto chegou uma viatura pesada que me pareceu uma auto-metralhadora; nos hangares que estavam abertos e iluminados não havia aviões" (do relatório do Capitão Morais).
Desde as duas da manhã que o comandante do T. G. tinha conhecimento da deserção do ten. Januário (msg. enviada pelo Grupo SIERRA — "O filho da puta do tenente fugiu com 20 dos meus homens. Traiu-me miseravelmente"). Embarcada a equipa VICTOR, a ORION levantou ferro, seguindo a toda a força para junto da BOMBARDA e HIDRA. Era necessário desembarcar a equipa PAPA, destinada a cortar o istmo que separa Conakry l de Conakry II.
O CTG 2 passou em bote de borracha para a BOMBARDA a fim de, face à evolução da situação, accionar a equipa PAPA.
Às 02.30 recebera comunicação da HIDRA de que a equipa SIERRA não tinha encontrado os MIG. Pelas 03.00 algumas notícias colhidas junto de prisioneiros em terra afirmavam que os MIG tinham sido enviados para Labé, no dia 20, devido a uma remodelação ministerial no Governo de Conakry! Havia ainda a hipótese de se conseguir capturar Sekou Touré. Às 04.00, CGT 2 teve conhecimentos que o Presidente não fora visto nem na Villa Silly nem no Palácio Presidencial. Mandou suster o desembarque da equipa PAPA, quando a BOMBARDA já manobrava para tomar posição, e fez o ponto.
"Pelas 04.30, a situação apresentava-se da seguinte maneira:
— Objectivos PAIGC atingidos em boa parte.
— Domínio no mar, assegurado.
— Domínio em terra, ainda em disputa, mas com forte possibilidade de sucesso.
— Presidente Sekou Touré — não encontrado.
— Domínio no ar — não assegurado.
"Este factor pesou fundamentalmente no meu julgamento pois, dali em diante, a minha única preocupação foi deixar o menor número de provas documentais da nossa actividade. A possibilidade de afundamento dum navio nas águas de Conakry era de evitar a todo o custo. Mandei, pois, reembarcar todo o pessoal que compareceu nos locais para isso designados em caso de insucesso".(Do relatório de CTG 27.2).
A LFG HIDRA, que reembarcara a equipa SIERRA foi mandada pairar na posição uma milha a sul do farol de Boulbinet. Às 04.40, a LDG BOMBARDA iniciou a tarefa, pela equipa HOTEL e terminou-a às 05.30, deixando dois botes para o grupo ALFA, que foi recolhido pela ORION, onde já se encontrava novamente o CTG 2. Às 06.00 deu-se ordem à BOMBARDA e ORION para constituírem a T.U. 27.2.1., seguindo para sul da ilha de Kassa onde, às 07.10, meteu ao Rv-180° durante uma hora, em diversão.
Navegou depois independentemente, tendo às 13.35, recebido indicação para aguardar o resto da TG 27-2 em Orango.
O problema do reembarque na parte norte do T.O. Parâmetros mais delicados devido ao baixa-mar. Além disso, o Sol já iluminava perfeitamente o terreno e uma grande multidão, que vitoriava ruidosamente as equipas que actuaram em terra, aglomerava-se agora junto aos locais de reembarque.
A MONTANTE colocou-se a 1.000 jardas de terra e, com o auxílio dos botes das LFG, foi reembarcado o pessoal, com excepção dos elementos do FNLG que quiseram continuar em terra. De terra, às 07.40, duma posição junto ao Palácio do Povo fizeram quatro disparos de morteiro de 82 sobre a MONTANTE, muito mal regulados. O navio e a DRAGÃO que se interpôs a fazer de escudo ao pessoal que reembarcava, calaram a boca de fogo com alguns tiros de intimidação. Às 08.05, a DRAGÃO encostou à ORION para receber material de transfusão de sangue, pois o 1° tenente MR Hélder Romero necessitava dele para o tratamento dos feridos e transbordou o sargento aviador Lobato, que se encontrava prisioneiro há 7 anos!
Desde o romper do dia que a força naval se achava no mais alto grau de prontidão anti-aérea. Quando, pelas 09.00, se deu por terminado o reembarque, já havia ordem para formar em losango, dispositivo que foi executado às 10.30, ao rumo base 240.°
O regresso fez-se sem incidentes, fundeando-se em Soga em 231625.
Terminada a operação, que custou ao inimigo mais de 500 baixas, desfez-se a TG 27.2.
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