07 setembro 2005

Guiné 63/74 - CLXXVIII: Antologia (17): Alpoim Galvão: Guerra era evitável

Texto enviado pelo Afonso M.F. Sousa



Alpoím Galvão: "Guerra na Guiné era evitável"
Agência Lusa, Quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2004

O capitão-de-mar-e-guerra português Alpoim Calvão, hoje na reforma, defendeu em Bissau que a guerra colonial que Portugal manteve na então província da Guiné (1963/74) era "evitável" se o PAIGC e a OUA não tivessem interferido.

Numa entrevista à Agência Lusa em Bissau, o militar português responsabilizou o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e a Organização da Unidade Africana (OUA, actual União Africana - UA) de terem recusado uma proposta de Lisboa no sentido da independência.

"O PAIGC não quis entrar na coligação da União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), liderada por Benjamim Pinto Bull (1) e que congregava oito dos nove partidos nacionalistas então existentes. A proposta, com a aprovação de (o então presidente senegalês, Leopold) Senghor, visava, primeiro, a formação de quadros, para depois se caminhar para uma autonomia e, mais tarde, a independência", afirmou.

Para Alpoim Calvão, que cumpriu duas comissões na Guiné (1963/65 e 1969/70) (2), essa "intransigência" do PAIGC, de exigir "independência imediata", foi ao encontro daquilo que a OUA pretendia, tendo sido esta organização que acabou por ajudar a cortar o diálogo entre Lisboa e os movimentos anti-colonialistas.

Segundo Alpoim Calvão, que não se mostrou arrependido pela acção desenvolvida na guerra na Guiné, tudo fora acertado, em Julho de 1963, por António Oliveira Salazar - principal figura do regime português de então - Senghor e Pinto Bull, através de contactos estabelecidos em Dacar pelo cônsul português Gonzaga Ferreira.

"O PAIGC obteve o apoio dos países radicais da OUA e lançou-se abertamente na luta armada e era natural que o outro lado (Portugal) se defendesse e agisse de forma a defender os seus interesses para alcançar os seus fins", disse.

Na opinião de Alpoim Calvão, que esteve uma semana em Bissau a convite do canal de televisão por cabo espanhol "Viver", se o PAIGC tivesse aceite integrar a coligação e a OUA não interferisse, a Guiné-Bissau estaria hoje "muito melhor do que se encontra".

"Passados 30 anos, alguém de bom senso pode dizer que a independência foi um sucesso? Era este o sonho de Amílcar Cabral? Mas foi este o caminho em que ele (Amílcar Cabral) meteu o país. A intenção era, com certeza, outra, mas a realidade é que o país chegou onde chegou", declarou.

Sobre Amílcar Cabral (3), o militar português considerou-o um homem "inteligente", um engenheiro agrónomo "distinto" e uma pessoa de "craveira superior", mas que tinha dois discursos: "um de homem de Estado e outro de racista", um para dentro do partido e outro para fora.

Alpoim Calvão sustentou a afirmação com documentos que disse possuir relacionados com o Congresso do PAIGC de 1969, em Conacri, durante o qual o "pai" das independências da Guiné e Cabo Verde terá afirmado que os guerrilheiros eram "muito amigos do povo português".

"É mentira. Textualmente ele disse o seguinte: 'dar um tiro num portuga numa emboscada é um acto político de primeira grandeza'. Isso não demonstra grande amizade", afirmou.

Além disso, acrescentou, Cabral mostrava alguns "sentimentos racistas" nas suas intervenções para dentro do PAIGC, "pedindo aos guerrilheiros para não se casarem com cidadãs estrangeiras, mas sim com mulheres guineenses".

Alpoim Calvão considerou que Cabral, assassinado a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, em circunstâncias nunca completamente esclarecidas, era um homem "que propunha o terrorismo", pois "incitava os seus homens a matar" o então comandante-chefe das tropas portuguesas, general António de Spínola.

"Como é possível que o general Spínola possa inaugurar três escolas em Bambadinca (centro) e ninguém o mate? Basta uma granada de mão para o matar. É preciso ir a Bissau e matar as famílias dos alferes e dos portugueses que lá estão", terá dito Cabral no congresso, segundo os documentos de Alpoim Calvão.

Questionado pela Lusa sobre quem mandou matar Cabral, Alpoim Calvão disse desconhecer, sublinhando ter a "sensação" de que essa questão "vai ficar em aberto para sempre" e que tem de ser vista à luz de quem lucraria mais com o assassínio do líder guineense.

"Tenho uma teoria, que é apenas uma teoria, mas não tenho provas. Quem lucrou mais foi Sékou Touré (então presidente da vizinha Guiné-Conacri), que tinha ciúmes da estatura de estadista de Cabral, que tinha o sonho da Grande Guiné, até à Casamança, e Cabral era um obstáculo. Mas não sei quem o matou. Não faço ideia", respondeu.

Negando o envolvimento de Portugal na morte de Cabral - "não tinha interesse nenhum, pois Lisboa queria dialogar" -, Alpoim Calvão afirmou que o PAIGC poderá ter estado envolvido na morte de Cabral, "uma vez que havia clivagens entre os cabo-verdianos e os guineenses".

"Por aí também se pode ir lá. Na sequência da morte dele, quantos homens foram fuzilados pelo PAIGC, como ajuste de contas? Dezenas e dezenas", afirmou o militar português, que se escusou a comentar à Lusa o actual momento político na Guiné-Bissau.

Por outro lado, Alpoim Calvão criticou a descolonização feita por Portugal após a queda da ditadura salazarista, a 25 de Abril de 1974, e acusou o então ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-presidente português Mário Soares de ter sido "negligente", de forma "quase criminosa".

Segundo Alpoim Calvão, em 1974, nas negociações para o Acordo de Argel, a parte negociadora portuguesa não teve em conta que o PAIGC tinha aprovado, em Dezembro de 1973, a Lei da Justiça Militar, em que se falava de fuzilamentos.

"Da parte dos negociadores do PAIGC houve uma reserva mental. Do lado dos portugueses, não houve o cuidado de estudar o problema em toda a sua extensão. Não vou fazer o insulto a Mário Soares e dizer que sabia. Mas foi muito negligente, de forma quase criminosa", acusou, numa alusão aos milhares de soldados guineenses que lutaram ao lado do exército português, alguns dos quais, disse, foram mais tarde fuzilados.

"Em termos puramente militares, todos sabem que uma guerra de guerrilha não se ganha nem se perde. Aliás, as guerras são iniciadas pelos políticos e têm de ser terminadas pelos políticos. Os militares limitam-se a aguentar o espaço e o tempo para se desenhar uma solução política. A solução política a que os políticos chegaram foi o desastre que foi. Para ambos os lados", concluiu.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. o texto de Leopoldo Amado, historiador guineense e membro da nossa tertúla > Elegia ao Professor Pinto Bull

(2) Vd. post de 22 de julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri

(3) Vd. biografia de Amílcar Cabral (1924-1973), por Carlos Pinto Santos

1 comentário:

Pedro Nunes disse...

A propósito das notícias surgidas no Diário de Notícias de que "O empresário Alpoim Calvão foi impedido, na sexta-feira, de sair da Guiné-Bissau e está sujeito a termo de identidade e residência por alegado envolvimento no desaparecimento de uma estátua na ilha de Bolama, disse ontem à Lusa a Polícia Judiciária guineense."

"A estátua em bronze do antigo presidente norte-americano Ulysses Grant, da autoria do escultor Português Manuel Pereira da Silva, foi erguida em Bolama, no arquipélago dos Bijagós, em memória do papel decisivo que o antigo presidente dos Estados Unidos teve no desfecho do diferendo entre Lisboa e Londres sobre a ilha guineense."

O desaparecimento da estátua da ilha de Bolama foi denunciado em meados de Agosto por um cidadão anónimo, tendo o caso sido entregue à Polícia Judiciária da Guiné-Bissau.

"As investigações ocorreram na sequência de uma denúncia", afirmou um inspector da Polícia Judiciária guineense, acrescentando que a estátua foi encontrada enterrada num buraco.

"Há nacionais e estrangeiros envolvidos, nomeadamente Alpoim Calvão", sublinhou.

Segundo o inspector, o empresário português já foi ouvido e reconheceu que a sua empresa de sucata comprou uma parte da estátua.

"Ficou com termo de identidade e residência até o caso ser esclarecido", afirmou.

Eu como filho do escultor Manuel Pereira da Silva fiquei preocupado com a notícia e ao fazer uma pesquisa na web encontrei este fantástico blogue sobre a Guiné-Bissau. Espero que não me leve a mal, mas gostaria de saber mais sobre o que aconteceu a esta estátua.
Um abraço,
Pedro Nunes