1. Texto do Hugo Moura Ferreira (ex-alf mil inf, CCAÇ 1621 e CCAÇ 6, Cufar e Bendanda, 1966/68):
Caros Luís, Jorge e José Neto:
Mas que recordações em catadupa que vocês fizeram chegar à minha memória! De tal forma foram fortes que me tornaram os olhos húmidos.
Sabem... Eu estive na CCAÇ 6, de Julho de 1967 a Julho de 1968, e algumas daquelas pessoas de quem o Seni fala, também são dos meus conhecimentos, nomeadamente o Cap Silva. Era o Gastão, no meu tempo. Esteve ali a fazer o tirocínio como Alferes, depois de sair da Academia Militar e voltou mais tarde a comandar a CCAÇ 6, como Capitão.
Pela minha parte tenho que reconhecer que não me lembro do Seni, pois certamente nessa altura ainda não era do meu Grupo de Combate, que era o 2º.
Mas fiz com toda a certeza operações com ele, nomeadamente a Nhai e a Cabolol, numa altura que o Cantanhez, do outro lado do Cumbidjã, ainda era um santuário.
Ao verificar os meus canhenhos encontrei informação acerca dele, visto que tenho a listagem de todo o pessoal que fez parte da Companhia até finais de 1968 e penso que ele, antes de ser integrado na tropa territorial, onde, pelo que afirma o Jorge Neto, tinha o nº 397/65, era o 1º cabo 106/65, do Pelotão de Mílicia nº 143, adido à CCAÇ 6, por motivos operacionais, comandado pelo Alferes de 2ª Linha Tala Biú Djaló que, se não tivesse morrido em combate em Conacri, como furriel dos Comandos Africanos, hoje seria o Régulo do Cantanhez.
Quanto ao que ele afirma sobre os fuzilamentos, não sei se sabem que daquela companhia cerca de 50% do pessoal, infelizmente, terminou os seus dias dessa forma inglória. Que o digam alguns pilotos de helis, da nossa Força Aérea, que depois de terminada a guerra transportavam os elementos do PAIGC (desconhecendo, mas desconfiando) para esse fim, mas que eram aconselhados a não ouvir nada e a desconhecer tais factos.
Infelizmente são consequências do tal abandono que os iluminados de cá e desses tempos votaram aqueles que tinham optado por nos ajudar na convicção de que a razão estaria do nosso lado.
Mas, como achega, colocando a questão de forma particular ao José Neto que desta matéria certamente saberá mais que nós, milicianos, gostaria de perguntar uma coisa e justificar porque é que o faço.
Assim, sendo o Seni Candé um deficiente das forças armadas, cuja incapacidade foi adquirida antes do 25 de Abril de 1974, não lhe teria sido atribuída uma pensão? Não me parece normal que o não tivesse sido. E será que, a ter-lhe sido atribuída essa pensão, ela não teria em determinada fase sido remetida para a Guiné-Bissau a fim de ser entregue ao interessado, e não ter chegado ao seu destino?
É que eu tenho um amigo, que foi meu soldado em Cufar (ou Cufar Novo, a Nordeste de Catió] quando na CCAÇ 1621 (Nov 1966 / Jun 1967), antes de ir para Bedanda, que em 1968, tendo sido ferido por uma A/P e ficado sem uma perna, seguiu para a Alemanha e depois para Lisboa, onde se manteve algum tempo. Nessa altura foi-lhe atribuída a esse camarada (cujo nome não interessa para o caso) uma pensão por incapacidade.
Quando se deu o 25 de Abril, ele deixou de receber a referida pensão porque, ao que veio a saber posteriormente, ela era remetida pelo Governo português, como tantas outras, através das vias oficiais, destinadas aos interessados, mas sendo recebidas em Bissau nunca lhes foram entregues.
A partir dessa altura passei eu a ser o seu procurador e depositar a pensão aqui, na CGD [Caixa Geral de Depósitos]. Em 1977, optou pela nacionalidade portuguesa e actualmente passa por cá uns tempos e na Guiné os necessários para organizar e gerir os seus negócios principais, mas continua a receber aqui na CGD, regularmente, as suas pensões.
Por tudo isto não poderíamos nós por cá tentar saber algo mais acerca da possibilidade do Seni ainda vir a receber algo e se, na realidade, alguma vez lhe foi atribuída a pensão?
Se me disserem onde dirigir, disponibilizarei tempo e certamente tentarei saber algo mais. Possivelmente o Jorge Neto terá mais informação acerca do moço.
Claro que fazer isto apenas a um de tantos necessitados não iria resolver muito, mas ao Seni de certeza resolveria.
Que acham? Mãos à obra? Ou este pensamento é uma utopia?
Um abraço.
Moura Ferreira
2. Comentário do Jorge Neto:
Caro Moura Ferreira e restantes tertulianos,
O Seni contou-me um pouco mais do que aquilo que está no Blogue. De facto ele recebeu uma pensão durante uns anos. Não me recordo se até 1985!!!... Mesmo estando "refugiado" na Gâmbia, parece que era a mulher que a ia receber à embaixada ou à administração em Catió... Sinceramente não me recordo. Daqui para a frente não sei mais nada. Terá perdido a pensão? Nunca mais a reclamou? Sei que essa mulher entretanto morreu. Isso terá tido influência?
(...) Isso agora também não importa. Importa antes ajudá-lo, pois está com 11 filhos e tenciona ter mais (como ele diz, "enquanto a espingarda atirar"). O mais novo tem 18 meses e o mais velho 30 e tal. Nem todos estudam porque o dinheiro não chega!
As recordações e os documentos do Moura Ferreira poderão ser úteis caso seja difícil encontrar registos do Seni (que em Portugal, segundo ele, foi registado como Suni Candé ou Sani Candé) nos arquivos das FA. O Seni contou-me que a mãe lhe queimou todos os documentos após a independência e ele agora não tem como provar que foi combatente.
Pela minha parte posso ver quais os próximos passos a dar junto do adido militar da embaixada de Portugal em Bissau. Vamos a ver o que ele me aconselha. Vou entregar-lhe as gravações e explicar-lhe o problema (...).
3. Resposta do Moura Ferreira:
Caro Jorge Neto e demais camaradas:
Obrigado pela resposta pronta. Depreendo que vamos então tentar saber mais sobre o Seni. Fico a aguardar mais alguns elementos e instruções.
Para já vou dar uma volta pelo Arquivo do Exército, em Chelas, onde estão os processos individuais, mas tenho sérias dúvidas porque no Arquivo Histórico-Militar, em Santa Apolónia, no que se refere à CCAÇ 6, apenas ali encontrei um processo relativo a 1973 e 1974. Mas irei tentar outra vez (...).
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