Guiné-Bissau > Empada > 2005 > As antigas retretes do aquartelamento da CCAÇ 2381 ( Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70). Aqui morreu o Conceição.
© José Teixeira (2006)
O Conceição
O Conceição era uma camarada de Lisboa, que tanto quanto eu sabia, não tinha pais e vivia com a avó. Era um moço muito alegre e passava o dia a cantar.
Já perto do fim da comissão, em Empada (está na parte do diário que não enviei para o blogue), estava na retrete ... e a cantar. Não ouviu as saídas de morteiro que nos foram enviadas do cimo da pista e controladas via rádio por alguém lá dentro ou junto ao arame farpado. Uma das primeiras rebentou no telhado da retrete e projetou-o para trás, esmagando parte da nuca contra a parede.
Eu, logo após o ataque, dei uma volta pelo quartel. Fiquei assustado, pois cairam várias lá dentro e gritava de contente. Não havia aparentemente feridos e muito menos mortos. Nesse momento, o Furriel Pedro (actualmente muito doente, com um derrame celebral) grita-me:
- Teixeira vem aqui ! - Fiquei horrorizado com o que vi. Mais uma vez chorei de raiva.
Mas a cena não ficou por aqui.
Trouxemos o cadáver para a enfermaria e logo se juntou um grupo de camaradas disposto a fazer uma noite de velada. Alguns rezavam o terço, outros choravam, outros falavam de tudo e de nada.
Como tivemos dois feridos da população, dos quais uma mulher com vários estilhaços nas espadaúdas ancas, até população civil ali estava.
Alta madrugada, eles voltaram de novo e toda a gente fugiu para o buraco abrigo que tinhamos aberto ao lado da enfermaria. A mulher ferida, essa ficou por não poder andar, mas algum tempo depois lá apareceu, rastejando.
Findo este segundo ataque voltamos para o velório... Com a precicipação da fuga para o abrigo, alguém tinha arrastado um dos bancos onde estava a maca com o cadáver do Conceição, ficando este com o corpo todo inclinado.
- Desgraçado, mesmo depois de morto não tens descanso ! - comentou alguém.
As lágrimas de dor e de revolta correram por várias faces dos camaradas presentes. Foi uma noite para esquecer e agora voltar a relembrar.
© José Teixeira (2006)
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