02 março 2006

Guiné 63/74 - DXCVII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (1)

Guiné > Estrada Bambadinca-Bafatá > 1969 > Coluna da CCAÇ 12, a caminho de Bafatá, vendo-se ao fundo uma AM (autometralhadora) Daimler, do Pel AM Daimler 2046, instalado em Bambadinca, e que era comandado nesse tempo pelo Alf Mil Cav J. Vacas de Carvalho, nosso tertuliano de Montemor-O-Novo. A estrada Bambadinca-Bafatá era uma das poucas, na Guiné, que estava alcatroada. Para nós, era uma verdadeira autoestrada, originando acidentes (e alguns graves) por excesso de velocidade. Entre Junho de 1969 e Março de 1971, não me recordo de qualquer actividade da guerrilha neste troço: mina, emboscada, flagelação à distância... Ainda no nosso tempo, deu-se início à construção da nova estrada (alcatroada) Xime-Bambadinca. Este troço entre o Xime e Bafatá era de grande importância estratégica para os transportes terrestres na Zona Leste (Bafatá e Gabu) (LG).

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

© Humberto Reis (2006).



Texto do Manuel Mata (ex-1º cabo apontador CCM 47, integrado no Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640, aquartelado em Bafatá nos anos 1969/71, organizador dos convívios anuais da referida unidade)(1).


HISTÓRIA DO ESQUADRÃO DE RECONHECIMETO FOX 2640, GUINÉ-BAFATÁ 1969/71 - Parte I

Caro Luis Graça:

Obrigado pela oportunidade que dás aos ex-combatentes. É de louvar, pois nos fazes reviver um pouco da nossa juventude e dos tempos passados por África.

O camarada A. Marques Lopes, ao referir-se, num dos textos que tem no Blogue-fora-nada, ao Esquadrão de Reconhecimento 2640, de Bafatá, convidou alguém do referido Esquadrão a participar, e uma vez que o amigo Luís Graça me autoriza a entrar na caserna dos tertulianos, aqui estou eu para dar o meu contributo e creiam que é com o maior prazer que o faço... Mas se me for permitido, fá-lo-ei desde a formação do Esqadrão à instalação em Bafatá, puxando dos meus apontamento e fotos e rebuscando o baú das minhas memórias, bem como fazendo apelo às memórias de outros camaradas.

Campo Militar de Santa Margarida > Regimento de Cavalaria 4 > 1969 > Carro de Combate M47. © Manuel Mata (2006)

No ano de 1969, mês de Agosto, com a apresentação no Regimento de Cavalaria 8, em Castelo Branco, foram mobilizados, para o T.O. da Guiné, os 142 militares que vieram a formar o Esq Rec Fox 2640, mais o Pelotão Rec Fox 2175, este independente e composto por 38 militares.

Terminado o período de organização do Q.O. da unidade, veio a I.A.O. [Instrução de Aperfeiçoamento Operacional] durante o mês de Setembro de 1969. Aí começou a guerra: o exército não tinha viaturas AM Fox, disponíveis para instrução na Metrópole, as poucas AM Daimler tinham feito Pum!!!, na última instrução de especialidade de 1969.

Ficámos então esclarecidos da razão que levou à nossa mobilização, os 16 apontadores de Carros de Combate M47, coisa que ainda não tinha acontecido até então, em todo o período de guerra. Como não podia haver especialidade de apontador AM Fox e AM Daimler, socorreram-se dos apontadores CCM47, do RC 4, de Santa Margarida, grupo de especialidade terminada em Maio de 1969.

Depois da mobilização para o CTIG, da falta de aperfeiçoamento dos condutores, dos apontadores, nas viaturas que o Esq Rec Fox 2350 a render na Guiné tinha, juntou-se-lhe a pescada amarela de mau sabor, com as batatas a saber mal, a água com pouco vinho, os castigos de mais uma semana no campo (24 horas por dia), a massa para o almoço que no campo chegava chocalhada nas viaturas e era... pasta!

Lá vinha uma revolta, no próximo dia de pescada amarela, lá se fazia à pressa um arroz com chouriço. Voltava-se à pescada, voltávamos a fazer levantamento de rancho e, como castigo, mais uma semana de campo. Resultado: camas da caserna, almofadas, etc., destruídas.

Numa dessas noites de maior tensão, aparece o Furriel Amadeu Fernandes que estava de Sargento Dia, a tentar acalmar a rapaziada... Choveu tanta almofada, botas e outros objectos que prometeu:
- Lá é que vamos ver quem brinca!.- Foi um amigão, este furriel!...

O Comandante do R. C. 8, já saturado com a nossa rebeldia por não aceitarmos ser assim tratados, duas vezes fez formar o Esq 2640 na parada, dando ali uma grande lavagem de orelhas, foi para todos simples música, tendo inclusive apelidado a rapaziada de Diabos!... Não satisfeito, interpelou-nos (e vou citar de cor):
- Se algum dos militares aqui presentes for homem para se bater comigo, que dê um passo em frente! - Claro, a bravata do comandante ficou por ali...

Pior que tudo isto da guerra que nos impunham, foi mesmo termos perdido um companheiro devido a um acidente, numa das saídas a Penamacor, para fazer fogo real. Por caricato que pareça, um burro aparece na estrada causando o acidente onde ficaram feridos dois praças sem gravidade e faleceu o Aspirante Mil Fernando M. Lopes. Quero deixar aqui bem sublinhado que este amigo está sempre presente no coração dos elementos do Esq Rec Fox 2640.


Lisboa > O N/M Uíge, que transportou o Esq Rec Fox 2649, mais o Pel Rec Fox 2175 até Bissau, em 15 de Novembro de 1969. Mas nem todos compareceram: um oficial desertou... © Manuel Mata (2006)


Finalmente, na manhã de dia 15 de Novembro de 1969, embarcámos em Lisboa no N/M Uíge... Foi o meu primeiro dia de forte dor, de desilusão, de grande desmotivação se é que alguma vez houve motivação...Faltou ao embarque o Alferes Mil Elpídio Codinha dos Santos. Este tinha vindo de véspera para Lisboa, para reconhecer o navio e fazer a marcação de quase todo o Esqadrão em camarotes. De facto, poucos de nós foram no porão, pelo que todos ficámos muito agradecidos e sensibilizados pela moralização de muitos contra uma guerra que não era nossa...

Algum tempo depois foi confirmado, para nossa alegria (e minha, em particular), que ele estava em França: tinha desertado (coragem que eu não tive, não por falta de o Santos não nos ter incentivado!)...

Em 21 de Novembro de 1969, regista-se o desembarque em Bissau dos 141 militares do Esq Rec Fox 2640, que seguem depois para a C.C.S., em Santa Luzia. Alguns dias a seguir, partimos para Bafatá, na nossa primeira viagem pela Guiné. Vimos pela primeira vez uma AM Fox em Bambadinca, que veio a fazer Pum!!! não muito tempo depois (2).


Guiné > Zona Leste > Baftá> 1970 > O autor junto à Fonte Pública, Bafatá, 1918.

© Manuel Mata (2006)


Chegada a Bafatá, após um curto período de adaptação e feita a rendição do Esq Rec Fox 2350, aí está a rapaziada pronta para actuar em qualquer ponto da zona leste, visto constituirmos reserva móvel do agrupamento leste.

Caro Luís Graça, um abraço extensivo a todos os tertulianos.E venham mais ex-combatentes.

Manuel Mata

Crato - Portalegre

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(1) vd. post de 26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXC: Convívio anual do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71)

(2) Recordo-me perfeitamente desta peça de museu que lá ficou a um canto, em Bambadinca (LG)

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