Post nº 600 (DC)Guiné > Algures no sul (Quebo, Mampatá, Buba ou Empada) > 1968 ou 1969 > O Zé Teixeira nas noites de escrita e solidão... © José Teixeira (2006)
1. Mensagem do José Teixeira:
Fui ao meu baú de memórias buscar mais este poema Em memória do Conceição (1) que escrevi em 1996, vinte e cinco anos depois do regresso. Não pela sua qualidade, mas sobretudo para realçar que cá dentro ficam recalcadas estas memórias que o tempo não cura.
Vinte e cinco anos depois tive de escrever, dolorosamente, um poema e rever em sofrimento esso momento terrível em que pulava e gritava em plenos pulmões, de contente à porta da enfermaria:
- Não há mortos nem feridos. Filhos da puta, deixei-nos em paz ! - quando o Pedro muito calmamente me chamou e disse:
- Teixeira, estás enganado, leva este para a enfermaria, está morto !
Um abraço
José Teixeira
(ex-1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
A Carta que escrevi
A carta que escrevi
Não escrevi.
Ao seu destino chegou.
Atrasada.
No avião seguia, quando morri,
Levou-me o sopro de uma granada.
Dizia eu que estava bem. Era verdade.
A guerra estava parada.
À vista o fim da Missão,
Servir a Pátria amada.
Cantava.
Cantava de alegria,
Afastava a solidão,
O medo, a angústia, o desejo de voltar.
E veio a granada para me matar.
A notícia voou rápida,
Para ferir.
Levou à minha amada
A dor de me ver partir,
Sem me despedir.
A carta.
Juro que a escrevi,
Mas não escrevi
Porque morri.
Sei que a leste
Com que fé, amor !
Esperança danada,
Que fez esquecer a dor,
Da mensagem levada
Pelo Crocodilo lacrimado
Com o resto da minha granada ,
medalhado.
Eu estava.
Mas não estou.
Quando cantava
A morte me levou
E a minha carta
Para ti, Amor
Viajava, levando a esperança
Que acabou.
Abril/96
____________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXIV: Estórias do Zé Teixeira (2): o Conceição ou o morrer de morte macaca
"O Conceição era uma camarada de Lisboa, que tanto quanto eu sabia, não tinha pais e vivia com a avó. Era um moço muito alegre e passava o dia a cantar.
"Já perto do fim da comissão, em Empada (está na parte do diário que não enviei para o blogue), estava na retrete ... e a cantar. Não ouviu as saídas de morteiro que nos foram enviadas do cimo da pista e controladas via rádio por alguém lá dentro ou junto ao arame farpado. Uma das primeiras rebentou no telhado da retrete e projetou-o para trás, esmagando parte da nuca contra a parede.
"Eu, logo após o ataque, dei uma volta pelo quartel. Fiquei assustado, pois cairam várias lá dentro e gritava de contente. Não havia aparentemente feridos e muito menos mortos. Nesse momento, o Furriel Pedro (actualmente muito doente, com um derrame celebral) grita-me:
- Teixeira vem aqui ! - Fiquei horrorizado com o que vi. Mais uma vez chorei de raiva" (...)".
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