16 junho 2005

Guiné 69/71 - LX: Cabral ka mori ?

Guiné-Bissau > Bafatá > 2001: Busto do fundador do PAIGC, Engº. Amílcar Cabral (Bafatá, 1924 - Conacri, 1973). A velha cidade colonial de Bafatá está muita degradada. © David J. Guimarães.

1. "África, 30 anos depois" é um excelente documento, publicado pela revista semanal Visão, que acompanha a sua edição de 16 de Junho (240 pp, 14.9 euros). O pretexto é o de revisitar as ex-colónias portuguesas (Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe), trinta anos depois da sua independência. A não perder.

2. No que diz respeito à Guiné-Bissau, há várias (excelentes) reportagens assinadas por Pedro Rosa Mendes: (i) Guiné-Bissau: Cabral morreu (pp. 146-153); (ii) Guiné-Bissau: 'um país de traições' (pp. 154-155); e (iii) Guiné-Bissau: Braima, o menino de Amílcar (pp. 156-159). A introduação e a cronografia é de Luís Almeida Martins e a fotografia de Luís Barra.

É um olhar extremamente lúcido, cruel e quiçá desesperado sobre a herança de Cabral. A conclusão (brutal) é que Cabral morreu, contrariamente ao slogan repetido até à exaustão, pela propaganda oficial e pelos ex-combatentes e militanets do PAIGC, de que Cabral ka mori (Cabral não morreu).

A conclusão do jornalista e escritor é que Cabral definitivamente. Morreu duas vezes: fisicamente (assassinado em 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, às mãos de jagunços do próprio PAIGC); e depois politica, ideologica e espiritualmente, ao longo destes trinta e tal anos de independência em que o próprio PAIGC e a elite guineense entraram num processo de autofagia. A sua cidade-natal e a sua casa estão votadas ao abandono.

Há, no entanto, algum branqueamento das razões profundas por que a Guiné-Bissau não conseguiu erigir-se em verdadeiro Estado moderno e sobretudo na Nação com que sonhou Amílcar Cabral. A nossa quota-parte de responsabilidade (histórica) é posta entre parêntesis. A nossa, de portugueses e de ocidentais.

De qualquer modo o propósito do balanço era outro: o que fizeram os africanos, e neste caso concreto, os guinéus, com o poder que conquistaram, duramente, heroicamente ? Há sempre o risco de etnocentrismo neste tipo de jornalismo de investigação, pese embora a superior qualidade da observação, da efabulação e da escrita de Pedro Rosa Mendes, o talentoso escritor de A Baía dos Tigres (Lisboa: D. Quixote, 1999), romance já traduzido em mais de duas dezenas de línguas.

Recorde-se que o livro de estreia do jovem Pedro Rosa Mendes, então com 31 anos, é uma mistura de livro de viagens e de ficção. Em 4 meses, o autor fez 10 mil quilómetros, viajando por terra, de Angola à Contracosta, e seguindo o mesmo percurso encetado há mais de um século por Roberto Ivens e Brito Capelo. O livro obteve o Prémio Pen Club 2000.

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Fonte: Visão.online.pt (16.06.2005)

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