20 novembro 2003

Humor com humor se paga - XIII: Técnicas de sobrevivência (1)

Como te defenderes do assédio das operadoras de telemarketing (... em 10 lições)



Pergunta:



É cada vez mais frequente receberes em casa chamadas de operadoras de telemarketing tentando impingir-te tudo e mais alguma coisa: planos de saúde, fundos de pensões, cartões de crédito, abertura de conta em novos bancos, edições especiais de livros raros, as sagradas escrituras em papel bíblico, férias de sonho, pinturas do Miguel Ângelo (!), peças únicas da arte dos sumérios (!), time sharing, conjuntos de porcelana da Vista Alegre, música clássica ao quilo como o bacalhau da Noruega, mobílias em pinho sueco, telemóveis, electrodomésticos, aparelhos de fitness, cursos de inglês à distância, etc.



Eu fico sempre à beira de um ataque de nervos quando do outro lado do fio ouço uma voz assexuada e autoritária a perguntar por que razão é que ainda não fui levantar o prémio... Diz-me lá, ó blogador, como é que tu podes defender-te destas técnicas invasivas, desta intolerável intromissão na tua vida privada, deste descarado abuso do teu número de telefone ?... Como, diz-me lá tu?



Há quem veja nisto um sinal de maturidade do capitalismo selvagem que se instalou, com armas e bagagens, nas nossas ruas e praças, substituindo as feiras e mercados da nossa infância. Outros dizem-me que este é o preço a pagar por viveres, rico, feliz e livre, numa economia de mercado e num mundo globalizado.



Eu sei que do outro lado está uma rapariguinha desesperada por te vender qualquer merda e, com isso, ganhar os primeiros euros da semana ou até do mês. Mas este não é o paraíso, é o mundo cão onde tu vives. Hoje a condição feminina passa também pela desumana experiência de trabalhar em empresas (?) de telemarketing, em call centres e outros locais de tripaliu(m).



Resposta:



Bem, não sou propriamente especialista em técnicas de sobrevivência. Limito-me, por isso, a deixar aqui algumas dicas que me mandou o mais maluco dos meus amigos, o Tó Vinhas, que é apesar de tudo um rapaz amável por detrás de um coração de pedra (pomes):



1) Quando a fulana te perguntar "Como está?", responde-lhe: “Enchanté!... Estou muito feliz por alguém como você se preocupar comigo”...



2) A seguir acrescentas: “Como você é uma garota simpática, vou apontar tudo direitinho... Dê-me só cinco minutos, vou comprar uma esferográfica e uma folha de papel na tabacaria em frente”.



3) Quando a operador te disser: "Bom dia, fala da empresa Alegria do Lar – Arte & Design Lda”, obriga-a a soletrar todas as palavras... É a tua vez de massacrá-la. Pede-lhe o número de contribuinte, a morada, o fax, o telefone, o montante do capital social, o código da actividade económica (CAE-Rev 2, a quatro digitos), o nome do sócio-gerente, o endereço de e-mail, o endereço da página da firma na Internet, e por aí fora. Pergunta-lhe se a empresa tem os impostos e os salários em dia, se é socialmente responsável, se protege o ambiente, se pratica a cidadania empresarial, se tem médico do trabalho...



4) Quando a pessoa se apresentar (por exemplo, "fala a Diamantina"), dá um gritinho, histérico: "Diamantina? Olá, querida ! Não pode ser ! Mas és tu mesma ? Há quanto tempo não tinha notícias tuas!... Mas será que ainda te lembras de mim ? ... Não ?!... Sim, da última vez que fomos à Feira Popular comer sardinhas assadas!"...



5) Se a voz assexuada e autoritária te ligar para te dizer que tens um prémio, a levantar no sítio tal, das tantas às tantas, responde com a voz dos que precisam e que pedem esmola à porta das igrejas : "Sou tetraplégico, vivo numa cadeira de rodas, não posso deslocar-me aí a não ser através da ambulância dos bombeiros ou do mini-autocarro da Carris... A menina faz isso por mim, por amor de Deus, por piedade cristã ? Trata da minha deslocação?”.



6) Se alguém te quiser impingir cartões de crédito, planos de pensões ou seguros de vida ou outros produtos financeiros, responde-lhe que essa oferta caiu do céu... De facto, (i) acabaste de ser despedido do emprego, (ii) soubeste há um mês que estavas com sida, (iii) que vais morrer em menos de um ano e (iv) que a família te vai pôr num sidatório em Cuba...



7) Ou então mostra o teu lado sinistro de mau cidadão, conta a tua verdadeira história de delinquente: de momento, estás em liberdade condicional, depois de dois anos a cumprir uma pena de prisão por tráfico de droga.... Estando integrado num programa de reinserção social para reclusos, não podes tomar nenhum decisão financeira sem a competente autorização da senhora doutora assistente social...



8) Se te pedirem pelo cartão de crédito, pede a pessoa em casamento... O argumento é respeitável e de peso: “O número de cartão de crédito, entre outras coisas, só o dou à minha legítima esposa”.



9) Brinca com a família da pessoa que te telefona: “Então como vai a nossa tia Zulmira? E os primos Pipi & Bibi ?”...



10) E, por fim, diz à pessoa que estás muito ocupado de momento mas que, se ela te der o número de telefone de casa ou de telemóvel, terás muito gosto em falar com ela mais tarde, com todo o tempo e vagar. Quem sabe, poderão um dia destes encontrar-se, conhecer-se pessoalmente, ir ao cinema, jantar fora, passar pela discoteca ou até mesmo dar umas quecas...



É claro que a menina do telemarketing recusará a tua proposta indecorosa e é capaz de começar a insultar-te: “Seu malcriado, seu indecente, sua besta!!!”.... É altura então de lhe dares a estocada final: "Eu imagino que você não queira ser importunada e, muito meno, ver a sua vida privada devassada. Eu também não. Não me volte a chatear!" (...e desligas o telefone).



O meu amigo Tó Vinhas diz que a técnica resulta, põem logo o teu número de telefone na lista negra. Nunca experimentei, falo de cátedra. Nunca passei do 1º passo, o qual desarma qualquer operadora de telemarketing, por mais batida que seja: “Ó querida, deixei de ir levantar os prémios, tenho uma assoalhada cheia deles até ao tecto, não tenho mais espaço para os guardar”... Ou noutra variante: "Ah!, o Prémio... Pensei que fosse o Prémio Nobel da Literatura... Sabe, sou o maior escritor do meu bairro...".

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