"Descobri essa outra rotina da fábrica: estar constantemente exposto à agressão dos objectos, a todos estes contactos desagradáveis, irritantes, perigosos, com os materiais mais diversos: chapas cortantes, pó de ferro, borrachas, superfícies gordurentas, farpas, produtos químicos que atacam a pele e nos queimam os brônquios. Habituamo-nos muitas vezes, nunca nos imunizamos (...).
"O estanho, que atacará sem dúvida os pulmões de Mouloud, não é reconhecido como perigoso. Os pintores à pistola da oficina de pintura e as doenças provocadas pelo benzol também o não são. As bronquites crónicas, as constipações repetidas, as tosses más, as crises de asma, as respirações roufenhas: Fumas muito, diagnostica, imperturbável, o médico da Citroën. E as peles que estalam, que ulceram. E os homem coçam-se e arranham-se. Aqui, na cadeia de montagem e nos postos que dela dependem, nenhum corpo está a salvo. O meu princípio de alergia à borracha? Ora, uma gota de água".
Extractos de: Robert Linhart (1978) - O infiltrado. Lisboa: Iniciativas Editoriais.29-30. (tr. do fr., L'établi. Patris: Minuit, 1978).
A propósito da melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores portugueses e da modernização das suas empresas (de todo os sectores: primário,secundário e terciário): estranhamente não ouvi uma única palavra sobre o assunto, por parte dos proponentes da "Iniciativa Compromisso Portugal", que se reuniram no Convento do Beato, em Lisboa, em 10 de Fevereiro de 2004.
O novo modelo económico e de desenvolvimento para o nosso país, proposto pela nata fina dos nossos gestores, assalariados, estrangeirados, formados nos melhores MBA das melhores escolas de dentro e de fora, com menos de 45 anos, não passa (também) por aí ? Vamos deixar que o mercado se encarregue de eliminar, a seu tempo, as más empresas, incluindo as que praticam o dumping social ? E que papel deverá caber ao Estado ?
Tenho pena que se tenham omitido, intencionalmente ou não, algumas das buzzwords que se ouvem nas nossas escolas de gestão e se lêem nos manuais e revistas do management (do latim, manus, e do italiano medievo managgiare, conduzir um cavalo com às rédeas na mão) : por exemplo, responsabilidade social, cultura de empresa, capital humano, qualidade, empowerment dos colaboradores, liderança, cidadania, participação e consulta, social audit, eco-eficiência, wellness, employability, protecção e promoção da saúde dos trabalhadores, etc.
Esta louvável iniciativa por parte dos homens e mulheres que têm uma papel-chave na produção e distribuição de riqueza, para ser verdadeiramente um "compromisso (com) Portugal", não pode ser fracturante: ela acabará por falhar se se quiser impor pela via tecnocrática e autoritária soluções do tipo one best way. Portugal não é uma ideia abstracta, pelo que o compormisso com Portugal só pode ser entendido como um compromisso com, através de e para os portugas, todos os portugas.
Acredito que chegou o tempo de passarmos dos estudos e diagnósticos para o campo da decisão e da acção. Mas oxalá que Deus não ilumine demais os já muito iluminados. Que Deus (ou os deuses) nos deixe(m) algum espaço para a contingência humana, para a experimentação, para o ensaio e para o erro... Que uns e outros, os deuses e os iluminados, nos deixem algum tempo e espaço para a inteligênica, a imaginação, a cultura, o humor, a humanidade, a solidariedade... Last but not the least, que deixem uma nesga da porta aberta à saudável loucura dos poetas deste país...
Fernando Pessoa, escriturário, tradutor, alcoólico, ou Álvaro de Campos, engenheiro naval, dificilmente passariam hoje num teste psicotécnico de candidatura de emprego ou num exame de aptidão física e mental da medicina do trabalho. Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, poetas e loucos, chumbariam se a sua poesia fosse medida em Kpi– Key performance indicators . Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, portugas, marginais-secantes, saberiam entender hoje o que está em jogo no "compromisso (com) Portugal" ? Ficariam de fora ? E se assim fosse eu teria pena e o meu país ficaria mais pobre... Quero dizer, a minha língua, que nenhum economista me soube dizer até hoje quanto vale em termos de PIB, VAB ou outras medidas econométricas. Aliás, nunca lhes perguntei, aos economistas e aos gestores das coisas públcias e privadas. Sempre tive medo que me respondessem: "Uma gota de água!".
Ouvi dizer, por outro lado, que de acordo com o novo Plano Nacional de Saúde, apresentado ontem pelo Governo, os portugas trabalhadores e tabagistas vão ter os dias contados. Já imagino o título do cartaz ou do anúncio televisivo: Ou trabalhas ou fumas, a escolha é tua! Se fumas, só na rua... . Outra mensagem que seguramente imporia respeito e confiança seria qualquer coisa como A saúde pública vai tratar-te da saúde!
Não é altura para se discutir aqui os efeitos perversos do proibicionismo. Só espero é que esta medida (proibição de fumar nos locais de trabalho) não venha a ser avulsa, cega e contra-intuitiva. No mínimo, espero ver o seu efeito multiplicador, com um aumento significativo de empresas com programas integrados e coerentes de prevenção e tratamento dos problemas do tabagismo relacionados com o trabalho: por exemplo, consultas de desabituação tabágica, apoio aos trabalhadores que querem deixar de fumar, grupos de auto-ajuda, formação e treino em gestão do stresse, controlo e prevenção de outros de risco psicossocial, controlo e prevenção de outros factores de risco ambientais (ruíudo, substâncias perigosas...).
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