29 junho 2005

Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969)

Extractos de: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 6-8.

Nota de L.G.:

Como já tive ocasião de o dizer aqui, a história da CCAÇ 12 foi escrita por mim, embora com a cumplicidade e a colaboração de vários camaradas, milicianos, incluindo um sargento do quadro. Já não está no activo, posso dizer o seu nome: o Sargento Piça, o Grande Piça, para os amigos!Oficialmente, o documento não tem autor nem sequer a sua versão final chegou a ser autorizada pelo comandante da companhia, o afável Capitão Brito, hoje coronel na reforma (e muito menos pelo comando do batalhão de quem estávamos hierarquicamente dependentes, o BART 2917, a partir de Junho de 1970 até Fevereiro de 1971).

Um versão, escrita e impressa à luz do dia, a stencil, na secretaria da companhia, foi discretamente distribuída aos alferes e furriéis milicianos (mesmo assim, não sei se a todos...), na véspera da partida (Os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 eram de rendição individual). Gostaria que este documento tivesse podido chegar às mãos de todos os meus camaradas, incluindo os nossos soldados e cabos metropolitanos. E até aos africanos, embora muito poucos (dois ou três) soubessem ler e escrever. Infelizmente, não chegou.

A sua divulgação, nestas páginas, pretende atingir um público mais vasto, incluindo os amigos e os camaradas que fazem parte da tertúlia de ex-combatentes da Guiné (uma tertúlia que vai crescendo lentamente). Quero começar por dizer que a nossa actuação na Guiné não teve nada de heróico. E a leitura da história da CCAÇ 12 vem confirmar, à distância de trinta e tal anos, essa primeira impressão de quem, como eu, tendo sido actor, não pode ser advogado em causa própria. Procurei, mesmo assim, ser o mais possível objectivo, ou pelo menos factual, e distanciar-me dos acontecimentos que, muitos dos quais, eu próprio vivi como combatente sui generis (não levava granadas à cintura, andava com a G3 em posição de segurança...).

Cumprimos a nossa missão, com sangue, suor e lágrimas (um dos slogans preferidos dos nossos camaradas que fizeram tattuagens no corpo). Recordo-me de algumas tatuagens: Guine 69/71: Amor de mãe ou Guiné 69/71: Sangue, suor e lágrimas (Seria interessante estar esta forma de comunicação...).

Partimos tal como chegámos: discretamente. Na Guiné fomos amigos e solidários uns dos outros. Honrámos a Pátria, mesmo discordando (alguns, como eu) daquela guerra. Batemo-nos com dignidade e até coragem. Fomos uma das primeiras unidades da nova força africana, criada por Spínola. Deixámos lá a nossa juventude... Em contrapartida, nunca mais soube nada dos meus, dos nossos, soldados africanos. Portugal abandonou-os à sua sorte em 1974. Nós abandonámo-los à sua sorte. E isso dói-me...

A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Durante a sua primeira comissão (1969/71), actou sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulado Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...).

Pelas informações posteriores que recolhi (graças ao Sousa de Castro, da CART 3494 / BART 3873, 1972/74), em Abril de 1973 a CCAÇ 12 passou a unidade de quadrícula, aquartelada no Xime, e por lá terá ficado até ao fim da guerra. Tal significou que os nossos soldados africanos, ou uma boa parte deles (exceptuando os mortos, os feridos graves, os inoperacionais...), fizeram três anos e nove meses como força de intervanção (andaram no mato com a canhota...) e mais um ano e tal, aquartelados no Xime (de Abril de 1973 até provavelmente a Setembro de 1974). No mínimo, cinco anos de tropa, ao serviço dos tugas. A esse tempo deveria acrescentar-se os meses e os anos em que foram milícias nas suas pobres tabancas do Cossé e de outros regulados, organizadas em autodefesa...

Em Julho de 1969 (e até Junho de 1970), o dispositivo das NT no Sector L1 era o seguinte:

(i) Comando e Companhia de Comando e Serviços do BCAÇ 2852 (Bamdabinca, 1968/70);
(ii) Forças de intervenção (Bambadinca): CCAÇ 12 (1969/71); Pelotão de Caçadores Nativos 53;
(iii) Subunidades em quadrícula do BCAÇ 2852: CCAÇ 2520 (Xime), 2339 (Mansambo) e 2413 (Xitole)

Havia ainda a considerar o Pelotão de Cavalaria Daimler (Bambadinca), o PEL CAÇ NAT 52 (Missirá) e 53 (Fá Mandinga), além das forças militarizadas (pelotões de milícias aquarteladas em Taibatá, Dembataco e Finete). Se excluirmos a população fula armada (nas tabancas em autodefesa), no Sector L1 (mais ou menos equivalente à Região do Xitole, para o PAIGC), as NT poderiam ser estimadas em cerca de 1250 homens, o que nos dava uma vantagem , em relação ao IN, de talvez cinco ou seis para um. De resto, estimava-se que, no final da guerra, o PAIGG em todas as frentes não tivesse mais do que 10 mil homens em armas, quatro vezes menos do que as NT.

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(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili

Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).

Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.

Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.


Sori Jau, a primeira vítima em combate

Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].

0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].

A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.

A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o PEL CAÇ NAT 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.

Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca.


Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono de) Madina Xaquili

Por outro lado, o 1º e o 2a Gr Comb seguiam para o sub-sector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

A 28, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos, tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (hoje inoperacional) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP/Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

Na reacção ao ataque, o apontador de mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7 [Bafatá] e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população.

A 23, pelas 10h, em Dulombi, um grupo IN reagiu com armas automáticas a uma patrulha do 1º Gr Comb que havia saído em virtude do accionamento duma mina antipessoal por parte dum elemento pop [abreviatura de população], a escassa distância do arame farpado, tendo simultaneamente flagelado o destacamento durante 10 minutos.

Ataque de duas horas a Candamã

E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [Mansambo](Op Guita).

Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer.

Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [1 bigrupo reforçado], armado de canhão s/r, mort 82, LGFog, metralhadora pesada 12.7, armas ligeiras automáticas.

Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN sofrera várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de canhão s/r e RPG-2.

Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de danos materiais (moranças destruídas, etc.].

O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará.

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